O verão estava chegando.
Eu manejava minha espada no final da primavera, no meio da minha eletiva prática. Agora que estava livre das garras de Alexia, me transferi para ficar com Esquel e Bat, e, pelo fato de muitos alunos terem abandonado a eletiva de Bushin Real após o escândalo do Instrutor Zenon, todos nós da seção nove fomos colocados na sete.
— O que rolou com você e a Princesa Alexia? — perguntou Esquel enquanto praticava ao meu lado.
— Não nos falamos desde o término.
Além disso, ela também tentou me matar.
— É uma pena. Mas vocês nem mesmo se beijaram? — perguntou Bat.
— Não, nunca.
Estávamos tendo uma conversa idiota enquanto balançávamos nossas espadas como sempre. Era disso que se tratava a vida na seção sete. Mesmo que seja uma enorme perda de tempo, este é o caminho que devo seguir para manter meu status como um personagem secundário.
— O Festival Bushin está chegando. Vocês se inscreveram para a rodada classificatória?
— Claro! Se eu me sair bem no torneio, posso facilmente ir para casa com duas ou três moças adoráveis. — Esquel se vangloriava, mas ainda era um virgem.
— Oh-ho-ho, com três? Eu vou ficar com as mãos cheias — comentou Bat, outro virgem.
— Cid, você também se inscreveu para a rodada classificatória, né?
O Festival Bushin era um gigantesco torneio semestral. Além dos lutadores locais, cavaleiros famosos do mundo inteiro apareciam para participar. Havia um grupo especial para alunos, e também teria preliminares para o nosso torneio. Mas um personagem secundário comum jamais ficaria no palco diante de todo mundo. Nem em um milhão de anos.
— Não vou part….
— Mas não se estresse! Fui lá e te inscrevi! Mostre-me sua gratid… Guhh!!
Esquel de repente levou a mão ao estômago e caiu no chão.
— E-Esquel!! O que aconteceu com você? — gritou Bat.
Foi um golpe extremamente rápido, e fui o único que pôde ver.
— Ei. Ei, Esquel. Você devia ter visto. Foi como se alguém tivesse te dado um gancho de direita no estômago. O que aconteceu? — perguntei, soltando o meu punho direito.
— E-essa é uma descrição bastante precisa, Cid.
— Ferrou, ele é um caso perdido. Me dê uma ajuda para levá-lo à enfermaria. Ei, você sabe se podemos cancelar as inscrições para o torneio?
— Hmm, não tenho certeza. Eh, Esquel, você está espumando pela boca.
Nosso instrutor nos deu permissão para levar Esquel até a enfermaria por causa da sua “convulsão repentina”, a qual tinha o nocauteado.
Foi no caminho para lá que notei algo.
— Quem são eles? — perguntei sobre um grupo de aparência séria na escola.
— Parece que… a Princesa Iris está junto.
Alexia também estava lá. Nossos olhos se encontraram por um momento antes de ela desviá-los com desdém.
Não contei a ninguém que tinha endoidado comigo e tentou me matar na selvageria. E não planejava falar a ninguém sobre o incidente no telhado caso mantivesse distância de mim. Com nosso tratado de paz, ela poderia matar quem quisesse. Sua esgrima parecia ter melhorado bastante, e eu acho que é bom que esteja tentando ficar mais forte. Bem, contanto que não tente me matar novamente, é claro.
— A propósito, fiquei sabendo que a Princesa Iris está vindo ao campus para solicitar algum tipo de investigação.
Bat podia não aparentar, mas sabia das coisas.
A Academia Midgar para Cavaleiros Negros era um edifício enorme que possuía a Academia Midgar de Ciência. Ouvi dizer que conduzem pesquisas e fazem coisas científicas. Tipo isso.
— Entendo.
Espere, Alexia não tinha dito que Iris estava formando um novo exército?
Depois que Bat e eu observamos a Ordem dos Cavaleiros entrar no prédio, largamos Esquel na enfermaria e faltamos à aula.
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Haviam algumas pessoas conversando em uma grande sala de recepção.
— Gostaríamos de pedir a você, a estudiosa mais renomada do reino, para decifrar este artefato para nós — disse uma beldade de cabelos escarlates, segurando um objeto no formato de pingente.
— Mas sou uma simples aluna — contestou uma jovem garota adorável, com cabelo tão rosa quanto um pêssego, ao ver o artefato em questão.
— Todo mundo sabe sobre o seu trabalho incrível. É Sherry Barnett, a melhor pesquisadora no seu ramo. Ninguém pode ser melhor que você.
— Mas…
— É uma boa oportunidade para você. Deveria dar uma chance. — Um homem, em seus quarenta anos, interrompeu, encorajando Sherry.
— Vice-diretor Lutheran Barnett…
— Pode me chamar de Pai, sabia? — disse Lutheran gentilmente, rindo.
Em resposta, Sherry sorriu, estranha.
— Sherry, é a sua vez de entrar no mundo da pesquisa profissional. O pedido da Princesa Iris irá lhe deixar mais próxima do futuro que lhe aguarda.
— Mas eu não…
— Eu já não lhe disse outras vezes? Tenha mais confiança. Sei que pode fazer isso. É a única que pode. — Lutheran colocou uma mão no ombro delgado de Sherry.
— Tudo bem, eu farei…
Iris entregou o artefato a ela.
— Um alfabeto antigo? Está escrito em um código secreto — observou Sherry.
— Existe um grupo religioso que se chama Culto do Diablos. Este artefato estava em uma das suas instalações e parece que estavam fazendo pesquisas sobre civilizações antigas, porém, não sabemos dos detalhes. Deve haver alguma conexão entre o código e as civilizações antigas — esclareceu Iris.
— Bem, você certamente veio até a pessoa certa. — Sherry examinava o objetivo.
— Quero que um membro da Ordem dos Cavaleiros o proteja — acrescentou Iris.
— O que quer dizer com proteger…? — perguntou Lutheran.
— Na realidade, o Culto do Diablos, o culto religioso que falei, está em busca deste artefato.
— Isso é inquietante. — Lutheran estreitou os olhos.
— Nós conseguimos isso na base deles. Claro, não é o único item que foi confiscado, pois estamos armazenando documentos classificados e objetos no nosso depósito. Entretanto, sinto-me envergonhada em dizer que uma pessoa não identificada ateou fogo no lugar alguns dias atrás. Restou apenas este artefato.
— Ah, ouvi sobre o incêndio recente. O que me faz lembrar, Princesa Iris, que você estabeleceu a nova Ordem dos Cavaleiros logo depois.
— Sim, mas ainda é bastante pequena.
— Acredito que se chama Ordem Carmesim, estou correto? Vejo que trouxe seus Cavaleiros Carmesins hoje.
— Eu…
— Tinha tanta falta de confiança assim na antiga Ordem?
Iris não respondeu à pergunta afiada de Lutheran, encarando-o de volta sem mudar a expressão.
— Hmm, tudo bem por mim. Permitirei dois guardas — concedeu Lutheran.
— Dois…? Bem, acho que não será um problema se eu estiver protegendo o artefato. — Iris parecia incomodada.
— O trabalho da Ordem dos Cavaleiros sofrerá atrasos caso a Princesa Iris não esteja presente.
Quem falou foi um cavaleiro de ombros largos, o qual estava sentado à esquerda dela. Era musculoso e tinha uma barba tão densa quanto a juba de um leão. Uma grande cicatriz percorria sua bochecha.
— Realmente… Glen, deixarei a proteção com você.
— Entendido, Vossa Majestade — disse ele, curvando-se.
— Iris, também irei ajudar — disse Alexia, na direita de Iris. — Se separar os guardas, menos cavaleiros estarão disponíveis para responder ao Incidente Negro.
Iris ficou em silêncio.
— A Ordem Carmesim está sobrecarregada, e eu sei quem ele é. Sou perfeita para essa tarefa.
— Entretanto, Alexia, você ainda é…
— Uma aluna. Sou uma aluna, mas a idade é irrelevante se tiver habilidade. Você mesma disse isso.
— Não disse, não.
— Foi o que acabou de dizer à Senhorita Sherry. — Alexia sorriu confiantemente para sua irmã mais velha, que estava irritada.
— E você costumava ser tão fofa… — murmurou Iris.
— Ouvi isso. De qualquer forma, Iris, quero saber o motivo pelo qual eles estão fazendo isso e… se planejam opor-se a nós.
— Entretanto, será perigoso.
— Eu sei.
As irmãs trocaram olhares em silêncio.
— Tudo bem. Eu exijo que aceite apenas missões de baixo risco e ao nível que não interfira com os assuntos da escola.
— Obrigada. — Alexia sorriu e curvou-se.
— Espere que dê tudo certo com o artefato. — Iris dirigiu-se a Sherry depois de soltar um suspiro profundo.
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Naquela noite, tentei cancelar minha inscrição para as preliminares depois da aula.
— Obrigado.
Curvei-me e saí do escritório de serviços ao aluno.
— E aí, como foi?
Esquel e Bat esperavam do lado de fora do escritório e foram até mim quando saí.
— Disseram que estão organizando todas as duplas e é impossível sair agora. — Suspirei.
— Ei, veja pelo lado bom, caso se saia bem, vai estar num mar de garotas, não é?
— Isso aí! Dizem que tempos difíceis trazem grandes oportunidades, sabe como é.
Balancei a cabeça.
— Não me importo em vencer ou perder, só não quero fazer isso.
— Caramba, você não tem mais salvação. Qual é, vou te mostrar uma loja especial. Tente melhorar essa cara.
— L-loja especial? — disse Bat, respirando de maneira descontrolada pelo nariz.
— Opa, não esse tipo de especial. Me refiro à Mitsugoshi, aquela de que todo mundo está falando. Fiquei sabendo que tem tudo quanto é tipo de item novo por lá, e um deles é um lanche chamado chocolate. Dizem que é doce e delicioso pra caramba.
— Doces? Eu gostaria de comer alguns.
— Imbecil! Não é para você. — Esquel bateu na cabeça de Bat. — Vamos dar para as garotas. Sabe como é, mulheres ficam doidinhas se você dá algo doce para elas.
— E-eh, entendi. Falou como um verdadeiro profissional, Esquel. Você sempre me ensina muito.
— Eu sei, né? — disse Esquel, convencido.
— Vamos lá, Cid. Bora.
— Vamos, Cid.
Havia uma faísca nos olhos deles.
— Beleza, eu vou — concordei, suspirando.
Tenho que admitir que estou um pouco curioso para ver como é o chocolate deste mundo.
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Esquel nos levou para a avenida principal da capital. As ruas agitadas da noite estavam cheias de pessoas, e cada uma das lojas daquela área gigantesca parecia estar derramando de gente. A Mitsugoshi estava muito mais cheia do que todas elas.
— Uou, que maneiro.
Um prédio novinho em folha erguia-se até o alto do céu, tão na moda que quase parecia contemporâneo. Não me sentia tão deslocado assim desde que entrei em uma loja luxuosa na minha vida passada.
Havia uma enorme fila que se estendia na entrada. Todas as pessoas que esperavam pela sua vez pareciam ser membros de famílias nobres ou seus convidados. Um olhar foi tudo o que precisei para ver que eram clientes ricos e especiais. No final da fila estava uma mulher de uniforme segurando uma placa. O tempo de espera era de aproximadamente oitenta minutos.
— Oitenta minutos de espera — reclamei.
— Tenho certeza que vamos conseguir voltar antes do toque de recolher do nosso dormitório — disse Bat.
— Já chegamos até aqui, agora vamos — insistiu Esquel.
— Mas fiquei sabendo que há assassinos à solta. Não quero ficar até tarde…
— Porra, nós três somos cavaleiros negros, seu idiota. Podemos acabar com eles. — Esquel bateu na espada que ficava na parte inferior das suas costas.
— V-você tem razão.
— Assassinos? — perguntei, interrompendo a conversa deles.
— Ouvi dizer que ocorreram assassinatos recentes na capital, todos à noite. E foram executados por lutadores especialistas que já acabaram com vários membros da Ordem dos Cavaleiros… — sussurrou Bat.
— Ooh, que medo. Eu não ficaria andando à noite por aí, nem morto.
Uma cena de entrada de assassinato? Parece divertido. Estou dentro.
— Bora, bora! Se não entrarmos na fila, não vamos conseguir voltar antes do toque de recolher — pressionou Esquel.
Bat e eu fomos para o fim da fila.
— Oi, s-se-senhorita, v-você é bonita. Tem algum hobby? — Esquel tentou dar em cima da funcionária com a placa assim que chegamos lá.
No entanto, ela lhe mostrou um sorriso feroz e o ignorou, então me encarou com um sorriso alegre por algum motivo desconhecido.
— Com licença, senhor, eu poderia ter um minuto do seu tempo?
Ela era uma mulher requintada, cujo rosto era calmo e refinado, com cabelo castanho-escuro que combinava com a cor dos seus olhos. O seu uniforme era um vestido azul-marinho simples e curto com a logomarca da Mitsugoshi. Isso me fez lembrar das comissárias de bordo que vi na minha vida passada.
— Quem? Eu? — perguntei, apontando para mim mesmo.
— Sim. Por favor, pedimos para que participe da nossa pesquisa rápida.
Uma pesquisa? Isso é uma raridade neste mundo.
— Sim, eu acho…
— Obrigada.
— E-e-eu também vou participar da pesquisa!
— E-eu também!
Esquel e Bat fizeram uma última tentativa desesperada para chamar sua atenção.
— Um cliente será o suficiente — respondeu, prendendo seu braço ao meu.
Juntos, furamos a fila e fizemos um caminho mais curto até o interior da loja. Quando olhei para trás no último segundo, pude ver a decepção nos olhos de Esquel e Bat.
Segui a mulher até uma butique que parecia bastante esbanjadora. O interior não era assim tão chamativo, mas pude ver que cada um dos detalhes de decoração tinha sido selecionado com cuidado e passava uma sensação tranquila. Até mesmo olhos inexperientes podiam ver que era decorado de uma maneira moderna e de bom gosto.
Ela me guiou pelos andares de lojas até uma porta que dizia Apenas Funcionários. Consegui dar algumas olhadas ao redor, e cada produto que eu via era incrível.
Claro, percebi o famoso chocolate, mas também vi café, maquiagem e sabonete. Era a primeira vez que eu via qualquer uma dessas coisas neste mundo. Além disso, suas roupas, acessórios, calçados e roupas íntimas eram projetadas com classe e inovação em mente. Eu sabia que esses itens voariam das prateleiras neste mundo, sem dúvida.
Esse lugar era inacreditável. Vai ser um sucesso, é só questão de tempo, tenho certeza disso.
Passamos pela porta dos funcionários e caminhamos por uma passagem até uma enorme escadaria. Juro que vi isso em um certo filme sobre um cruzeiro de luxo. Subimos as escadas e continuamos andando até um corredor amplo e brilhante, e, no final dele, havia uma porta cintilante, esculpida com gravuras requintadas.
Duas moças bonitas estavam na frente da porta, as quais se curvaram para mim e a abriram lentamente.
O que estava para além dela era um espaço que parecia um enorme salão. Havia pilares altos semelhantes àqueles dos templos da Grécia Antiga e pisos de mármore que brilhavam com a luz.
Um tapete vermelho foi desenrolado, estendendo-se até o fundo do salão e flanqueado por duas fileiras de mulheres atraentes.
— Hã? — No momento em que coloquei o pé dentro do salão, todas se ajoelharam ao mesmo tempo. — Hm… e quanto à pesquisa…?
Uma cadeira enorme estava posicionada na parte mais funda do local. A luz de um pôr do sol carmesim entrava pela clarabóia e caía sobre aquela obra-prima delicada.
O assento permanecia vazio.
Uma adorável elfa de cabelos azuis estava perto dele. Ela era uma mulher refinada, com uma silhueta de modelo coberta por um vestido preto sedutor. Eu conhecia aquele rosto.
— Esperamos um longo tempo por você, meu lorde. — Outra mulher ficou sobre um joelho com a elegância de uma atriz.
— Gamma…
Era o terceiro membro original depois de Alpha e Beta. Qualquer um podia ver que era um gênio ao ver seu rosto esperto e olhos azuis afiados. Era Gamma, o cérebro do Jardim das Sombras.
Gamma é inteligente, concordo, mas tem uma falha gigantesca.
O seu apelido é Gamma, a Fraca.
Mesmo que seja um dos membros mais antigos nas Sete Sombras, é de longe a mais fraca. Explicando melhor, as Sete Sombras são os primeiros sete membros do Jardim das Sombras. Eu escolhi esse nome porque é foda pra caralho, obviamente.
Quando o assunto era lutar e atividades físicas, seus instintos eram terríveis. Se Delta era a lutadora mais talentosa das Sete Sombras, Gamma era a pior. Eu pessoalmente acho que as duas são semelhantes. Se dissesse isso em voz alta, aposto que Gamma endoidaria e Delta tremeria dando risada, mas sei de certeza que são o mesmo tipo de pessoa.
Aprendi duas coisas enquanto ensinava Gamma e Delta a lutar.
Primeiro: Intuição é desperdiçada em uma idiota.
Segundo: Inteligência não significava nada sem intuição.
Naquela vez, decidi tentar passar as mesmas instruções para as duas:
“Infunda seus ataques com o máximo de magia”
E isso foi tudo.
Eu estava sugerindo para que dessem uma surra no inimigo com toda força, método este que é brutal e que eu acho absolutamente repugnante. Isso mesmo, minhas maiores crenças desabaram diante daquelas duas sem dignidade alguma. Sempre que penso naquele dia, minha cabeça dói. Pois é, não vamos lembrar. Deixe isso de lado.
— É ótimo vê-lo novamente, meu lorde. — Gamma caminhou graciosamente até mim como uma modelo em uma passarela.
Seu quadril balançava provocativamente enquanto eu ouvia aqueles sons de fazer o coração parar, tap, tap, tap, que vinham dos seus saltos contra o piso.
— EITA NÓS! — Ela tropeçou e caiu sozinha.
— E-esses saltos são altos demais.
E ainda colocou a culpa no sapato.
Gamma segurava o nariz enquanto ficava de pé. Enquanto isso, as mulheres ao redor dela se moveram rapidamente ao seu redor para trocar seus calçados por saltos menores.
— M-muito bem. Venha por aqui, Mestre. — Gamma continuou como se nada tivesse acontecido, andando tranquilamente com sapatos totalmente diferentes.
Mas eu não me importo, na verdade. Há apenas duas maneiras de reagir quando uma garota passa vergonha: fingir que não notou ou ir com tudo e mexer com ela. Mesmo que eu esteja no primeiro grupo, tem algo que precisava dizer.
— Seu nariz está sangrando.
As garotas rapidamente limparam o sangue.
— P-por aqui, meu lorde.
Olhei para as bochechas vermelhas dela. Não mudou nem um pouco.
Me levou até a cadeira enorme, onde me sentei. A vista era… fantástica.
Magnífica, realmente.
Havia um espaço grande e aberto em que o brilho carmesim entrava pela clarabóia, e duas fileiras de beldades se ajoelhavam ao lado do tapete vermelho. Era como se eu tivesse me tornado um rei… o rei do Reino das Sombras. Gamma devia ter gastado uma fortuna para preparar esse cenário para mim.
Meu coração estava acelerado. Eu estava emocionado ao extremo. Cruzei as pernas, apoiei a bochecha na mão esquerda e ergui a outra, focando minha magia azul-violeta em minha palma e a disparando na direção dos céus.
Quase explodiu o teto antes de se dissolver em uma miríade de luzes que inundaram o lugar.
— Recebam sua recompensa…
Foi uma chuva de luz, caindo sobre as garotas ajoelhadas e colorindo temporariamente a pele delas com um violeta azulado. Aquilo apenas reabastecia a magia, promovia a circulação mágica e curava ferimentos menores… Em outras palavras, nada importante.
— Lembrarei deste dia para sempre. — A voz de Gamma vacilava enquanto estava ajoelhada ao meu lado. Sua atuação era bastante convincente.
Entretanto, não era a única que tremia. Todas aquelas moças adoráveis, em ambos os lados do longo tapete vermelho, tremiam, e algumas até mesmo choravam. A funcionária que me trouxera até o local fungava o nariz em meio às lágrimas. Gamma era a diretora perfeita para uma trupe de atrizes.
— Você fez bem, Gamma. A propósito, tenho uma pergunta a fazer sobre esta empresa.
Sim, de volta aos negócios. Do chocolate aos produtos nos andares de vendas até o design arquitetônico do prédio, não consigo imaginar como sendo deste mundo.
— Pergunte qualquer coisa.
— A empresa Mitsugoshi foi baseada nas minhas histórias?
Gamma sempre foi por algum motivo interessada no meu conhecimento. Toda vez que Delta lhe dava uma surra, vinha me atazanar chorando, implorando para que lhe contasse uma história. Foi então que lhe contei sobre a minha Sabedoria da Sombra, a qual incluía histórias embelezadas sobre chocolate e outros produtos do Japão da minha vida passada.
— Sim, meu lorde. Apenas recriei uma fração do conhecimento divino que você compartilhou comigo.
— E-entendo.
Eu só tinha falado para ela que poderia fazer chocolate se misturasse alguns grãos amargos e açúcar, então esperasse até que ficasse duro. Chamar isso de conhecimento era para acabar. E como recriou isso tudo? Devia ser o que chamam de ter um cérebro. Tipo, ela é muito mais inteligente do que eu.
Mas isso não me incomoda. O mundo tem sua proporção justa de gênios e idiotas, e ponto final.
Porém, eu tinha uma dúvida.
— Alpha e as outras sabem sobre essa empresa?
— Claro.
Ah, entendi.
Elas acabaram no costume comum de me deixar de fora. Entendo que é complicado incluir o único cara na panelinha das garotas, mas qual é.
— E-e vocês estão lucrando?
— No momento, temos lojas em todas as cidades maiores, tanto nacionais quanto estrangeiras. Nossos negócios estão se expandindo a um ritmo veloz. Mas como vamos ser capazes de nos esconder nas sombras com o disfarce de uma empresa? Essa é a consideração mais importante.
Qual é a dessa atitude brega e desleixada? Não tem necessidade. Vá direto ao ponto!
Basicamente, estava me dizendo que todo mundo estava ganhando a vida com o meu conhecimento. Todo mundo menos eu. Se tivessem me dado ao menos uma parte pequenininha, não teria que ficar mendigando por dinheiro ou correndo atrás de moedas como a droga de um cachorro.
Seja o que for, está tudo bem. As garotas prepararam essa enorme encenação para mim, por isso não posso reclamar.
Mas se tivessem me dado só uma porçãozinha…
— Hm, espero que não se importe por eu pedir isso, mas poderia pegar alguns zeni emprestados?
Pagarei de volta algum dia… talvez.
— Sim, irei preparar agora mesmo— Gamma respondeu rápido.
Ela deu ordens para a mulher que me trouxe até aqui.
Sem demora, um carrinho de mão cheio de moedas entrou no salão, formando uma montanha de moedas. Nunca tinha visto tantas moedas brilhantes em um só lugar. Ali tinha facilmente mais de um bilhão de zeni.
— I-isso é um tanto…
Não tem como pegar tudo isso emprestado, nunca vou conseguir pagar.
— Gh…! Não é o suficiente? Pedirei por mais agora mesm…
— Não, está tudo bem. — Parei Gamma no meio da frase e estendi a mão até as moedas, fazendo um espetáculo ao enfiá-la na montanha.
As moedas emitiram um tinido alto.
Agora que a atenção delas estava na minha mão direita, me concentrei com toda a minha força.
— Hmph!
Peguei cerca de quinze moedas com a minha mão direita e mostrei a todas que estavam presentes ali, antes de lentamente as enfiar no meu bolso direito. Eu tinha acabado de ficar um milhão e meio de zeni mais rico.
E também tinha outro milhão e meio de zeni no bolso da esquerda.
Enquanto focavam a atenção na minha mão direita, peguei algumas moedas na minha esquerda com uma velocidade extrema, jogando-as no meu bolso esquerdo antes que qualquer uma pudesse notar. Alpha ou Delta poderiam ter percebido, mas Gamma nunca teria a chance.
— S-só isso? Você pode pegar tu…
Vê-la assim era hilário pra mim. Achava que eu tinha apenas um milhão e meio de zeni emprestado, mas, na realidade, peguei três milhões!
— É o bastante por enquanto — falei, segurando a risada.
— Tudo bem. Leve isso de volta. — Gamma bateu palmas, e as mulheres levaram o carrinho de mão de volta.
Gamma ajoelhou-se diante de mim.
— Meu lorde, acho que sei por que veio hoje. Deve ser devido ao incidente.
— Sim — concordei. Que incidente?
— Minhas sinceras desculpas. Estamos investigando o assunto no momento, porém, não pegamos o culpado. Pedimos que tenha paciência, por gentileza. Caçarei os assassinos na capital, os tolos de preto que fingem ser do Jardim das Sombras.
— Hmm…
Foi a primeira vez que ouvi sobre isso.
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— Hmm…
Gamma olhava para Shadow enquanto ele ficava em silêncio e começava a pensar. Em alguma parte dos olhos azuis dela, um traço de inquietação fez-se presente.
Uma lágrima escorreu pelo canto do olho dela sem aviso. Ver aqueles raios azuis-violeta a lembraram de seu passado.
A vida de Gamma começou com uma luz da mesma tonalidade.
Se ele nunca tivesse aparecido, ela teria morrido como um amontoado de carne podre. Foi abandonada por sua família, expulsa do seu país natal e perdeu a posse de tudo o que tinha direito. Caiu em um abismo de dor, desespero e decepção, e quem a resgatou foi o garoto que produziu a luz azul-violeta. Ela provavelmente jamais se esqueceria daquele brilho pelo resto da vida. Para Gamma, aquilo representava a luz da sobrevivência.
Alpha uma vez lhe disse que havia vida na luz, e Gamma concordou, não por motivos lógicos, mas sim por instinto.
Não curava apenas ferimentos externos – mas também uma parte muito mais profunda da alma. Quando tocou a luz azulada, foi como se tivesse sido libertada de suas algemas, liberada de algo que a segurava. Ela enfim sentiu como se tivesse recuperado sua identidade.
Naquele dia, renasceu. No momento em que recebeu o nome Gamma, jurou devotar sua nova vida apenas a ele.
Mesmo que suas intenções fossem sinceras, ela era a mais fraca das Sete Sombras. Foi derrotada e superada pelos novos membros, deixada rastejando no chão e profundamente humilhada. Em algum momento ao longo do caminho, percebeu que não era capaz de derrotar suas iguais, não importava o quanto treinasse.
Estava angustiada. Qual era seu valor? Preferia morrer do que mostrar sua estupidez e arrastar todos consigo. Mas ele a chamou do nada no dia em que ela planejava acabar com tudo e compartilhou parte da sua Sabedoria das Sombras.
Este aprendizado lhe mostrou como lutar com sua inteligência ao invés da força, e ela mergulhou de cabeça no conhecimento dele. E, já que imaginava que essa era a única forma de sobreviver, colocou sua vida em risco, literalmente, para recriar a Sabedoria das Sombras que pertencia a ele.
Sempre que Gamma pensava no passado, tinha mais certeza de que ele reconheceu sua dor – que compartilhou do seu conhecimento, pois sabia que ela sofria e tinha predito que caminho seguiria na vida.
Isso a fazia se sentir desamparada. Era triste para ela saber que ele estava fora do seu alcance.
Shadow precisa de mim? Lágrimas se formavam em seus olhos sempre que pensava nisso. Mas era por isso que precisava limpá-las e continuar lutando.
Faria com que o Jardim das Sombras fosse maior e mais forte, uma organização mais adequada para Shadow… e, quando isso acontecer, acredita que o sonho certamente se tornará realidade.
— Entendo. Interessante. — A voz dele trouxe Gamma de volta para a realidade. — Acho que sei quem fez isso. Vou dar uma olhada por aí.
O peito de Gamma se apertou ao ouvir o tom onisciente dele.
Falhou em ajudá-lo mais uma vez. Ele foi capaz de pensar na resposta correta com um pequeno trecho da informação. Mesmo que mobilizasse todas as suas subordinadas, ele poderia facilmente encontrar pistas que ela nunca conseguiu.
Mas Gamma recusava-se a desistir. Algum dia, ele a notaria… por isso tinha que persistir.
— Nu, venha. — Gamma chamou a mulher de cabelo castanho que o trouxe.
— Ela se chama Nu, membro número treze.
— Uou.
Ele a olhou com olhos entreabertos. Seu olhar era afiado o bastante para ver as profundezas do seu poder.
— Mesmo que Nu tenha acabado de se juntar a nós, até a Lady Alpha reconheceu a força dela. Sinta-se livre para usá-la como uma ligação, para tarefas ou qualquer outra coisa que queira.
— Meu nome é Nu. É um prazer conhecê-lo. — Sua voz estremeceu levemente de nervosismo.
— A chamarei caso algo aconteça.
— Entendido. — Curvou-se e deu um passo para trás.
— Acho que estarei indo agora. — Ele se levantou. — Ah, quase me esqueci. Eu gostaria de comprar um pouco de chocolate… do mais barato. Se puder me dar aquele descontinho amigo, agradeço.
— Prepararemos os melhores chocolates que temos.
— Hmm… quanto vai custar?
— Com o cupom para amigos e familiares, será um desconto de cem por cento.
— Cem por cento… Isso deixa de graça! Eba, é meu dia de sorte! Neste caso, vou levar três.
— Obrigada pela preferência.
Gamma sorriu ao vê-lo voltar para o papel de Cid Kagenou, o normie.
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— Não vamos chegar antes do toque de recolher!
— É porque o Cid demorou demais!
— Eu disse que sinto muito e ainda dei os chocolates.
Nós três corríamos pelas ruas escuras da capital.
Eu com certeza sou um dos dois motivos para estarmos atrasados. Mas as perguntas constantes de Esquel e Bat sobre a moça eram o outro motivo. Nu, acho que era esse o seu nome? De qualquer forma, apenas desviei de tudo com um monte de “talvez”.
Dito isso, nunca imaginaria que Alexia era do tipo que se tornaria uma assassina em série da vida real. Se Delta não era a culpada, tinha que ser Alexia. Eu sabia que era ela no momento que ouvi sobre os crimes recentes. Era uma princesa que tinha tudo, então o que poderia ter a colocado nessa vida…?
O coração daquela mulher era um enigma.
Sabe, não desprezo assassinos em massa, já que esse é o ciclo da vida. Mas sujar o nome do Jardim das Sombras é uma história completamente diferente. Aquelas almas infelizes não sairão impunes dessa.
— Ei, ouviram isso?
— Não, nada.
Esquel e Bat corriam à minha frente enquanto conversavam entre si.
Não parecia que tinham ouvido também, mas, para mim, foi bem claro.
Era o som de duas lâminas colidindo, o que significava que havia pessoas engajadas em um combate por perto.
Parei de correr.
— Ei, o que foi?
— Vamos perder o toque de recolher!
Os dois pararam logo depois.
Apontei para um beco.
— Vou soltar um barro.
Eles pareciam não acreditar nem um pouco em mim.
— Se não for agora, vai escorrer pelas minhas pernas enquanto corro.
— É uma emergência.
— Uma questão de toque de recolher ou orgulho.
O rosto deles ficou sério.
— Vocês podem ir na frente. Não quero que ninguém me veja…
— Eca… Entendido! Não vou contar a ninguém que você soltou uma bomba a céu aberto!
— Não importa o que digam… acho que tomou a decisão certa!
— Oof, não consigo mais segurar. Se apressem… e me deixem para trás!
— Cid… Nunca vamos te esquecer!
— Cid… Mesmo que cague do lado de fora, sempre seremos amigos!
— Vão! Vããããããoooo!
Os dois deram meia volta e saíram correndo dali. Depois que os vi sumir de vista, fui para o beco, seguindo os sons de duelo. Quando cheguei até a fonte, já estava no coração de um beco escuro.
Dois cavaleiros negros estavam no meio de uma batalha feroz.
Não havia dúvidas na minha mente que a pessoa usando o uniforme da escola e saia curta era Alexia. Mas o outro era um homem mascarado, todo vestido de preto.
Algo obviamente não estava certo. Eu poderia entender se Alexia estivesse de preto e fingindo ser do Jardim das Sombras, mas não o contrário. Então subi até um telhado e os observei em segredo.
— Desista de uma vez. Não há como vencer — disse Alexia.
Ela parecia ter a vantagem. O homem de preto não era exatamente fraco; só não conseguia tocar Alexia, que melhorou bastante com o seu treinamento recente.
O manto preto dele estava rasgado e esfarrapado, e seu sangue manchava os paralelepípedos com um carmesim escuro. Um último golpe definiria o vencedor.
— Por que está matando inocentes? É por isso que luta?
— Nós somos o Jardim das Sombras…
Agora mesmo, o homem de preto com certeza disse “Jardim das Sombras”.
— É só isso o que sabe dizer? É isso o que aquele tal de Shadow busca?
— Nós somos o Jardim das Sombras… — repetiu o homem de preto.
Não havia dúvidas de que ele era o impostor do Jardim das Sombras.
Sinto muito por duvidar de você, Alexia. Parece que era inocente. Minhas mais sinceras desculpas.
Mas por que aquele cara estava personificando o Jardim das Sombras?
Essa era a próxima dúvida, obviamente, e eu também sabia a resposta. Podia entendê-lo muito bem, porque sou igual.
A resposta é adoração.
Esse homem ficou encantado com o Jardim das Sombras… e mentores secretos. Não posso culpá-lo. Tipo, minha jornada inteira começou porque eu amava agentes das sombras. Me apaixonei pelos comandantes secretos nos filmes, animes e mangás, então passei a imitá-los.
Esse impostor andava no mesmo caminho e encontrou o Jardim das Sombras. É o primeiro seguidor do Jardim das Sombras no mundo.
Uma sensação calorosa surgiu em meu peito. Estou feliz por um total estranho ter aceitado a nós e os nossos métodos. Alegre por saber que escolhi o caminho certo.
Mas isso é imperdoável. Por quê? Porque sou um mentor. Se perdoar aqueles que mancham o nome da minha organização, deixarei de ser um. Neste exato momento, nós dois podemos nos chamar de agentes das sombras, e não vou permitir nem aceitar isso.
— É o seu fim.
Quando Alexia impediu o contra-ataque dele ao derrubar sua espada, senti outra energia se aproximando.
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— É o seu fim.
Alexia jogou a espada dele para longe, a qual chocou-se na rua de paralelepípedo.
— Hngh…! — Alexia deu uma cambalhota, esquivando-se do ataque repentino que veio por trás.
Bloqueou outro golpe rápido, deu um chute no estômago do agressor e afastou-se mais do que depressa. Encarando seu novo oponente, estabilizou sua respiração.
Havia mais dois cavaleiros negros vestidos de preto.
Ela estalou a língua enquanto observava o primeiro homem erguer a espada.
Agora eram três, todos os quais também considerava como fortes.
Poderia vencer com facilidade contra um deles, tendo uma boa chance de derrotar dois. Entretanto, contra três oponentes…
— Não é muito bacana ter três contra uma jovem delicada.
Rezei para que dessem uma resposta engraçada.
— O que acham de três batalhas de um contra um? Ou não é bom? — sugeriu.
Eles lentamente a cercavam de todos os lados. Ela se certificava de que suas costas estavam protegidas enquanto se afastava.
— Ei, veja atrás de você. A lua está linda esta noite.
O homem se aproximou das costas dela, e ela o manteve na mira com os olhos. Suas espadas mexiam-se com movimentos pequenos enquanto tentavam supor as intenções dos outros.
— Minha nossa. Não vai dar uma olhada? Achei que fosse. — Alexia sorriu. Seus olhos vermelhos brilhavam com o luar. — Pois há uma adorável moça logo atrás de você.
— Gr…!
Ela o pegou. Alexia moveu-se instantaneamente, manejando sua lâmina para cortar o seu oponente idiota, que se virou na hora para olhar.
Morra. Não disse em voz alta, mas ainda assim zombou dele. Cortou através do manto negro, fazendo com que jorrasse sangue.
Porém, o corte acabou não sendo profundo o suficiente. Só precisava de mais um golpe para acabar com ele…
E, naquele momento, sofreu uma pancada no abdômen.
— Augh…!
Uma bota negra atingiu o lado do seu corpo, e ela pôde ouvir o som de suas costelas estalando com o impacto. Enquanto cuspia sangue e cortava com sua arma, acertou a espada na bota preta.
Mas o inimigo esquivou-se do seu ataque no último segundo, e sua lâmina ricocheteou nos paralelepípedos.
Os homens estavam longe demais para um ataque.
Alexia tossiu sangue e limpou a boca, deixando sua mão manchada de vermelho.
Naquele momento, conseguiu distrair um deles, mas ainda tinha um sobrando, o qual lhe deu um chute e evitou que matasse o outro. Alexia o encarava com desprezo.
Três contra um. Os números não haviam mudado.
No entanto, a situação tinha piorado. Dois deles estavam desarmados e o outro estava gravemente ferido, mas ainda conseguia usar sua espada. Ela não podia ignorar o último.
Por outro lado, seus pulmões foram perfurados pelas costelas quebradas.
Eles vão me matar, pensou. Acho que é isso.
Tirou uma pílula vermelha do bolso do uniforme. Era uma droga que guardou antes que o armazém fosse queimado.
Alexia era contra uma esgrima bruta, mas preferia isso do que a morte, por isso levou a pílula à boca. Enquanto rezava para que a estratégia improvisada funcionasse, ergueu a pílula até a altura dos lábios.
Naquele momento, algo escuro desceu do céu, pousando tão silenciosamente quanto uma coruja voando durante a noite.
A lâmina negra cortou um oponente, do qual sangue jorrou. O cheiro sufocante de sangue tomou conta da viela. Com um movimento hábil da espada, o homem de preto, Shadow, limpou o sangue da sua espada, formando uma linha vermelha ao longo da parede.
— Para os tolos que zombam do nome do Jardim das Sombras…
Era Shadow, o ser mais poderoso da existência. Foi ele que demonstrou a esgrima perfeita, e aquele que ela jamais esqueceria.
Shadow está… lutando contra eles?
Era isso o que parecia.
— Paguem por seus pecados com suas vidas… — continuou.
No instante seguinte, os homens de preto moveram-se, tomando uma decisão instantânea de correr pelos paralelepípedos, saltando pelas paredes e pulando até o telhado, assim fugindo.
— Patéticos… — Shadow preparou-se para persegui-los.
— Espere, por favor…!
A voz dela o parou na mesma hora. Ele se virou lentamente, fixando seu olhar nela.
Sua espada tremia sem parar, pois percebeu que… estava fazendo algo estúpido.
— Me chamo Alexia Midgar, uma das duas princesas deste reino.
Shadow apenas a encarava. Ela sabia que ele poderia tirar sua vida se tivesse vontade.
— Diga-me qual é o seu objetivo. Por que luta? Quem está enfrentando? E… você é uma ameaça ao meu país?
Shadow virou as costas para ela.
— Fique fora disso. Ignorância é uma benção.
— O q…?! Espere, se está dizendo que vai se opor ao reino…!
— O que você faria se eu dissesse que sim?
Ela foi pega de surpresa pela sede de sangue.
Diante de uma força imensurável, acovardou-se por instinto. Entretanto, desafiar nossos instintos é o que nos torna humanos.
— Irei enfrentá-lo. Sei que vai tentar matar minha irmã mais velha, mas não deixarei que isso aconteça.
Shadow deixou o manto esvoaçar atrás dele.
— Compreendo o seu estilo de luta com a espada. Posso não ser capaz agora, mas, algum dia, irei te…
— Matar? — perguntou.
Com essas palavras de despedida, desapareceu na escuridão.
Alexia murmurou no escuro para si mesma:
— Sim, isso mesmo…
O silêncio voltou à noite. Abandonada e sozinha, Alexia segurava o estômago e encolhia-se. Sua espada caiu das mãos trêmulas. Sabia que acabara de fazer algo estúpido. Entretanto, recentemente, descobriu um motivo pelo qual lutar: proteger as poucas coisas que valorizava… sua única irmã e seu único amigo.
— Não é bom…
Estava prestes a desmaiar.
Sabia que coisas ruins aconteceriam se apagasse na viela, por isso tentou usar a parede para se apoiar.
— Alexia… Alexia! — Uma voz a chamava de longe.
— Ei, Iris… Iris! Aqui!
— Alexia…!!
O som de passos ficou mais próximo. Algo macio segurou-a em pleno ar antes que seu corpo atingisse o chão.
— Alexia! O que você fez…?!
— Iris…! — Ela enfiou o rosto no peito da irmã.
— Prepare-se. Farei com que me explique tudo em detalhes depois.
— Tudo… bem.
— Incluindo isso.
— Hã…? — Viu as pílulas vermelhas espalhadas pela rua de paralelepípedo, no local em que as derrubara. — Ouça, Iris, não sei de nada.
— Silêncio.
— Não sei mesmo. Sério.
— Isso é imperdoável.
— Ai, minha cabeça… — Decidiu desfalecer-se e deixar essas coisas em aberto.
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Duas sombras percorriam as ruas escuras da capital.
À medida que se preocupavam com os ataques de trás, os homens de preto viraram em um beco e pararam. Pareciam estar apressados. Colocaram suas mãos contra a parede, tentando acalmar a respiração acelerada. Durante um tempo, apenas o som de suas inaladas ásperas ecoava pelo beco escuro.
Thunk.
Um som veio das profundezas do beco.
Eles rapidamente viraram para encarar a escuridão. Uma silhueta negra tomou forma nas sombras, andando na direção deles.
Thunk, thunk.
O som das suas botas se aproximava.
Os homens prepararam suas espadas, tomando cuidado. Mas, então, uma lâmina negra perfurou a cabeça de um deles, instantaneamente passando pelo crânio da pobre alma sem aviso algum.
— Agh… Aghh… Aghhhhh…!
A katana negra foi removida enquanto o homem gritava agoniado, cuspindo sangue e caindo no chão.
Os impostores que restaram começaram a recuar de medo no momento em que a silhueta saiu das sombras e fez sua aparição. Em um manto negro, ele possuía uma espada e metade do seu rosto estava escondida atrás de uma máscara de mágico.
— Os fiz esperar demais? — A voz dele foi profunda, como se ressoasse das profundezas da terra.
— Eek…! — gritou o homem de preto enquanto se afastava.
— Por que está com medo? — perguntou. — Achou mesmo que… poderiam escapar?
O homem de preto se virou para fugir.
— O q…?!
— Ótimo trabalho, Mestre Shadow.
Ele se virou e deu de cara com uma mulher. Ela era sedutora e elegante, usando um vestido curto.
— Você encurralou o culpado mais do que depressa. Estou maravilhada — comentou.
— É você, Nu?
— Sim — respondeu, continuando a conversa enquanto o inimigo ficava entre os dois.
Ele recuou até uma parede.
— Por favor, deixe o resto comigo. Irei extrair as informações dele.
O homem vestido em roupas negras baixou a espada.
— Não estrague tudo… — avisou.
— Entendido.
Ele deu meia volta e desapareceu na escuridão. A adorável mulher curvou a cabeça enquanto o via partir.
A bela moça e o homem de preto foram deixados no beco estreito. Ele estava bem armado, mas ela estava apenas de vestido e saltos.
O homem agiu rápido. Com uma série de cortes rápidos, atacou a garota desarmada.
Pelo menos… era o que esperava fazer.
Com seu vestido dobrado para cima, suas pernas brancas e sensuais se destacavam na noite.
Ka-chan. A espada do homem caiu na rua de paralelepípedo.
Depois de um tempo, oito dedos caíram perto dela.
— A-aghh…!
Era difícil saber se estava tentando recuperar seus oito dedos ou a espada. Com apenas os dedões restando, estendeu uma das mãos, a qual acabou sendo esmagada por um salto alto.
— Gyah…!
Com isso, uma lâmina negra surgiu da ponta do seu sapato enquanto o sangue dos dedos dele escorriam sobre os paralelepípedos.
— Não sou tão gentil quanto o Mestre Shadow.
Ele podia ouvir a amargura na voz dela. O homem olhou para cima e deparou-se com um olhar frio o bastante para matá-lo congelado.
— Não ache que permitirei que morra em paz.
Com a barra do vestido ondulando no ar, acertou o queixo dele com seu joelho branco.
Na manhã seguinte, um cadáver medonho foi encontrado pendurado sobre a rua principal da capital. Havia uma mensagem escrita com sangue em seu estômago:
O Caminho dos Tolos
O rosto daquele homem morto estava envolto em agonia e medo.
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Deitada em uma cama imaculada, Alexia olhou para cima e viu o rosto severo da sua irmã.
— Sei o que aconteceu. — Iris estava sentada ao lado da cama. — Os assassinatos não foram cometidos pelo Jardim das Sombras, mas sim por impostores de outra organização.
— Shadow disse isso — acrescentou Alexia.
— Shadow, hein…? Ainda não sabemos o que é essa organização. — Iris baixou os olhos, pensando. — Durante os ataques na capital, identifiquei a existência de uma cavaleira negra que pode ser do Jardim das Sombras.
— Aquela que se chama Alpha.
Iris concordou:
— Outras fontes indicam que o Jardim das Sombras é uma organização extraordinariamente poderosa. E o seu relatório confirma o nome deles e a existência de um homem chamado Shadow. Mas isso é tudo o que sabemos. Todo o resto ainda é mistério. Sequer sabemos qual é o seu objetivo.
— Shadow estava enfrentando o Culto Diablos. Talvez o propósito deles tenha a ver com o Culto.
— O que torna o Culto nossa pista… — Iris soltou um suspiro.
— Iris…?
— Eu pensei que fosse uma religião normal que acreditava no demônio Diablos, mas parece que estão puxando as cordas em mais operações do que imaginávamos.
— Como o incêndio?
— Tem isso. E também tem o orçamento para a Ordem Carmesim. Não ganhei permissão para seguir em frente, por isso estarei pagando com dinheiro do meu bolso.
Alexia franziu o cenho.
— Isso quer dizer que o Culto não só se infiltrou na Ordem dos Cavaleiros como também está entre os oficiais civis?
— Não sei. São membros do Culto ou estão sendo subornados…, mas não tenho certeza. Afinal de contas, fui imprudente ao criar uma nova Ordem.
— Vou ajudar a pagar.
— O que vale é a intenção. Sabe quantos membros a Ordem Carmesim tem, certo? — Iris sorriu amargamente.
— Oito.
— Exato, apenas oito. Com minhas contribuições, podem facilmente sobreviver por mais de dez anos.
— Então não podemos fazer a Ordem crescer?
— Não faria sentido fazer com que ficasse maior agora. Sequer sabemos quem estamos enfrentando.
— Iris, hm… — Alexia olhou para sua irmã, apreensiva. — Quem é o inimigo da Ordem Carmesim: o Jardim das Sombras ou o Culto Diablos?
Iris sorriu.
— Ambos. Recuso-me a permitir qualquer transtorno neste reino.
— Não deveríamos enfrentar Shadow. — Alexia apertou os lençóis.
— Alexia, pare com…
— Iris, você não diria isso se o conhecesse. Sei que viu aquele ataque que coloriu o céu noturno de toda a capital!
— Já concluímos que foi apenas a queima dos artefatos.
— Mas vi ele usando magia!
Iris aproximou-se de Alexia e olhou direto nos seus olhos vermelhos.
— Aquele tipo de poder é impossível para os humanos. Todo o tempo que passou no cativeiro deixou sua memória confusa. E eu aposto que todas aquelas drogas estranhas te fizeram alucinar. Não acredito que esteja mentindo, mas acho que precisa descansar.
— Iris!
Iris colocou ambas as mãos sobre as de Alexia.
— E mesmo que tenha vindo de Shadow, não podemos nos fazer de cegas para ele. Quem irá proteger nossa nação se eu fugir?
— Iris…
Ela acariciou o cabelo de Alexia, então ficou de pé.
— Descanse até ficar curada.
— Vou te ajudar assim que melhorar.
— Não será necessário.
— Hã?
— Ah, você está em prisão domiciliar. Acho que esqueci de te contar.
— Não pode estar falando sério!
— Por roubar evidências. — Iris lhe mostrou as pílulas vermelhas, e o queixo de Alexia foi ao chão.
— Pense no que fez.
A porta fechou-se com uma batida quando ela saiu.
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