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O Tempo com Você – Cap. 08 – A Última Noite

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Quando desliguei o secador de cabelo, o som da chuva voltou à vida. Ele ecoava através das paredes finas e pelo teto, preenchendo o quarto, como se pequenas e violentas pessoas estivessem batendo ao mesmo tempo.

“Ano passado, um pouco antes da minha Mãe ter morrido…”

Já que tínhamos perdido os nossos guarda-chuvas, ficamos completamente encharcados quando chegamos ao apartamento. Hina tomou um banho primeiro, e então eu tomei o meu.

 “…Subi até o telhado daquele prédio sozinha.”

Em frente à pia, havia dois copos e duas escovas de dente. Limpador facial, creme para as mãos, desodorante aerossol e cera para cabelo. Quando levantei a cabeça, vi a minha própria expressão atordoada no espelho.

“Lá em cima, era como uma poça de luz. Um raio de sol brilhava pelas nuvens e iluminava aquele terraço. Grama e pequenas flores cresciam por todo o lado, as canoras chilreavam e o portão torii vermelho-brilhante cintilava sob o sol.”

Naquele dia, a Hina disse que juntou as mãos e passou pelo portão.

Deuses, por favor, façam a chuva parar. Deixem a minha mãe acordar e que nós possamos caminhar sob o céu limpo mais uma vez.

De repente, o som da chuva parou, e, quando ela abriu os olhos, havia um céu azul ao seu redor.

Foi lá que ela viu a planície com gramado no topo de uma nuvem e os peixes do céu brilhando e cintilando enquanto nadavam.

“Quando me dei por conta, eu estava deitada debaixo do torii, e o céu tinha ficado limpo. Foi o primeiro dia de tempo bom em muito tempo. Naquela vez, eu—”

No caminho de volta, molhada por causa da chuva, Hina me contou…

“— acho que me conectei com o céu.”

Ding-dong!

O som súbito me surpreendeu tanto que eu quase pulei. Era a campainha. Até onde eu sabia, foi a primeira vez que alguém havia visitado o apartamento da Hina, e eu abri a porta do banheiro, hesitante, me perguntando quem poderia ser a esta hora.

Hina estava espiando pelo olho mágico da porta da frente.

— Hodaka, se esconda! — sibilou ela, e eu rapidamente fechei a porta de novo. A campainha tocou pela segunda vez, e ouvi a voz de uma mulher na entrada.

— Sinto muito por lhe incomodar tão tarde. Sou da polícia—

Uma onda de ansiedade se espalhou por mim. Ouvi Hina abrir a porta da frente para quem eu assumi ser uma mulher policial. Ao que tudo indicava, ela não estava sozinha; desta vez, a voz profunda de um homem dizia:

— Você reconhece este garoto?

O meu coração sofreu um baque. Um calafrio me percorreu da cabeça aos pés, e a minha força se esvaiu.

É sobre mim. Pensei que talvez não pudesse ser, e, ao mesmo tempo, parte do meu cérebro, que ainda estava calma e em alerta, me dizia: Bem, é claro que é. Era certo que essa vida não iria durar para sempre. Eu sempre soube, lá no fundo, que isso aconteceria algum dia, mas agora enfim tinha chegado.

— Você pode dar uma olhada melhor para a foto? O garoto foi visto por essas bandas diversas vezes.

— Não, eu nunca o vi… Alguma coisa aconteceu com ele?

— Temos algumas coisas que gostaríamos de perguntar — O homem soava mal-humorado — Ele fugiu de casa, e os seus pais o reportaram como desaparecido.

Os meus joelhos estavam tremendo como se tivessem vida própria.

— Além disso, Senhorita Amano — disse a moça policial. — Você vive aqui com o seu irmão mais novo, que está no fundamental, correto?

— Sim.

— Também há um pequeno problema nisso, na realidade. Crianças vivendo sozinhas, sem um responsável—

— Mas…! — Hina gritou para eles — Nós não estamos causando problemas para ninguém!

Eu ouvi a porta da frente bater. Aparentemente, a polícia tinha ido embora por enquanto. Devagar, controlei a minha respiração, então saí do banheiro. Hina ainda estava diante da entrada, de costas viradas para mim.

— Eles disseram que vão passar aqui amanhã de novo, com pessoas do centro assistência social infantil. — disse ela, baixinho.

Eu não era o único com problemas, Hina e o seu irmão também estavam. Eu estava ficando cada vez mais confuso. O que devo fazer primeiro?

Hina se virou, e eu pude ver que ela estava completamente esgotada.

— O que eu faço…? Eles vão nos separar!

— …!

De repente, o meu celular vibrou no bolso. Quando o peguei para conferir, vi que a ligação era do Senhor Suga.

Com cuidado, abri a porta da frente, coloquei a cabeça para fora e olhei ao redor. O corredor compartilhado escuro estava deserto. A chuva estava caindo com mais força agora.

Do outro lado da rua, para lá da chuva, consegui enxergar o carro do Senhor Suga debaixo de um poste de luz.

Quando corri até o carro, o Mestre Nagi abriu a porta do lado do passageiro.

— Hodaka, estamos encrencados! A polícia—

— Sim, eu sei. Vá para dentro; não espere por mim.

Eu entrei no carro e fechei a porta. O Senhor Suga estava sentado no assento do motorista, usando óculos de aro preto e um boné com a aba abaixada. Ele se recostou no banco, sem dizer nada.

— Senhor… Suga?

— Oh, a roupa? — Ainda olhando para frente, ele mostrou o seu meio-sorriso de sempre. — Estou disfarçado.

— …

Pelo rádio, uma voz impassível anunciava a previsão do tempo:

“As temperaturas caíram drasticamente desde o pôr do sol. No centro da cidade, está marcando doze graus celsius no momento, um recorde de mínima para agosto—”

Click. O Senhor Suga desligou o rádio.

— Os policiais passaram no meu escritório a um momento atrás. Eles estão tratando o caso como um tipo de sequestro de menor, pelo que entendi. Eu lhes disse que não sabia de nada e lhes mostrei a saída, mas ainda sou um suspeito.

— Um sequestro?!

— Eu ouvi dizer que os seus velhos preencheram um relatório de pessoa desaparecida. Eles se importam com você, garoto. — O Senhor Suga sorriu fracamente, baixou a voz e continuou: — Além disso, a parte sobre você ter uma arma é mentira, né?

— Huh?

— Os policiais me mostraram uma foto de uma câmera de segurança. Foi algo pego no canto de um estacionamento, borrado para caramba, mas mostrava um garoto apontando uma arma para um adulto. Quando eles me mostraram, percebi que se parecia um pouco com você.

Eu não conseguia respirar fundo. O meu peito doía.

Com desespero, tentei explicar:

— Aquilo foi… Eu a encontrei! Pensei que fosse um brinquedo, e alguns delinquentes começaram uma briga comigo, então só quis assustá-los… Eu já a joguei fora!

— O quê, é sério isso? — O Senhor Suga riu, mas não havia humor em sua voz. — Pelo que ouvi, eles suspeitam de você por posse ilegal de arma de fogo.

Senti o sangue sendo drenado do meu rosto.

O Senhor Suga tirou o boné e colocou na minha cabeça.

— Pode ficar com ele. Pagamento de rescisão.

Pagamento de rescisão? Eu ouvi as palavras, mas o significado não chegou ao meu cérebro.

O Senhor Suga ainda não estava olhando para mim.

— Ouça, não venha mais para a minha casa, entendeu? Não quero ser considerado um sequestrador. — A chuva caía sobre o capô, feroz como o rufar de tambores — Estou entrando com uma petição pela guarda da minha filha, sabe? Depois que a minha esposa morreu, eu dei no pé por um tempo, e os pais dela ficaram com a nossa filha. Patético, eu sei, mas agora estou renegociando. O meu salário e reputação social são bem importantes agora. Sinto muito, mas não é uma hora boa para mim.

Ele estava esperando pela minha resposta. Eu sabia disso. Sabia, mas as palavras não saíam.

O Senhor Suga deu um leve suspiro, o qual saiu falhado por ter sido tão pequeno.

— Entenda…, garoto, vá para casa amanhã. Isso vai fazer com que tudo volte ao normal, sabe? É fácil. Apenas suba na balsa. — Ele pegou a carteira e começou a contar as notas com as pontas dos dedos. — Vai ser melhor para todo mundo desta forma.

Ele pressionou várias notas de dez mil ienes na minha mão, então, enfim, olhou para o meu rosto. Eu parecia um coitado, tenho certeza, com lágrimas se formando nos meus olhos. O Senhor Suga não disse o meu nome uma vez sequer durante toda a conversa.

— Hora de crescer, garoto.

Quando abri a porta do apartamento, as coisas estavam espalhadas por todo o quarto. Os irmãos estavam enfiando os seus pertences em mochilas.

Hina ainda estava focada em suas mãos enquanto explicava:

— Não podemos mais ficar aqui, então…

— Huh? Mas para onde você vai?

— Não sei, mas…

— Não importa para onde seja! — disse o Mestre Nagi — Contanto que eu esteja com você, Mana!

Hina lhe mostrou um olhar afetuoso, então deixou os seus olhos se voltarem para as mãos novamente.

— Hodaka, você devia voltar para os seus pais antes que a polícia te pegue. Você tem uma casa para voltar.

Ela estava dizendo a mesma coisa que o Senhor Suga. A chuva estava ficando mais barulhenta.

Hina olhou para mim e sorriu, como se tentasse tranquilizar um garotinho.

— Não se preocupe, nós ficaremos bem.

— …!

O meu peito ficou apertado. Diante do seu sorriso e das suas palavras, a minha mente finalmente ficou clara.

— Não vou para casa…

Os irmãos pararam de se mexer e olharam para mim.

Eu me lembrei do que precisava fazer. Desta vez, protegeria os dois.

E as minhas pernas pararam de tremer naquela hora. Eu respirei fundo, então, com firmeza, disse o que queria fazer:

— Vamos fugir juntos!

 

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A chuva naquele dia estava ficando pior desde o final da tarde, e, quando anoiteceu, era provável que estava mais forte do que tudo o que eu já tinha visto.

Chuva caía nas ruas como uma torrente de lama, como se uma torneira no céu tivesse quebrado. Nas imagens distantes de Tóquio na TV, a cortina de chuva escondia as fundações e prédios, e os topos estavam cercados por uma névoa espessa. Pareciam ruínas flutuantes.

“Agora há pouco foi dado um alerta de emergência de chuvas fortes em Tóquio” dizia a TV. “Podemos ter o tipo de chuva que só vem uma vez em décadas. Tome todas as precauções possíveis para evitar rios que estejam transbordando e inundação em áreas baixas. Confira TVs, rádios e internet para qualquer informação de desastre do governo local e obedeça a qualquer ordem de evacuação.”

Eu troquei de canal. No portão sul da Estação de Shinjuku, um apresentador estava gritando para a multidão açoitada pela chuva:

“Chuvas de nível tufão caem bem em meio ao agito da noite! Temos múltiplos atrasos no momento dos trens metropolitanos—”

Eu troquei de canal de novo. Todos eles estavam reportando o tempo.

Várias estações de metrô tinham começado a alagar, e ordens de evacuação foram dadas para áreas ao longo dos Rios Arakawa e Sumida. Voos de saída e chegada do Aeroporto Haneda estavam sendo cancelados sem parar. A quantidade de chuva que caiu em uma hora passava de cento e cinquenta milímetros; tampas de bueiros estavam saltando por todo o lugar, e áreas atrás de diques estavam inundando. Havia filas esperando por táxis em muitas estações.

“Há a possibilidade de pedestres ficarem presos” dizia a TV “Por favor, tome medidas imediatas para ficar seguro.”

A respiração das pessoas na TV aparecia branca, e todo mundo esfregava os braços para se aquecer.

“Está anormalmente frio para agosto. No momento, a temperatura em Tóquio caiu para menos dos dez graus celsius—”

“Ar frio está entrando no centro da cidade a partir de uma região de baixa pressão atmosférica no norte. A temperatura caiu mais de quinze graus na última hora, e pode continuar a cair—”

As vozes dos apresentadores estavam ficando cada vez mais sérias.

“Repito:  foi dado um alerta de emergência de chuvas fortes em Tóquio. Este pode ser o tipo de chuva que só vem uma vez em décadas. Por favor, fique atento para atualizações e tome ação imediata para se manter seguro—!

“Centradas na região de Kanto-Koshin, mesmo depois do amanhecer, nuvens de chuva ativas permanecem—”

“A queda de temperaturas atípica para a estação é severa o suficiente para ser perigosa para populações vulneráveis. Por favor, peguem suas jaquetas de inverno do armário—”

“É seguro chamar isso de uma anomalia atmosférica sem precedentes e extremamente crítica—”

Sentindo-me deprimida de repente, desliguei a TV. Eu sabia que não fazia sentido algum, mas sentia como se todos estivessem me culpando. Por quê…? Caí de cara na cama e tentei pensar em um motivo.

Não podia ser. Não era possível, mas…

Me lembrei do que eu disse a Hina no parque naquela tarde.

“Sacerdotisas do tempo são sacrifícios humanos.” disse o sacerdote, e eu não conseguia tirar da cabeça a sensação de que ter dito isso a Hina foi o que causou essa chuva. Mesmo que não faça sentido algum. Mas—

— Ei, Natsumi, aonde é que você está indo numa noite dessas?! — O meu pai gritou atrás de mim quando peguei o capacete e abri a porta da frente.

 

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O trem da Linha Yamanote em que estávamos parou na Estação de Ikebukuro.

Enquanto o condutor fazia o anúncio de bordo, ele não tentou disfarçar o cansaço em sua voz.

“Hmm, devido a interrupções no transporte público causadas pela forte chuva, não sabemos quando as operações na Linha Yamanote vão voltar. Há atrasos por todo o lado e suspensões de serviço por todas as linhas JR. Pedimos desculpas pela inconveniência, mas solicitamos que todos os passageiros arrumem um transporte alternativo. Repito…”

— Oh, qual é, não vai se mover mesmo?

— Vamos descer.

— O que faremos agora?

— Vou pedir para os meus pais nos pegarem.

Todos estavam resmungando enquanto desciam do trem.

— O que vamos fazer…? — perguntou Hina, nervosa, e eu sorri.

— Por enquanto, vamos encontrar um lugar para passar a noite.

— Sinto muito mesmo, mas não temos vagas no momento—

— Você tem uma reserva?

— Já estamos cheios hoje.

— Só vocês três? Onde estão os seus pais?

— Precisamos que mostrem as suas identidades—

No entanto, não havia quartos em nenhum dos hotéis que fomos. Eu não sabia dizer se estavam realmente cheios ou se era porque estavam suspeitando de dois adolescentes e uma criança, mas continuamos sendo dispensados. No fim, até mesmo tentamos ir para um quarto de aluguel acabado em um porão de um prédio de uso misto, mas eles também suspeitaram de nós.

“Vocês não fugiram de casa, não é?” E nos mandaram embora “Reportá-los seria um incômodo, então deem o fora, pode ser?”

Conforme procurávamos por um lugar para dormir, fizemos várias viagens por corredores subterrâneos que ligavam os lados oeste e leste da estação. Nós três estávamos carregando mochilas grandes e usando capas de chuva sobre elas. A temperatura estava fria o bastante para fazer com que tremêssemos; a chuva era tão fria e afiada quanto no inverno, e, além disso tudo, as poças formadas em todos os lugares da rua encharcavam nossos tênis completamente. Estávamos congelando, nossos dedos estavam especialmente frios, e nossas mochilas, pesadas. A exaustão tomava conta. Fugir juntos foi a minha ideia, e eu ainda não conseguia sequer encontrar um lugar para passarmos uma única noite — fiquei furioso com o quão inútil eu era.

— Vejam aquilo! — O Mestre Nagi gritou. Ele apontava para a saída do corredor subterrâneo. — Aquilo não é neve?

Chocados, saímos para o lado de fora. Era neve mesmo, girando e brilhando em meio às luzes da rua. Quando olhei para a rosto da Hina, a sua expressão era algo próximo ao medo. Talvez eu estivesse da mesma forma. Quero dizer, nós estávamos em agosto.

As pessoas na rua estavam todas olhando para o céu, chocadas. Grandes flocos de neve caíram no asfalto coberto de água, sem emitir som, criando ondulações circulares. Agora que os trens tinham parado, a estrada ao longo dos trilhos ficou em um silêncio misterioso. A temperatura continuava caindo.

Eu estava usando mangas curtas, por isso esfregava os meus braços debaixo da capa de chuva. Isso é punição divina ou o quê? O pensamento passou pela minha mente de repente.

Nós mudamos o tempo pelos nossos próprios caprichos, e alguma figura divina lá em cima no céu estava furiosa porque nós humanos não estávamos contentes com o tempo que nos foi dado. Por causa do nosso desejo egoísta por bom tempo.

Eu balancei a cabeça. Não podia ser isso. Mas… me lembrei do que Hina disse.

“Naquela vez, eu acho que me conectei com o céu.”

Eu olhei para cima e vi milhares de flocos de neve sobre nossas cabeças, como se fossem fogos de artifício de verão.

A Hina está conectada com este céu?

 

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Quando cheguei ao escritório do Kei, a chuva tinha se transformado em neve. Eu não conseguia acreditar.

Estacionei a Cub atrás do prédio. Arrependida da minha decisão descuidada de vestir shorts, desci as escadas até o escritório, abri a porta e entrei.

— Brrr! Ei, Key, está nevando em agosto! — Eu estava tirando a neve dos meus ombros enquanto falava. — Huh?

Não houve resposta, e eu encontrei Kei de cara contra o balcão de bar. A TV ali em cima falava, seu volume bem baixo.

“Por mais incrível que pareça, neve está caindo no centro da cidade. A tempestade forte que começou no final desta tarde causou inundações por todo lugar, mas, agora, nove horas da noite, ela se transformou em neve sobre uma grande área. De acordo com a previsão do tempo, é esperado que se torne chuva novamente nas primeiras horas da—”

Eu a desliguei. Havia uma garrafa de uísque pela metade sobre o balcão e diversos tocos de cigarro no cinzeiro. O que será que aconteceu? Eu observava Kei dormindo sobre o balcão. Qual é, você parou de fumar há décadas… Ele roncava baixinho e parecia tão amuado. A sua pele estava seca e áspera, e havia fios de cabelo branco em sua cabeça e su barba por fazer. Ele também envelheceu um pouco. Pensei.

O gato Chuva estava encolhido, adormecido, no banco perto dele. A sua expressão carrancuda me lembrava muito a de Kei, e eu sorri um pouco.

— Kei, acorde. Você vai pegar um resfriado.

Quando balancei o seu ombro, suas sobrancelhas se juntaram, incomodado.

— Asuka… — murmurou ele.

A sua voz era tão fraca e triste. Eu fiquei um pouco surpresa. Então ele ainda sonha com a esposa. De repente, me lembrei de outro dia de verão, quatro anos atrás, quando fizemos uma festinha para celebrar a inauguração do escritório.

O lugar tinha acabado de ser remodelado dos seus dias de bar; ainda estava praticamente vazio, e os arranjos de flores para dar os parabéns estavam em fila. Moka ainda era um bebê, e eu brincava com ela enquanto Kei e Asuka estavam conversando com seus convidados. Eu ainda era uma colegial na época, então era provável que estivesse usando o meu uniforme. Ah, é mesmo, e depois que a maioria dos convidados já tinha ido para casa, eu tirei uma foto comemorativa dos três juntos. Me lembro da janela escrita K&A Planejamento no fundo. Asuka estava segurando Moka, e Kei estava tão orgulhoso.

— Natsumi…? — Kei enfim tinha acordado. Ele fungou bem alto. — Ugh, droga, está frio aqui. Vamos ligar o aquecedor. — Quando o ligou com o controle remoto, surgiu um cheiro de pó, e o ar quente começou a ser soprado.

Eu fui para trás do balcão e arrumei para mim mesma uísque e água.

— Você é um genuíno veterano, né, Kei? — comentei enquanto trabalhava.

— Quando as pessoas envelhecem — Kei esfregou o rosto com as duas mãos, assim como um homem mais velho faria — elas se esquecem como mudar suas prioridades sobre coisas importantes.

— Huh? O que isso quer dizer? — Me sentei na cadeira perto da dele — A propósito, onde está o Hodaka? Ele ainda não voltou?

A sua expressão ficou sombria no mesmo instante.

— Você o expulsou…? O quê? Tá brincando, né?!

— Não, ouça, os policiais estiveram aqui. Você acha que eu poderia manter um garoto como ele por perto?

— O qu-?

Kei tinha adquirido um hábito de agir como um verdadeiro imbecil quando estava se sentindo culpado.

— Todo mundo sabe que é mais importante se manter no seu próprio caminho da vida do que manter todo mundo desgovernado. — disse ele.

— O quê? Então você voltou a fumar que nem louco, se embebedou e se afundou na culpa? — Eu peguei o Chuva do banquinho em que ele estava dormindo e o empurrei até o rosto do Kei. — ‘Você é um miauserável, velhote’… viu só?! Até o Chuva acha isso.

O Chuva me apoiou com um miado preguiçoso.

— Sério, é patético. A forma com que você está agindo é muito antiquada. Pode não sentar perto de mim? Não quero começar a feder que nem um velho nojento, também.

Larguei o Chuva no local em que ele estava antes, então me movi até o banco na outro extremidade para nos colocar em extremidades opostas do balcão. Ele expulsou o Hodaka? À noite, com um tempo desses?

— Credo, Kei, você nunca dá sequência a nada. Se ia jogá-lo fora, não tivesse o acolhido para começo de conversa. Você está tentando ser um machão perverso, mas só é covarde demais para deixar o senso comum de lado. Este é o pior tipo que existe.

— Como é que é? Oh, isso é valioso, vindo de uma garota que correu para cá porque queria fugir do pai. Se você odeia tanto o senso comum, então largue a procura por emprego e seja uma poeta, viajante ou sei lá o quê.

Olhei para Kei. Ele bebeu um gole grande de uísque e água, então olhou de volta para mim e continuou:

— Se eu sou patético, você também é. Aquela garota… qual o nome dela mesmo, Hina?

Eu hesitei, desconfortável. Ele sabia que nós dois tínhamos consciências culpadas.

— Você contou para ela sobre aquela coisa de sacerdotisas do tempo serem sacrifícios humanos, não é? Se for verdade, ela vai desaparecer a qualquer momento. Acha que pode contar isso a ela, abandoná-la e esperar que tudo fique bem?

— Bem, quero dizer, aquilo foi… O que eu deveria fazer então?!

— Huh! Não leve isso a sério. É tudo bobagem mesmo, entendeu? — Com um meio-sorriso, Kei colocou um cigarro na boca. Ele estava se esquivando da pergunta. Acendeu com um isqueiro, então assoprou a fumaça deliberadamente. — Embora… bem, hipoteticamente — A fumaça de coloração azul diminuiu e dissolveu-se, como uma gota de tinta em água — Se sacrificar um humano faria o tempo voltar ao normal, eu diria que está tudo bem. Não é apenas eu; se você está sendo honesta, também pensaria assim, não é? E isso vale para todo mundo. A sociedade é movida por sacrifícios. Alguém sempre acaba com o palito mais curto. Você simplesmente não vê isso na maior parte do tempo.

— Do que é que você está falando?

A minha voz saiu soando furiosa. Eu estava ficando cada vez mais frustrada… com Kei, que estava tentando mostrar o quanto ele não se importava, mesmo quando era óbvio que estava sendo desonesto, com o tempo louco e comigo mesma por ficar convencida com aquilo que o Kei disse até certo ponto. Ele tinha razão; eu vim até aqui porque não conseguia ficar em casa, e, mesmo assim, tudo o que eu fazia agora era beber licor e resmungar, bêbada. Também fiquei brava comigo mesma por causa disso.

Eu não queria pensar em mais nada, então tomei o meu uísque e água de uma só vez.

 

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— Ei, crianças, só um minuto.

Alguém agarrou o meu ombro por trás, e, quando me virei, um calafrio percorreu a minha espinha. Eram dois policiais fardados.

Nós três estávamos caminhando por uma rua do centro.

— É perigoso crianças ficarem fora a essas horas, e sozinhos. O que estão fazendo? São todos irmãos?

A interrogação súbita me deixou gaguejando, mas Hina deu um passo à frente.

— Estamos a caminho de casa agora. Eu estou na faculdade, e esses dois são os meus irmãos mais novos.

— Hmm. Então você é a irmã mais velha? Posso ver a sua ID de estudante?

— Não a tenho comigo.

De repente, fiz contato visual com um dos oficiais, e ele reagiu com surpresa. Os meus calafrios ficaram piores. Eu tive um mal pressentimento sobre isso.

O oficial virou as costas para mim, teve um tipo de conversa no seu rádio, então veio direto até a minha frente, bloqueando a minha visão.

— Você está no ensino médio? É uma mochila bem grande essa que está carregando. — Ele se inclinou para frente, nem mesmo tentando esconder que estava olhando para o meu rosto. — Se importa de puxar o seu capuz um pouco?

Eles não podiam estar procurando por mim, né? Mas então me lembrei das palavras do Senhor Suga: “Eles suspeitam de você por posse ilegal de arma de fogo.”

Eu sussurrei para Hina perto de mim:

— Hina.

— Huh?

— Corra!

Antes mesmo que eu pudesse terminar, saí em disparada. Era tarde demais agora, mas percebi que apenas estar junto de Hina e Nagi causaria problemas para eles.

— Pare!

Passos vieram atrás de mim. Eu corria o máximo que conseguia, sem olhar para trás… até que alguém agarrou a beirada da minha mochila. Eu tentei me livrar daquele braço violentamente.

— Isso é uma obstrução! — O outro policial gritou, furioso, me batendo de lado e me jogando na calçada. Ele estava quase me prendendo, mas eu briguei por tudo o que era mais sagrado.

— Hodaka! — gritou Hina. Com o canto dos olhos, eu a vi correndo na minha direção.

— Não, fique longe!

Mas ela deu um jogo de corpo no policial que estava em cima de mim, derrubando-o no chão.

— Sua—! — Os olhos do homem brilhavam de raiva. Ele levantou o cassetete.

Por impulso, Hina juntou as mãos.

— Por favor! — gritou ela.

Então, houve um rugido ensurdecedor, e a minha visão ficou coberta por puro branco. Um raio atingiu um caminhão no acostamento da rua, a cerca de cinquenta metros à nossa frente. O impacto o levantou no ar por um momento, e o tempo pareceu ficar mais lento. Um segundo depois, o caminhão explodiu.

O caos tomou conta ao redor de nós. Algumas pessoas estavam fugindo da cena, enquanto outras corriam até lá com os celulares em mãos para ter uma vista melhor.

— Mas o que diabos…?!

Os policiais ficaram chocados por um momento, mas voltaram a si e correram em direção ao fogo.

Eu olhei para Hina, e ela tinha ficado petrificada, encarando as chamas. As suas mãos estavam juntas da mesma forma que ficavam quando ela rezava por bom tempo. Sem chance, a Hina—? Eu agarrei a mão dela antes mesmo que pudesse terminar essa ideia louca.

— Agora é a nossa chance, vamos!

O Mestre Nagi estava parado, perplexo. Eu o puxei conosco, e nós fugimos. Corremos por vielas, indo em direção às sombras. Sem demora, começamos a ouvir sirenes de emergência atrás de nós. A neve tinha ficado mais espessa agora.

— Custa vinte e oito mil ienes uma noite.

— Huh?

A mulher de meia-idade olhava para mim pela janela estreita. Ela parecia incomodada por ter que conversar conosco. Eu não esperava aquela resposta, por isso não consegui pensar no que dizer.

— É como eu disse, vinte e oito mil ienes. Pode pagar?

— Uh, oh, sim, vamos pagar!

O lugar era um motel precário. Nós três estávamos completamente encharcados. A mulher na recepção olhou para nós, mas não disse nada. Nós entramos em um elevador velho para chegar até o oitavo andar, usamos nossa chave para destrancar a pesada porta de ferro, entramos no quarto e a trancamos. Logo depois, caímos ali mesmo. Não conseguíamos mais aguentar.

— Haaaah… — Nós três demos suspiros pesados.

— Acho que sou um homem procurado… — murmurei, sombrio.

— Bem maneiro! — O Mestre Nagi me mostrou um sinal de positivo.

— Huh? Sério?!

— Hehe! — Hina riu, e todos nós também — Eu não tinha ideia de como sairíamos daquela…

— Bem, sim! Hodaka com certeza seria preso!

— Aquilo foi hilário!

— Eu estava em pânico de verdade. E, ei, não é engraçado!

Ríamos cada vez mais alto. Enquanto o fazíamos, toda a fadiga que se acumulou dentro de nós se dissolveu junto com a nossa ansiedade. Era como ter dois por cento de bateria no celular e conseguir colocar em uma fonte de energia bem na hora. Conseguíamos ver uns aos outros voltando à vida.

— Este quarto é tão grande! — gritou o Mestre Nagi — A cama é enorme? E o banheiro é gigante! — Tudo no quarto parecia o impressionar.

Era um quarto chique, pintado em bege, preto e dourado, e o esquema de decoração era silencioso e sereno. Nagi preparou o banho, e Hina ferveu alegremente um pouco de água e nos fez um chá. Eu aproveitei a oportunidade para enfiar todo o menu de programas de vídeos adultos e diversas outras coisas que eu não podia deixar os irmãos verem no fundo de um guarda-roupa. Foi provavelmente a coisa mais duvidosa que fiz desde que vim a Tóquio.

— Mana, Hodaka! — Nagi gritou para nós do banheiro — Vamos entrar juntos!

Hina e eu cuspimos o nosso chá ao mesmo tempo.

— Tome sozinho! — falamos juntos.

— Awww! Então, Hodaka, vamos nós, como o time dos caras.

— Huh?!

— Divirtam-se. — Hina estava rindo.

— Tão quentinho…

O Mestre Nagi e eu ficamos com água até os ombros na banheira cheia.

— Hmm? O que é isso? — Nagi pressionou um botão na parede. De repente, as luzes do banheiro se apagaram para deixar apenas as de dentro da banheira, e jatos de bolhas começaram a fluir. Era um banho de hidromassagem.

— Uou, maneiro!

— Isso faz cócegas!

Nós brincamos na água por um tempo.

— Próximo banho!

Os irmãos bateram as mãos. Enquanto Hina tomava banho, nós preparávamos o jantar. Quando abrimos o armário debaixo da TV, achamos uma máquina de vendas cheia de lanches quentes e comidas instantâneas. Yakisoba, takoyaki, cup noodles, arroz com curry, batatas fritas, nuggets de frango. Apenas olhar para as embalagens de papel já fazia a minha boca salivar.

— Uou, tem todo o tipo de coisa! Hodaka, qual devemos pegar? — perguntou o Mestre Nagi, animado.

— Vamos pegar tudo, Mestre!

— Huh? Podemos?!

— Sim, eu tenho o pagamento da rescisão!

— Ebaaaa! — O meu mentor gritou na direção do banheiro: — Mana! Vamos ter um banquete hoje à noite!

— Mal posso esperar! — Hina respondeu do banheiro. O eco pesado na sua voz foi o suficiente para fazer o meu coração bater mais rápido por algum motivo.

Enquanto colocávamos os lanches no micro-ondas um após o outro, Hina abriu a porta do banheiro.

— Já tomei o meu banho.

— Oh, bem-vinda de volta. — murmurei, então engoli em seco.  Ela estava usando um roupão branco, e o seu cabelo longo estava puxando para trás e enrolado por uma toalha, a sua pele clara, levemente corada de rosa. Ao perceber que estava a encarando por cinco segundos inteiros, eu desviei os olhos mais do que depressa. Hina não pareceu notar, pois estava ocupada demais gritando com alegria ao ver a comida arrumada sobre a mesa.

— Obrigado pela comida!

Nós três falamos e juntamos as mãos ao mesmo tempo.

— O yakisoba está tão bom!

— O takoyaki também!

— E o curry então!

Todos nós tivemos que elogiar a comida, a qual estava inacreditavelmente deliciosa. Passávamos as caixas de comida de um lado para o outro, nos certificando de que todos experimentassem de tudo. Colocamos os nuggets de franco no curry para fazer curry de galinha e gritamos “Isso é incrível! É a descoberta de uma vida!”, então preparamos o cup noodles em apenas dois minutos e ficamos loucos com isso “Está, tipo, super-al dente! Muito melhor do que em um restaurante!”.

Depois do jantar, tivemos uma competição de karaokê e, após isso, uma guerra de travesseiros, lançando travesseiros e almofadas uns nos outros o mais forte que conseguíamos. Tanto faz se errávamos, acertávamos ou éramos acertados, amamos cada segundo daquilo. Eu estava tão feliz e me divertindo tanto que quase queria chorar.

Se os deuses existem, eu pensei, enquanto jogava um travesseiro.

Por favor.

Isso é o suficiente.

Ficaremos bem agora.

Podemos nos virar.

Então, por favor, não nos dê mais nem nos tire nada.

O meu travesseiro acertou Hina no rosto, e o seu contra-ataque atingiu em cheio no meu.

Deuses, por favor, por favor.

Enquanto riamos juntos, eu rezava como nunca tinha feito antes em toda a minha vida.

Deixe-nos ficar assim só mais um pouco.

O relógio digital ao lado do meu travesseiro fez um pequeno click eletrônico quando a meia-noite chegou.

Em algum momento durante as nossas palhaçadas frenéticas, o Mestre Nagi adormeceu na cama ao lado da parede. O colchão era enorme, e Hina e eu estávamos deitados lado a lado, de costas um para o outro. Hina tinha o mesmo cheiro de xampu que eu estava usando, um fato que me deixou orgulhoso por algum motivo. O quarto estava escuro, e a única luz vinha do fraco brilho amarelo do abajur ao lado da cama.

A neve parecia ter voltado a ser chuva; eu conseguia ouvi-la caindo com força do outro lado da janela. No entanto, não soava tão violenta quanto antes. Era muito mais suave e amigável, como um tambor distante sendo tocado apenas para nós, viajando através de longas extensões do tempo e espaço para nos alcançar. O som conhecia o nosso passado e futuro, e não importava o que resolvêssemos ou escolhêssemos, jamais nos culparia. Ele aceitou toda a história em silêncio.

Viva, dizia o som. Viva. Viva. Apenas viva.

— Hina — Encorajado pelo som da chuva, peguei a caixinha do anel. — Feliz aniversário de dezoito anos.

Eu o coloquei por cima dos lençóis. Hina me encarava, surpresa.

— Não é nada caro, mas encontrei um que parecia que ia ficar bom em você.

Ela abriu a caixa. Lentamente, um sorriso fez-se presente em seu rosto como uma flor desabrochando.

— Obrigada…!

Eu dei um breve sorriso desajeitado.

 — Ei, Hodaka… — De repente, a voz da Hina ficou mais baixa. — Você quer que a chuva pare?

— Huh?

Tirando os olhos do anel, Hina se virou para mim. Um tipo de emoção passou pelos seus olhos de cor azul, muito abaixo da superfície. No entanto, eu não sabia o que era, então simplesmente assenti:

— Sim…

Naquele momento, como uma resposta do céu, um baixo estrondo de trovão ressoou. Talvez tivesse atingido algo, pois o abajur ao lado da cama cintilou. Devagar, Hina desviou o olhar de mim e deitou-se, encarando o teto. Oh— Então notei o que tinha visto em seus olhos.

— Eu sou um sacrifício, pelo que entendi. — disse ela.

— Huh…?

— Natsumi me contou o que acontece com mulheres do sol. Ela disse que desaparecem, e então o tempo volta ao normal. Nós somos sacrifícios.

Eu notei que o sentimento tinha sido desespero.

— O qu…? Sem chance. — Eu mostrei um sorriso sem graça. Isso não podia ser verdade. Mas o meu peito se enchia de arrependimento. — Não, eles nunca sabem do que estão falando… Isso não poderia mesmo… quero dizer, desaparecer? Não tem co—

Como se fosse para me silenciar, Hina sentou-se e, em silêncio, desamarrou o cinto do seu roupão. Lentamente, retirou o braço esquerdo da manga. Eu não conseguia desviar o olhar. Sem demora, o lado esquerdo do seu peito ficou exposto.

— …!

A luz do abajur ao lado da cama brilhava através dele.

Metade do seu corpo estava transparente.

A área do seu ombro esquerdo até o seu peito estava clara como água, e a luz era refletida dentro do seu corpo, brilhando fracamente através da sua pele. Eu apenas a encarava, perplexo.

— Hodaka… — Hina então disse.

Desviando os meus olhos do corpo dela, olhei para o seu rosto. Embora ela parecesse pronta para irromper em lágrimas, sorriu de repente, tranquila.

— Para onde é que você está olhando?

— Eu não estou olhando para—! — Comecei a dizer por reflexo, mas não era nada bom. Não, não posso chorar. Não posso… — Estou olhando para você, Hina…

As lágrimas se acumularam e transbordaram, como se os meus olhos tivessem quebrado. Eu as limpava desesperadamente com ambas as mãos e pressionava os meus punhos contra os olhos, querendo segurar as lágrimas até que elas não estivessem mais lá.

— Por que… você está chorando? — Hina sorriu gentilmente.

Mesmo quando você está morrendo, ainda sorri. Eu chorei ainda mais.

— Não era nada no começo, mas depois de certo ponto, comecei a perceber. Quanto mais eu desejava pelo sol, mais claro o meu corpo ficava.

Por que eu não tinha visto a tristeza na expressão dela quando ela olhou para o céu com a palma da mão sobre o rosto? Ou será que vi e apenas fingi não ter visto?

— Se isso continuar e eu morrer… — A voz da Hina estava muito, muito gentil. — Tenho certeza de que o verão irá voltar ao normal novamente. Cuide bem do Nagi, pode ser?

— Não! — gritei. — Você não pode, Hina. Você não vai desaparecer! Vamos viver juntos, nós três!

Isso soou tão infantil que até mesmo eu tive problemas para acreditar que havia esperança, mas não consegui encontrar outras palavras.

— Hodaka… — Hina olhou para mim, preocupada.

— Hina, vamos fazer uma promessa.

Eu peguei a mão esquerda dela e coloquei o anel no seu dedo anelar. O anel era prateado, na forma de uma pequena asa. O dedo dela também estava fracamente transparente. Pela sua pele, eu conseguia ver pequenas bolhas de ar surgindo na água.

— …

Hina olhou para o anel no dedo e exalou, sem palavras. Ela se virou para mim mais uma vez, e os seus olhos pareciam estar prestes a transbordar.

Eu sabia que estava falando como um garotinho, mas ainda tentava com desespero a tranquilizar.

— Vou trabalhar, tá bom?! Vou conseguir bastante dinheiro para nós três termos uma vida boa! Você já deixou essa coisa de garota sol, então o seu corpo vai voltar ao normal rapidinho!

Lágrimas finalmente caíram dos olhos dela, e uma onda de culpa passou por mim quando percebi que a fiz chorar. Então, de repente, ela me abraçou.

— …!

Ela acariciava a minha cabeça gentilmente, confortando-me. Não havia nada que eu pudesse fazer, então coloquei os meus braços ao redor dela, abraçando-a mais apertado. Desejei com todas as minhas forças que seria o suficiente mantê-la aqui. Eu acreditava nisso. Convenci a mim mesmo de que era assim que deveria funcionar. Foi assim que o mundo foi feito. Se eu desejasse com toda a minha vontade, não havia dúvidas de que se tornaria verdade.

Eu pensei, desejei e rezei.

Chorando, Hina continuou acariciando o meu cabelo, então, ao longe, um trovão ribombou novamente.


 

Tradução: Taiyo

Revisão: Taiyo

 

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