Parte 1
— Mais alguma ideia?
O representante de turma perguntou em frente à mesa do professor. Coisas como café, teatro, casa assombrada e fliperama estavam em suas anotações.
O festival cultural estava se aproximando. Uma vez que se tornou conhecido que nossa turma não iria se decidir em tempo, esta reunião sem entusiasmo algum foi convocada ao final da aula.
Eu estava calmamente assistindo o processo. Os membros de clubes de humanas de nossa escola não estavam se ocupando com as coisas das classes porque estavam muito mais ocupados com as coisas de seus clubes.
Algumas escolas tinham coisas como clubes de esportes, mas a nossa não tinha tantos. Inevitavelmente, as contribuições para as aulas acabaram se resumindo a praticar esportes ou apenas ir para casa. É claro que os clubes de humanas fariam algo para ajudar, mas o foco principal e ocupação de todos fazia acabar sempre da mesma forma:
— Darei o voto final então, levantem a mão para o que preferirem.
Levantei a mão quando citaram o café, mas a turma como um todo votou pela apresentação de uma peça.
— Uma peça, hein?
— Parece complicado.
— Mas vai ser divertido.
— Eu vou ser o aldeão A.
Meus colegas começaram a bater papo a respeito da peça.
— Agora, vamos decidir qual peça faremos.
Normalmente, algo seria usado como inspiração, tipo Cinderela, Branca de Neve, ou algum outro conto de fadas aleatório, já que isso tornava tudo um pouco mais fácil e rápido de organizar. Os estudantes eram amadores e também sofriam para memorizar as falas, então achei que uma peça inteira seria algo complicado demais.
Com a minha mente ocupada com vários tipos de pensamentos, não abri a boca. No final das contas, eu teria um papel irrelevante, e todos estavam escolhendo maneiras para se ajudar.
Porém…
— Seria bacana ter um roteiro original.
Graças à sugestão de uma garota, o foco da turma mudou para um roteiro original. Acho que todos estavam animados com o festival cultural, já que isso acontece apenas uma vez por ano. Mas eu me preocupei sobre isso ser bom ou não. Afinal, fazer um roteiro original é algo bem difícil. Em primeiro lugar, como escreveríamos a história?
Mas é claro, eu não disse nada. Esta era uma oportunidade para todos darem sugestões e opiniões, eu não queria ser o chato criando empecilhos para tudo.
— Quem vai escrever a peça?
— Eu nunca escrevi nada.
— Nós temos algum Clube de Teatro?
— Não.
— Então quem vai fazer isso…?
O que foi isso?
Todos os estudantes estavam olhando para trás. Eu tive a péssima sensação de que estavam olhando para mim…
— Ah é, nós temos o Yagi-kun!
Uma garota que só falou comigo umas três vezes na vida apontou para mim.
— Eu? Eu não escrevo, não sabia?
— Mas você não está no Clube de Literatura?
— Estar no clube é bem diferente de escrever.
A turma começou a vaiar e Sakai começou a rir de um canto, já que sabia que eu não escrevo histórias.
Olhei para o assento ao meu lado, a Presidente Minekawa estava olhando para mim com uma carranca. O que foi, até ela deve ter pensado que eu devia escrever algo.
— Infelizmente não posso fazer isso.
Recusei-me a escrever, então ficamos o dia todo discutindo como deveríamos fazer a peça e cada um indicou que tipo de história queria. Foi algo bastante sombrio de se ver.
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Eina: Boa noite, Shuu-san. Como vão as coisas?
Shuu: Estou editando.
Eina: Ah, para o festival cultural? Você pode conseguir algo desta vez.
Shuu: É a última chance do terceiro ano, então eles sempre contribuem com algo.
Eina: Huh, Shuu-san, você parece meio triste hoje.
Fiquei surpreso. Meus sentimentos estavam transparecendo na escrita? Como assim?
Shuu: Só um pouco aborrecido. Não é nada demais.
Contei para ela sobre a reunião de classe após a aula.
Eina: Eles te vaiaram por você não poder escrever um roteiro? Que horrível!
Shuu: Eu não devia ter deixado que criassem expectativas.
Eina: Mas você não fez nada de errado.
Shuu: Obrigado. Me pergunto o que deveríamos fazer. Se partirmos para algo original e coletarmos ideias de todos, não acho que vamos conseguir em tempo…
Escrever algo já é bastante difícil, mas o maior problema viria depois. As falas precisariam ser memorizadas e ensaiadas. Teríamos que preparar acessórios e figurinos…
Eina: Shuu-san, é só uma sugestão, mas…
Shuu: O quê?
Eina: Talvez… eu possa escrever… o roteiro.
Shuu: Você faria isso…?
Eina: Sim, vou tentar!
Shuu: Mas você não está ocupada?
Eu disse isso, mas só então percebi que não sabia nada sobre seu cotidiano.
Eina: Não. Não frequento escola técnica e não faço parte de nenhum clube. Tenho tempo livre todos dias, então acho que seria divertido escrever.
Shuu: Sério?! Isso é ótimo!
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— Todos, escutem.
No dia seguinte, depois da aula, fiquei em frente à mesa do professor.
— Oh, Yagi, decidiu escrever um roteiro? — perguntou um garoto.
— Não vou, mas conheço alguém que vai. Eina, aquela que escreveu a última história do clube de literatura. — Após eu falar isso, a sala ficou completamente barulhenta.
— Eu li aquilo, foi bem interessante.
— A pessoa que escreveu aquilo deve ser capaz de escrever algo bom para usarmos, certo?
— Certo, todos que aprovam ter um roteiro escrito por Eina-san…
O representante de classe fez a votação, a maioria da turma aceitou.
— Obrigado. Então, o que vocês querem? Os requisitos vão ajudar a escrever, fica mais fácil, então quero saber suas ideias — disse eu.
— Quero um romance!
— Um final feliz!
— Um pouco de mistério seria bom!
Tomei nota de tudo que pediram.
— Me pergunto que tipo de história vai ser essa!
— Espero que seja interessante!
Eu poderia dizer que a classe estava começando a elevar suas esperanças. Para ser sincero, eu também.
Eu poderia ler o próximo trabalho de Eina. Estava ansioso só por isso, mas agora também seria bom para a classe, não pude deixar de criar esperanças.
Acho que estou ajudando mais do que o normal este ano, pensei.
O clube de literatura tinha outros membros além de mim, quando eu recebesse os materiais, poderia me dedicar exclusivamente à necessidade da sala. Os terceiros anos também estavam ocupados estudando para os exames, então todos acabavam ficando reunidos em suas respectivas salas, era um tipo de relação de mútuo benefício.
E por causa disso, eu tinha discrição a respeito de como eram feitas as preparações do Clube de Literatura. O clube precisaria imprimir um folheto, encaderná-lo e colocá-lo para distribuição. Tudo bem, eu poderia fazer toda a edição em casa mesmo. Poderia encadernar na sala do clube, após as aulas. E se fizesse o meu melhor, poderia até mesmo ajudar na decoração.
— Shuu, venha aqui — sussurrou Sakai em meu ouvido — Eina-san está em nossa sala?
— Por que você quer saber isso?
— Bom, as pessoas não escreveriam um roteiro para outra turma, certo? — disse Sakai, estufando o peito com sua percepção.
— Tenho minhas dúvidas sobre isso — respondi me esquivando da pergunta.
Com esse tipo de questionamento, você não poderia responder só com sim ou não. Qualquer coisa estaria fornecendo informações. Um “não” pelo menos deixaria claro que ela não estava em nossa sala.
— Kuh, você não vai deixar nenhuma brecha, hein?
— Claro que não.
— Sua boca realmente é um túmulo, Shuu. Fica de boca fechada até mesmo quando conversando com seu melhor amigo do Clube de Jornalismo.
— Seria perigoso ser seu amigo se eu fosse um boca aberta, você seria capaz de escrever qualquer tipo de coisa.
— Eu sei o que devo ou não escrever.
Ele estava olhando para mim, mas eu não pretendia falar nada sobre Eina.
Além disso, eu não sabia nada sobre ela para falar.
De repente, meu coração disparou. Que sentimento é esse…?
Parte 2
No dia seguinte:
Eina: Shuu-san, como foi o dia de hoje?
Shuu: Eu preparei o material de edição. Tenho todas as ilustrações e o design da capa que a Ruka-senpai fez, então só falta compilar os dados.
Eina: Oh! Dê o seu melhor!
Shuu: E aí? Como anda o roteiro?
Eina: Estou traçando um plano!
Shuu: Tudo bem, vamos dar o nosso melhor!
Três dias depois:
Eina: Shuu-san, bom trabalho!
Shuu: Para você também.
Eina: Como foi seu dia?
Shuu: Fui para a escola, depois editei algumas coisas, o mesmo de sempre. Quero ajudar a classe antes do festival cultural, então pensei em ir adiantando o trabalho do Clube de Literatura.
Eina: Você é um verdadeiro trabalhador, hein?
Shuu: Não sou, só trabalho duro nas coisas que gosto.
Eina: Continua sendo algo incrível.
Shuu: Obrigado, mas e aí, como anda o roteiro?
Eina: Uhh, está quase lá.
Shuu: Todo mundo está ansioso por ele. Até eu. Dê o seu melhor.
Uma semana depois:
Normalmente, quem envia as mensagens primeiro é a Eina, mas não recebi nenhuma nos últimos três dias. É por isso que enviei uma mensagem logo após a aula daquele dia.
Shuu: Oi, como vai?
Sem resposta.
O que há de errado?, pensei. Normalmente eu recebia as respostas quase que de imediato.
Talvez ela estivesse ocupada com o festival cultural de sua própria escola?
Conforme eu pensava, meu telefone vibrou.
Eina: Oi, como foi seu dia?
Shuu: Finalmente terminei de preparar tudo para os folhetos. Agora só preciso comprar papel e imprimir.
Eina: Isso foi muito rápido!
Shuu: Sim, agora eu devo ser capaz de ajudar direito a minha classe. Então, sobre o roteiro…
Eina: Umm, ah, umm… estou dando o meu melhor.
Shuu: Quando você acha que vai terminar?
As respostas pararam de novo, e a mensagem seguinte só chegou de noite, pouco antes de eu dormir.
Eina: Acho que ainda vai demorar um pouco.
Shuu: Entendo…
Acho que escrever um roteiro e uma história realmente são coisas diferentes. Pensei que ela poderia escrever um livro inteiro em apenas uma semana, visto que escreveu um conto em só uma noite, mas talvez seja mais difícil.
No entanto, faltavam só mais duas semanas para o festival. Se não começássemos a preparar os acessórios e figurinos o quanto antes, não conseguiríamos em tempo. Os atores precisariam aprender suas falas e conhecer a peça também…
Na verdade, precisávamos decidir quem ficaria com qual papel também.
Shuu: Você poderia ir me enviando o que já preparou? Se fizer assim, podemos já começar a preparar os acessórios e figurinos, além de decidir quem fará o quê.
Eina: O que eu já preparei… Ummm… na verdade…
E então, Eina enviou uma mensagem chocante.
Eina: Ainda não escrevi nada.
— O quê?! — gritei no meu quarto.
Nenhuma palavra? Por quê?
Não, não tenho tempo para descobrir o motivo.
Isso é sério. Eu duvidava que ela pudesse escrever a peça dentro dos quinze dias restantes, além disso, mesmo se conseguisse, já seria tarde demais.
Abri meus olhos enquanto meus pensamentos voltavam a entrar em ordem.
Vou falar com Ruka-senpai. Ela pode conhecer alguém capaz de preparar uma peça. Se pudermos pegar algum roteiro e colocar em prática… Além disso, um roteiro precisaria ser preparado para uma turma em específico…
Eina: Shuu-san? Shuu-san?
Outra mensagem chegou e percebi que deixei a última marcada como lida e nem respondi.
Shuu: Foi mal, Eina. Esqueci de responder. Certo, então vou dizer para todos que escrever uma peça é complicado demais, não vamos conseguir em tempo, então vou procurar outro jeito.
Eina: Eh!!
Shuu: Não precisa se preocupar, todos vão entender. Para começo de conversa, você estava prestando um serviço voluntário.
Vzzzzt, vzzzzt.
Meu telefone vibrou duas vezes, duas vibrações longas. Era uma ligação de Eina.
<Shuu-san… farei o meu melhor, farei o meu melhor, então…> — E-ei…
Eina estava chorando. Sua voz tremia, estava fungando e chorando sem parar.
Eu acabei confuso, talvez não devia ter enviado aquela última mensagem tão de repente.
Ela talvez tenha pensado que eu estava com raiva.
— Eina, eu não estou com raiva, você não precisa se preocupar. Fomos nós que empurramos isso para você, então pode seguir seu próprio ritmo, não precisa se preocupar, está tudo bem.
<Shuu-san, não diga isso… Por favor, deixe eu escrever o roteiro!> — Mas…
<Eu só vivo para falar com você. Não quero que isso acabe, por favor, não pare com isso, vou trabalhar duro…!>
Fiz uma careta. Ela estava entendendo alguma coisa errada. Foi quase como…
— Eina. Eu não falo com você só para você fazer peças ou escrever romances, sabia?
<Fueeh?>
— É claro, acho maravilhoso quando você prepara algo, mas não seria nenhum problema se você não fizesse nada. Até porque eu mesmo não consigo escrever.
<Você não ficará desapontado?>
— E por que deveria? Independentemente de você escrever ou não, você é você, minha preciosa…
<Preciosa?>
Minha preciosa o quê?
Não consegui achar uma palavra adequada.
— Tanto faz, você não precisa se esforçar. <Então, por que você fala comigo?> — Porque eu acho… divertido.
Desta vez eu consegui falar. Eu realmente quis dizer isso. É muito divertido conversar com a Eina. Foi por isso que fiquei tão triste quando não falei com ela pelos últimos três dias. Em algum momento, conversar com ela virou parte de minha vida.
<Shuu-san…!!>
Eina parecia querer gritar e explodiu em lágrimas do outro lado da linha.
— O que houve?! Eu disse algo que não devia?
<Você não fez nada de errado. Estou feliz. Faz… tanto tempo… desde que alguém me falou algo assim…> — Tanto tempo?
<Shuu-san, eu posso… quebrar as regras? Posso falar sobre mim?>
As regras, para evitar que eu soubesse sobre ela, tanto quanto possível. Então eu não consegui descobrir quem Eina era.
Mas…
— Sim — concordei com a ideia.
Eu queria saber mais sobre ela.
<Não tenho mãe nem pai. Eu tive, mas eles morreram.> Minha respiração acabou ficando presa na garganta.
<Então, agora moro com a irmã de minha mãe, com minha tia e meu tio, mas não nos damos muito bem. Até mesmo a Onee-chan, minha prima, me intimida… Você lembra de quando eu desliguei o telefone sem mais nem menos? Ela entrou no meu quarto para gritar comigo por eu estar fazendo barulho.>
— Você está em segurança para falar agora?
<Sim, estou escondida embaixo das cobertas.>
Eu podia até imaginar uma garota escondida falando no telefone.
<Eu não… tenho nenhum amigo. Sou deixada de lado e sozinha na escola.>
— …
< Gosto de ficar sozinha. Ter que ficar com todo mundo durante o período de aulas é difícil, mas quando eu falei sobre, ninguém mais quis ser meu amigo… É um pouco doloroso ser solitário. Mamãe e papai teriam dito que eu não preciso me forçar a ir para a escola, mas minha tia e meu tio dizem que tenho que ir e ficam bravos se eu não vou.> Ela gosta de sonhar acordada.
Ela era diferente das pessoas ao seu redor, mas, na escola, pequenas diferenças podem ser tratadas como heresia. Você poderia chamar isso de má sorte, mas ninguém entendia Eina lá.
E era assim.
O celular até rangeu com o meu aperto.
Eu queria poder ir até ela e a abraçar.
Mas eu não posso. Existem cinco anos nos separando. Mas eu devia ao menos fazê-la entender.
— Estou ao seu lado. Agora e sempre.
<Hic! Obrigada!>
Ela explodiu em lágrimas mais uma vez.
Chorou muito mesmo.
Mas… pode ser que chorar seja melhor. Bem, ao menos chorar de felicidade é bom, certo?
Me lembrei dela dizendo: E se eu estiver morta em cinco anos?
Eina entendeu. Entendeu que ninguém nunca sabe quando sua felicidade será arruinada.
É por isso que você deve valorizar a felicidade que possui.
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<Umm, Shuu-san?>
Ela parou de chorar e sua voz soou como um sussurro em meu ouvido.
— Sim?
<Sobre o roteiro.>
— Ah é, estávamos falando sobre isso.
<Posso… escrever sobre você?> — Eh?
<Acho que agora consigo escrever. Claro, só quero escrever as coisas como são, vou usar toda minha alegria, conforme você pediu, e também vou pensar em como me sinto quando conversamos… se eu usar isso como inspiração, acho que consigo escrever.>
— Entendo. Vou pedir para que todos esperem mais um pouco então. Não se esforce, certo? Se você tiver algum problema, não hesite em falar comigo sobre ele.
<Não vou.>
Eu não pude ver seu rosto.
Mas, ainda assim, senti que ela estava sorrindo.
Parte 3
Quando acordei naquela manhã, recebi uma mensagem de Eina.
Era o roteiro.
Meu corpo inteiro ficou quente e corado.
Shuu: Obrigado, agora podemos começar a preparação da peça.
Desculpe por te apressar.
Eina: Quando comecei a escrever não consegui mais parar!
Shuu: Eina, você realmente possui talento para isso.
Por mais estranho que seja, não fiquei com ciúme. Eu estava feliz por poder ler o que ela havia escrito.
Na mesma hora, transferi o arquivo para o meu laptop e imprimi uma cópia. É muito melhor ler algo que está em um papel. Coloquei o roteiro na mochila e fui para a escola, sentei no meu lugar e comecei a ler de imediato.
O roteiro era interessante.
Talvez porque ela estava consciente de que seria usado para uma peça, tudo correspondia a um gênero de fantasia. Você poderia chamar isso de conto de fadas.
A protagonista era uma adolescente, intimidada por sua mãe e irmã mais velha, sem nenhum amigo, vivendo em desespero. No desespero de sua própria vida, ela estava preparada para acabar com isso.
No entanto, um demônio ferido apareceu do nada diante dela. Ele havia sido perseguido por humanos, e a garota, de bom coração, tratou de suas feridas por instinto.
O demônio disse que iria realizar um de seus desejos como forma de agradecimento, e que, para isso, ela precisaria passar por três testes.
O primeiro teste era ir sozinha para uma caverna nas montanhas e recuperar um baú do tesouro.
O segundo era ir ao quarto de sua mãe aterrorizante e roubar uma chave. E o terceiro, o terceiro era usar o punhal dentro do baú para fazer um sacrifício aos deuses.
Nesse ponto, o demônio ofereceu sua própria vida para conceber seu desejo, dizendo:
— Estou ao seu lado. Agora e sempre.
E colocando o punhal na mão dela. No entanto, a garota se recusou.
— Não consigo pensar em uma vida sem você. Quero estar contigo.
— Então não restam escolhas.
Usando magia, o demônio controlou sua mão e a fez o apunhalar no peito.
A garota, de luto, pensou em usar seu desejo para ressuscitar o demônio. Se ela fizesse isso, continuaria com a mesma vida. Não, poderia ser até uma pior, mas mesmo assim… ela ressuscitou ele. Após sua ressurreição, o demônio foi transformado em um humano.
Ele era, na verdade, um príncipe amaldiçoado, e a gentileza dela, junto com os sentimentos do príncipe, realizaram um milagre, quebrando a maldição.
Os dois fizeram juras de amor um para o outro e trocaram um beijo…
— Yagi…
— Sim?
Levantei minha cabeça e percebi que o professor de inglês estava me olhando. Eu não notei sua aproximação.
Podia ouvir os outros alunos rindo, parece que a lição começou sem eu perceber.
— É bom trabalhar para o seu clube, mas preste atenção nas aulas.
— Eu sinto muito!
Rapidamente peguei meu livro de atividades. Mas o que eu deveria fazer?
— Página noventa, traduzir a segunda linha — soou uma voz ao meu lado.
Era a Presidente. Ela estava olhando para mim com uma expressão gélida. Eu senti um arrepio e abri o livro.
Felizmente, a frase não era muito difícil e eu traduzi sem problemas. O professor foi para o próximo aluno e voltei para o roteiro de Eina. Desta vez com uma caneta vermelha, pronto para as correções.
Por fim, li tudo pelo menos umas duas vezes.
— Ahem.
Quando levantei a cabeça, encontrei o olhar do professor de matemática, era o terceiro período.
— Yagi, você já terminou seu trabalho? Então responda a esta pergunta.
Toda a turma começou a gargalhar.
— Cara, você realmente é do tipo que ignora tudo que está ao redor quando está com algo em mente, hein?
— Eu sou? — perguntei em resposta.
— Não percebeu? — Sakai deu de ombros. — Você não notou todo mundo te cumprimentando pela manhã? Estavam dizendo coisas como “incrível, o roteiro está pronto!”, e, “teremos que agradecer a Eina”. E você ignorou todo mundo.
— Wah, sério? Preciso pedir desculpas depois…
— Tudo bem, todo mundo sabe que você estava trabalhando a sério no roteiro.
Enquanto conversávamos, o representante de turma ficou à frente da mesa do professor e a reunião de classe começou. O roteiro chegou, então estávamos começando os verdadeiros preparativos para a peça. Imprimi ele durante o intervalo do almoço e dei uma cópia para cada pessoa.
Hoje estaríamos discutindo quem ficará com qual parte. Isso, claro, se referia aos papéis, mas as pessoas também queriam trabalhar com figurinos, acessórios, cenário, cada pessoa queria fazer uma coisa. Aqueles sem nada para fazer por um tempo provavelmente ajudariam com coisas ainda não terminadas, mas era importante fazer a delegação de funções.
As pessoas que se colocariam em frente aos papéis seriam decididas.
Os figurinos, acessórios e cenário foram delegados sem problemas e todos os papéis de apoio também foram definidos.
Eu estaria ajudando com o cenário. Bom, eu não era particularmente habilidoso com esse tipo de coisa, mas imaginei que poderia ajudar com um pouco de trabalho físico.
Tudo o que sobrou foi o papel principal e seu par, o príncipe demônio. Provavelmente foi porque o roteiro tinha um romance direto entre os dois, então todo mundo estava com vergonha e não queria fazer parte. Havia até uma cena de beijo. Embora, claro, isso não seria feito de verdade.
Então, ouvi uma cadeira se mover para trás ao meu lado, fazendo barulho.
A Presidente se endireitou e então disse:
— Se ninguém quer, então eu vou interpretar a personagem principal.
A turma começou a fazer barulho.
— A Presidente no papel principal…
— Ela se encaixa perfeitamente, não acha?
— Isso é ótimo!
Foi unânime. Eu também achei que ela seria uma ótima protagonista, sua beleza se encaixava perfeitamente na impressão que uma garota efêmera deve passar.
— Eu tenho uma condição — disse ela, antes de pronunciar algo ultrajante. — Quero que o Clube de Literatura fique com o papel do príncipe.
A turma começou a fazer barulho mais uma vez.
— Yagi como seu par?
— Por quê?
— Ele tem alguma experiência com atuação?
Cochichos começaram por todos os cantos. Percebi que todos estavam olhando para mim e fiquei tão surpreso que não consegui falar nada.
— Ele é o único que conversou com a autora, então é o que entende a peça melhor aqui, então deve ficar com o papel de príncipe — disse a Presidente, olhando para mim com seus olhos frios. Parecia até que ela estava me impondo um dever.
— Se ela coloca assim, por que não?
— E o que disse faz sentido.
— Dê o seu melhor, Yagi-kun!
A turma começou a concordar com a opinião dela. Dada a situação, eu não poderia recusar, então só consegui assentir.
Parte 4
— E aí, Casanova.
Sakai me deu um tapinha nas costas quando saímos dos portões da escola.
— Não enche…
Ele estava praticamente pulando enquanto eu me arrastava.
— Mas é a verdade, não é? A Presidente te indicou, não foi?
— Que diabos ela estava pensando? — Eu disse enquanto soltava um suspiro cansado.
— Exatamente o que ela disse, ela é do tipo que sempre fala com sinceridade.
— Sim, sempre é a justa da discussão.
Por isso que eu estava preocupado. Argumentos justos nem sempre são gentis com as pessoas.
— Se eu tivesse que dizer algo, então seria que estou preocupado com ela estar te usando para acertar um cara ciumento.
— Não exagera.
— Não estou, ela é a garota mais popular da nossa escola, lembra?
— Eh, ela é?
Eu a achava bonita, mas não achava que fosse tão popular.
— Você não sabia? Bem, acho que você não faz o tipo de que avalia todas as garotas. — Sakai mostrou um sorrisinho sarcástico e continuou: — Ela já é popular só por ser a Presidente do Conselho Estudantil, aí você soma a aparência. Seria mais estranho se não fosse tão popular. Se tivéssemos um concurso de beleza, ela ganhava fácil.
— Você não acha ela assustadora?
— É claro, a maior parte das pessoas, tipo meu chefe e as pessoas que interagem direto com ela dizem que sua franqueza é assustadora, mas no geral acho que todos não passam de invejosos.
Eu estava ficando cada vez mais deprimido. Se eu atuasse muito mal, minha vida social estaria acabada…
— Bem, dê o seu melhor. Estou torcendo por você. Você também deve sentir algo por ela, né?
— Sai fora.
Eu queria pensar que meu rosto queimando não passava de imaginação.
Quando cheguei em casa, mandei uma mensagem para Eina falando sobre os acontecimentos do dia. Sobre como seu roteiro foi recebido e como eu acabei ficando com o papel do príncipe…
Eina: Você é o príncipe! Waaah, isso é perfeito!
Eu podia dizer, só pela mensagem, que ela estava animada, mas eu realmente não consegui entender o que queria dizer.
Shuu: Sou só um estudante comum, lembra?
Eina: Continua perfeito. Digo, moldei o príncipe em você, então ter a pessoa real interpretando ele me deixa muito feliz.
Se ela está indo tão longe, então farei o meu melhor, pensei.
Peguei o roteiro na mesma hora e o li em voz alta. Só por ler eu não sabia se estaria bom ou não, então usei meu telefone para me gravar falando.
Depois que terminei a leitura, verifiquei a gravação…
— Isso… está horrível.
Me saí tão mal que não poderia ser considerado sequer um ator amador.
— Vou comprar um livro sobre atuação.
Pedalei até uma livraria que ainda estaria aberta a essa hora da noite.
Depois da aula no dia seguinte, fizemos o primeiro ensaio. Meu estudo foi em vão e minha atuação continuou trágica. Na verdade, estava mais ou menos no mesmo nível dos outros coadjuvantes, então devia ser o normal para alguém sem experiência.
Mas eu estava com um dos papéis principais, então continuou horrível.
— Ainda tem tempo, você vai conseguir, certo? — disse Sakai, mas não era um consolo.
A Presidente estava ausente, aparentemente teve que fazer algum trabalho para o festival cultural como um todo. Desapontado, fui para a sala do Clube de Literatura. O final do dia estava chegando, mas eu queria fazer alguns preparativos para o clube. Planejamos ficar de portas abertas e distribuir livros, então ainda precisava de uma decoração.
Porém, eu não conseguia colocar minha mente para trabalhar e acabei não conseguindo fazer muitas coisas.
E depois…
— Clube de Literatura. — Fiquei surpreso ao escutar alguém falando.
A Presidente estava parada à porta.
— Desculpe, já estou indo para casa.
Me desculpei reflexivamente. Já era muito tarde.
— Sou tão assustadora assim? — Suspirou a Presidente. Ela parecia estar um pouco para baixo, isso me fez sentir meio culpado.
— Não, só não quero correr o risco de perder nossa sala de novo.
— Posso esquecer sobre essas coisas. Não sigo todas as regras ao pé da letra. Sei que você dá o melhor de si nas aulas e no clube.
— Certo.
Eu talvez tenha entendido mal o tipo de pessoa que ela era.
— Ei, Clube de Literatura. Você tem tempo livre agora? Se tiver, quer ensaiar um pouco comigo?
Parte 5
O que eu faço?
Naquele momento, eu estava sozinho com a Presidente, andando sob o crepúsculo. Nós não pudemos ficar na escola, então estávamos indo para um parque que ficava perto.
Não conversamos muito, já que ela só falava sobre o que tinha que fazer.
Foi extremamente desconfortável.
Olhei para ela. Como de costume, estava franzindo a testa. Talvez seja incrível ela ser bonita mesmo mantendo essa expressão sempre.
Mas poderíamos praticar algo com esta atmosfera?
Um anel de vida metafórico foi lançado para mim quando chegamos ao lugar e meu telefone vibrou com uma mensagem de Eina.
Eina: Boa noite, como vão os preparativos para o festival cultural?
Shuu: Ótimo timing! Você está livre agora? Posso ligar?
Eina: Poder pode, mas por quê?
Shuu: Estou prestes a praticar com a Presidente, mas… isso é desconfortável.
Eina: Desconfortável? Por quê?
Shuu: Parece que ela me odeia.
Eina: Vocês estão praticando juntos mesmo com ela te odiando?
Shuu: Sim. Não sou bom em atuação e ela estava ocupada com o Conselho Estudantil. Ela não é o tipo de pessoa que mistura sentimentos pessoais com os deveres.
Eina: Parece ser uma pessoa séria.
Shuu: Sim, mas não consegue esconder seu mau humor, então você pode nos ouvir praticar e fazer alguns comentários. Seria mais fácil do que fazermos isso por nós mesmos.
Eina: Entendido!
— Clube de Literatura, o que você está fazendo?
— Estava conversando com a escritora, ela ouvirá nossa prática. Mas só pelo telefone, tudo bem?
— Pode ser. Eu gostaria de uma opinião também.
Liguei para Eina e coloquei o telefone em viva voz.
<Boa noite. Prazer em conhecer, Presidente.>
— Prazer em conhecer também, Eina-san. Está ouvindo?
<Sim! Espero que possamos nos dar bem!>
Coloquei minhas coisas e telefone em um banco e enfrentei a Presidente com o roteiro em mãos.
— Vamos pelo começo, primeiro a aparição da garota… De repente, sua expressão mudou.
— Isso é doloroso, tão doloroso. Talvez seria mais fácil se eu estivesse morta…
Sua expressão mudou para uma de desgosto. Como se estivesse prestes a chorar, mas estava fazendo de tudo para segurar as lágrimas.
Ela estava apenas olhando para baixo e hesitando enquanto falava, mas sua tristeza e dor realmente foram transmitidas.
<Sua vez, Shuu-san.>
Voltei para mim mesmo ao escutar a voz de Eina pelo telefone.
— Ah, foi mal. ‘Jovem senhora, posso pedir-lhe um simples favor? Emprestar-me-ia vossa mão? Minha perna está ferida e não suporto a dor.’
Terminamos a cena e a Presidente olhou fixamente para mim.
— Eu sei o que você quer dizer, também acho que fui horrível.
<De forma alguma! Isso foi exatamente como imaginei, achei tão bom!>
A gentileza de Eina tornou tudo ainda mais doloroso.
— Muito bem. Você aprendeu todas as falas direitinho, também está fazendo os gestos corretos. Tudo o que você precisa agora é praticar e refinar os movimentos.
As palavras da Presidente me acalmaram um pouco.
<Você foi incrível, Presidente.>
— Você tem experiência com atuação? — perguntei, mas ela balançou a cabeça negativamente. — Então você é um gênio?
— Isso é porque eu pratiquei muito…
Ela desviou o olhar.
Ela quis dizer que ficou acordada a noite toda? Deve que estaria muito ocupada quando o festival chegasse.
— Vamos para a próxima cena. Vou dar um exemplo, então use isso como referência.
Uma hora depois:
— Vamos fazer uma pausa. — Fiz uma sugestão. — Vou pegar alguma bebida, você quer alguma coisa?
— Um refrigerante de cola — murmurou ela em resposta.
— Okay.
Deixei meu telefone no banco e fui até a loja mais próxima. Era hora do jantar, então o caixa estava lotado e levei um pouco mais de tempo do que imaginei para comprar as bebidas. Quando terminei, corri de volta para o parque.
A Presidente estava sentada no banco falando no meu telefone.
— Eu sei que ele não é má pessoa. Ele é bem trabalhador e tal, mas fico nervosa quando conversamos.
Em vez de ter seu ar sempre digno, a Presidente parecia uma garota normal, o que era uma experiência nova para mim.
<Bem, então, Shuu-san. Estou indo agora.>
— Não vamos continuar praticando?
<Desculpe, apareceu algo urgente! Realmente sinto muito! Certifique-se de levar a Presidente para casa, okay?>
— Eh?
Espera aí, levar para a casa? A Presidente?
Isso não seria realmente desconfortável? Mas Eina já tinha desligado.
— O que estamos fazendo, Presidente? Quer continuar?
— Também preciso ir para casa. Tenho um toque de recolher.
— Entendi.
— Você vai mesmo me levar para casa?
— Bem, já está tarde.
— Obrigada… — murmurou ela.
Nós saímos, bebendo de nossas latas.
— Sobre o que você conversou com a Eina?
— Escola e outras coisas.
— Entendo.
Nós dois ficamos em silêncio.
Nossa, aquilo foi realmente desconfortável.
Eu não sabia sobre o que falar e, como de costume, ela não parecia inclinada a conversar comigo.
Por que a Eina disse que eu precisava levá-la para casa? Nós nem somos amantes ou coisa do tipo.
A próxima vez que abrimos a boca acabou sendo quando chegamos em sua casa.
— Huh, isso é… — Não pude deixar de falar.
Tínhamos chegado a um orfanato. Era um prédio pequeno que parecia com uma escola.
— Você está surpreso? — perguntou ela.
— Um pouco.
— Não faça essa cara. — Que tipo de cara eu estava fazendo? — Eu que escolhi isso para mim. Tive alguns problemas em casa. Gosto muito mais desse estilo de vida. Bom, seria mentira dizer que não havia nada de que eu gostasse, mas assim está melhor do que antes.
— O que você pensa sobre a universidade?
— Estou planejando fazer os exames para uma perto daqui. Se eu passar, então posso ficar isenta das taxas por causa da renda familiar, então devo ser capaz de conseguir uma bolsa de estudos se meus resultados forem bons. Tem dormitórios, então eu devo conseguir me virar com os custos de vida. Vou trabalhar para compensar as despesas e dar o meu melhor até me formar. Vai ser difícil arcar com os custos, mas realmente quero ir para a universidade.
A Presidente olhou para o prédio do orfanato enquanto falava. Seu rosto era forte, refinado e, acima de tudo, lindo.
Realmente não sei nada sobre ela.
— Clube de Literatura, dê o seu melhor no festival — disse a Presidente, com um rosto muito mais gentil que o habitual.
— Claro.
— E… obrigada por me trazer para casa.
A Presidente desapareceu pela porta.
Suas últimas palavras foram quase inaudíveis.
Eu sorri, pensando que queria saber mais sobre ela.
Parte 6
A noite tinha chegado e eu estava relaxando no meu quarto depois de uma refeição e um bom banho, até que recebi uma mensagem de Eina.
Eina: Shuu-san, você sabia? Fufufu…
Shuu: Sabia o quê?
Eina: Que a Presidente não te odeia?
Shuu: Hã?
Eina: Nós conversamos sobre muitas coisas enquanto você foi buscar as bebidas, mas parece que a Presidente te trata duramente porque está sempre nervosa. Haha, ser popular com certeza é difícil!
Meu rosto ficou quente e vermelho.
Eina: Foi igual uma confissão! Tipo quando vocês vão para casa juntos depois do festival! É maravilhoso, não é? É como se você estivesse destinado a atuar com ela.
O que é esse sentimento…?
Quando me disseram que a Presidente talvez não me odiasse e que poderia até mesmo gostar de mim, comecei a entrar em pânico, confuso.
E então percebi. Eu estava em pânico devido ao medo de que a Eina pudesse entender mal os meus sentimentos. Ela achou que eu gostava da Presidente e estava sinceramente me apoiando nisso.
Mas isso parecia muito triste e solitário para mim.
Fiquei chocado, porque eu acho isso? Eu nem tinha visto o rosto da Eina, e ela vivia cinco anos no passado, e nem mesmo podíamos nos encontrar…
Shuu: Eu não quero nada com a Presidente. Ela é bonita, mas não acho que gosto dela, então não vou fazer algo como confessar.
Eina: Eh? E-entendo… isso é bom.
Shuu: Bom?
Eina: Ah, nada não.
Nós dois paramos de trocar mensagens por algum tempo.
Shuu: Vamos dormir.
Eina: Boa noite.
Shuu: ‘Noite.
Parte 7
A quinzena seguinte passou voando. Naquela manhã, fui cedo para a escola e praticamos a peça.
Eu estava meio adormecido durante as aulas e, depois da aula, fizemos outro ensaio. Enquanto ensaiamos, nossos colegas ficaram ao redor da sala preparando os figurinos e acessórios.
De repente, um estrondo enorme soou junto com o barulho de vidro quebrando.
A equipe de som estava testando alguns efeitos sonoros.
Havia até pessoas preparando holofotes com lâmpadas e celofane. Esse tipo de cena estava se repetindo em toda a escola. Todos lugares estavam entrando no ritmo do festival cultural.
Para usar um ditado comum, estavam vivendo o dia.
Mas, por algum motivo, me senti insatisfeito.
Eu não sabia o motivo. Tinha uma estranha sensação solitária, como se um pequeno buraco tivesse sido aberto em meu coração.
Mas havia muito a fazer, então nem tive tempo para pensar nisso. Tive que usar o meu tempo livre para encadernar alguns folhetos do Clube de Literatura.
E então chegou o dia antes do festival, sexta-feira.
Depois da aula, percebi que a turma poderia ficar sem mim por algum tempo e fui até a sala do clube para decorá-la. Já estava bem escuro do lado de fora, mas, só hoje, os professores não diriam nada se ficássemos até mais tarde.
Quando cheguei, Ruka-senpai já estava lá.
— Ótimo timing! Shuu-kun, você consegue me ajudar?
Ela estava em cima da mesa, tentando pendurar enfeites na lousa, mas não conseguia alcançar o lugar que queria. Estava se esticando tanto que parecia poder cair a qualquer momento.
— Deixa comigo, Senpai.
Troquei de lugar com ela na mesa e pendurei as decorações.
— Onde estão os outros dois?
— Já foram embora. Eles têm escola preparatória. Eu gostaria que pudessem sentir o clima.
— É inevitável, os exames não vão esperar. Você vai se sair bem?
— Hmm, em breve também terei que ir para a escola preparatória.
— Então pode ir, eu cuido do resto.
— Você tem certeza? Eu posso faltar…
— Está tudo bem, só falta a decoração.
Ela não parecia muito feliz com isso, talvez estivesse esperando que eu desse um motivo para faltar.
— Certo. Obrigada. Ah é, eu com certeza venho assistir à peça amanhã! Boa sorte!
— Obrigado, mas então o que faremos aqui?
— Vou pedir para que Kobayashi-sensei nos cubra, ela é nossa conselheira, então está tudo bem! Até mais!
Ruka-senpai saiu com passos barulhentos.
— Agora, vamos terminar logo.
Os outros já tinham terminado, só faltava organizar algumas coisinhas.
Coloquei várias mesas juntas, tipo em um bar, joguei um pano por cima e organizei os folhetos encadernados em cima disso.
Não eram apenas os preparados para o festival, como também as publicações mais antigas que poderiam interessar a alguém.
Terminei e soltei um longo suspiro, olhando para fora das janelas.
A escola já estava quieta, a maioria dos estudantes provavelmente tinha ido para casa.
O céu, escuro feito breu, tinha estrelas pontilhando-o.
Me pergunto se Eina está olhando para as mesmas estrelas, pensei de braços cruzados.
A Eina com quem conversei era a Eina de cinco anos no passado, então não podia estar olhando para as estrelas. Mas… e a atual Eina?
Ela estava no mesmo planeta, ao mesmo tempo, olhando para as estrelas. Peguei meu telefone. Não tinha nenhuma mensagem. Eu estava muito ocupado no momento e não podia conversar muito, então nós dois tínhamos trocado poucas palavras nos últimos dias. Deslizando o dedo pela tela, liguei para ela.
Tocou uma vez e ela já atendeu.
<Alô, é a Eina.>
— Aqui é o Shuu.
<Boa noite. Já é amanhã, hein, já está em sua casa?> — Não, ainda estou na escola.
<Wah, que complicado.>
— Mas já estou indo para casa.
<Soa como uma vida escolar satisfatória!>
Eina estava completamente certa. Nos últimos dias, minha vida se provou surpreendentemente gratificante.
— Pois é. Praticar para a peça e preparar o Clube de Literatura é divertido, mas… — Tendo ouvido a voz de Eina, eu sabia o motivo pelo qual me sentia sozinho. — Tenho certeza de que seria mais divertido se você também estivesse aqui.
Ela não estava aqui. Eu não sabia qual era o seu rosto, nome, nem idade, mas ainda sentia que ela devia estar ao meu lado. Eu queria conhecê-la.
Mas não poderíamos nos encontrar.
Porque ela vivia cinco anos no passado…
Se estivéssemos apenas a uma longa distância, então ainda poderíamos nos encontrar. Eu poderia pegar um trem ou até mesmo um avião. Mas o intervalo temporal era intransponível.
<Eu também gostaria de te conhecer se pudéssemos…> Sua voz clara e soprano entrou por meus ouvidos, quieta e solitária. <Queria me preparar para o festival cultural com você, e para a peça também.>
Pensei que a Eina talvez sentisse o mesmo que eu, e silenciosamente segurei sua voz em meu coração.
— Obrigado, Eina.
<Tudo bem.>
Ficamos em silêncio por um tempo, ambos sem palavras. Mas meu coração estava à vontade, talvez porque eu soubesse que estava em contato com ela pelo telefone.
Ela não estava ao meu lado, mas eu não me sentia nada sozinho. — Olha…
<Umm…>
Falamos juntos antes de ficarmos em silêncio esperando que o outro continue.
— Pode falar.
<Uhh, quando é o seu aniversário?>
— Sábado da semana que vem.
<Eh, tão cedo?! O que eu faço…?>
— O que você faz?
<Uh, ah, eu estava falando comigo mesma. Ah, é isso, então por que não saímos juntos no próximo sábado?>
— Sair juntos?
Eu não entendi o que ela quis dizer.
<Claro, não podemos nos encontrar, mas se formos para o mesmo lugar será como se estivéssemos saindo juntos.>
— Ah, vamos fazer isso.
Chequei o horário.
Eu realmente tinha que ir logo para casa.
— Vou desligar, tenho que ir para casa.
<Certo.>
— …
<Um…, você não está desligando.>
— Estava esperando você fazer isso.
Ambos rimos.
<Então, no três?>
— No três.
<Um.>
— Dois.
<Três.>
Nossas vozes se mesclaram com o som eletrônico quando desligamos. Mesmo após desligarmos, meu olhar permaneceu no telefone por algum tempo.
Parte 8
Era o dia do festival. Fiz alguns preparativos para o clube e depois fui para a sala de aula.
A sala de aula estava em tumulto enquanto as pessoas se apressavam para fazer maquiagem, preparar os figurinos e coordenar o uso de equipamentos de iluminação.
Procurei pela Presidente, querendo revisar tudo mais uma vez, mas não consegui encontrá-la.
— A Presidente ainda está com o conselho estudantil? — perguntei para Sakai.
Ele fez uma cara estranhamente séria enquanto respondia.
— Ela ainda não chegou à escola. Perguntei ao conselho estudantil também, mas ninguém a viu.
Fiz um barulho que era um misto de choque e dúvida.
— Ela não entrou em contato com você? — Ele me perguntou.
— Não, nem tenho o número dela…
Eu caí.
E depois:
— Presidente! Você está meio atrasada! — Uma garota gritou da porta. Olhei para ver a Presidente entrando lentamente na sala. Mas ela apenas deu uma olhadinha na direção da garota e sequer respondeu.
Não, ela respondeu, sua boca se moveu.
No entanto, sua voz não me alcançou. Tive um mau pressentimento quanto a isso.
— Presidente, você está bem?
— Estou.
Ela se aproximou e pude ouvir sua voz.
Mas não era seu tom soprano claro habitual, era uma voz rouca, e se eu não tivesse visto abrindo a boca, não saberia de quem era a voz.
Seus olhos estavam inchados e suas bochechas estavam coradas. Ela obviamente estava com febre. Até o jeito de andar parecia mais com um arrastar do que qualquer outra coisa.
— Você obviamente não está.
— Desculpe, não dormi na noite passada e estou cansada. Parece que também acabei pegando um resfriado — confessou ela.
— Por que você não dormiu?
— Fiquei nervosa quando estava pensando sobre a apresentação de hoje.
— Então até você fica nervosa…
— Você pensou que eu era um robô ou coisa do tipo? — Ela franziu a testa com desgosto, estufando as bochechas.
— Não, é que você sempre está tão à vontade para abordar todo mundo durante as assembleias e coisas do tipo, que…
— Isso é porque estou sempre tentando dar o meu melhor. — Ela conseguiu concluir antes de começar um ataque de tosse.
O que devo fazer? Não parecia que ela poderia falar, então atuar com essa voz seria bastante complicado.
— Teremos que encontrar algum substituto. Existe alguém… — No momento em que comecei a falar, as garotas viraram o olhar. — Oi, isso é uma emergência.
— Obviamente, ninguém quer… — Uma das garotas se apresentou como representante. — Alguém quer substituir a Presidente? Todo mundo está vindo para vê-la, não é? Se aparecesse alguma de nós, diriam coisas tipo: “O que é que há com este presunto?” Sem chances.
— Isso mesmo! Gritariam conosco por fazer que desperdicem o tempo caso aparecesse outra garota — acrescentou Sakai.
Logo depois, ele foi arrastado pelas garotas.
— Então, teremos que fazer isso, mas é bem complicado com essa voz.
— Ei, Clube de Literatura, você pode entrar em contato com a Eina-san? — perguntou a Presidente com a voz rouca.
— Hoje é sábado, então talvez eu consiga.
— Você consegue?
Liguei para Eina, exatamente como foi solicitado.
<Alô, aqui é a Eina.>
— Eina-san?
<Quem é…?>
— É a Presidente — eu disse a ela.
<Ehh?!> Ela soltou um ruído confuso. <O que aconteceu com a sua voz?!>
— Peguei um resfriado. Então, eu tenho um pedido…
<Se eu puder fazer qualquer coisa para ajudar, é só falar!>
A expressão da Presidente pareceu aliviar, parecia que as palavras de Eina a deixaram à vontade.
E depois:
— Obrigada. Então você faria a voz para o papel principal?
Ela falou com uma expressão sempre calma.
<Ehh?>
— Hã?
Falamos em uníssono.
— Espera aí, quando você diz apenas a voz, quer dizer que ela pode fazer pelo telefone?
— É exatamente isso que quero dizer.
— Mas isso não ficaria óbvio e ela seria descoberta?
— Isso parece bom. A protagonista estava ferida e muda, então o demônio usa magia para que possamos ouvi-la, o que acha?
<Eu não acho que isso seria estranho…>
Se a autora disse isso, então funcionaria no mundo da ficção.
— Obrigada. Então o narrador vai informar isso.
<Certo, espera, esse não é o problema! Eu não posso atuar!>
— Eu te falei quando estávamos no parque com o Clube de Literatura, lembra? ‘Pratique você também.’
<Você disse, mas eu não sou boa…>
— Não, você pode fazer isso. Ou, para ser mais precisa, ninguém além de você pode fazer isso. A protagonista é você, não é? Você não precisa atuar, só falar suas próprias palavras.
<Mas… posso acabar falando em um tom meio monótono…>
— Isso também serve. Ela está sofrendo e não possui sentimentos. Sei que você pode fazer isso — disse a Presidente, antes de começar a tossir.
— Eina, você consegue ouvir como está a voz dela, você vai fazer isso?
<Certo, darei o meu melhor!>
— E estamos prontos. Certo, você parece bem, Yagi-kun.
A garota encarregada pelos figurinos e maquiagem bateu em meu ombro.
— Obrigado…
— Está nervoso?
— Estou, e muito.
— Nossa, tome a Presidente como exemplo. — Dei uma olhada de soslaio para ela.
Ela já estava vestida como uma garota pobre e parecia efêmera, como se pudesse desaparecer a qualquer instante.
Mesmo vestida com roupas tão esfiapadas, ela continuava charmosa. Lá estava ela em silêncio, olhando para o roteiro, fazendo suas últimas verificações.
— Eina, está quase na hora. Está pronta?
Falei com meu telefone, ele estava conectado ao sistema de som.
<Estou! Deixe comigo!>
Ela respondeu cheia de energia com uma voz que não continha nenhum indício de nervosismo.
Não devo ser o único nervoso.
Soltei um longo suspiro e me endireitei.
— Certo, vamos começar! — Gritou o representante de classe enquanto a Presidente corria para o palco.
Uma salva de palmas a saudou.
A voz de Eina ecoou pelo local.
<Isso é doloroso, tão doloroso. Talvez fosse mais fácil se eu estivesse morta…>
Mesmo com sua voz passando pelo sistema de som, continuava linda.
Era um soprano perfeitamente claro e adorável, agradável de receber nos ouvidos.
E então eu entrei na cena.
A sala de aula foi remodelada e transformada em um salão, ficou lotada e fiquei impressionado com um número de espectadores maior do que eu esperei.
— Jovem senhora, posso pedir-lhe um simples favor? Empreste-me vossa mão? Minha perna está ferida e não suporto a dor.
Eu ficaria no palco pelo resto da apresentação.
Durante o primeiro e segundo teste, a Presidente e eu, junto com Eina, fizemos nossos papéis… sem grandes erros. E então, finalmente, chegou o terceiro teste.
— Estou ao seu lado. Agora e sempre.
Enquanto eu falava minha linha, entreguei o punhal para a garota, para a Presidente.
No entanto, não consegui ouvir a voz de Eina.
O silêncio reinou.
Olhei para a ala em que nossos colegas estavam, todos em pânico.
O público não parecia ter percebido que algo estava errado. O que aconteceu, Eina? Por que você não está dizendo nada?
Comecei a falar, mas de repente desisti. Eu não deveria pensar nos sentimentos de Eina, deveria pensar nos personagens e no que eles sentiam.
O que a garota estava pensando?
Ela ficaria feliz, não ficaria? Ao sentir seu amor.
E então chegou. Ela estava tão feliz que não conseguia expressar seus sentimentos.
Assim sendo…
— Eu… estou ao seu lado.
Logo depois que repeti a fala, lágrimas escorreram dos olhos da Presidente. Essas lágrimas podiam não passar de uma ilusão para parecer que estava sofrendo. Era como se Eina estivesse na minha frente, de pé comigo no palco.
Senti pena da Presidente ao colocar as coisas assim, mas eu a vi como se ela fosse Eina.
<Não consigo pensar em uma vida sem você. Quero estar contigo.> Eina falou sua linha de resposta.
Agora estávamos avançando para o final feliz.
— Cara, isso foi brilhante.
Assim que a apresentação terminou, Sakai apareceu.
— Sério?
— Sim, o público estava realmente interessado. Aqui, a gravação. — Sakai entregou-me um cartão de memória.
— Obrigado, você me salvou.
Sakai tinha gravado a peça por seu telefone. Ele era um repórter do clube de jornalismo, então tinha que ter tudo sempre em mãos, assim sendo, o fiz gravar a peça toda.
— Ah é, por que você não conseguiu fazer que a Eina-san viesse? Teria sido melhor se ela estivesse aqui, não acha? — perguntou Sakai. Ele provavelmente estava fazendo uma pergunta tão importante só para saber quem ela era.
— Vai saber.
— Esguio como sempre, hein? Você nunca deixa nada escapar.
— Claro que não.
Mesmo se eu deixasse, não sabia nada sobre ela.
— Vou passar um tempo na sala do Clube de Literatura — disse e deixei Sakai para trás.
Corri para a sala do clube para me livrar da solidão assaltando o coração.
No caminho, enviei a gravação para Eina.
Depois de algum tempo, recebi uma resposta.
Eina: Isso foi incrível, estou impressionada! É incrível ver algo que eu escrevi no palco! Estou um pouco envergonhada, minha voz também fez parte disso…
Shuu: Não foi como você imaginou?
Eina: Foi exatamente como imaginei! Não, foi ainda melhor! Desde…
Shuu: Desde?
Eina: Eu imaginei seu rosto assim.
Foi a primeira vez que ela viu meu rosto.
Shuu: Estraguei sua impressão?
Eina: De forma alguma! Foi um tipo de… exatamente como pensei… Foi como você!
Com aquele comentário com a cara da Eina, senti meu coração mais quente.
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Foi o último dia do festival.
Nossa escola teve um pósfestival, limitado apenas aos alunos em atividade. Eles usaram um palco no ginásio, tinha uma banda voluntária e um show de luta profissional no salão.
Eu não era do tipo que festeja, então estava tomando algo no canto do corredor, assistindo as atividades distraído. Havia muitos outros fazendo o mesmo, então não me senti como se fosse um alienado.
— Clube de Literatura. — Alguém me deu um tapinha no ombro, era a Presidente.
— Está tudo bem, o Conselho Estudantil não está gerenciando isso?
— Não é como se eu fizesse todo o trabalho sozinha — respondeu ela, tão alto quanto podia. A banda estava ressoando pelo salão, então me senti meio triste por ela.
Gesticulei em direção do lado de fora com o olhar e ela assentiu. Saímos do ginásio e fomos para a parte de trás do salão.
O vento noturno estava agradável.
— Sinto muito mesmo — falou a Presidente enquanto caminhávamos. — Eu devia ter prestado mais atenção à minha saúde.
— Não se preocupe, você estava ocupada. Além disso, conseguiu atuar mesmo nessa condição, você foi incrível.
A Presidente acabou se apresentando duas vezes, uma pela manhã e outra pela tarde. Na segunda vez, a voz dela estava melhor, então ela mesma falou.
— F-fui…?
— Com certeza. Você não foi um incômodo para ninguém, até mesmo a Eina parece ter se divertido.
Estava sendo injusto com a Presidente, mas estava feliz por poder participar do festival cultural com a Eina, e ela estava feliz por isso também. Foi um verdadeiro golpe de sorte para nós dois. Claro, eu não contaria isso para a Presidente, não poderia dizer que ela ter pego um resfriado, que ela ter ficado doente era algo “bom”, e seria rude para com a atuação dela também. Mas eu realmente queria que soubesse que não causou nenhum problema.
— Obrigado por sua atuação incrível, você se saiu realmente bem — falei, e ela desviou o olhar, seu rosto ligeiramente vermelho.
— Também digo o mesmo. Você também vai agradecer a Eina? Já estou indo!
A Presidente fugiu enquanto escondia o rosto.
Até ela é fofa de vez em quando, pensei.
Não voltei para o salão e fiquei sentindo o vento noturno por algum tempo.
Tradução: Taiyo
Revisão: Taiyo
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