A conta bancária foi completamente limpa.
A razão não poderia ser mais simples: ele usou todo o dinheiro.
No quê? Bem, primeiro foi na tão sonhada geladeira. Ele sentia que era uma compra obrigatória, considerando seu problema com a situação da preservação de alimentos, algo que era ainda maior no verão.
Depois foi a bicicleta. Era uma campeã na arte de quebrar e de conserto barato, mas, para suas viajadas e trabalho de meio período, já era o suficiente.
Outro eletrodoméstico, que também muito ansiava antes do verão, chegara: a máquina de lavar. Ele pensou que, a princípio, a lavanderia já resolvesse, mas o tempo e incômodo envolvidos eram muito altos.
Todas as compras que fez foram em dinheiro. E agora o que sobrou mal dava para pagar um chiclete.
— Você devia ter mais cuidado sobre como usa seu dinheiro, entendeu?
A voz condenatória bateu em seus tímpanos.
— Como assim, você queria que eu ficasse doente por causa da comida podre o verão inteiro? É isso? Quer que eu use a mesma roupa todos os dias também!?
— Eu não disse isso. — A voz calma e serena ainda tinha um tom repreensivo. — Mas pense comigo: sua conta pode estar zerada, mas você trabalha, não é? E é um emprego fixo ainda. Seria simples saber quanto ganharia nos próximos meses. Você poderia ter facilmente pago tudo isso no crédito.
— Não gosto de pagar juros.
— Para ser sincero, não acho que você está no—
— Além disso, há vários tipos de taxas e coisas para isso! Não gosto de pagar por coisas que não consigo ver e sentir com minhas próprias mãos.
— Mas—
— Nunca gaste o dinheiro que não tem. Odeio dívidas. Se não tem dinheiro, não gaste. Compre tudo de uma vez com o que tem em mãos ou não compre nada.
Era um típico quarto de cem pés quadrados, do tipo mais comum no Japão. No meio, dois homens se encaravam, sentados em lados opostos de uma velha e decrépita mesa kotatsu, a única fonte de calor do quarto.
De um lado, o repreensor. Do outro, o repreendido.
O repreensor, mais alto e magro que seu parceiro de conversa, lentamente pôs-se de pé e colocou uma mão na porta da geladeira nova em folha.
— Vossa Majestade Demoníaca, deixe-me te perguntar uma coisa — A ‘Majestade Demoníaca’, sendo repreendida, era um homem de físico e altura medianos e cabelo preto. O repreensor abriu a porta da geladeira, um traço de resignação dentro de seus olhos, aguçados como ele, fez-se presente quando encarou seu alvo. —, como você planeja viver até o próximo pagamento com um bloco de gel konnyaku, um pepino e uma caixa de leite?
— Eu… então…
A ‘Majestade Demoníaca’, sendo repreendida, permaneceu sentada, sem conseguir pensar em uma resposta.
— Ainda não estou completamente falido. Ainda há um pouco de dinheiro em minha carteira.
Os olhos do homem mais alto pareciam dizer que esta não foi uma resposta adequada.
— Eu, é… posso pegar um pouco mais de comida do meu trabalho…
— Ah, então planeja ir com tudo em um Super Size Me em todas as refeições até seu próximo pagamento? Acha que isso seria a melhor coisa para sua saúde?
Ao lado da geladeira havia um saco de lixo fornecido pela cidade, jogado sobre o chão. Ele estava cheio de caixas e embalagens de uma certa marca famosa de fast food.
— A… ainda é jovem, quero dizer, este corpo.
— E eu fico imaginado o quão jovem pareceria depois de uma década consumindo refeições de alta caloria e colesterol! Quando fizermos nosso retorno triunfante, espero que você não precise de uma scooter de mobilidade!
O tom sarcástico continuou no mesmo ritmo.
— Além disso, você devia saber que o tempo tem efeitos diferentes no corpo de agora em comparação ao antigo. Dez anos como humano podem não parecer tanto, mas é. Sua saúde é algo extremamente frágil, Vossa Majestade Demoníaca. Você planeja continuar com isso?
— Tudo bem, tudo bem! Não enche o saco! Não vou, tá bom!? Está feliz agora!? E, de qualquer forma, a situação em que estamos agora não é apenas culpa minha!
— Sim. É claro, meu soberano. Não há desculpas para a vergonha que caiu sobre nós. Mas foi você, como nosso maior Rei Demônio, que decidiu que deveríamos aguardar por um tempo e esperar pelo momento para nos levantarmos uma vez mais. E, no decorrer do tempo, devemos ser diligentes em nosso trabalho e mantermos nossa saúde. Mas temo que você está falhando nos dois.
O Rei Demônio ficou em silêncio. Ele virou sua cabeça para o lado, parecendo estar arrependido de seu comportamento. Então…
— Ah! É hora de trabalhar!
Ficando de pé, saiu do quarto, como se tivesse se lembrado repentinamente que estava dentro da jaula de um leão em um zoológico. Seu repreensor, pego de surpresa com esta súbita agitação, foi deixado ao lado do balcão da cozinha.
— M-meu soberano! Espere! Ainda precisamos conversar…
— Deixe para depois, Alciel! Se for mais reclamações, as ouvirei quando voltar!
Justo quando o homem chamado Alciel o alcançou, o Rei Demônio bateu a porta com pressa. Poucos milímetros evitaram que seu nariz fosse esmagado por ela.
— Vossa Majestade Demoníaca!
Quando Alciel chamou seu companheiro, a porta se abriu. O Rei Demônio estava lá, um olhar terrível estava em seu rosto conforme estendia a mão para Alciel.
— Chuva! Me dê o guarda-chuva!
O céu estava claro pela manhã, mas nuvens cinzas pendiam no alto. Gotas começavam a cair. Antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa, Alciel entregou sem dizer nada o velho e gasto guarda-chuva de plástico pendurado ao lado da porta da frente.
— Obrigado! Até mais!
A porta fechou em sua cara mais uma vez ao som dos pés do Rei Demônio ressoando enquanto ele descia com pressa as escadas.
— Dullahan! Minha amada montaria! Hora de partir!
O suposto Rei Demônio, com seu guarda-roupa mostrando uma dedicação óbvia aos cabides na UniClo — a marca de roupas monolíticas com desconto —, heroicamente tocou o sino da buzina em sua bicicleta quando montou nela. Balançando seu guarda-chuva como um cavaleiro preparando uma lança de justa, ele correu pelo beco em frente ao prédio de seu apartamento.
Alciel, o repreensor, que também estava vestido por completo em roupas da UniClo, esticou o corpo sobre o corrimão para ver seu companheiro andando sob a chuva. Um longo e profundo suspiro veio de seus lábios.
Depois de um momento, virou-se e voltou para dentro do apartamento, uma placa simples de madeira com o nome do chefe da família logo acima de um olho mágico era a única coisa que decorava a porta. Apresentava o kanji para a esquerda, e a leitura em inglês — Maou — para a direita, com um hífen bem no meio. Como resultado, em japonês lia-se como “A VERDADE INTERNA” para a esquerda e “REI DEMÔNIO” para a direita.
Ao fechar a porta, Alciel balançou a cabeça e suspirou mais uma vez. Por que tudo isso precisou acontecer? As nuvens negras e a garoa escureceram o quarto, tornando-o tão escuro quanto a sombra em seu coração.
A cena sombria foi interrompida apenas pelo som obscuro da campainha. A campainha? Ah, é mesmo. Este prédio era muito longe da área comercial para oferecer algo como um interfone aos seus residentes.
Alciel abriu a porta logo em seguida.
— Sinto muito…, não temos uma televisão aqui.
O agente de cobrança da conta da TV MHK era uma presença familiar em sua vida agora. Não era mentira. Não havia TV ali. O Rei Demônio, e suposto chefe da casa, disse que poderiam usar um celular para suas necessidades de vídeo-entretenimento, mas um aparelho de última geração estava muito longe do alcance do orçamento apertado deles.
— Certo. Só pensei em dar uma passada para conferir. Se comprar uma, por favor, traga este comprovante de pagamento para o banco, se puder.
O agente de cobrança entregou um envelope tão simples e sem graça quanto seu tom de voz profissional. Então partiu, sem ao menos se incomodar com um sorriso superficial.
Nos vastos e espalhados continentes gigantescos de Ente Isla, não havia uma alma sequer no mundo que não conhecesse Satan, o Rei Demônio. Ele era o soberano do mundo demônio e de todas as criaturas que residiam e eram escravas lá, seu nome era sinônimo de terror e crueldade.
Sua única motivação de vida era conquistar Ente Isla, a divinamente protegida Terra da Cruz Sagrada, e subjugar os humanos tolos à medida que transformava o continente em um paraíso para suas legiões obscuras.
O que tornava a situação ainda mais desesperadora para a raça humana eram os fiéis generais de guerra ao lado do Rei Demônio, cada um era tão assustadoramente poderoso quanto o mestre que serviam.
Eram eles: Alciel, Lúcifer, Adramelech e Malacoda, juntos eram chamados de Quatro Grandes Demônios Generais.
Ente Isla, a terra protegida pelos deuses, era composta de uma grande massa de terra localizada no Oceano de Ignora, cercada por quatro ilhas. Estas ilhas estavam posicionadas nas quatro direções cardinais, formando assim uma cruz. O Rei Demônio havia implantado as forças de Alciel na ilha do leste, as de Lúcifer no oeste, as de Adramelech no norte e as de Malacoda no sul. Eles haviam se espalhado por completo, levando tanto os humanos quanto as forças divinas que os auxiliavam à beira da destruição.
Então, algo aconteceu às forças de Lúcifer no oeste.
Informações vindas do oeste diziam que o exército do general amante de guerras foi derrotado por um único ser humano.
Esta mulher, que se referia a si mesma como uma “Heroína”, reagrupou os poucos soldados humanos sobreviventes para organizar uma força de resistência.
Lúcifer era um anjo que foi banido do Paraíso, e o Continente do Oeste estava ocupado com as forças resistentes da Igreja de Ente Isla, a poderosa instituição eclesiástica que era considerada a “mais próxima do Paraíso” na terra. O Rei Demônio pensou que Lúcifer, por conhecer bem as maneiras do Paraíso, seria perfeito para despachar a Igreja e a assistência divina que ela recebia. Esta suposição foi frustrada por uma única humana. Uma suposta Heroína.
Claro, todas as lutas longas e prolongadas tinham seus contratempos. Talvez Lúcifer tenha tido pouca sorte. Porém, como Satan concluiu confiantemente, as forças combinadas de seus generais restantes dariam conta com facilidade da Heroína.
Este foi o seu primeiro erro.
Satan pensava que humanos não passavam de pequenos vermes, contorcendo-se no chão em que ele pisava.
Mas pense assim: alguém poderia mesmo erradicar todos os vermes da terra? Até mesmo o mais poderoso e feroz dos leões poderia ser abatido por uma única picada de inseto, se este se provasse venenoso o bastante.
Dentro do período de um ano — primeiro Adramelech, e então Malacoda, seguiram Lúcifer no caminho da derrota. Alciel, considerado o estrategista mais sábio dos Generais, sugeriu abandonar o Continente do Leste e travar uma batalha defensiva no Continente Central a fim de proteger a base principal do Rei Demônio. Depois de anos guerreando sobre o destino de Ente Isla, a batalha teve uma virada em menos de doze meses. Nem mesmo Satan conseguia mais encarar a situação com otimismo.
Logo os humanos, revidando e na campanha em nome da Igreja e do Herói deles, avançaram com suas forças para dentro do Continente Central, a vasta força deles desceu sobre as terras do Rei Demônio. Ficava apenas uma dúvida, onde todos esses vermes estavam escondidos até agora?
Em um piscar de olhos, a ilha central foi invadida. As forças demoníacas foram brutalmente esmagadas, tudo porque subestimaram a coragem daquela única Heroína, uma mera criatura.
Satan e Alciel revidaram, enfrentando as forças da Heroína e seus três leais companheiros no terreno do Castelo Demoníaco no Continente Central.
A guerra continuou. Até mesmo a Heroína tinha dificuldade contra o Rei Demônio e seu único general restante. Mas, em termos de poder e vontade, suas forças eram muito maiores do que as de Satan e Alciel.
No fim, quando a sua espada sagrada cortou um dos chifres de Satan, Alciel avisou a seu governante que uma fuga estava preparada. Continuar nesta guerra não levaria apenas à derrota, mas também ameaçaria a existência deles.
Satan precisava tomar uma decisão difícil, mas uma que até ele mesmo considerava necessária. Da forma mais simples, os exércitos demoníacos fugiriam de Ente Isla. Eles iriam para outro mundo e esperariam, recuperando a força perdida até que estivessem prontos para voltar.
O olhar de profunda frustração no rosto da Heroína quando Satan passou pelo Portal para o outro mundo, justo quando ela estava prestes a perfurar o coração dele com sua lâmina sagrada, deu um pouco de alívio ao soberano demoníaco.
O grito final de Satan ecoou por toda Ente Isla, como se tentasse se dirigir ao próprio Paraíso.
— Ouçam-me, humanos! Ente Isla é de vocês… por enquanto! Porém, hei de retornar…, e quando o fizer, tanto vocês quanto esta terra serão meus!
Controlar um Portal para outro mundo necessitava de uma tremenda quantidade de força mágica. Enfraquecidos e feridos pela vitória decisiva da Heroína, Satan e Alciel não possuíam mais a força necessária para navegar totalmente pelo Portal.
Sugados pelo fluxo torrencial, os dois poderosos demônios logo ficaram chocados ao se verem vagando em um mundo com uma civilização avançada já estabelecida.
Estava repleto de uma energia intensa e pulsante, do tipo que Satan e Alciel nunca viram antes. Suas conquistas infernais nunca lhes prepararam para estruturas enormes e luzes que pareciam um fluxo de brilho sem fim e cintilantes os cercando.
Pelo que parecia, ambos estavam em uma grande cidade, repleta de muitos becos escuros e sujos e enormes edifícios. Eles observavam pelas fendas escuras entre as construções, ouvindo, maravilhados, aqueles barulhos estranhos e roucos que saiam daquilo. Que tipo de forma de vida inteligente governava esta terra, ou que tipo de monstro feroz e terrível existiam?
Ainda em choque, os dois demônios decidiram encontrar um lugar para descansarem e se curarem da batalha.
Mas uma luz forte e intensa brilhou sobre eles.
— Ei! O que estão fazendo aí!?
Era a voz de um homem, falando o que Satan imaginava ser uma língua definida e inteligente. Virando-se em direção à luz, viu alguém lá — um humano, idêntico aos que infestavam Ente Isla. O objeto em forma de tubo em sua mão emitia uma forte luz branca.
— Vocês estão bem? Se meteram em alguma briga?
Pelo que parecia, a raça humana governava este mundo. Outro humano estava atrás dele, vestido da mesma forma.
Olhos os observavam.
Alciel não queria mais problemas.
— Afastem-se, bestas hediondas! Não têm ideia de com quem estão falando!?
A intenção por trás da declaração corajosa falhou no homem com a luz. Ele franziu a testa com aparente irritação.
Até mesmo Satan não conseguiu esconder sua surpresa ao ver esta reação. Havia uma força mágica pura e autêntica por trás das nobres cadências do discurso demoníaco. Era simplesmente impossível um humano ignorar aquela essência dominadora como se fosse o balido de algum animal.
— A tá, ótimo. Estrangeiros, hein? Cara…
O primeiro homem inclinou a cabeça e pegou um pequeno objeto quadrado, parecido com uma caixa, e murmurou algo:
— Hãã, aqui é o Policial Sasaki. Encontrei um possível caso de assalto aqui. As vítimas são dois asiáticos estrangeiros. A localização é—
Os dois humanos usavam roupas de aparência forte e boa, o tecido era algum tipo de couro ou pano. Armas pendiam em suas cinturas, o cabo, que parecia o de uma adaga, era visível. A frente do traje deles possuía um emblema dourado, no formato de algum tipo de folha de planta. Eram cavaleiros de uma nação deste mundo?
Aquela caixa devia fornecer algum tipo de comunicação de longa distância. Se eles eram cavaleiros mesmo, talvez tivessem acabado de chamar reforços. Um batalhão deles poderia acabar sendo perigoso, especialmente no estado atual dos demônios feridos.
Por enquanto, eram dois contra dois. Eles estavam de guarda baixa. Na esperança de eliminar essas possíveis testemunhas, Alciel transformou sua magia restante em uma bola de energia crepitante, fazendo-a voar na direção dos humanos. Pelo menos era o que queria.
— O quê…!?
De alguma forma, a magia não estava se concentrando da forma que deveria. Na verdade, parecia que quanto mais tentasse usar suas habilidades mágicas, mais seu corpo ficava esgotado, algo que ele não conseguia parar. Virou-se para Satan para explicar essa irregularidade.
— Meu, meu soberano… Essa… essa forma…!
A voz de Alciel tremia à medida que encarava o governante do mundo dos demônios, banhado em uma intensa luz branca.
— Poupe sua magia, Alciel. Primeiro precisamos saber mais sobre este mundo. — Satan parecia estar tranquilo, mas seus dentes estavam cerrados, como se um peso estivesse em suas costas.
Isso não era estranho. O Rei Demônio estava na forma humana — a forma de uma criatura fraca e insignificante que enfrentou; suas cicatrizes de batalha ainda estavam evidentes.
— Tudo bem, ouçam, pessoal…. O carro logo estará aqui, então…, se estiver tudo certo, podem ir para casa assim que acabar. Tudo bem?
Os homens pareciam não estar incomodados com a presença de Satan. Ainda se recuperando do choque, Alciel olhou para suas próprias mãos. Eram humanas, mãos completamente estranhas para ele.
Não demorou muito para uma carruagem sem cavalos chegar, pintada de preta e branco, ornamentada com um misterioso objeto que piscava uma luz vermelha na área com padrões cintilantes. Mais homens apareceram, cada um deles usava o mesmo traje que o primeiro, e Satan e Alciel foram jogados na carruagem.
— Vocês falam japonês? Não estão com calor, têm coragem para usar isso no verão?
O primeiro homem falou com calma para o par de antigos demônios, que uma vez eram nobres, orgulhosos e possuíam corpos bem definidos, o qual superava de longe o de qualquer humano comum.
Agora eles também eram humanos, suas roupas, tão estranhas quanto as de uma criança usando um lençol como capa, com o dourado de aparência sinistra que representava sua força soberana, agora ficavam grande em seus corpos magros.
Satan e Alciel trocaram olhares, mas nenhum deles tinha algo a dizer sobre isso. Mesmo se tivessem, não parecia que os homens conseguiriam entender.
— Ah… bem. Não é como se fossem as únicas crianças vestidas como patetas por aí.
O homem não falou mais, aparentemente satisfeito com o que lhes dissera. Logo depois, Satan e Alciel foram levados para um local chamado apenas de “a estação”, um prédio que parecia ser usado para a aplicação das leis neste reino.
Foram levados para uma sala dentro do prédio por propósitos investigativos, e lá, o Rei Demônio e seu general foram capazes de recuperar um pouco de seu esplendor. Satan usou um ataque de magia hipnótica no oficial investigativo, a fim de extrair o máximo possível de informações sobre aquele mundo. Parecia que, não importava para que mundo fosse, os homens militares e nobres no poder sempre tinham vontades muito mais fracas do que qualquer guerreiro de batalha.
O oficial hipnotizado revelou que os dois estavam em um mundo chamado “Terra”, dentro de um país ilha, “Japão”. Eles foram parar próximo à Harajuku, um posto avançado em uma linha de transporte conhecida como “trilhos” que foi instalada ao redor de “Tóquio”, a região capital do país.
Coisas como magia, força mágica, Reis Demônio ou demônios eram tratados como coisas imaginárias neste mundo, meros contos de fadas que não poderiam existir de verdade. Magia era algo que os habitantes do mundo dos demônios usavam para exercer suas vontades sobre o mundo, semelhante às forças de gravidade ou magnetismo, mas não havia como acessar essa magia se ela não existisse.
— Então está me dizendo que… perdemos nossos poderes mágicos?
Alciel saltou da cadeira, sem conseguir entender.
— Ah, mas, Vossa Majestade Demoníaca, você acabou…
— Tenho uma pequena porção de força residual sobrando. Mas está se provando difícil mantê-la em meu corpo…
O Rei Demônio e seus subordinados eram capazes de acumular uma vasta quantidade de poder mágico dentro do corpo. Mesmo que seu estoque tenha sido esgotado no combate com a Heroína, Satan ainda tinha muito mais magia do que Alciel poderia imaginar. Foi esta força residual que permitiu a Satan controlar a mente do oficial.
— Não acho que ficarei esgotado por agora, basta eu controlar a quantidade liberada. Porém…
Mas o problema era: não havia uma forma para recarregar a força que ele usasse.
Seus ferimentos se curariam com o tempo, mas, a este ritmo, ele jamais recuperaria suas habilidades mágicas. Qualquer Portal que abrisse não poderia ser mantido uniforme. Não só poderia não chegar a Ente Isla, como também poderia acabar em um mundo ainda mais perigoso.
Ao invés de apostar em tais riscos, pensou melhor. Seria mais sábio encontrar outro método de sobrevivência onde já estava.
Podia até não existir demônios ou magia neste reino, mas os conceitos de deus e piedade eram muito conhecidos, o que o tranquilizava. Este país, Japão, parecia ter uma vasta quantidade de cerimônias oficiais para afastar espíritos malignos, mas tudo isso era uma formalidade, uma fachada. Parecia seguro concluir que nenhum dos praticantes possuía verdadeiros poderes sagrados.
Contanto que permanecessem no Japão, era improvável que alguém tentaria matar estes dois demônios.
Controlando a mente do oficial, Satan ordenou que ele completasse sua investigação e os liberassem da estação sem mais interferência.
Em um beco estreito onde as luzes da cidade não chegavam, Satan e Alciel discutiam os planos futuros.
Primeiro, precisavam de um método para recuperar sua magia neste mundo. Conseguir isso provavelmente demoraria, algo que os incomodava.
Falhar em encontrar um método era, para um demônio, uma ameaça maior às suas vidas do que simplesmente ficarem sem magia.
Os demônios de alto nível conseguiam viver sem consumir comida, pois eram capazes de converter magia em energia. Um mundo onde ela não existia era o mesmo que um mundo estéril, sem nada para comer.
Mas alguns demônios comiam comida. Por quê? Porque isso permitia que absorvessem energia da mesma forma que as criaturas inferiores.
Para viver neste mundo sem uma fonte de magia, precisariam buscar um sustento. Parecia que o Japão usava uma economia baseada em moeda de troca.
Eles precisavam de dinheiro para comprarem comida.
Mas, é claro, não possuíam isso.
— Alciel, deixe-me fazer uma pergunta. Se você quisesse, conseguiria fugir desses oficiais?
Alciel balançou a cabeça estoicamente. Satan assentiu para sua confirmação.
Os dois grandes demônios, aqueles que coloram a raça humana de joelhos, não eram mais capazes de defender-se contra uma pequena multidão deles.
E não era porque os humanos deste mundo eram mais fortes. A única conclusão a ser feita era que eles tinham ficado muito mais fracos. Isso mostrava o quão difícil e doloroso foi a batalha contra a Heroína.
— Então… então permaneceremos assim…?
Alciel estremecia conforme via sua mão, como se observasse algum tipo de ser estranho e horrendo. A pele macia e finamente esticada. O rosto magro e cabelo desgrenhado. As unhas arredondadas e não afiadas. Os músculos que formavam seus corpos, tão flácidos e patéticos.
— Dói-me dizer isso, mas nossa falta de força mágica torna impossível conseguirmos manter nossas grandiosas formas de demônio.
A forma que um demônio tinha dependia do nível de poder. Garras afiadas, pernas poderosas que poderiam fazer saltar sobre parapeitos de castelos, asas, cabelo formado por serpentes…. Cada aspecto de sua forma etérea dependia da força mágica.
— É incrível pensar em como você se parece quando perde todo aquele poder. Talvez a forma humana seja o que compõe a fundação de toda a vida.
— Você só pode estar brincando, Vossa Majestade Demoníaca! Eu mal consigo aguentar a ideia de que possuímos… humanos dentro de nós. Não tenho dúvidas de que isso é algum tipo de maquinação colocada sobre nós por este mundo, ou pelo Portal
— Tanto faz. Temos outros problemas para nos preocuparmos agora.
Eles não tinham magia para criar outro Portal. Lhes faltava poder para oprimir os humanos deste mundo à força. Em outras palavras, se quisessem sobreviver, a única escolha era cumprir as leis da raça humana neste… Japão.
Seguir as regras humanas. Para um Rei Demônio e um Grande General Demônio, a ideia era o suficiente para acabar com o orgulho deles.
Mas esta nova realidade foi jogada sobre eles: eles precisavam comer para viver e trabalhar para viver.
Tirando os mantos demoníacos profanos, o Rei Demônio e o Grande General Demônio deram os primeiros passos hesitantes em direção a um mundo desconhecido.
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