— Professora, sinto minha cabeça esquisita. Posso pular a educação física hoje? — perguntei, levantando diligentemente minha mãozinha de aluna do ensino fundamental.
E, no entanto, não apenas fui mandada para a sala dos professores depois da escola, como também fui obrigada a correr no pátio. Eu, Koyanagi Nanoka, não podia aceitar isso. Eu tinha certeza de que tinha sido chamada à sala dos professores para ser repreendida, mas enfrentei minha professora sem sentir vergonha.
— Então — eu disse —, acho que você presumiu que eu estava apenas brincando mais cedo, pedindo para ser liberada da educação física, mas fiz meus próprios cálculos e estou bastante confiante sobre isso.
— E o que você quer dizer? Confiante sobre o quê? — perguntou a Professora Hitomi calorosamente, sentada na cadeira em frente a mim. Seus olhos estavam fixos nos meus, e seus braços, cruzados.
Meus braços curtos se cruzaram com igual resolução.
— Teve um programa na televisão ontem à noite — eu disse a ela. —, no qual um monte de gente estava dando suas opiniões sobre um incidente em algum lugar. Havia uma pessoa que parecia importante, que dizia que os japoneses não gostam de pessoas que são esquisitas da cabeça, então fogem delas. Quando perguntei à minha mãe quem era essa pessoa, ela disse que era um professor universitário. Se um professor universitário diz isso, então um aluno do ensino fundamental I deve aceitar que é verdade. O ensino médio está abaixo da universidade, o ensino fundamental II está logo abaixo, e o ensino fundamental I está abaixo de todos eles.
Meu peito se encheu de orgulho quando apresentei minha tese, esperando que minha professora ficasse impressionada. Em vez disso, ela parecia um pouco preocupada e deu um suspiro mais profundo do que o normal.
— Qual é o problema? — perguntei.
— Bem, Koyanagi, eu acho maravilhoso que você tenha sido capaz de pensar em uma coisa dessas e expressá-la tão claramente. Isso significa que você é muito inteligente.
— Eu também acho.
— Também é maravilhoso que você tenha tanta confiança. No entanto, tenho alguns conselhos, se quiser que esse seu brilho floresça. Você vai ouvi-los?
— Sim, claro.
Professora Hitomi sorriu e ergueu o dedo indicador.
— Está bem. Em primeiro lugar, embora seja importante experimentar as coisas depois de pensar nelas, é igualmente importante pensar um pouco antes de fazer. Entendeu?
Eu balancei minha cabeça para cima e para baixo. Professora Hitomi ergueu seu dedo médio ao lado do primeiro.
— Em segundo lugar, fugir das coisas que nos assustam nem sempre é uma coisa boa. Há momentos em que não há problema em fugir, mas se exercitar é importante para sua saúde, e você já está começando a correr mais rápido do que antes, não é?
Ela estava certa, eu consegui correr um pouco mais rápido hoje do que antes, mas minhas pernas estavam exaustas agora. Isso pode mesmo ser bom para minha saúde?
Ela ergueu o dedo anelar.
— E em terceiro lugar, eu não acho que o que aquele professor disse é exato. As coisas que as pessoas dizem na TV nem sempre são necessariamente corretas. Você precisa decidir por si mesma se o que ouve é verdade.
— Nesse caso, Professora…
— Sim?
— Isso também significa que não tenho ideia se o que você está dizendo é correto, não é?
Ela me deu um olhar caloroso.
— Isso mesmo. E é por isso que você tem que pensar. Dito isso, por favor, pelo menos acredite nisso: do fundo do meu coração, não desejo nada mais do que a sua felicidade e ver você se dar bem com os outros. Entendeu?
Ela me lançou um olhar sério, que eu já tinha visto muitas vezes. Eu gostava dessa expressão nela. Comparado com os outros professores, senti que seu rosto raramente mentia.
Pensei muito sobre o que ela acabara de dizer e, após uma consideração cuidadosa, respondi com um aceno educado.
— Entendi. Eu acredito mais em você do que naquele professor.
— Bom. Nesse caso, de agora em diante, antes de decidir tentar algo em aula, venha discutir comigo primeiro.
— Só se eu achar que é a coisa certa a fazer.
— Sim, está bem.
Ela sorriu sinceramente e me deu um tapinha na cabeça. Vendo aquele rosto, tive certeza de que ela realmente desejava minha felicidade. Ao mesmo tempo, me perguntei…
— O que “felicidade” significa, na sua opinião, Professora Hitomi?
— Hmm, pode significar muitas coisas, mas… Bem, okay. Vou te contar agora. A partir da aula de artes linguísticas de amanhã, estaremos pensando sobre o que significa ser “feliz”.
— O quê? Isso parece muito difícil.
— Sim, é incrivelmente difícil, mas você, eu e todos os outros estaremos pensando sobre o que a felicidade significa para nós, pessoalmente. Então, tente pensar em como a felicidade parece para você, Koyanagi.
— Tudo bem, vou pensar no assunto.
— Muito bem. Mantenha isso em segredo de todos, okay?
Ela colocou o dedo nos lábios e me deu uma piscadela desajeitada. Então, pegou um pedaço de chocolate da mesa do Professor Shintarou, ao lado dela.
— A primeira parte da minha felicidade são os doces. — disse ela.
— Isso também pode me deixar feliz. — Eu olhei para o Professor Shintarou.
— Não conte a ninguém sobre isso — disse ele com uma piscadela desajeitada, então me entregou um pedaço de chocolate.
— Vejo você mais tarde, Professora — eu disse, acenando da porta da sala dos professores.
— Tome cuidado. Pensando bem, com quem você costuma ir para casa?
— Eu posso ser uma criança, mas consigo pelo menos voltar para casa sozinha.
— Isso é verdade. Eu segurei você hoje, mas a partir de amanhã, por que não tenta ir para casa com todo mundo? Vai ser divertido!
— Vou pensar no assunto. Mas você sabe, Professora… — Coloquei o pedaço de chocolate na boca. — A vida é como um filme maravilhoso.
A Professora Hitomi inclinou a cabeça ligeiramente, divertida. Eu sempre disse esse tipo de coisa para ela, mas ela sempre levava um tempo para considerá-las. No entanto, suas conclusões geralmente estavam erradas.
— Hmm, isso significa que você é o personagem principal?
— Não.
— É mesmo? Okay, eu desisto. O que isso quer dizer?
— Isso significa que, contanto que você tenha doces, pode apreciá-los, mesmo se estiver sozinho.
A Professora Hitomi fez a mesma cara preocupada de sempre, e eu virei as costas para ela, correndo para casa depois da minha triste aula do fundamental I.
Não havia ninguém em casa, então depois de colocar minha mochila no meu quarto, decidi voltar imediatamente. Fiz questão de trancar o apartamento, então peguei o elevador do décimo primeiro andar até o primeiro, esperei as portas automáticas se abrirem e saí.
Ao passar pelas portas de vidro, vi uma amiga andando nas proximidades. Ela sempre aproveitava a oportunidade para ficar perambulando pelo nosso prédio quando eu voltava da escola para casa. Nosso prédio era muito maior do que as estruturas ao redor, então foi fácil de encontrar, até mesmo para ela.
Eu a cumprimentei:
— Saudações!
Embora ela já tivesse me percebido, fez uma careta como se tivesse acabado de me notar.
— Miau!
— Você nunca se tornará uma atriz com esse tipo de atuação exagerada.
— Miau.
Como sempre, ela caminhou exatamente na direção que eu pretendia, sua cauda curta balançando para frente e para trás. Mesmo meus pequenos passos a ultrapassaram e eu fui rapidamente capaz de alcançá-la. Eu dei uma risada altiva, regozijando-me com minha vitória, e ela afastou a cabeça. Honestamente, que garota sem charme.
Enquanto caminhávamos em direção ao nosso destino, contei à minha amiguinha o que tinha acontecido hoje:
— Foi realmente ridículo!
— Miau.
— Existem algumas incompatibilidades sérias nas maneiras de pensar de diferentes pessoas. É o mesmo no mundo dos gatos?
— Miau.
— Isso é verdade. É difícil para diferentes criaturas se entenderem por completo.
— Miau — disse ela novamente, desinteressada.
Ela nunca pareceu muito envolvida com o que eu tinha a dizer. Minhas preocupações diárias provavelmente não eram relevantes para um gato, mas era um pouco rude.
Ainda assim, não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso, então decidi cantar uma música. Algo que ela também pudesse desfrutar. As únicas duas coisas que chamavam a atenção da minha amiguinha atrevida eram o leite e o som da minha música. Que vida luxuosa ela levava.
Comecei a cantar minha música favorita:
— A felicidade não vai viiiiiir na minha direção, é por issoooo…
— Miau miau!
— Queeeeeee partiiiiiii para encontrá-la hojeeeeee!
Embora ela fingisse não estar interessada, o tom de seu miado foi mais flexionado do que o normal. Ela tinha uma voz adorável para cantar. Embora nunca tenha sido direta, tenho certeza que todos os meninos gatos se aglomeravam em sua direção por causa da voz linda que emanava.
Enquanto nós duas caminhávamos ao longo da estrada tranquila, cantando juntas, o caminho terminava nas margens de um grande rio. Subimos as escadas até o barranco. Não havia grandes edifícios ao redor, e o vento era forte. Era uma sensação maravilhosa o vento soprando no meu cabelo. A próxima cidade ficava na margem oposta, e eu senti um cheiro ligeiramente estranho.
Este barranco era um lugar popular para as crianças brincarem, mas eu não tinha interesse. A Senhorita Bobtail mostrou interesse em uma bola rolando ao longo do barranco, mas não havia bola que a interessasse mais do que uma tigela de creme.
Continuamos ao longo do caminho ao lado do rio, cantando. Enquanto caminhávamos, cumprimentávamos aqueles por quem passávamos. Passamos pelo velhinho sentado em um papelão, e uma senhorinha que víamos com frequência na galeria de compras que me deu doces. Por fim, nosso destino apareceu: um prédio de apartamentos de dois andares de cor creme. Estava à nossa frente como um grande bolo quadrado de creme de manteiga. Descemos as escadas do barranco e nos aproximamos.
Entramos trotando no apartamento, a Senhorita Bobtail tomava cuidado para não fazer muito barulho. Ela subia as escadas um passo à minha frente, chegando na porta do apartamento no final do segundo andar, choramingou. Eu disse a ela para ficar quieta, mas muitas vezes era rápida para esquecer coisas assim. Não era tão inteligente quanto eu.
Eu caminhei elegantemente até a porta e apertei o botão que a Senhorita Bobtail não era alta o suficiente para alcançar. Alguns segundos depois, ouvi a campainha tocando dentro. Antes que eu pudesse ver a formiga rastejando sobre meu pé, a porta se abriu.
Dentro estava uma linda jovem vestindo uma camiseta e calças compridas, como sempre fazia. Seu cabelo estava um pouco mais despenteado e ela parecia mais cansada do que o normal.
— Olá! — falei.
— Olá. Você está de bom humor hoje, mocinha.
— Sim, estou bem. Você não está se sentindo bem hoje, Senhorita Messalina?
— Não, estou bem. Acabei de acordar.
— Mas já passa das três horas!
— Para algumas pessoas, três horas é a manhã. Eu sou uma delas.
— Existem outras?
— Americanos, eu acho.
Comecei a rir do absurdo de sua resposta casual. Talvez seguindo minha orientação, ela começou a rir também, coçando o pescoço.
— Entre — disse ela. — Tenho certeza que a Senhorita Gatinha também está com fome.
Tirei meus sapatos e entrei na casa da Senhorita Messalina, mas a Senhorita Bobtail ficou do lado de fora. Que garota perversa ela era, por se comportar apenas em momentos como este.
A Senhorita Messalina despejou um pouco de leite em um prato velho e o levou para fora para oferecer à minha amiga, então fechou a porta e me entregou uma garrafa de Yakult. Tomei um gole da bebida e observei a Senhorita Messalina consertar a cabeceira da cama.
Normalmente venho aqui para brincar nos dias de escola. A Senhorita Messalina era adulta, o que significava que estava ocupada, e muitas vezes não estava aqui quando eu chegava. Mas quando estava, ela sempre me dava um Yakult e às vezes um pouco de sorvete. A Senhorita Bobtail também sabia da bondade da Senhorita Messalina, por isso sempre me seguia, ansiosa por seu pires de leite.
A Senhorita Messalina abriu a janela e tirou um sanduíche da geladeira, depois se sentou na cama desarrumada. Sentei-me à mesa redonda no centro da sala, saboreando meu Yakult.
— Então, como foi a escola hoje, mocinha?
A luz da janela brilhou através de seus longos cabelos enquanto ela mastigava seu sanduíche de ovo, dando-lhe um brilho angelical. Expliquei a ela o que tinha dito à Senhorita Bobtail anteriormente. Ela ouviu, balançando a cabeça em silêncio, até que falei:
— Tive uma boa ideia, mas nada para apoiá-la.
Ela riu alto.
— Tenho certeza de que ninguém pensa que você é louca.
— Por quê?
— Porque você é inteligente. Quando se é inteligente, mesmo que aja um pouco estranho, as pessoas simplesmente presumem que está pensando em algo. É por isso que foi chamada para a sala dos professores, certo?
— Isso é verdade. Nesse caso, da próxima vez tentarei fazer uma cara ainda mais estranha.
Eu mostrei minha língua e ela riu alto novamente.
— Parece que você tem uma boa professora.
— É verdade, ela é uma ótima professora. Mesmo que esteja meio errada às vezes.
— Todos os adultos tendem a errar. — disse ela, levantando-se para pegar uma lata da geladeira.
— Isso é doce? — perguntei.
— É doce, mas amargo também.
— E por que você quer beber algo que é amargo? Também bebe café, não é? Isso é ainda mais amargo. Está se punindo?
— Não, estou bebendo porque gosto. Eu bebo álcool e café. Não bebia café quando era criança, no entanto. Os adultos são os únicos que gostam de coisas amargas.
— Entendo. Então eu me pergunto se vou achar que coisas amargas serão saborosas algum dia também.
— Pode ser que sim. Mas não há razão para se forçar a beber. Acho maravilhoso só poder desfrutar de coisas doces. — disse ela com um sorriso brilhante.
Havia um cheiro maravilhoso ao seu redor. Não parecia perfume, e era diferente dos outros adultos. Quando falei isso, ela riu e falou:
— Isso é porque eu não sou uma adulta adequada
Se isso é verdade, eu também nunca quero ser uma adulta adequada.
— A vida é como um crème brûlée — falei.
— Como assim?
— As partes doces são as únicas partes boas, mas há pessoas que desfrutam das partes amargas também.
— Aha ha, isso é verdade. — A Senhorita Messalina engoliu sua bebida com um sorriso. — Você realmente é inteligente, mocinha.
Fiquei emocionada ao ouvir esses elogios.
— Senhorita Messalina, aconteceu alguma coisa interessante no seu trabalho?
— Não há nada de interessante no meu trabalho.
— É mesmo? Mas minha mãe e meu pai amam seus empregos. Eles nunca estão em casa.
— Só porque eles estão sempre trabalhando, não significa que seus empregos sejam divertidos, embora seja maravilhoso se eles fizerem algo interessante.
— Tenho certeza de que é divertido para eles. Ainda mais divertido do que brincar comigo.
— Se você se sente sozinha, deve contar a eles.
Balancei a cabeça.
— Isso não é uma coisa muito inteligente de se dizer. — Então perguntei algo que estava me incomodando: — Se você não gosta do seu trabalho, isso significa que não está feliz?
Ela não respondeu. Em vez disso, riu levemente.
— Acho que o que me deixa mais feliz agora é ver você.
Fiquei emocionada com isso. Não era o tipo de mentira que os adultos contavam para disfarçar a verdade.
— “A felicidade não vai viiiiiir na minha direção… é por issoooo que partiiiiiii para encontrá-la hojeeeeee!”
— Eu adoro essa música. “Dê um passo por dia e você continuará no seu caminho”!
— “São três passos para frente e dois para trás”! — cantamos juntas.
— Eu deveria estar pensando sobre o que é felicidade. — eu disse a ela. — Falaremos sobre isso na aula.
— Huh, nós também fazíamos algo assim quando eu era pequena. Isso realmente me traz algumas memórias. O que você acha que é a felicidade, mocinha?
— Ainda não sei Acabei de começar a pensar sobre isso.
— Esse é um problema difícil. Que tal um sorvete, só para dar uma dica?
— Vou querer um pouco!
Jogamos Othello juntas, como sempre fazíamos — cada uma mastigando um picolé sabor de refrigerante. A Senhorita Messalina possuía aquele jogo de Othello desde a infância. Meu pai também me comprou um, mas não havia ninguém em casa para eu brincar. Ainda assim, fiquei feliz em saber que quando a Senhorita Messalina passasse na minha casa, poderíamos jogar lá também. Quanto a qual de nós era a jogadora mais forte, bom, um dia serei capaz de mostrar a ela que era eu.
Quando enfim consegui a vitória, depois de ela já ter vencido duas vezes, ela olhou para o relógio na parede.
— Oh, já são quatro horas.
Enquanto eu pensava na rapidez com que o tempo havia passado, arrumamos o conjunto de Othello.
— Obrigada pelo Yakult e pelo sorvete, Senhorita Messalina.
— Eu que agradeço por ter vindo.
Sempre saía da casa da Senhorita Messalina por volta das quatro. Eu adoraria ficar mais tempo para conversar e jogar mais Othello, mas tinha outros destinos para visitar.
Calcei meus sapatos cor-de-rosa, que cabiam perfeitamente em meus pezinhos, agradeci novamente à Senhorita Messalina e abri a porta. Lá fora, a Senhorita Bobtail estava sentada de maneira educada, tendo terminado seu leite. A Senhorita Messalina pegou o prato vazio.
— Vejo você na próxima. — eu disse.
— Claro, venha sempre que quiser. — respondeu ela.
— Quais são seus planos para o resto do dia, Senhorita Messalina?
— Acho que vou dormir um pouco. Para se preparar para o trabalho.
— Boa sorte com o seu trabalho. Se cuide.
— Vou sim. E boa sorte em encontrar sua felicidade. Se você encontrar ao longo de sua caminhada, certifique-se de voltar e me contar.
— Está bem. Boa noite.
A Senhorita Messalina acenou, e eu fechei a porta. Ela tinha um trabalho estranho, que começava depois que fui para a cama e terminava antes de eu acordar. Eu não sabia dos detalhes, mas não podia trabalhar como ela, ficando acordada a noite inteira e dormindo o dia todo, então só por isso ela tinha todo o meu respeito.
Pensei em seu trabalho enquanto a Senhorita Bobtail e eu descíamos as escadas. No passado, quando eu perguntava sobre seu trabalho, ela ria e dizia: “Eu participo de um tribunal à meia-noite”.
Eu tinha certeza de que devia ser o trabalho mais maravilhoso.
Foi em um dia frio e chuvoso há algum tempo que eu conheci Bobtail e a Senhorita Messalina. Eu coloquei minhas lindas botas rosa, peguei meu lindo guarda-chuva vermelho e andei ao longo do barranco com meu poncho amarelo esvoaçante, perseguindo um pequeno sapo. O sapinho verde era tão bonito e, obedientemente, andava pelo meio da calçada, então eu pude continuar o seguindo.
Em algum lugar ao longo do caminho, comecei a pular também. Eu ria comigo mesma, imaginando que nós dois estávamos fazendo algum tipo de treinamento especial juntos. O sapo colocou tudo o que tinha naquele treinamento. Com certeza ele era uma coisinha tímida, só realizava seu treinamento em dias de chuva, quando havia pouca gente por perto. Eu torcia pelo sapinho robusto.
Mas talvez o sapo não tenha ouvido este encorajamento, ou talvez simplesmente não planejasse treinar hoje, pois, no fim, ele pulou, correu para a grama e desapareceu. Fiquei triste em vê-lo ir, mas embora eu mesma tenha entrado na grama, e não importando o quanto eu tinha enlameado minhas botas, não consegui encontrar o sapo novamente.
Fui tomada por uma sensação de tristeza, mas não havia nada que pudesse fazer. A essa altura, eu já tinha aberto caminho até a margem do rio. Decidi voltar a subir o barranco, mas continuei por um caminho diferente, nunca abandonando a esperança de que talvez o destino me ajudasse a encontrar o sapo novamente.
Uma gata bobtail estava esperando por mim no final do caminho, encolhida na grama. Corri até ela, abrindo caminho através das poças. Ela estava coberta de lama, salpicada de vermelho aqui e ali. Mais do que tudo, notei que sua cauda tinha apenas a metade do comprimento que deveria ter.
Que terrível, pensei.
Não me perguntei quem ela era, nem como acabou assim. Dobrei meu guarda-chuva e a envolvi delicadamente em meus braços, carregando-a barranco acima para não assustá-la. Eu podia sentir sua respiração tranquila.
No início, pensei que poderia levá-la de volta para casa. No entanto, rapidamente descartei essa ideia quando percebi que não haveria mais ninguém lá. Eu não poderia curar suas feridas sozinha.
Meu rosto estava frio por causa da chuva, e eu tinha certeza que ela também devia estar com frio. Pensei em quem poderia implorar por ajuda. Desci a margem oposta ao rio e corri para o prédio de apartamentos de cor creme nas proximidades. Embora eu tenha corrido um pouco imprudentemente, a gata não se mexeu em meus braços.
Toquei campainhas no primeiro andar do prédio, começando do fim. Não houve resposta na primeira porta, nem na próxima, ou na próxima, ou na próxima. Finalmente, a quinta porta se abriu, mas a mulher que atendeu fechou-a novamente no momento em que pôs os olhos em mim. Continuei tentando de porta em porta, mas na maioria das vezes não havia ninguém em casa, e quando ocasionalmente alguém abria, ninguém estava interessado em me ouvir. A pequenina em meus braços estava tremendo.
Cheguei à última porta do prédio. Meu coração estava disparado quando apertei a campainha. Sua respiração suave estava ficando mais fraca, e eu temia que ela pudesse estar desvanecendo em meus braços. Eu ouvi a campainha tocar lá dentro, e depois outros sons. No começo, fiquei aliviada ao saber que havia alguém. Havia muitas outras portas onde ninguém estava presente, mesmo com as luzes acesas.
Passos se aproximaram lentamente, alguém abriu a fechadura e a maçaneta girou. No momento em que a porta se abriu, gritei:
— Por favor, salve-a!
A bela mulher olhou para mim em choque por um tempo. Então olhou para a pequenina em meus braços. Eu encarei seus olhos. “Você deve olhar as pessoas nos olhos quando está falando com elas”, Professora Hitomi me disse.
Os olhos da jovem pararam no corpo trêmulo da minha nova amiga, e então ela fez algo que ninguém tinha feito: olhou de volta nos meus olhos.
— Só um instantinho.
Ela entrou e voltou com uma toalha. Tirou a pequena alma dos meus braços e a levou para dentro, envolvendo-a.
— Entre também. Tire o casaco e os sapatos.
Ao ouvir sua voz suave, senti um alívio tão grande que poderia ter adormecido ali mesmo, mas precisava agradecê-la primeiro. Eu me perguntei qual poderia ser o nome dela, e meus olhos caíram na placa fixada ao lado da porta.
Li as letras rabiscadas grosseiramente na placa de identificação com pincel atômico.
— Messalina…?
Era um nome estranho. Não soava nem um pouco japonês. Eu me perguntei se ela poderia ser uma estrangeira, embora não parecesse. Eu inclinei minha cabeça curiosamente.
— Venha agora, entre, não vou morder.
A mulher insistiu que eu tomasse banho antes de agradecê-la e, antes que eu percebesse, já estava me lavando. Quando saí do banheiro, alguns pijamas de tamanho adulto foram colocados para mim no lugar das minhas roupas encharcadas, e eu agradecidamente os vesti. A mulher estava enrolando a gatinha em bandagens. Observei suas mãos enquanto ela trabalhava, sem querer atrapalhar.
— Obrigada, de verdade. — eu disse, quando ela finalmente terminou seu tratamento.
— Sem problemas. Coloquei suas roupas na secadora, então pode esperar aqui até que estejam prontas.
— Está bem. Hum… Senhorita Messalina?
Ela pareceu surpresa quando falei seu nome. Talvez tenha ficado surpresa por eu saber.
— Era o que dizia na sua placa de identificação. — expliquei. — Tudo bem se eu te chamar de Senhorita Messalina, certo?
— Você quer dizer como meu nome?
— Sim.
Quando eu balancei a cabeça, ela deu uma grande risada. Eu não tinha a menor ideia do que isso significava. No entanto, fiquei feliz por ela parecer estar se divertindo, então comecei a rir também.
— Aha ha! Ah, sim, tudo bem. Esse é o meu nome.
— Você é de outro país?
— Não, sou japonesa.
— Huh, esse é um nome estranho. — A Senhorita Messalina riu novamente.
— Senhorita Messalina? — falei. — Posso reescrever sua placa de identificação para você, como um agradecimento por salvar esta pequenina. Pode ser rude, mas não posso dizer que aquelas letras estão muito bem escritas. Minha caligrafia é muito melhor.
Ela negou com a cabeça.
— Hm, agradeço a oferta, mas não é o tipo de coisa que eu gostaria que você se preocupasse. Eu também não escrevi lá.
— Hein? Então, quem escreveu?
Desta vez, ela riu de leve.
— Já esqueci quem foi.
E então me tornei amiga das Senhoritas Messalina e Bobtail. A Professora Hitomi parecia pensar que eu não tinha amigos, mas na verdade, tinha amigos maravilhosos. Amigos que jogariam Othello comigo. Que passeariam comigo. E eu tinha amigos que falavam comigo sobre livros.
Era por isso que, mesmo que eu não tivesse amigos na escola, e mesmo que meu pai e minha mãe estivessem ocupados demais para brincar comigo, eu não estava sozinha.
Meu primeiro encontro com a Vovó não foi tão tenso quanto no dia em que conheci as Senhoritas Messalina e Bobtail. Quando digo que não foi preocupante, quero dizer que não estava triste ou com dor no momento.
Se você escalasse as colinas por entre as árvores perto de minha casa, encontraria uma clareira, e ali, naquela clareira, havia uma casa de madeira. Um dia, encontrei esta casa e passei muito tempo a olhando, pensando em como era maravilhosa e como era incomum para nossa região. Depois de algum tempo, bati na porta da frente, me perguntando se o lugar estava abandonado. Estava terrivelmente quieto, mas uma velhinha com um sorriso adorável abriu a porta.
Daquele dia em diante, passamos a ser amigas.
Hoje, a espaçosa casa de madeira estava maravilhosa como sempre.
— Como os doces que você faz são tão gostosos, Vovó?
— Quando você vive tanto quanto eu, aprende como fazer as coisas terem um gosto bom. Só isso. — disse a Vovó, despreocupada, tomando um gole de chá.
Enquanto mordiscava as madeleines que ela tinha feito, tentei desvendar o segredo de suas delícias. A Senhorita Bobtail relaxava ao sol, tomando conta do corredor de piso de tábuas que corria entre a sala de estar e o campo aberto.
— Eu encontrei aquele livro sobre o qual você estava me falando. — eu disse, sentando à mesa baixa da sala com piso de tatame. “O Pequeno Príncipe”. Está na biblioteca da escola, então tentei ler.
— Você gostou?
— Hm, gostei de como foi escrito, mas foi meio difícil.
— Foi? Você realmente é esperta, Nacchan.
— Eu também achei, mas ainda não cheguei tão longe. Eu não entendi tudo.
— É importante saber o que você não sabe. A pior coisa que pode fazer é pensar que entende algo, quando na verdade não entende.
— É assim que funciona?
— Mesmo não entendendo, isso significa que deixou alguma impressão em você, não é?
— Isso é verdade. Acho que ter um gato para conversar me convém melhor do que uma ovelha silenciosa em uma caixa.
Vovó riu baixinho e olhou para a pequenina dormindo no chão.
— Um elogio tão maravilhoso de você, e tudo o que ela faz é dormir.
— Tudo bem. Ela sempre faz o que quer.
A Senhorita Bobtail bocejou, sua cauda balançando para frente e para trás. Foi contagioso, e abri minha boca de uma maneira inadequada para soltar um bocejo. Então, decidi falar com a Vovó sobre o mesmo assunto que discuti com a Senhorita Messalina… a conversa da escola. Quando eu contei a ela toda a história do início ao fim, a Vovó riu alto, assim como a Senhorita Messalina tinha rido.
— Entendo, entendo. Isso parece horrível, fazer você correr no pátio e ficar depois da escola.
— Não foi. Quer dizer, eu odiava educação física, mas não foi tão ruim ficar depois. Eu gosto da Professora Hitomi.
— Ela parece uma professora maravilhosa.
— Sim, ela é. Mesmo quando comete erros. Hee hee, eu tive esta mesma conversa com a Senhorita Messalina.
— Você ganhou no Othello hoje?
— Só uma vez. Mas mesmo assim, ainda perdi duas. Eu me pergunto se vou melhorar nisso algum dia.
— Você vai. Afinal, você tem o poder de ver o futuro. Esse é um poder indispensável quando se trata de jogos.
Eu sabia que a Vovó nunca contaria uma mentira, por isso fiquei emocionada ao ouvir isso. Havia um cheiro maravilhoso ao redor dela, não como incenso. Um cheiro maravilhoso diferente de outros adultos. Quando falei isso a ela uma vez, ela sorriu e disse: “Isso é porque eu já me formei como adulta”.
— Isso significa que a Senhorita Messalina também tem o poder de ver o futuro. — eu disse.
— Vai saber. Ao contrário das crianças, os adultos geralmente são criaturas que olham para o passado.
— Mas a Senhorita Messalina é melhor do que eu.
— Isso é porque ela viveu mais, Nacchan. Ela sabe como vencer melhor do que você.
Vovó falava frequentemente sobre quanto tempo as pessoas viviam. Mas ela estava certa, tinha vivido pelo menos sete vezes mais que eu, e provavelmente era por isso que suas madeleines eram muito melhores.
Estendi a mão para pegar uma segunda, mas retirei minha mão. Se eu comesse duas madeleines em cima do Yakult e o sorvete, não teria espaço para o jantar que minha mãe preparou.
Decidi usar meu cérebro para outra coisa, para me fazer esquecer das madeleines.
— Temos uma tarefa na escola — eu disse. — Pensar sobre a felicidade.
— Parece uma lição interessante.
— Sim, é. Mas é muito difícil. Seria ótimo se pudéssemos conversar sobre quantas coisas quisermos, mas só temos o período de aula, e eu não sou a única na turma.
— Isso é verdade. Você tem que colocar todas essas coisas em ordem e tirar sua resposta do meio.
— Quero encontrar uma resposta que surpreenda a Professora Hitomi, que todos na minha turma entendam.
Senti orgulho ao imaginar o elogio da Professora Hitomi. Deixando-me levar, comecei a pegar outra madeleine, mas me contive no último momento. Vovó me viu e riu.
— Qual é a sua felicidade, Vovó?
— Minha felicidade, hm? Muitas coisas. Beber chá em dias de sol como este, e sempre que recebo sua visita nesta casa solitária. No entanto, pensar em uma única resposta seria difícil. Vou pensar no assunto.
— Sim, pense nisso. Por falar em pensar, Vovó, você está feliz agora?
Vovó tomou um gole de chá e sorriu.
— Sim, estou.
Ela parecia, e a sensação se espalhou por mim também. Quando olhei para o corredor, a Senhorita Bobtail também dormia feliz. Esta velha casa de madeira deve estar repleta da essência da felicidade, pensei.
— Ah, certo, você pode me dizer outro livro para ler?
— Você disse que já leu Tom Sawyer, certo?
— Sim, foi divertido.
— Bem, então, que tal uma história sobre o bom amigo de Tom?
— Você quer dizer o Sem-teto Huck? Há outro livro?
— Oh, você não sabia dele? Chama-se As Aventuras de Huckleberry Finn. É muito divertido. Se não estiver na biblioteca da escola, você poderia perguntar à Professora Hitomi.
Ao ouvir essa notícia maravilhosa, guardei o nome do livro na mesma parte do meu cérebro onde guardei minhas memórias mais importantes.
Nós duas adorávamos falar sobre livros, por isso nunca percebia quanto tempo tinha se passado.
Qual foi sua história favorita de O Pequeno Príncipe? Gostei daquela sobre o Príncipe e a rosa. Foi tão encantadora. E você, Vovó? Aquela sobre a cobra que comeu o elefante, talvez.
À medida que prosseguíamos assim, um tom laranja tomou conta do mundo exterior. Olhei para o relógio na parede e vi que já eram cinco e meia. Eu tinha que voltar para casa às seis. Prometi à mamãe que o faria.
Acordei minha amiga com a cauda balançando e disse adeus à Vovó:
— Vejo você na próxima vez, Vovó.
— Tome cuidado no caminho para casa a essa hora.
— Eu irei. Vou procurar o livro sobre o Huck também.
Acenei para a Vovó, que tinha vindo até a porta da frente para se despedir de mim, e a Senhorita Bobtail e eu pegamos a trilha que descia a colina. O caminho era lindo. Amarelo queimado. Nunca fiquei triste em me despedir assim. Afinal, sempre tive o amanhã, e o dia depois disso.
— A felicidade não vai viiiiiir na minha direção, é por issoooo que partiiiiiii para encontrá-la hojeeeeee!
— Miau miau!
Eu me separei de minha amiga de cauda curta e voltei para casa para fazer meu dever. Por volta das seis e meia, minha mãe voltou para casa. Ela ficava fora de casa mesmo aos sábados e domingos às vezes, mas sempre voltava na hora do jantar. Pensei em como seria bom se sempre fosse hora do jantar, mas aí eu teria que desistir do iogurte que tomei no café da manhã.
O jantar de hoje foi arroz com curry. Mesmo que eu já tivesse tomado Yakult e sorvete e comido uma madeleine, ainda tinha comido dois pratos de arroz.
— Eu me pergunto se eu deveria fazer dieta. — eu disse.
Minha mãe riu.
— Você não precisa. — ela disse, entregando-me um biscoito que comprou no trabalho.
Eu não pude evitar. Comi o biscoito com sorvete de baunilha por cima.
— Talvez tomar seu sorvete favorito com um biscoito seja a felicidade. — eu disse.
— Para mim, é com café. — disse minha mãe, sentando-se na minha frente enquanto mergulhava o biscoito na caneca e o comia.
E depois, como acontecia normalmente, tomei meu banho e fiquei sonolenta por volta das dez horas. Então, como sempre, não falei com a minha mãe, nem com o meu pai que voltou depois de eu ter adormecido, sobre a minha conversa com a Senhorita Messalina.
Tradução: SoldSoul
Revisão: Guilherme
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