Quando abri os olhos, a primeira coisa que vi foi uma luz deslumbrante. Parecia abranger todo o meu campo de visão, fiquei até vesgo olhando para ela.
Depois que minha visão se ajustou, percebi uma jovem senhorita loira olhando para mim. Ela era uma linda garota – não, espere. Era definitivamente uma mulher.
Quem é ela? pensei.
Ao seu lado estava um jovem com mais ou menos a mesma idade, cabelos castanhos e um sorriso desajeitado na minha direção. Parecia ser forte e orgulhoso, com uma musculatura impressionante.
Com cabelos castanhos e aparência de teimoso? Eu deveria ter reagido negativamente na mesma hora em que vi aquele imbecil – mas, para minha surpresa, não apareceu nenhuma sensação de repulsa. Seu cabelo devia ter sido pintado dessa cor. Era um tom de castanho bem chamativo.
A mulher olhou para mim com um sorriso caloroso e falou. Entretanto, suas palavras soaram estranhamente indistintas e difíceis de entender. Ela estava ao menos falando japonês?
O homem disse algo em resposta, seu rosto parecia estar ficando menos tenso. Da mesma forma, não fazia ideia do que ele falou.
Uma terceira voz ininteligível entrou na conversa, mas eu não conseguia ver quem falava. Tentei me levantar para descobrir onde estava e perguntar a essas pessoas quem elas eram. E deixe-me dizer, posso ter sido um recluso, mas isso não significa que não sabia conversar com as pessoas. Mas, de alguma forma, tudo o que pude expressar foi o seguinte:
— Ahh! Waah!
Nada mais que gemidos e choramingos.
E não conseguia mexer o corpo. Digo, poderia mover a ponta dos dedos e meus braços, mas não conseguia me sentar.
O homem de cabelo castanho falou mais alguma coisa e, de repente, se inclinou e me pegou. Isso era um absurdo! Eu pesava mais de cem quilos. Como ele poderia me levantar com tanta facilidade? Talvez tivesse perdido peso após ficar de coma por algumas semanas?
Afinal, foi um acidente bastante feio aquele em que me envolvi. Havia uma boa chance de eu não ter saído daquilo com todos os membros. Durante o resto do dia, fiquei pensando em uma única coisa:
Minha vida vai ser um inferno.
Vamos pular o período de um mês.
Pelo visto, renasci. A realidade da minha situação finalmente fora esclarecida: eu era um bebê.
Finalmente consegui confirmar isso depois de ser pego no colo e ter minha cabeça movida até eu poder ver meu próprio corpo. Mas por que ainda tinha todas as memórias da minha vida anterior? Não que estivesse reclamando, mas quem imaginaria alguém renascendo com todas as memórias – para não mencionar a veracidade daquela decepcionante realidade.
As duas primeiras pessoas que vi deviam ser meus pais. Se tivesse que adivinhar, diria que tinham vinte e poucos anos. Claramente mais jovens do que eu em minha vida passada, no mínimo. Meu eu de trinta e quatro anos teria os tratado como crianças.
Eu estava com inveja por terem conseguido fazer um bebê nessa idade.
Desde o começo, percebi que não estava no Japão; o idioma era diferente e meus pais não tinham traços faciais japoneses. Também usavam o que parecia ser um tipo de roupa antiquada. Não vi nada parecido com eletrodomésticos; uma mulher vestida de empregada aparecia e limpava tudo com trapos. Os móveis, utensílios de cozinha e coisas do gênero eram todos rusticamente feitos com madeira.
Onde quer que fosse, não parecia ser uma nação desenvolvida.
Nós nem tínhamos iluminação elétrica, só velas e lâmpadas a óleo. Talvez meus pais fossem tão pobres que não pudessem pagar uma conta de luz.
Mas qual a real probabilidade disso? Como tinham uma empregada, imaginei que deveriam ter dinheiro, mas talvez a empregada fosse irmã do meu pai ou da minha mãe. Isso não seria algo tão estranho. Ela ao menos ajudava nas tarefas de casa, não?
Eu desejava poder retornar e fazer tudo de novo, mas nascer em uma família pobre demais para pagar até por serviços básicos não era exatamente o que tinha em mente.
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Mais meio ano passou.
Depois de seis meses ouvindo meus pais conversarem, comecei a aprender um pouco do idioma. Minhas notas em inglês nunca foram ótimas, mas acho que é verdade quando dizem sobre o fato de que o uso exclusivo de uma língua nativa pode dificultar o avanço dos estudos. Ou talvez, graças ao meu novo corpo, meu cérebro não poderia estar mais adequado para aprender desta vez? Senti como se tivesse um tipo de talento incomum para lembrar das coisas, talvez porque ainda era muito jovem.
Mais ou menos nesse momento, também já tinha aprendido a engatinhar muito bem. Ser capaz de se mover era algo maravilhoso. Nunca fiquei tão agradecido por ter o controle do meu próprio corpo.
— Sempre que você desvia o olhar ele vai para algum lugar — disse minha mãe.
— Ei, pelo menos ele está bem e saudável — respondeu meu pai, observando-me enquanto eu engatinhava.
— Eu estava preocupada já que ele nunca chorou desde que nasceu.
— Ele nunca chorou, nem uma vez, não é?
Eu não tinha chegado exatamente ao ponto de precisar choramingar por estar com fome. Quando deixei algum lamento escapar foi quando tentei, e sempre falhei, no ato de não sujar as calças.
Mesmo podendo apenas engatinhar, tinha aprendido o bastante para ser capaz de me movimentar. A primeira coisa que aprendi foi que esse era definitivamente o lar de uma família rica. A casa era uma estrutura de madeira de dois andares, com mais de cinco quartos individuais, e tínhamos até uma empregada. No começo, assumi que fosse minha tia ou algo assim, mas, dada sua atitude em relação aos meus pais, duvidei que fosse da família.
Nossa casa estava localizada no interior. Além das janelas havia uma pacífica paisagem de campos pastoris. As outras casas eram poucas, apenas duas ou três aninhadas aqui e ali entre os campos de trigo. Nós realmente vivíamos no meio do nada. Não conseguia ver cabines telefônicas ou postes de rua. Podia até não haver qualquer central elétrica nas proximidades. Ouvi dizer que em alguns países usavam cabos de energia no subsolo, mas se esse fosse o caso, era estranho que nossa casa não possuísse eletricidade.
Este lugar era tão ultrapassado. Isso me irritou, já que estava acostumado com o conforto da civilização moderna. E aqui estava eu, renascendo, e praticamente morrendo de vontade de pôr as mãos em um computador.
Mas tudo isso mudou no início de uma tarde.
Como as coisas que podia fazer eram bem limitadas, decidi admirar a paisagem. Subi em uma cadeira da mesma forma que sempre fazia quando queria dar uma espiada pela janela, e então arregalei os olhos.
Meu pai estava no quintal, manuseando uma espada. O que diabos estava fazendo? Ele tinha idade suficiente para saber disso. Esse era o tipo de pessoa que meu pai era? Um tipo de nerd viciado em fantasia?
Uh-oh. Diante do torpor do meu espanto, comecei a escorregar da cadeira.
Minhas mãos pouco desenvolvidas agarraram a cadeira, mas não fui capaz de suportar meu peso – não com o enorme peso da minha cabeça – e caí.
Bati no chão com um baque e imediatamente ouvi um grito alarmado. Vi minha mãe deixando uma braçada de roupas que estava carregando cair, seu rosto empalidecendo e sua mão indo à boca.
— Rudy! Você está bem?! — Ela correu até onde eu estava e me pegou. Quando encontrou meu olhar, sua expressão ficou leve de tanto alívio, e então acariciou a minha cabeça. — Ah, está tudo bem, viu?
Epa lá, moça, pensei. Cuidado com a minha cabeça. Acabei de bater essa coisa.
Dada sua aparência de pânico, devo ter sofrido uma queda bem feia. Digo, eu caí batendo a cabeça. Talvez fosse ficar permanentemente estúpido. Não que isso fosse algo fora do normal.
Minha cabeça estava latejando. Tentei alcançar a cadeira, mas não consegui reunir forças. Minha mãe agora não parecia tão nervosa, então eu não devia estar sangrando nem nada do tipo. Foi uma simples queda ou algo assim, era o mais provável.
Ela olhou cuidadosamente para a minha cabeça. O olhar em seu rosto sugeria que, ferido ou não, estava levando isso muito a sério. Por fim, descansou a mão sobre minha cabeça.
— Só por segurança… — disse. — Que esse poder divino seja de nutrição satisfatória, dando a quem perdeu suas forças a força para se reerguer – Cura!
Mas que diabos? Essa era a versão desse lugar para dar um beijinho e assoprar para que tudo melhorasse? Ou ela era outra nerd louca por fantasia igual ao meu pai que não parava de balançar espadas? Era como o caso de um Lutador casando-se com uma Clériga?
Mas enquanto pensava nisso, a mão de minha mãe começou a brilhar com uma luz suave e a dor na minha cabeça sumiu na mesma hora.
Bwuh?
— E lá vamos nós — disse ela. — Sarou! Você sabe, a Mamãe costumava ser uma aventureira bem famosa. — Sua voz soou com orgulho.
Minha mente girou com a confusão, vários termos começaram a girar nela: espadas, lutadores, aventureiros, curas, encantamentos, clérigos…
Sério – o que acabou de acontecer?
Meu pai, ouvindo o grito anterior de minha mãe, enfiou a cabeça pela janela.
— O que houve? — perguntou. Ele estava suando, provavelmente por ter balançado a espada o tempo todo.
— Querido, você precisa prestar mais atenção — disse minha mãe repreendendo-o. — Rudy conseguiu subir na cadeira. Ele podia ter ficado gravemente ferido.
Meu pai parecia muito mais calmo.
— Ei, garotos são garotos. E nosso garoto tem muita energia.
Esse tipo de morde e assopra era bastante comum entre meus pais. Mas, desta vez, minha mãe não iria apenas recuar, provavelmente por causa de como bati minha cabeça.
— Querido, ele ainda não tem nem um ano. Mostrar um pingo de preocupação te mataria?
— É como eu disse: cair, tropeçar e ficar com um inchaço ou uma contusão é a forma como as crianças crescem e amadurecem. Além disso, se ele se machucasse, você poderia apenas curá-lo!
— Eu só estou preocupada com o caso de ele acabar se machucando tanto que eu não consiga curar.
— Ele vai ficar bem — disse meu pai com segurança.
Minha mãe me apertou com mais força, seu rosto estava ficando vermelho.
— Você estava preocupada desde o começo por ele não chorar nunca. Se ele é esse tipo de pirralho, então vai ficar tudo bem — falou meu pai, e então se inclinou para beijar minha mãe.
Certo, vocês dois aí. Vão para um quarto, tá bom?
Depois disso, meus pais me levaram a outro quarto, me colocaram na cama, e subiram as escadas pensando em fazer um irmãozinho ou irmãzinha para mim. Eu poderia afirmar isso, já que podia ouvir rangidos e gemidos vindo do segundo andar. Acho que talvez houvesse vida além da internet.
E também… magia?
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Após tudo isso, prestei muita atenção às conversas que meus pais tiveram entre si. Ao fazer isso, notei eles usando várias palavras com as quais não estava familiarizado. A maioria delas eram nomes de países, regiões e territórios – todos eram claramente nomes próprios que nunca tinha ouvido antes.
Não queria tirar conclusões precipitadas, mas, a essa altura, isso só podia significar uma coisa: eu não estava mais na Terra, estava em um mundo diferente.
Um mundo com espadas e feitiçaria.
E me ocorreu uma ideia: se vivesse neste mundo, também poderia fazer todas essas coisas. Afinal, esse era um lugar de plena fantasia, que não obedecia às mesmas normas de bom senso da minha vida passada. Poderia viver como uma pessoa normal, fazendo o que seria normal neste mundo. E onde tropeçasse, poderia levantar, limpar a poeira e seguir em frente.
Meu antigo eu morreu cheio de arrependimentos, frustrado com sua impotência e com como nunca havia conquistado nada. Mas agora eu sabia todos os erros que cometi. Com todo o conhecimento e experiência da minha vida passada, finalmente poderia fazer isso.
Finalmente poderia viver plenamente.
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