Eu estava sendo observado.
Senti seus olhares assim que entrei na sala de aula. Todos me olhavam e sussurravam:
— É ele.
— O cara que se cagou enquanto corria…
— Ouvi dizer que soltou uma bomba no meio da rua, onde todo mundo podia ver.
Olhei com raiva para Esquel e Bat, e os olhos deles mexiam-se nervosamente para outras direções da sala.
— O-ontem foi um verdadeiro desastre.
— B-bom dia. Deve ter sido complicado para você.
— Pois é, bom dia. E hoje está ainda pior.
Ambos tinham um sorriso rígido, e eu soltei um enorme suspiro.
— E-então, trouxeram os chocolates de ontem? — Esquel pegou uma sacolinha.
— Eu sim — disse Bat.
— Sim, eu acho — falei.
— Beleza. Durante o almoço, a Operação: Entrega de Presente começará!
— Ooh, estou tão animado!
— Sim, que seja.
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O que nos traz ao almoço.
Seguimos Esquel, que disse que iria nos mostrar como era feito.
Ele estava no corredor, próximo à sala de aula dos alunos do segundo ano enquanto o observávamos de longe.
— Ele vai direto nas veteranas? Vai lá, Esquel.
— Sim, que seja.
Depois de alguns segundos, uma garota bonita saiu da sala.
— Hã, hmm… aqui. — Esquel estendeu o chocolate.
— Ei, você tem algum assunto com a minha noiva? — Um par de mãos grandes agarrou seus ombros.
Havia um veterano bombado atrás dele.
— Ah… eu… eu só…
— Vamos lá fora para, sabe, conversar sobre isso.
Nós dois ignoramos o olhar nervoso dele e nos viramos.
— Vamos indo.
— Sim, que seja.
Pude ouvir Esquel gritando atrás de mim.
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Bat me levou até a biblioteca. Era um recurso gigantesco compartilhado entre as escolas para cavaleiros negros e ciências. Naturalmente, não era um lugar que os atletas usavam para dar um passeio. No entanto, é claro, também não era um lugar para mim.
— Quer dizer que vai atrás de alguém da Academia de Ciência.
— Sim. Não pretendo fazer a mesma abordagem que Esquel. Sabe, fiz uma investigação completa sobre ela. Conheço seus amigos; comidas favoritas; o número do quarto dela; que banheiro usa; o número que calça e o cheiro dos seus pés; a cor da sua calcinha; medidas do quadril; busto e cintura; e também bebi do mesmo copo que ela…
— Beleza, já chega. Vai lá de uma vez.
Arrastei Bat para dentro da biblioteca e me afastei. Não vi o que aconteceu depois.
— Eeeeeeeek!! É aquele cara! O meu stalker!
Quase que na mesma hora, ouvi um grito atrás de mim.
O saquinho de chocolates balançava enquanto eu andava pela biblioteca. Eu quase nunca vinha aqui, mas era bacana.
Então, falei com a primeira garota da Academia de Ciência que encontrei.
— Para você, são alguns chocolates.
— Hã? — Ela era uma menina bonita de cabelo rosado.
Entreguei o saquinho de chocolates e saí.
— Espera! O quê?
Ouvi ela ficando confusa. Acho que já vi o seu rosto antes, mas não me lembrava onde.
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— O que será isso…?
Uma garota bonita com cabelo cor de pêssego, em uma sala de estudo, inclinava a cabeça para o lado. Ela examinava os objetos marrons na caixa com olhos tranquilos. Mesmo depois de colocar o objeto de aroma agradável na mão, não foi capaz de identificar o que era. Tinha quase certeza que o garoto chamou aquilo de chocolate quando lhe deu.
— Sherry, está tudo bem?
Um homem de meia-idade, de cabelos grisalhos penteado para trás, estava atrás dela.
— Vice-diretor Lutheran…
— Você prometeu que me chamaria de Pai quando estivéssemos a sós.
— Pai adotivo. — Sherry sorriu, desconfortável.
— Como conseguiu essa caixa de chocolate?
— Chocolate? Um garoto da Academia para Cavaleiros Mágicos me deu.
— Não me diga. — Lutheran afagava a barba, pensativo. — Esse é um lanche de luxo. Todas as garotas estão falando dele, e eu acho que esse garoto te deu de presente.
— O quê? Mas nem o conheço.
— Chamam isso de “amor à primeira vista”. Este é o chocolate mais nobre do mudo. Pode ficar na fila desde o alvorecer e ainda não ser capaz de comprá-lo. Ele deve ter feito o impossível para conseguir isso para você.
— Amor à primeira vista… — murmurou Sherry, com as bochechas tingidas de rosa.
— Como irá respondê-lo?
— Responder…?
— Ele deve estar esperando a sua resposta.
— M-mas eu… — O seu rosto ficou corado, e os olhos iam de um lado para o outro.
— Você não está aqui apenas para fazer pesquisas. Devia aprender a interagir com os outros também. É para isso que serve a escola.
— Eu vou…
Ele sorriu gentilmente para Sherry, que inclinou a cabeça.
— Está indo tudo bem com o artefato?
— Acabei de começar. — Sorriu, preocupada, com as bochechas ainda coradas.
— Isso é completamente compreensível.
— Mas sei de uma coisa: está escrito em um código único.
— Um código único?
Sherry abriu os documentos sobre a mesa.
— Acredito que era usado por um país antigo ou organização. E… é quase idêntico ao da pesquisa da minha mãe.
— Ah, a pesquisa da Lukreia… Ela era uma grande pesquisadora também. — Lutheran fechou os olhos, como se lembrasse do passado.
— Preciso desvendar o código que a Mãe pesquisou antes de falecer.
O rosto que examinava era realmente o de uma pesquisadora brilhante, sem dúvidas.
— É o trabalho perfeito para você.
— Obrigada.
Quando Lutheran acariciou a cabeça dela, Sherry ficou envergonhada.
— Onde o artefato está agora? — perguntou ele.
— Um cavaleiro está o protegendo no outro aposento.
— Não está com você?
— Só quando necessário. É importante para mim pensar em paz. Além disso, fico nervosa demais perto dos cavaleiros.
— Entendo. Cof, cof… P-perdão… — Lutheran virou-se para tossir.
— Pai! Você está bem? — Sherry entrou em pânico e esfregou as costas do homem esquelético e de bochechas afundadas.
— E-estou bem. Está tudo certo. — Lutheran acalmou a respiração. — E ontem eu ainda estava me sentindo bem. Acho que a doença pode ser imprevisível.
— Pai…
— Não se preocupe comigo. Mais importante, recebi outra mensagem da cidade acadêmica, perguntando se você gostaria de estudar no exterior.
— A cidade acadêmica, Laugus…
— O estudioso mais brilhante do mundo reconheceu a sua pesquisa. Se estudar em Laugus, suas habilidades só irão melhorar. É uma oferta fantástica.
Sherry balançou a cabeça.
— Não posso lhe deixar sozinho e doente, Pai.
— Não precisa se preocupar comigo, Sherry.
— Eu teria morrido se você não tivesse me adotado quando a Mãe faleceu. Vou te ajudar… por ter me ajudado — disse, com lágrimas se formando nos olhos.
— Sherry… você é uma filha maravilhosa. — Lutheran respondeu com um sorriso gentil. — Boa sorte na sua pesquisa. E coma o seu chocolate.
— Eu vou…
Lutheran saiu da sala de estudo, e Sherry colocou o chocolate na boca.
— É doce… e delicioso.
Então, pegou um segundo pedaço.
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Eu estava voltando para casa depois de um dia sem Alexia, Esquel nem Bat.
O campus havia assumido uma tonalidade laranja com o sol poente. Andava pelo local em que não tinha muitos alunos, quando uma garota se aproximou repentinamente de mim. O seu uniforme indicava que estava no segundo ano da Academia de Ciência. Seu cabelo castanho-escuro formava um coque, enquanto um par de óculos cobria seus olhos castanho-escuros.
Mas um personagem secundário experiente podia ver: ela era uma beldade imperceptível que fingia ser uma personagem qualquer.
— Ei, posso falar com você por um minuto?
Já tinha ouvido aquela voz antes.
— Nu? — sussurrei, e ela assentiu em resposta.
É uma loucura como uma mudança de penteado e maquiagem podem esconder uma mulher elegante.
— Está planejando entrar para a escola? — perguntei em voz baixa.
— Não, estou apenas pegando esse uniforme emprestado, já que me ajuda a me misturar com os outros.
— Entendo.
Não conheço a maioria dos alunos daqui. Contanto que esteja de uniforme, há uma boa chance de que continuará sem ser descoberta.
— Onde quer conversar?
— Vamos até aquele banco.
Não havia ninguém perto do banco que tinha vista para todo o campus, e nós dois nos sentamos sob o brilho cintilante do pôr do sol.
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Nu observava a academia. Por trás dos óculos, estreitou os olhos.
Se sua vida tivesse sido diferente, estaria no segundo ano. Até o dia em que foi abandonada por ser uma possuída, sempre acreditou que teria um futuro pacífico e de sucesso.
Mas isso acabou não sendo mais do que fantasia.
Mal sabia ela que tudo o que assumiu como certo – amigos, família, a própria vida – estava no topo de uma torre fina de gelo. Nu era uma criança feliz que não sabia o que se espreitava por baixo da estrutura frágil.
Seus olhos observavam os alunos com inveja e tristeza, e ela reconhecia alguns dos seus rostos.
Em muitos círculos sociais, era conhecida como a filha de um marquês, vivendo uma vida afluente.
Porém, esse tempo passou. Foi apagada da história da sua família, como se nunca tivesse existido.
Sua dúvida era quantos amigos seus ainda se lembravam dela.
Talvez falassem sobre ela, mas achou que era mais provável que espalhassem rumores de ódio.
Isso era o que acontecia com possuídos.
Não havia motivo para se encontrar com Shadow na escola em plena luz do dia, mas não podia abandonar seu último fio de esperança. Queria acreditar que tinha um canto tranquilo neste campus. Queria saborear este sonho tolo.
Nu sorriu.
Ela não tinha lugar para chamar de lar, mas possuía companheiros que compartilhavam do mesmo objetivo. E, sentado perto dela…, estava o seu amado mestre.
Ele começou lutando sozinho. Mesmo que fosse o último homem do mundo, continuaria a lutar. Sua existência era o que continuava mantendo o Jardim das Sombras de pé.
Pessoas eram frágeis e queriam confiar em algo definitivo. Se deus fosse essencial para o mundo, Shadow era essencial para o Jardim das Sombras.
Mas ela acreditava que ele era melhor que deus. Se abrisse os olhos, podia vê-lo… e se estendesse a mão, podia tocá-lo.
— Hmm? O que foi?
— Tem algo em você. — Nu arrancou um fio puxado do ombro dele e olhou para seu perfil. — Por favor, não conte a Gamma sobre isso. Ela ficaria irritada se soubesse que entrei de fininho no campus em plena luz do dia.
— Pode deixar. Mas fiquei bastante surpreso. Essa maquiagem faz você parecer totalmente diferente.
— Meu rosto é brando, por isso é fácil eu mudar de aparência. Sempre fui boa com maquiagem. Acho que posso dizer que é um antigo hobby meu.
— Uou, e a sua identidade na Mitsugoshi?
— Quando estou lá, me faço parecer mais velha do que realmente sou.
— Entendo. A propósito, quantos anos tem?
— É segredo. — Nu mostrou um sorriso sedutor. — Estou aqui para reportar sobre o incidente de ontem com o homem de preto.
— Ótimo.
— Interroguei o impostor, mas não consegui tirar nada dele. Suspeito que uma lavagem cerebral poderosa tenha destruído sua mente. A julgar pelas outras características físicas, ele é uma Terceira Criança.
— Hã?
As Crianças do Diablos.
Quando o Culto encontrava órfãos empobrecidos ou jovens cidadãos que possuíssem um pouco de magia, seus membros os tiravam das ruas e os criavam em um local especial. Lá, as crianças passavam por um treinamento brutal e lavagem cerebral. Eram enchidos de drogas e menos de dez por cento deles conseguia se “graduar”.
As Terceiras Crianças eram a parte dos dez por cento que consideravam inúteis. Só existiam para serem sacrificadas e abandonadas. Com mentes corrompidas demais para vazar informações secretas, as Terceiras eram mais poderosas do que um cavaleiro comum.
As Segundas eram mentalmente estáveis. As poucas Primeiras na existência eram consideradas grandes guerreiros no mundo.
Nu não disse isso a Shadow, é claro. Não achava que precisava explicar conhecimento comum para ele.
— O Culto está claramente envolvido nesses incidentes. Imagino que o propósito deles seja nos atrair.
— Hmm.
— Mas este não é o seu único objetivo. Outro dia, confirmamos a existência de uma Primeira Criança Nomeada na capital. Ele se chama Rex, o Jogo de Traição. Estou supondo que estão se reunindo por um propósito em particular. Neste exato momento, não sabemos onde Rex está, mas já estamos investigando o problema.
— Hmm?
As Crianças Nomeadas.
Eram as Crianças do Diablos que contribuíram grandemente para o Culto. A maioria dos Nomeados eram Primeiras Crianças, mas havia casos raros de Segundas. Alguns Nomeados subiram nos rankings até se tornarem Cavaleiros da Távola Redonda, motivo pelo qual diziam que este título era a chave para o sucesso.
E um membro do Jardim das Sombras costumava ser uma Primeira Criança Nomeada. Todas as informações foram dadas por esta mesma mulher.
No entanto, Nu pulou todos estes detalhes, é claro, pois imaginou que ele já soubesse.
— Por favor, tome cuidado. O Culto está tramando algo. Vamos continuar investigando e reportaremos assim que soubermos de algo.
— Hmm.
O sol do fim da tarde estava sumindo no horizonte. Aquele brilho fraco deixou as nuvens com a cor carmesim.
Nu abanou o pescoço, o qual estava levemente suado devido ao calor, e se levantou. Depois de se espreguiçar ao seu lado, Shadow ficou de pé.
Poderia ter existido dias em que conversariam como namorados e passariam seus dias juntos na escola. Nu sorriu melancolicamente, imaginando como poderia ter sido.
E, mesmo que fosse um momento de indulgência…
— Ei, não sabe como acompanhar uma dama?
— Acompanhar? Você diz assim?
Ele esticou o braço esquerdo, e ela se segurou nele, andando lado a lado, então sorriu.
Este era o futuro que deveria ter tido.
Um aluno gritou de longe:
— Lança bostaaaaaa!!
Nu estalou a língua, irritada.
Reconheceu o garoto que arruinou o clima. Era um pedaço de lixo que sempre dava em cima dela em seus círculos sociais. Então, decidiu dar uma surra nele depois.
Perto dela, Shadow olhava ao redor, por algum motivo nervoso. Nu então apertou seu braço esquerdo.
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Quem é o cavaleiro negro mais poderoso da escola? Dois anos atrás, a resposta teria sido Iris Midgar.
Depois que se formou, um novo campeão deveria reinar sobre a Academia Midgar para Cavaleiros Negros. Pelo menos, era isso que todos pensavam.
Mas um campeão apareceu do nada. Uma pessoa misteriosa, assumindo uma forma incomum de subida até a ditadura absoluta sobre a academia.
E o seu nome era Rose Oriana.
Era uma aluna transferida da terra da arte e cultura, conhecida como Reino Oriana, onde ela era filha do seu governante, Rei Raphael Oriana.
O Reino Oriana e o Reino Midgar são aliados. E, embora fosse esperado que se transferisse para a Academia de Midgar para Cavaleiros Negros, ninguém nunca imaginou que se tornaria a campeã absoluta da escola.
Para ser franco, não importava se era esperado ou não.
O problema era que Rose Oriana era a minha oponente na primeira rodada do torneio preliminar.
Eu tinha a opção de me retirar.
Esquel teve uma discussão sobre amor com um veterano que usou os punhos. Bat recebeu uma advertência disciplinar por entrar no dormitório das garotas. Isso basicamente significava que eu poderia sair das preliminares se inventasse alguma desculpa.
Mas, agora que penso sobre isso, perder para a campeã invencível na primeira rodada era o padrão absoluto.
Era adequado para um personagem secundário, sem dúvida.
Não iria me retirar. Minha missão era participar da luta mais normie do mundo… de normies para normies!
Por isso eu estava agora desembainhando minha espada na frente de uma enorme multidão.
A Princesa Rose Oriana estava diante dos meus olhos.
Com seus cabelos cor de mel elegantemente cacheados, Rose usava uma vestimenta de combate estilosa e portava uma espada fina. As curvas em seu rosto eram gentis, sua silhueta, estelar, e tudo sobre ela era simplesmente chique. Era o que se esperaria da princesa de um país de artes.
Além disso, Rose também era a presidente do Conselho Estudantil, mesmo que fosse uma aluna do segundo ano transferida. Graças à sua beleza, força e popularidade, as pessoas torciam por ela o suficiente para fazer todo o estádio tremer.
Ninguém gritava o meu nome. Eu meio que queria que torcessem por um companheiro de nação, mas que seja.
Este é o palco para um personagem secundário. O melhor de todos.
Minha espada balançava violentamente na minha mão.
Será que já me senti tão nervoso assim antes de uma luta? Ela poderia vencer, cometer um assassinato, me vaporizar sem deixar rastros…, mas tudo isso era simples demais. Ninguém queria ver uma desculpa insatisfatória. Queriam me ver ter uma derrota pior do que a de qualquer outro.
Como se define “o ato de ser normie”?
Eu estava entrando em um território filosófico.
Mas não tema. Dominei a técnica Quarenta e Oito Estilos do Mistério Secundário em preparação para este dia.
— Rose Oriana contra Cid Kagenou! — anunciou o juiz.
Faíscas elétricas disparavam de nossos olhos – as íris cor de mel dela e os meus olhos comuns.
Ei, Rose Oriana. Vai conseguir acompanhar?
Mantenha-se na luta suprema com um personagem de fundo!
— Comecem a batalha.
O florete de Rose dançou pelo ar no momento em que a disputa começou. Movia-se belamente, em espirais afiadas, enquanto se aproximava do meu peito.
Se eu fosse um verdadeiro personagem secundário, não seria capaz de reagir a tempo.
Mas conseguia ver.
Eu vi… e não me movi. Não poderia deixar que ela visse uma única reação.
— Por quê? Porque é assim que agimos.
Não movi um centímetro sequer até que o florete atingisse o meu peito. A ponta da arma era cega para a rodada preliminar, mas isso não significava que eu sairia ileso.
O florete tocou meu peito.
Naquele momento, me movi.
Sem mostrar qualquer outro movimento, lancei-me para trás usando a força em meus dedos dos pés e usei o impulso do florete contra o meu peito para iniciar um giro.
De um bolso secreto próximo ao meu pulso, rasguei um saco cheio de sangue que coletei para o dia de hoje.
Tudo isso levou menos de um segundo.
Eu estava girando para trás enquanto jorrava sangue como uma fonte.
— PLEEEEEEEEEEEEGH!!
Como um tornado vermelho-rubi, criei uma belíssima obra-prima enquanto espalhava sangue.
Chamo essa de Técnica Secreta Normie: Guarda Rotativa, Tornado Sangrento.
Choquei-me desajeitadamente contra o chão e rolei.
Os aplausos da audiência agitaram a arena.
— Guh… guh… gyaaaaaahhhh! — Rasguei outro saco e começou a cuspir sangue para todo lado.
Foi perfeito!
Todo mundo ali com certeza acha que sou um personagem secundário. Quase mostrei um sorrisão depois da minha demonstração nota dez, mas parei.
Ainda não tinha acabado.
Isso mesmo. Ainda não era o fim.
— Gurg, ga-aaah, AAAAAARGH!! — Fiquei de pé, fingindo estar literalmente a dez segundos da morte.
Sim… isso porque ainda tinha mais quarenta e sete técnicas para mostrar.
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Como ele ainda fica de pé?
Rose Oriana ficou chocada com o garoto que continuava se levantando não importava quantas vezes era derrubado.
Ele estava encharcado de sangue, e ninguém sabia se ainda poderia erguer a espada. Não parecia que poderia lutar… Não, o simples fato de conseguir ficar de pé era um milagre.
Embora a espada dela fosse fina, seu ataque certamente não foi leve. A ponta da lâmina podia ser cega, mas a magia em seu interior era de verdade. Se desse um golpe decente, ele teria ficado incapacitado.
Mas… quantas vezes tinha atingido ele?
Não foi apenas uma ou duas vezes. Mesmo depois de ter sido atingido pelo menos dez vezes, ainda se levantava com um vigor implacável.
Como conseguia ficar de pé depois de tudo aquilo? O corpo dele excedera os limites físicos, mas seus olhos estavam desprovidos de morte.
Seu olhar feroz lhe dizia que ainda tinha algo que deveria fazer.
Isso mesmo. A alma dele superava as limitações do corpo, e sua alma obstinada matinha o seu corpo quebrado junto.
O seu valor deixou uma impressão profunda em Rose. O quão longe iria para ganhar essa batalha e por quê? Devia ter um motivo para não jogar a toalha.
Havia uma imensa diferença em habilidade. Não havia uma chance em um milhão de ele vencer, mas, mesmo assim, recusava-se a desistir.
Seus olhos ferozes encaravam Rose.
Não tinha acabado. Este ainda não era o fim.
Rose ficou comovida com aquele espírito inabalável de um herói que podia desafiar a morte diante de um oponente invencível. Passou a ter um grande respeito por ele, oferecendo suas mais sinceras desculpas por assumir que seria uma vitória fácil. Ele certamente era inútil quando se tratava de uma disputa de espadas, mas, na batalha dos espíritos, Rose perdeu completamente.
— Você irá cair com o meu próximo ataque.
Foi por isso que escolheu acabar rapidamente. Se continuasse, ele se levantaria até que morresse. E também… não queria matar um jovem lutador promissor.
Ninguém mais na arena aplaudia. Todos observavam o garoto, horrorizados.
A espada dela atingiu o seu ápice da magia naquele dia. O céu estremeceu, e as pessoas na plateia, preocupadas, murmuravam entre si.
— Parece que ainda não vai desistir.
Os olhos dele brilhavam cada vez mais, sem um traço sequer de medo do ataque dela, mostrando uma determinação insaciável para lutar.
Ele não lhe deu outra escolha a não ser liberar todo o seu poder.
A espada de Rose zumbia no ar.
— Parem!! Já basta. A batalha acabou!
O juiz intrometeu-se no meio deles e parou a disputa, pois julgou que continuar seria perigoso demais.
Rose ficou aliviada com aquilo, mas o garoto sentia algo diferente.
— Qual é! Ainda tenho trinta e três sobrando…
Os seus olhos gritavam ainda posso lutar!
— A vencedora é Rose Oriana!!
Um aplauso poderoso parabenizou Rose, que acenou de volta para a plateia antes de se curvar profundamente para Cid, que estava imobilizado no chão.
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Quase fui levado para a enfermaria depois das preliminares, mas escapei enquanto ninguém estava olhando.
Essa foi por pouco.
Se alguém tivesse visto que eu não estava ferido, seria uma grande confusão. Se continuasse lá mais um pouco, teria que começar a me automutilar.
Saí pela entrada dos participantes e andei por um corredor vazio.
Acho que terei que esperar até o ano que vem para mostrar as outras trinta e três técnicas exotéricas. Ou aposto que terei uma boa oportunidade de usá-las antes disso.
— É…
— Hmm?
Uma aluna desconhecida me chamou do nada. Não reconheci a voz. Não tenho certeza, mas acho que já tinha visto aquela garota bonita de cabelo cor de pêssego em seu uniforme da Academia de Ciência antes.
— Está machucado?
— Eu escapei por pouco… nada grave… eu acho? — Eu casualmente fiz uma pose com a mão sobre o ferimento no peito.
— Fico feliz em ouvir isso. Assisti à sua luta.
— O-oh, sério?
— Normalmente não assisto, mas achei que foi muito maneiro a forma com que continuou se levantando sem parar.
— Hm, “maneiro”…?
— Sim… — As bochechas dela ficaram rosas enquanto concordava.
Pensar que um normie era maneiro. Caramba, ela tinha um gosto estranho. Acho que tinha várias pessoas assistindo, então não é tão esquisito ter alguns doidos no meio.
— Hm, aqui… — Ela estendeu um saquinho, tímida.
— O que é isso?
— Fiz alguns biscoitos… para agradecer pelo…
Deve ser um agradecimento pela bela atuação.
— Valeu.
Pensei: Por que não? e os peguei.
Ela sorriu alegremente.
— S-se não se importar, eu gostaria que começássemos como amigos.
— Amigos? Pode ser.
Minha política era não envergonhar mulheres… com algumas exceções.
— Eba! Pai, fiz um amigo!
Pai?
Segui a sua linha de visão e vi um homem de meia-idade se aproximando de nós. Ele tinha um cabelo preto-acinzentado, penteado para trás. Sabia que tinha visto aquele cara esquelético antes.
— Vice-diretor Lutheran…
Fiquei sabendo que o vice-diretor dessa escola é um mestre espadachim que venceu o Festival Bushin.
O que significa que esta garota, que o ama como um pai, deve ser…
— Sherry Barnett…!
— Sim?
De acordo com a minha pesquisa pessoal, ela tem o maior potencial para se tornar a personagem principal na Academia de Ciência. Acredito que deva estar no papel em que dá conselhos ao protagonista, resolve grandes mistérios e cria poderosos dispositivos de luta contra Chefões. Nunca pensei que teria que enfrentar alguém da Academia de Ciência, então, para ser honesto, não me importei muito e esqueci sobre ela.
— Você deve ser Cid Kagenou. — O vice-diretor Lutheran ficou ao lado de Sherry.
— Sim.
— Tem algum ferimento?
— Eu… eu milagrosamente… Aham. Acho que ela pegou leve comigo, talvez?
O vice-diretor acariciou o queixo, silenciosamente confirmando a suspeita.
— Sim, acho que Rose estava pegando leve. Mas você deve ir ver um médico.
— Aham, com certeza.
Eu com certeza não farei isso.
Lutheran assentiu e colocou uma mão no ombro de Sherry.
— Essa garota sempre esteve com a cara enfiada em sua pesquisa, por isso não tem muitos amigos.
— Pai!
O vice-diretor apenas riu e continuou falando:
— Eu nem sempre sou capaz de rir assim, sabe? Sherry e eu passamos por muita coisa. Espero que vocês dois se deem bem, isso é tudo o que um pai poderia desejar.
O rosto de Lutheran estava sério enquanto Sherry permanecia ao seu lado com um sorriso desconfortável.
Só faço amizades com personagens secundários…, mas não tem como eu dizer isso.
— Parece ótimo…
— Bem, deixarei para os mais jovens. — O vice-diretor bateu no meu ombro e foi embora.
— Hm, é um prazer conhecê-lo oficialmente.
— O prazer é meu.
— Então, o que quer fazer? — Ela inclinou a cabeça. — Ah, é mesmo. Temos que te levar até um médico antes de mais nada. Sinto muito por ter me deixado levar.
Ela sorriu, apreensiva.
— Não precisa se preocupar comigo. Estou bem.
— Pode ser verdade, porém…
— Não preciso ver um médico. Vou mais tarde. Sério mesmo, eu vou. Pode ser? Sim, vamos tomar um chá ou alguma outra coisa.
— Tem certeza que está bem?
— Positivo.
— Cavaleiros negros são incríveis.
— Pois é.
Aquela garota bonita me mostrou um sorriso. Ela era a coisa mais distante de ser uma personagem de fundo.
Depois disso, nós comemos biscoitos e conversamos enquanto bebíamos chá. Partimos em caminhos separados ao terminar. Ainda que fosse uma garota perfeitamente comum em conversa, parecia estar cheia de pedidos da Ordem dos Cavaleiros, conduzindo uma pesquisa sobre um artefato sagrado no momento. Fui adiante e disse que estava impressionado. Ah, a propósito, seus biscoitos eram simplesmente deliciosos demais, por isso jamais seria capaz de ser amiga de um normie. No entanto, ela frequenta a Academia de Ciência, então é provável que nunca mais nos veremos.
No dia seguinte, notifiquei a escola que estaria tirando uma folga de cinco dias devido a tratamentos médicos para diminuir as suspeitas.
Meus colegas foram um pouco mais legais comigo quando enfim retornei.
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Desde que Sherry se tornou amiga de Cid, sentia como se estivesse flutuando.
Cid ficou ausente da escola por causa dos ferimentos que teve durante as preliminares.
Disse que se sentia bem após o torneio e se juntou a ela para um chá, mas parecia ter exagerado, afinal. Ela estava preocupada com a sua condição.
Pensou em visitá-lo, mas não queria ser um incômodo. Entretanto, algo a deixava inquieta, por isso precisava conversar.
— Ufa… — Sherry parou de analisar o artefato e soltou um suspiro.
Não conseguia focar no trabalho. Sua cabeça estava além das nuvens.
O brilho do sol da tarde entrava na sala de estudo.
Não importava o que fazia, só pensava nele.
Lembrou do momento em que ele lhe deu os chocolates, sobre sua postura implacável durante as preliminares, sobre a conversa durante o chá… de novo e de novo.
Pensava nele durante as aulas e enquanto realizava sua pesquisa, até o momento em que ia dormir.
— O que há de errado comigo…?
Pegou uma caixa de chocolate vazia de uma gaveta em sua mesa.
Mesmo que já tivesse comido o conteúdo, não teve coragem de jogar fora a caixa belamente decorada.
O aroma doce ainda estava impregnado.
Sherry também estava curiosa sobre um certo rumor.
Pelo que ficou sabendo, Cid e a Princesa Alexia estavam apaixonados.
Ela não sabia sobre os detalhes, mas imaginou que o rumor foi forte o suficiente para sair da Academia para Cavaleiros Negros e chegar até a Academia de Ciência.
— Hm! — Se espreguiçou enquanto observava uma cortina se mover com o vento. — Tudo bem, farei isso.
Não conseguia se concentrar em nada, por isso decidiu conversar sobre isso com alguém.
Toc toc.
Sherry deu algumas batidas rápidas em uma porta no dormitório das garotas. Era lá que a aluna em questão estava, supostamente, sob prisão domiciliar.
— Sou eu, Sherry Barnett, aluna do segundo ano da Academia de Ciência. — Apresentou-se pela porta e esperou a resposta.
— Olá — respondeu uma voz no mesmo instante em que a porta se abriu. — Tem algo em que posso ajudar, Sherry?
— Sim. Peço perdão pela visita repentina.
— Entre — sugeriu a residente do quarto, Alexia.
O seu quarto era espaçoso e tranquilo, muito maior do que os alojamentos comuns do dormitório. Foi dito para que Sherry se sentisse em casa, então se sentou no sofá.
— Gostaria de um pouco de chá preto? Também tenho café. Parece ser bastante popular no momento.
— Ah, não preciso de nada.
— Não se acanhe.
— T-tudo bem, então vou aceitar o café.
— Perfeito. — Alexia começou a moer o café com graciosidade.
Sherry começou a ficar nervosa. Estou no segundo ano, e ela ainda está no primeiro. Não preciso ficar agitada. Tranquilizou a si mesma com uma lógica sem sentido, pensando que estava tudo bem, pois era a veterana de Alexia. No entanto, pensando bem, Alexia era da nobreza.
Talvez não tenha sido uma boa ideia.
Não, não – ela era a veterana ali. Precisava ser confiante.
— Acho que sei por que está aqui, Sherry.
Ela saltou ao ouvir aquelas palavras.
— A-aham…
— É sobre o artefato, certo?
— Bem, não exatamente.
Ouviu-se o clink de uma xícara de café. Alexia colocou-a na mesa, em meio a uma conversa estranha.
— Prontinho.
— M-muito obrigada.
Alexia sentou-se oposta a Sherry.
— Uou, é amargo… — sussurrou Sherry depois de beber.
— É mais fácil de beber se adicionar leite e açúcar.
— T-tudo bem.
Sherry não queria que Alexia ouvisse aquele comentário, mas parecia que não adiantou. O seu reflexo automático foi de adicionar bastante leite e açúcar e beber num só gole.
— Eh, que bom.
— Ó-ótimo… Esses são os melhores grãos de café da Mitsugoshi. Fico feliz que tenha gostado.
— Mitsugoshi… Ah, o lugar que vende chocolate. Sabe, é um local bem especial. Esse café é tão doce e cremoso.
— Hã, sim, com certeza é… — comentou Alexia, parecendo que queria dizer: porque você está basicamente tomando apenas leite e açúcar.
— Então, o que posso fazer por você?
— Ah, sim, pois é. — Sherry largou a xícara, parecendo ligeiramente aflita enquanto murmurava. — Na realidade, gostaria de perguntar uma coisa.
— Tudo bem.
— Hmm, tipo… se você teve um namorado recentemente e tal.
— Como é…?
— E-E se você saiu com Cid Kagenou e se ainda estão juntos.
— H-hm… — Alexia analisou o rosto dela para saber se estava falando sério.
Os olhos de Sherry olhavam o quarto, e havia uma tensão óbvia em seus ombros.
Alexia supôs que não pudesse ser boa em conversa em geral. Pensou que estivesse nervosa, mas não conseguia imaginar o motivo por trás da sua pergunta.
— Nós terminamos — falou Alexia com a maior calma possível.
— Sério? Ufa… — Sherry parecia feliz, como se estivesse se sentindo aliviada do fundo do coração.
A xícara de Alexia tiniu quando foi baixada.
— Eh, mas… mas isso quer dizer que vocês estavam namorando mesmo…? — O seu tom mudou drasticamente e parecia inquieto.
— Não foi um relacionamento de verdade. Houveram algumas circunstâncias que exigiram que nós fingíssemos.
— Ah, entendo. Que bom. — Sherry riu, alegre.
A xícara de Alexia emitiu um tinido mais alto.
— Eu fiz amizade com Cid esses dias.
— O quê? N-não me diga que…
— Sim. Não conseguia parar de pensar na relação de vocês.
— Hm, esse é o único motivo da sua visita?
— Sim! Isso me distraiu demais, e eu não conseguia me focar na pesquisa. Fiquei bastante feliz em saber que não estão namorando!
— S-sim, ótimo.
Alexia levou a xícara até a boca com uma mão trêmula, mas estava vazia.
— Muito obrigada! Ah, e obrigada pelo café! — Sherry partiu com um sorriso brilhante, uma expressão exatamente oposta àquela que tinha no momento em que chegou.
Assim que saiu do quarto, houve o som de algo se quebrando, mas Sherry estava animada demais para conseguir ouvir.
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