Duas cidades vizinhas eram separadas por uma floresta. As pessoas a chamavam de Floresta Errante e a odiavam.
A menos que tivessem um bom motivo, as pessoas se recusavam a entrar na floresta e até mesmo as rotas comerciais que uniam as duas cidades circulavam em volta para evitá-la. Claro, a maneira mais rápida de ir de uma cidade a outra era atravessar a Floresta Errante e, infelizmente, às vezes circunstâncias extraordinárias davam a alguém motivo suficiente para entrar naquela floresta temida.
A Floresta Errante.
Uma floresta traiçoeira na qual não se entra sem razão.
No meio daquela floresta estava uma bruxa solitária.
Ela usava um manto preto e um chapéu triangular. Era uma bruxa e também uma viajante.
Ela examinou a floresta com seus olhos lápis-lazúli enquanto seu cabelo cinzento esvoaçava com a brisa. Pouca luz descia do céu através das copas espessas de folhas e musgo crescia nos troncos das árvores pelas quais ela passava. Sempre que dava um passo à frente, o solo cedia suavemente sob os pés e ela fazia uma careta com a sensação.
A propósito…
Antes de entrar na floresta, um soldado de uma cidade próxima tentou avisar a bruxa.
— Huh? Um atalho? — disse ele. — Nem pense nisso! Você com certeza irá se perder!
Mas a bruxa ignorou seu aviso com uma confiança desconcertante.
— Vou ficar bem — insistiu. — Estou dizendo, já encontrei esse tipo de coisa muitas vezes.
Aquela bruxa, que no final das contas acabou exatamente como o soldado disse que acabaria… Quem poderia ser?
Isso mesmo, sou eu.
E estou perdida.
— Eu não posso mais fazer isso!
Fazia quase uma hora desde que comecei a andar pela floresta e estava convencida de que tinha andado o tempo todo em círculos.
Andei e andei, mas nunca cheguei à orla da floresta.
Quanto mais tenho que ir? Estou fazendo algum progresso? Estou realmente dando voltas e mais voltas no mesmo lugar?
Continuei andando pelo cenário monótono, claramente fazendo nenhum progresso. Em pouco tempo, a exaustão, o tédio e a solidão começaram a me dominar. Estava totalmente farta dessa floresta estúpida.
E então, finalmente, a paisagem me mostrou algo diferente.
— …
Mais à frente, vi uma garota de costas para mim. Seu cabelo era azul escuro, quase preto, caía suavemente logo abaixo de seus ombros. Ela usava um vestido preto, mais escuro que seu cabelo. Sua saia longa não tinha uma partícula de lama nela. Estava imaculada.
Ela estava segurando uma cesta em uma das mãos enquanto se curvava para recolher as coisas para colocar dentro dela. Parecia estar colhendo plantas silvestres comestíveis na floresta local. A menina cantarolava alegremente enquanto trabalhava e seu comportamento despreocupado parecia deslocado na floresta assustadora.
Me pergunto se ela mora aqui na floresta.
— Hmm…
Sem pensar muito, chamei-a.
Imediatamente depois que eu fiz isso…
— Hyaaah! — Ela olhou para mim com uma expressão muito, muito surpresa e, em seu pânico, perdeu o equilíbrio. — Ah, ahhh, ahhh…! — A menina perdeu o controle de sua cesta e capotou, despejando uma enorme pilha de cogumelos bem em sua cabeça.
Entendo, parece que ela estava colhendo cogumelos. Eca, cogumelos…
— Q-Quem está aí?!
— Hm, sou uma viajante… Meu nome é Elaina. — Estendi a mão para a garota. — Você está bem?
Ela olhou para minha mão, depois para meu rosto, finalmente percebeu que estava em um estado impróprio, então, depois de entrar em pânico novamente e enfiar freneticamente os cogumelos de volta em sua cesta, pegou minha mão.
— Muito obrigada…
Ela agarrou minha mão com força e se levantou. Só então percebi, quando ficamos um pouco mais perto, que ela era um pouco mais alta do que eu.
— Ah. Meu nome é Eustia. Por que você veio aqui, Elaina?
— … — Desviei meu olhar. — Na verdade, estou apenas pegando um atalho de uma cidade para outra.
— Ah. Então você está perdida? — Eustia bateu palmas.
— Não, não… Você entendeu tudo errado, definitivamente não estou perdida. Estou apenas… passando pela floresta, como um atalho para ir de uma cidade a outra.
— Oh? Mas esse lugar fica bem no meio da floresta, sabe? No tempo que você demorou para chegar aqui, poderia ter dado a volta mais rápido pelo desvio que evita a floresta.
— …
— Você está perdida?
— Certo, tudo bem! Estou perdida. O que é que tem? — Com as evidências apontadas contra mim, comecei a ficar de mau humor.
No entanto, Eustia não se incomodou com minha expressão descontente e bateu palmas novamente.
— Nesse caso, devo te mostrar o caminho? Esta floresta pode ser muito confusa, por isso é bastante difícil encontrar o caminho de saída sozinha. — Sua atitude despreocupada parecia deslocada na floresta escura.
— Eu ficaria… muito grata… sim.
Balancei a cabeça enquanto relutantemente admitia meu próprio erro e imediatamente depois disso…
- Gurgururu!
Um som estranho ecoou pelas árvores. Olhei em volta, pensando que era o grito de alguma fera desconhecida, mas rapidamente percebi que o barulho tinha vindo de algum lugar perto do meu estômago. Parecia que eu tinha um animal selvagem na minha barriga.
Que rude!
Eustia sorriu de volta para mim em meu espanto.
— Antes de lhe mostrar a saída, que tal pegarmos algo para comer?
Eustia me contou todo tipo de coisa no caminho para a casa dela. Aparentemente, vivia na floresta densa onde outras pessoas raramente se aventuravam.
Imaginei que morar em um lugar como este não tinha sido sua escolha, mas Eustia apenas disse: “Lar é onde você puder chamar de lar.”
Quem gostaria de viver em uma casa cheia de cogumelos?
Sua casa não era muito longe de onde ela estivera forrageando e chegamos em apenas alguns minutos. A casa ficava no meio de uma pequena clareira; parecia que as árvores retorcidas estavam evitando o local.
A casa foi construída inteiramente de madeira; telhado, paredes, portas e tudo mais, parecia que de alguma forma pertencia à floresta. Se não fosse pela luz do sol entrando na clareira, ela teria se misturado perfeitamente. Eu podia ver a roupa lavada pendurada em um varal para secar. O lugar parecia habitado.
Ao lado da casa estava o túmulo de alguém. Não consegui ver o nome. Mas pelo frescor da terra revirada, poderia dizer que quem foi enterrado lá havia falecido recentemente.
No quintal, um homem rachava lenha. A maneira como balançava o machado vigorosamente repetidas vezes era estimulante.
Em pouco tempo, o homem percebeu nós duas e se virou para nos encarar.
— Ah. Bem-vinda ao lar, Eustia… E quem é a nossa convidada?
Ele era um bom jovem. Parecia ter seus vinte e poucos anos. Ele inclinou a cabeça, ainda olhando para mim.
Eustia trotou até o homem e disse:
— Acabei de voltar, Mestre! — Ela o abraçou. — Esta é a Elaina, uma bruxa teimosa.
Esse título não me faz justiça.
Mas isso foi tudo que Eustia ofereceu como explicação.
— Ah… — O homem balançou a cabeça. — Bem, é muito fácil se perder na floresta, hein? Suponho que se você a trouxe aqui, então está planejando alimentá-la, certo, Eustia? Bem, é melhor você começar.
Ele incitou Eustia a entrar em casa.
Então, para mim, disse:
— Vai demorar um pouco até que a refeição esteja pronta. Se não se importar, por favor, pode vir para a sala e me falar sobre você? Como pode ver, é muito raro encontrarmos pessoas lá de fora.
Concordei.
— Obrigado… ah, esqueci de dizer, meu nome é Giulio. Prazer em conhecê-la, senhorita Bruxa Teimosa.
— É Elaina.
Me recuso a deixar essa designação vergonhosa continuar.
— Uau. Então foi assim que você se perdeu, hein? Suponho que deva ser muito descuidada, no que diz respeito a viajantes.
— Que rude, para que você saiba, essa foi uma rara exceção.
Um ar quente e convidativo encheu a sala de estar, onde um fogo foi aceso na lareira. Eustia cozinhava diligentemente na cozinha, enquanto Giulio me fazia companhia.
Senti meio como se estivesse me intrometendo na vida de um casal feliz.
Embora soubesse que os dois provavelmente não tinham esse tipo de relacionamento.
Porque Eustia chamou Giulio de “Mestre“.
— Por que você está morando no meio de uma floresta como esta? — Inclinei minha cabeça questionadoramente.
Giulio acenou com a cabeça calmamente.
— Ah, bem, porque é melhor para nós morarmos aqui — respondeu ele vagamente.
— Isso significa o quê?
— Este lugar se chama Floresta Errante e faz com que as pessoas se percam, certo? Os moradores locais não entram sem um bom motivo e os estrangeiros que tentam geralmente voltam por onde vieram. Porque sempre se perdem.
— Certo… — Desviei os olhos, lembrando-me do rosto do soldado que tentara seriamente me alertar para não tomar um atalho.
— Somos exilados do mundo. É melhor não encontrarmos estranhos com muita frequência.
— Tenho quase certeza de que sou uma estranha…
— Você é uma exceção, já que Eustia a trouxe aqui — disse ele. — Além disso, às vezes até temos vontade de falar com alguém de fora.
Você não está se contradizendo?
Não tive vontade de perguntar.
Porque havia algo mais intrigante em minha mente.
— O motivo pelo qual você evita estranhos tem algo a ver com aquele túmulo em seu quintal…?
Embaixo da mesa, eu havia furtivamente sacado minha varinha.
Giulio pareceu perceber imediatamente a leve cautela em meu tom de voz. Com um sorriso, disse:
— Suponho que você esteja se perguntando se matamos o inquilino anterior, não é?
— …
— Não matamos. Não é isso que está acontecendo, vá em frente e relaxe. É realmente um túmulo lá fora, mas, veja… — Sua voz ficou baixa, quase confessional. — Aquele é o túmulo de uma pessoa má.
E então ele me contou a história da vida de Eustia.
Há muito tempo, quando Eustia ainda era jovem, ela foi vendida como escrava. Giulio não sabia exatamente por que, embora, claro, não tivesse sido escolha dela.
Em suas primeiras lembranças, Eustia se lembrava da mãe segurando-a com ternura, embora não conseguisse imaginar os arredores. Então, algo deve ter acontecido. Eustia foi separada da mãe e tornou-se escrava.
A primeira vez que ela foi comprada foi quando tinha cerca de cinco anos de idade. Um homem novo-rico, um comerciante, gostou de sua aparência e a comprou. Entretanto, cerca de meio ano depois, ela foi devolvida ao traficante de escravos. O rico comerciante havia morrido em circunstâncias suspeitas.
A próxima pessoa a comprá-la foi um aristocrata. Ele a comprou para servi-lo como empregada doméstica. Aparentemente, ela havia passado vários anos com ele, mas quando o filho do aristocrata, que gostava bastante de Eustia, também morreu em circunstâncias misteriosas, a garota foi mais uma vez devolvida ao traficante de escravos.
Depois disso, ela foi transferida várias vezes de uma casa rica para outra. Mas, por alguma razão, aonde quer que fosse, ocorriam mortes anormais. Podia ser a pessoa que a comprou, o filho da pessoa, alguém que fazia negócios com ela. Variava, mas, eventualmente, ela sempre era devolvida ao traficante de escravos.
Era como se estivesse amaldiçoada.
Em pouco tempo, desenvolveu uma reputação de anjo da morte. Ninguém queria comprá-la.
Quando ela estava chegando ao seu aniversário de quinze anos, um certo jovem se apaixonou por ela à primeira vista e a comprou na hora.
Esse jovem era Giulio.
Desde o primeiro momento em que a viu, ele foi completamente tomado por ela, do fundo de seu coração. Ele se perguntou como diabos ela não tinha sido comprada sendo tão linda como era. Embora estivesse confuso, a levou para casa consigo.
Embora certamente gostasse da garota, Giulio tinha um motivo mais prático para comprá-la. Como mercenário, passou a vida vagando por terras estrangeiras. Ele não sabia nada de trabalho doméstico ou culinária. Então pensou em comprar um criado para cuidar de suas necessidades diárias. E como estava sempre se mudando de cidade para cidade, não conseguia se relacionar bem com as pessoas, então provavelmente também se sentia solitário.
Eustia trabalhava muito. Seguia todas as suas instruções em silêncio e se dedicava a seu mestre Giulio, como uma boa criada. Não passou muito tempo até que ele ficasse totalmente encantado não apenas com a beleza de Eustia, mas também com seu caráter profundamente sério.
Ele passou seus dias traçando planos para conquistar o coração dela. Ela claramente roubou o dele.
— Eustia, venha aqui. — Certo dia, Giulio chamou-a enquanto ela estava trabalhando e disse: — Obrigado por todo o seu trabalho árduo. Hmm, se você gostar… aqui.
Em sua mão estava um buquê de flores. Ele tinha pensado que elas a fariam feliz.
No entanto, os dois viviam em mundos muito diferentes. Não viam as coisas da mesma maneira.
— Suponho que você queira que eu decore a casa com isso, Mestre?
Na época, Eustia inclinou a cabeça, com a mesma expressão séria de sempre.
— Huh? Não… hm, elas eram para ser um presente…
— Um presente? Por que um mestre daria um presente para sua escrava?
— …
— …?
Depois disso, Giulio também deu muitos outros presentes, mas, a cada vez, ela apenas parecia confusa. Nem uma vez pareceu satisfeita.
Giulio ficou perplexo. Ela ainda não o via como nada mais do que outro proprietário.
Parecia que ele não seria capaz de conquistá-la com presentes. Então, o que ela queria? Não estava claro para ele.
— Eustia, há algo que você deseja? Algo que você gostaria de ter ou algo que deseja para si mesma no futuro?
Ela olhou para ele com olhos destituídos de vida e respondeu:
— Não.
Sua resposta foi direta e muito fria.
— Não há nada para mim.
Foi quando ele teve uma realização.
A garota que ele conhecia era uma concha vazia. Durante toda a sua vida ela foi tratada como uma boneca que só servia para seguir ordens.
Por isso, Giulio desistiu de tentar agradá-la com presentes, porque ela nunca seria feliz de verdade enquanto não preenchesse o vazio de seu interior.
Depois disso, ele a levou para todos os tipos de lugares.
Eles viajaram juntos, foram fazer compras juntos, foram ao teatro juntos, se esconderam na biblioteca juntos. Ele ensinou a ela um pouco de esgrima, como uma forma de se proteger. Os dois passaram quase todos os dias juntos, perseguindo interesses diferentes.
Em pouco tempo, Eustia havia preenchido o vazio dentro dela com aprendizado e cultura. Ela se tornou a jovem radiante que conheci naquele dia na floresta.
— Eustia, venha aqui. — Um dia, Giulio chamou-a enquanto ela estava trabalhando e disse: — Obrigado por todo o seu trabalho árduo. Hmm, se você gostar… aqui.
Em sua mão estava um buquê de flores. Ele tinha pensado que elas a fariam feliz.
— Muito obrigada… Mestre.
O sorriso dela quando aceitou o buquê foi muito, muito bonito, ele me disse.
Por fim, estavam prontos para deixar seu relacionamento mestre-serva para trás e começar uma nova vida como namorados.
Contudo…
— Mas mesmo depois desse ponto, não fomos capazes de levar nosso relacionamento mais longe. Sabe, eu não poderia tocá-la. Ela nem me deixou tentar. Nunca fomos capazes de ser verdadeiramente felizes.
O que diabos você quer dizer com isso?
Inclinei minha cabeça em confusão.
— É porque ela foi amaldiçoada — disse ele.
Eu ainda não consegui entender o que diabos ele queria dizer.
— Vou contar o resto da história a ela, Mestre.
Foi quando pratos de comida começaram a aparecer fazendo barulho na mesa. Aparentemente, já estávamos conversando há algum tempo. Tempo suficiente para Eustia terminar de cozinhar.
— Mas antes de continuarmos, por favor, coma. Seria uma pena deixar esfriar.
Eustia tinha um sorriso doce.
Depois da refeição, Eustia lavou a louça, colocou três xícaras de chá na mesa e disse com uma pitada de constrangimento:
— Se estiver tudo bem, gostaria de contar o resto da história eu mesma…
— Giulio me disse que você não é uma criada comum, mas… — Curvei-me levemente, agradecendo o chá e tomei um gole.
— Certo. Não sou uma serva comum, quero dizer, normalmente, uma escrava nunca teria uma vida tão feliz, certo?
— …
— E isso não é tudo. Acho que você será capaz de adivinhar, mais ou menos, agora que ouviu falar da minha infância, mas… — disse ela com naturalidade —, eu sou uma escrava perversa que trouxe a morte a todos os mestres que já tive.
Durante toda a sua vida, ela passou de mestre em mestre, por meio de todos os tipos de mãos. Uma vez, foi seu mestre que morreu; outra vez, foi o filho do senhor… Sem falta, a morte seguia a garota e ela sempre voltava para o traficante de escravos, e o ciclo continuava.
Eustia não tinha matado ninguém intencionalmente, é claro. Ela não tinha força para isso, nem constituição. Desde que nasceu, esta menina viveu toda a sua vida como uma serva ideal.
Quando o primeiro homem a comprá-la acabou morto, ela sentiu um alívio profundo em seu coração. Seu primeiro mestre era do tipo que lançava as mãos sobre suas servas. Ele morreu logo depois de atacá-la.
O próximo homem a comprá-la não tinha sido tão ruim, mas seu filho gostava dela. O menino morreu depois de tentar estuprá-la.
Repetidamente, os homens procuraram tirar vantagem da serva vulnerável e cada um deles teve um fim prematuro e ela acabaria voltando para o traficante de escravos.
Eustia percebeu que havia algo estranho dentro dela.
— Eu tive algum tipo de maldição colocada em mim. Era quase como se fosse venenosa.
O contato com sua pele era relativamente inofensivo; o veneno, disse ela, estava em seus fluidos corporais, como saliva e suor, entre outros.
— Um homem que roubou um beijo meu caiu morto no local. Homens que tentaram… me violentar, tiveram o mesmo destino. Cada um que tocou meu corpo morreu logo depois. É por isso que não sou uma serva comum — disse ela.
— Como você ficou assim…?
— É uma história de muito tempo atrás — respondeu Eustia. — Tinha acabado de ser vendida como escrava. Uma velha bruxa suja e enlameada foi ao mercado de escravos.
Eustia não tinha dado uma olhada na bruxa sob seu capuz pesado, mas ela se lembrava claramente do que a mulher fez com ela.
A bruxa estendeu sua varinha em direção à gaiola da garota. Então tocou o rosto da garota e disse o seguinte: “É minha vontade que você nunca seja propriedade de outra pessoa. E assim será!“
Eustia não fazia ideia do que essas palavras deviam significar. Ela apenas se lembrava de ter ficado muito intrigada com o sorriso gentil da bruxa quando ela a tocou.
Mesmo quando o traficante de escravos a vendia como mercadoria, essas palavras estavam sempre em sua mente.
E quando os homens que a compraram começaram a morrer, um após o outro, ela soube.
— Para que aquela bruxa de aparência miserável pudesse colocar as mãos em mim… Ela deve ter colocado uma maldição em mim quando me tocou, para que eu não pudesse ser levada por nenhum outro mestre. E, assim, acabei voltando várias vezes para o traficante de escravos.
— …
— Bem, algum tempo depois que Mestre Giulio me comprou, descobri um certo boato. Ouvi dizer que uma bruxa assustadora estava procurando por mim. Só então finalmente acreditei. A bruxa me queria para ela.
Então ela consultou Giulio. Ele largou o emprego na mesma hora e se retiraram para sua casa atual na floresta. Aparentemente, ele não precisava de dinheiro, afinal, estava bem de vida para ter comprado facilmente uma escrava cara.
E então, os dois bolaram um plano para emboscar a bruxa. Espalharam boatos sobre um casal que vivia na floresta proibida. Logo, os rumores chegaram aos ouvidos dela.
— A bruxa chegou em nossa casa há alguns dias. Ela atacou meu mestre… estava tentando matá-lo. Não importa o quão habilidoso guerreiro seja meu mestre, ele estava lutando contra uma bruxa… Não havia como vencer. É por isso que…
Ela torceu as mãos.
Seus dedos finos e brancos tremiam ligeiramente.
— Eu matei a bruxa.
A bruxa queria tanto Eustia. Era só uma questão de ir até ela, como ela desejava. Então, uma facada em suas costas indefesas e tudo acabou.
Na verdade, tinha sido uma questão simples.
E com a morte da bruxa, a maldição foi suspensa. Tudo foi resolvido com aquele único movimento. O mal foi vencido e agora os dois amantes poderiam ficar juntos para sempre.
Esse era o enredo da história deles até o momento.
— Meu mestre realmente me salvou. Graças a ele, finalmente fui libertada da terrível maldição. Finalmente estou livre, é por isso que quero me casar com ele e passar o resto da minha vida com ele.
Eustia estava praticamente radiante.
— No entanto, há apenas uma coisa… gostaria de algum dia encontrar minha mãe. Tenho certeza que ela não queria me abandonar. Eu simplesmente sei disso. Em minhas memórias, ela parecia tão gentil. Quero esperar aqui por ela, pelo tempo que for preciso — disse Eustia.
Me pergunto se ela vai continuar a viver uma vida feliz, agora que a bruxa que lhe causou tanta dor se foi…
Esperando lá, por sua mãe…
Uma semana antes…
Estava dando um passeio ao luar por uma cidade distante, longe da floresta proibida, quando encontrei uma mulher estranha.
— …
Pode achar que é rude chamá-la de mulher estranha, mas quando vi a maga caída de bruços no centro da avenida principal, a princípio pensei que ela estava doente ou ferida e entrei em pânico.
Então corri e ajudei a mulher a se sentar.
— V-você está bem?! — Até minha voz estava estranhamente errática.
— Hm… sinto muito… eu… uhhh… não consigo me mover…
Ela parecia estar viva. Olhando mais de perto para a mulher de longos cabelos negros, vi que ela usava um broche em forma de estrela no peito e deduzi que era uma bruxa, mas seu broche era bastante antigo. Ela provavelmente era uma bruxa há bastante tempo.
Poderia deduzir que provavelmente era muito habilidosa.
O que diabos poderia ter trazido uma bruxa tão poderosa a este lugar…?
Cautelosamente, meus olhos correram pelos arredores.
— Gurgururu!
O grito de alguma besta desconhecida encheu o ar. Me perguntei se algum monstro terrível estava rondando fora de vista e se aquela besta terrível era responsável por atacar essa bruxa.
…
Não, apesar dos meus medos, o barulho horrível obviamente vinha da barriga da mulher. Era simplesmente o grito de um estômago que não suportava mais ficar vazio.
— Estou com tanta fome… não como nada há três dias…
Assim que ela disse isso, a mulher desmaiou bem ali, nos meus braços.
— …
Isso de novo?
De agora em diante, se eu avistar alguém caído na rua, acho que vou simplesmente ignorar.
— Tenho uma grande dívida com você… Recentemente, tenho corrido de cidade em cidade, então raramente tenho tempo para uma refeição. Pensei que estava prestes a morrer, com meu destino bem na frente dos meus olhos…
Por fim, levei a mulher faminta de volta ao meu quarto de hotel e ofereci a ela o sanduíche que comprei para o jantar.
Enquanto ela reprimia seu estômago roncando, a mulher me disse que seu nome era Sirith e também revelou que era uma bruxa viajante. Ela e eu tínhamos muito em comum, parecia. Me senti estranhamente próxima dela.
Também fiz uma apresentação simples, um pouco tarde, e ela disse exatamente o que eu estava pensando.
— Deuses! Eu sabia que sentia alguma conexão com você!
Entendo, entendo, então suponho que somos semelhantes, em alguns aspectos.
Contudo…
— Por que você estava correndo de cidade em cidade? Você estava fugindo de alguém que ofendeu? Ou entrou em apuros depois de tentar executar um golpe e ser pega pela polícia? Tenho certeza de que isso não é incomum para uma bruxa viajante… certo?
Se eu entendesse a situação, seria perigoso passarmos muito tempo juntas. Seria mais seguro para nós duas se nos separássemos o mais rápido possível, pensei.
No entanto, ela rapidamente balançou a cabeça para mim.
— Não, sou uma bruxa viajante. Nunca fiz nada como ofender um anfitrião ou enganar as pessoas para tirar seu dinheiro. Sou uma viajante e uma bruxa e me mantenho nos mais altos padrões.
— C-Certo… É assim que as bruxas viajantes são, com certeza. Definitivamente, nunca causamos problemas nos lugares que visitamos.
— Hmm? Há algo interessante lá fora?
— Oh, n-nada…
Eu estava olhando fixamente para fora da janela. A lua parecia brilhante no céu claro, ao contrário da conversa nublada para a qual estávamos indo, então limpei minha garganta uma vez, com força, e nos conduzi de volta ao curso.
— Então, por quê você desmaiou?
— Estava em pânico. Existem todos os tipos de razões mais profundas para isso, mas… — Quando disse isso, a bruxa mais velha de repente olhou diretamente para mim. — Hm, a propósito, vou te perguntar algo não relacionado, mas… Elaina, você já visitou muitos lugares perto daqui?
— Não, na verdade não… ainda não.
— Nossa… — A expressão de Sirith anuviou-se, como se eu a tivesse desapontado de alguma forma. — Então você não sabe sobre a Floresta Errante?
— Hmm? Não…
A Floresta Errante?
Entendo, entendo. Só pelo nome, posso dizer que é um lugar estranho.
Pode ser divertido ir vê-la se eu tiver tempo livre.
— Estou indo para lá… — continuou Sirith. — Então, você também não deve saber sobre a pessoa que vive no meio da Floresta Errante, certo?
Concordei.
— Infelizmente não.
— Entendo…
— Então… — perguntei —, você está indo para esta Floresta Errante?
— Sim. Vou encontrar essa pessoa. — Ela me contou pouco a pouco. — Estou procurando alguém há muito tempo e… ouvi um boato de que fizeram uma casa nas profundezas da floresta.
— E essa é a pessoa que você está procurando?
— Provavelmente. Devem ser. — Sirith acenou com a cabeça calmamente. — Bem, ainda não tenho certeza de nada, então esperava conseguir algumas informações de uma companheira de viagem, mas… Se você não sabe de nada, não há nada a ser feito sobre isso.
Não havia como eu saber sobre as pessoas que moravam lá, eu tinha acabado de aprender sobre essa fascinante Floresta Errante. Como ela disse, não poderia realmente ajudá-la.
— Por que você está procurando por essa pessoa?
Poderia dizer que também não havia como ajudar a minha curiosidade.
Em resposta à minha pergunta sincera, Sirith respondeu, muito diretamente:
— Porque ela é minha filha. Ela foi vendida como escrava quando era apenas uma criança. Minha filha está naquela floresta.
Há muito tempo, Sirith vivia em uma terra distante. Ela tinha um título bastante perturbador – a Bruxa da Maldição – mas cumpria um papel essencial na proteção do país. Ela era altamente considerada em sua terra natal, pois sua área de maior especialidade eram as maldições que, uma vez lançadas, nunca poderiam ser removidas, exceto por sua vontade… ou sua morte.
A casa de Sirith havia passado por um período de conflito e guerra, entende?
Ela eliminou traidores que vendiam segredos do governo, usou seus poderes para manipular líderes inimigos e até azarou os soldados de sua própria nação para que não sentissem medo. A Bruxa da Maldição certamente fazia jus ao seu apelido horrível.
Entretanto, todos os seus esforços terríveis foram em vão e sua pátria estava fadada à ruína.
Ela expôs tantos traidores que a paranóia tomou conta da cidade e sempre que um de seus líderes morria inesperadamente, as pessoas presumiam que ela os havia amaldiçoado. Os soldados que haviam perdido todo o medo da morte fugiram em missões suicidas para o território inimigo e, um a um, morreram.
A nação confiou muito na Bruxa da Maldição e se condenou no processo. A cidade rapidamente se desintegrou. Estava indefesa contra uma invasão inimiga.
— Quando ficou claro que o inimigo ia invadir, fiquei com os soldados para ganhar tempo para os civis saírem. Minha filha escapou com os outros.
— …
— Todos os soldados morreram e eu lutei até que minha energia mágica estivesse quase exausta. Depois de ganhar o máximo de tempo que pudesse, deveria me conectar com as pessoas que haviam escapado e fugido para algum lugar fora do país, mas no ponto de encontro designado, encontrei uma pilha de cadáveres.
— O que aconteceu com seus concidadãos que fugiram…?
— A maioria dos adultos foram mortos. A maioria das crianças foram levadas pelo inimigo. Aparentemente, perceberam nosso plano. Achei que estava os segurando, mas, na verdade, estavam apenas nos mantendo ocupados.
— Então, sua filha…?
— Ela foi tomada pelo inimigo como uma escrava.
Suponho que você não tenha conseguido salvar sua filha.
Nem mesmo uma bruxa poderosa poderia marchar contra um exército inimigo sozinha e esperar fazer tudo certo. E mesmo se sua filha tivesse sobrevivido, não havia garantia de que Sirith poderia encontrá-la. Tenho certeza de que não passaria despercebido por ela.
— Depois que minha filha foi sequestrada, entrei no país inimigo apenas uma vez.
Certamente haveria mais do que algumas pessoas que reconheceriam a Bruxa da Maldição, então ela se vestiu como uma vagabunda, cobriu o rosto com um capuz pesado e foi disfarçada no bairro dos escravos.
Quando ela viu sua filha no distrito de escravos, quão triste deve ter ficado! Como deve ter desejado salvá-la! Mas ela estava cercada pelo inimigo. O resgate era impossível.
Sirith me disse que tudo o que conseguiu fazer foi enfiar a varinha na gaiola da filha. Ela não podia arriscar causar um alvoroço.
— Tudo que podia fazer era garantir que ninguém pudesse machucar minha filha.
Sua filha, que estava alinhada como uma mercadoria.
Sirith disse:
— É minha vontade que você nunca seja propriedade de outra pessoa. E assim será! — E colocou uma maldição sobre ela.
Foi uma maldição que envenenou sua saliva, suas lágrimas, seu suor, todos os seus fluidos corporais. Não importa o terrível mestre que a comprasse, não importa os abusos que sofreria, pelo menos ninguém poderia tomar sua dignidade mais privada.
Isso foi tudo que Sirith foi capaz de fazer por sua filha – por Eustia – naquela época.
— Depois disso, saí da cidade. A maldição não teria utilidade se eu tivesse morrido, afinal, então… não havia mais nada a ser feito.
E então ela esperou, ganhando tempo enquanto viajava pelo mundo, o tempo todo nutrindo um desejo secreto de encontrar sua filha novamente. Ela se agarrou à esperança de que sua filha de alguma forma escapasse de seu lugar de escravidão e onde quer que fosse, perguntava sobre uma escrava com lindos cabelos negros.
Mais de dez anos se passaram.
— Finalmente… finalmente chegou a hora. Ouvi um boato de que minha filha perdida foi levada por um novo mestre para viver nas profundezas da Floresta Errante. Finalmente, posso salvá-la…
Sirith cerrou os punhos com muita, muita força.
Depois de todos esses anos, sua maior esperança estava à vista.
— Espero que você possa encontrar sua filha com segurança — falei. — Então, o que está planejando fazer depois que vocês duas se reunirem?
Com essa pergunta, ela pensou por um momento, então respondeu:
— Vamos ver… depois de afastá-la de seu mestre cruel, acho que vou me aposentar para viver na floresta com ela. No meio da Floresta Errante, devemos ser capazes de viver em paz.
Sirith sorriu satisfeita.
Depois que Eustia acabou de me contar toda a sua história, eu estava pronta para partir.
— Obrigada pela refeição. Estava uma delícia. Realmente gostei. — Me curvei formalmente. — Eu realmente tenho que ir, então vou me despedir.
— Ah, nesse caso, acompanho você para ir embora. — Eustia se levantou de seu assento e tamborilou na minha direção.
Afinal, ela havia prometido me acompanhar.
— Se você pretende me levar pela floresta como prometeu — falei —, não será necessário. Posso encontrar meu próprio caminho… Se for preciso, posso voar acima da floresta na minha vassoura. — Balancei minha cabeça lentamente. — Bem, então…
Abri a porta e saí. Eustia ficou ali, um braço estendido, como se para me impedir, mas mantive meus olhos baixos enquanto corria.
Não aguentava mais ficar naquele lugar.
A casa estava situada em uma pequena clareira na floresta. A roupa estava secando em um varal próximo. O lugar tinha uma sensação de vivência.
Ao lado da casa estava o túmulo de alguém. Não consegui ver o nome, mas pelo frescor da terra revirada, poderia dizer que quem foi enterrado lá havia falecido recentemente.
Tinha certeza de que a sepultura havia sido cavada apenas alguns dias antes.
— Elaina.
Giulio gritou enquanto eu me demorava perto do túmulo. Ele correu até mim, sozinho. Eustia ainda devia estar lá dentro.
— Esqueci algo? — Fingi confusão.
Ele balançou a cabeça.
— Você não esqueceu nada. Só estava preocupado porque você parecia um pouco chateada com o final da história.
Achei que estava me segurando muito bem, mas acho que ele viu através de mim.
Desviei o olhar.
— Não é nada, sério. — Meu olhar caiu sobre o túmulo aos meus pés. Estava apenas ali, uma pilha solitária de sujeira e nada mais.
— … — Giulio seguiu meu olhar — Nem Eustia nem eu temos ideia do que essa bruxa estava pensando quando lançou a maldição sobre Eustia. Ela morreu antes de poder nos contar a verdade, entende?
— Posso ver isso…
— Às vezes me pergunto… me pergunto se essa bruxa era realmente tão má. O que ela fez deixou Eustia infeliz, sem dúvidas. Foi uma maldição cruel que fez com que ela nunca pudesse viver uma vida normal… Um pouco como forçá-la a uma vida de escravidão.
— …
— Sabe, sempre achei que a bruxa era má, mas às vezes acho que talvez não víssemos tudo. Talvez aquela bruxa tivesse algum bom motivo para lançar a maldição em Eustia. Tenho a sensação de que pode ser o caso. De qualquer forma — murmurou Giulio —, construí esta sepultura como uma pequena tentativa de expiação.
E então…
— E você? — Ele se virou para olhar para mim.
— Eu?
Giulio acenou com a cabeça bruscamente.
— Ninguém entra na Floresta Errante sem um bom motivo — disse ele —, então deve ter havido algo. Por que mais você sairia do seu caminho para andar pelo meio da floresta, mesmo sabendo que pode voar em sua vassoura?
— …
— Talvez você tenha vindo se encontrar com alguém…
— Não.
O interrompi, balançando minha cabeça.
Ninguém entrava na floresta sem um bom motivo… Bem, mesmo supondo que eu tivesse um bom motivo, não ia contar a eles qual era. Nunca.
Talvez eu tivesse ido me encontrar com alguém, mas isso não tinha mais nada a ver com os dois.
E então, menti o melhor que pude.
— Só queria pegar um atalho. Sério, era só isso.
Tradução: Nero
Revisão: Sonny Nascimento
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