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Sua História – Cap. 03 – Recall* Parcial

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Dizem que a nanotecnologia que altera a memória foi desenvolvida às pressas há quinze anos, em uma tentativa de combater um surto repentino de Nova Alzheimer no mundo inteiro. A intenção original da tecnologia de reparar e preservar memórias mudou aos poucos na direção da criação de memórias fictícias.

 

Parecia, em uma última análise, que aqueles que queriam recuperar memórias passadas eram menos do que aqueles que queriam uma reprogramação das mesmas. Mesmo se as memórias não passassem de falsificações.

 

“O passado não poder ser modificado, mas o futuro sim”, com a progressão tecnológica da alteração de memórias, esse modo de pensar começou a desaparecer.

 

O futuro é incerto. Mas o passado pode ser mudado.

 

No começo, as memórias fictícias escritas pelos nanobots eram comumente chamadas de coisas como “Fraudemórias” ou “Pseudomórias”. Mas, recentemente, o termo Mimories se tornou o mais usado. Quanto ao nome, ainda não deixa nenhuma ambiguidade sobre estarem apenas “imitando” memórias reais, mas parece ter se afastado um pouco das nuances negativas de palavras como “fraude” e “pseudo”. De acordo com isso, as pessoas que aparecem em Mimories passaram a ser chamadas de Substitutas. Esses termos destinam-se a reforçar a noção de que servem ao mesmo propósito de um braço ou dente artificial ou postiço: simplesmente preencher um vazio.

 

Mas é claro que o que se qualifica como “vazio” continua em debate. Se contar com coisas o suficiente, é possível considerar a grande maioria da humanidade como pacientes com extrema necessidade de tratar suas experiências de vida imperfeitas. Já que uma pessoa que não se arrepende de nada não deve existir.

 

De qualquer forma, porém, não há como negar que as Mimories foram benéficas para a humanidade. Quando as pessoas passam por sofrimento mental gerado por experiências de perda, ou por serem vítimas de crimes ou maus-tratos, usar memórias fictícias para guiar o paciente através de uma reconstrução ou apagar as experiências é, perdão por dizer, uma cura eficaz. Um estudo mostrou que, quando as Mimories sobre a Grande Mãe[1] foram implantadas em crianças com más maneiras ou problemas de atitude, quase quarenta por cento dos indivíduos demonstrou mudanças positivas. Em outro experimento, “Espiritual” foi dado a um viciado em drogas que tinha tentado se suicidar várias vezes, e foi como se ele tivesse renascido e virado uma pessoa devota e abstinente. (Nesse ponto parece até blasfêmia.)

 

No momento, é difícil realmente sentir as bênçãos que as Mimories criaram na sociedade, mas isso ocorre porque os usuários desses nanobots que alteram memórias não gostam de falar publicamente sobre isso. A posição que ocupam é semelhante à de quem passa por cirurgias estéticas. E, de fato, existem pessoas que se referem ao ato ironicamente, chamando a alteração de memória de “cirurgia plástica de memórias”.

 

As pessoas não podem escolher a vida que terão antes de nascer. É por isso que precisam de alívio na forma de Mimories, é o que dizem os defensores da reivindicação de alteração de memórias. Posso até sentir aversão a isso, mas sinto que o que essas pessoas dizem até que faz sentido. Parece que a maioria dos que vão contra essa corrente ideológica rejeita as Mimories não por causa de preocupações filosóficas, mas apenas por desconforto fisiológico.

 

De volta à preocupação crítica, entretanto: ainda precisam descobrir uma maneira de recuperar as memórias perdidas devido ao efeito da doença da Nova Alzheimer. Existem nanobots de recuperação de memórias chamados de Memento[2], mas só têm a capacidade de restaurar as memórias apagadas com Lethe, e apenas parcialmente, não tendo nenhuma eficácia sobre as memórias perdidas com a doença da Nova Alzheimer.

 

A técnica de usar Mimories como um tipo de backup[3] foi até considerada, mas também não deu muito certo. Mesmo se escrevesse o mesmo conteúdo que o esquecido usando as Mimories, parece que não se estabeleceriam adequadamente no cérebro. Por outro lado, quando inseridas Mimories que diferem da realidade, elas permanecem por um prazo relativamente longo. Assim é possível deduzir que a doença da Nova Alzheimer não é algo que destrói memórias, mas que desvenda as combinações delas. Alguém poderia presumir que algumas memórias são fáceis de desvendar, enquanto outras não. Talvez a razão pela qual a memória episódica é a mais eliminada seja por serem as de natureza mais composta de todas.

 

Por um tempo depois de acordar, não consegui lembrar de nada.

 

Eu tinha roubado cervejas do estoque de meu pai regularmente desde que tinha quinze anos, e, ainda, foi a primeira vez que minha memória ficou em branco. Por um momento, fiquei perturbado, imaginando se realmente tinha perdido a memória por beber demais. Já ouvira falar desse tipo de experiência várias vezes, mas pensei que era só exagero ou coisa do tipo, ou um meio de dar desculpas pelo comportamento vergonhoso apresentado em um bar.

 

Onde estou, é de manhã ou já anoiteceu, quando fui parar na cama, por que estou com tanta dor de cabeça…? Eu não fazia ideia. Mal conseguia entender que as coisas foram causadas pelo álcool, graças ao cheiro dele voltando desde as profundezas de meu estômago.

 

Fechei os olhos. Vamos com calma, pense nas coisas uma de cada vez. Onde estou? No meu quarto. Está de manhã ou de noite? Com base no brilho do sol através das cortinas, de manhã.

 

Quando vim parar na cama? Nesse ponto, meus pensamentos pararam. Não podia apressar isso. Qual minha última memória? Lembro de ter sido expulso do pub depois de ficar bêbado, perdi o trem e caminhei até o apartamento. Por que quis ficar bêbado? Certo, foi por causa daquele caso de identidade equivocada. Confundi a mulher de yukata azul em pé no ponto de ônibus com Touka Natsunagi. Fiquei tão infeliz que fui ao pub afogar as mágoas.

 

Os pontos começaram a se ligar. Depois de ser expulso do pub e andar por mais de três horas, finalmente cheguei ao apartamento. (No momento que me dei conta disso, os músculos das pernas começaram a doer.) Depois de lutar para destrancar a porta e cair para dentro de meu quarto, tive um sonho estranho. Aquele incidente de identidade equivocada deve ter gerado um efeito enorme, já que Touka Natsunagi aparecia no sonho. Sonhei que ela se mudou para o apartamento ao lado.

 

O sonho parecia realidade começando com o momento em que cheguei em casa. Eu disse algo como “Por que você está aqui? Você é alguém que não devia existir”, e ela olhou para mim interrogativamente.

 

— Chihiro, será que você está bêbado?

 

— Apenas responda. — Tentei me aproximar mas tropecei. Consegui colocar a mão na parede e evitei a queda, mas provavelmente por o sangue ter subido à cabeça ou devido ao cheiro que passava pela porta, meu corpo relaxou, minha visão girou e não consegui me levantar. Não tinha ideia de como tudo estava.

 

Touka Natsunagi falou preocupada:

 

— Você está bem? Precisa de apoio?

 

Não me lembro de muito depois disso.

 

Sinto que ela cuidou de mim.

 

De qualquer forma, tudo isso foi inquestionavelmente um sonho criado pelo meu cérebro embriagado. Minha mente e corpo estavam fracos demais para manter o controle. Nunca tive um sonho que respondesse aos meus desejos tão diretamente assim antes.

 

É como uma fantasia que um aluno do ensino médio teria enquanto dorme, pensei. A garota que eu gosto se muda para o quarto vizinho e cuida de mim enquanto estou me sentindo mal.

 

Sem dúvidas, não era o tipo de sonho que um homem adulto deveria ter.

 

No dia anterior decidi que iria dar um jeito no meu eu patético.

 

Resolvi tomar o Lethe.

 

Me arrastei para longe da cama e, com o rosto amassado de cabo a rabo, bebi três copos de água. O líquido vazou pelos lados de minha boca e escorreu por meu pescoço. Tirei minhas roupas que exalavam cheiro ruim e tomei um longo banho. Sequei o cabelo, escovei os dentes, tomei mais dois copos de água e deitei novamente. Enquanto fazia tudo isso, comecei a me sentir consideravelmente melhor. Minha cabeça ainda estava latejando e me senti enjoado, mas a sensação de que o pior já tinha passado me deixou à vontade. Então caí em um sono leve.

 

Acordei uma hora depois. Provavelmente por sentir fome, meu estômago parecia estar sendo estrangulado. Parando para pensar nisso, vomitei tudo que comi na noite anterior. Não gostei da ideia, mas em breve precisaria me alimentar.

 

Saí da cama sem pressa, fui até a cozinha e dei uma olhada embaixo da pia. Não havia nenhum daqueles cup noodles[4] que pensei ter comprado no supermercado local. Torci o pescoço. Parecia lembrar de ter ao menos uns cinco deles. Ultimamente eu devia estar meio esquecido, não foi graças à bebida.

 

Olhei no freezer para ver se tinha ao menos pão, mas só tinha duas coisas ali dentro: gim e pacotes de gelo. Até olhei embaixo da máquina de gelo, mas não encontrei nada além de pó de gelo.

 

Não tinha esperanças de encontrar nada na geladeira, desde o começo. Cerca de seis meses atrás, havia sido transformada em nada mais nada menos do que um porta-cervejas. Não podia me incomodar em cozinhar para mim mesmo, então parei de comprar qualquer coisa além de cup noodles, caixas de bentô[5] e alimentos congelados.

 

Mesmo assim, talvez pudesse preparar um lanche ou coisa do tipo.

 

Contando com um único raio de esperança, abri a porta.

 

Havia algo estranho ali.

 

Um prato com salada de alface e tomate, cuidadosamente embrulhado e acompanhado por uma nota escrita à mão:

 

“Você devia se alimentar melhor.”

 

O primeiro emprego de meio período que encontrei em minha batalha para comprar Lethe foi em um posto de gasolina. Fui demitido depois de um mês, depois trabalhei em um restaurante. Também fui demitido em um mês. Ambos os casos foram devido aos problemas de socialização. Se tivesse que dizer algo, era sobre minhas interações com os colegas de serviço, não com os clientes. Mas eles nem pareciam se importar com minha atitude de que “desde que esteja fazendo meu trabalho, qual o problema?”

 

Aprendi que não era adequado para serviços com muitas pessoas. Por um tempo, assumi algumas funções em períodos diurnos que foram apresentadas por cooperativas da universidade, mas isso tinha seus próprios problemas, já que era irritante ter que construir um relacionamento com uma pessoa, do zero, todas as vezes. O que poderia se chamar de “capacidade de comunicação” pode ser considerado a capacidade de construir relacionamentos humanos e a capacidade de preservar os mesmo, mas eu não parecia ter algo assim.

 

Pensei se havia algum trabalho em que poderia evitar o problema da interação humana e, naquele momento, vi um cartaz de contratação para uma locadora de vídeo local. Tentei me inscrever e fui aceito sem nenhuma entrevista. Acho que não havia nenhum outro candidato.

 

Incomum às locadoras da atualidade, era uma pequena empresa independente. Parecia surrada por dentro e por fora, como se estivesse a ponto de cair a qualquer momento. Mas, graças a um razoável número de clientes curiosos, aparentemente as coisas iam bem. Ou talvez estivesse sendo administrada por uma pessoa bem abastada, tratada como um passatempo, já que os lucros deviam ser irrelevantes. O gerente era um homem baixinho, com mais de setenta anos, e sempre estava com um cigarro na boca.

 

Os clientes raramente apareciam. Isso era esperado. Atualmente, as locadoras de vídeo só eram usadas por idosos e uns tipos de nerds. E quantas pessoas ainda tinham as relíquias conhecidas como videocassetes? Um jovem poderia aparecer uma ou duas vezes por mês, mas a maioria deles nem olhava algo além da vitrine.

 

Todos os clientes eram gentis, por isso era um trabalho bem fácil. Poderia até dizer que meu trabalho mais difícil era ficar acordado. Não pagava muito, mas para alguém que não esperava relacionamentos sociais, dignidade ou melhorar suas habilidades, era mais ou menos o serviço ideal.

 

Economizei dinheiro o bastante para comprar o Lethe depois de apenas dois meses de trabalho, mas sabia que ficar com muito tempo livre só serviria para beber ainda mais, então continuei no emprego. De certo modo, só fiz isso pelo conforto. Aquele lugar decadente e ultrapassado era estranhamente relaxante para mim. Não sei expressar muito bem, mas parecia quase harmonioso, como se fosse um lugar que aceitou minha existência. Por mais questionável que seja, encontrei um lugar para mim, lá, dentre todos os lugares.

 

No dia atual também não havia clientes, como de costume. Fiquei no caixa e engoli um bocejo enquanto pensava no que tinha encontrado na geladeira mais cedo.

 

Uma salada caseira acompanhada por uma nota escrita à mão.

 

Se considerássemos o acontecimento da noite passada um sonho, isso tornaria a comida e a anotação algo que preparei enquanto bêbado. Em outras palavras, enquanto estava embriagado a ponto de não lembrar minhas ações, vomitei até meu estômago ficar vazio, caminhei por três horas e cheguei em casa, depois produzi alface, tomate e cebola de algum lugar misterioso e preparei uma salada, embrulhei cuidadosamente e coloquei na geladeira, lavei e limpei os utensílios e a cozinha e, depois, escrevi uma nota para o meu futuro eu, com uma letra bonita e feminina, e depois dormi e esqueci de tudo.

 

E se não fosse um sonho, isso significaria que a comida e a nota foram preparadas por Touka Natsunagi. Ou seja, as memórias que pensava serem Mimories seriam reais, e eu realmente tinha uma amiga de infância chamada Touka Natsunagi, que se mudou para o apartamento ao lado do meu e, quando desmaiei de tão bêbado, ela gentilmente cuidou de mim e até preparou meu café da manhã.

 

Ambas as teorias eram igualmente ridículas.

 

Não havia nenhuma explicação mais realista?

 

Depois de pensar um pouco, cheguei a uma terceira possibilidade.

 

Lembrei do que Emori disse há dois dias, sobre a golpista que fingiu ser uma velha conhecida para alcançar um objetivo.

 

“Parece que esses golpes clássicos estão voltando com tudo hoje em dia. E jovens solitários são alvos fáceis. Você também pode virar um em breve, Amagai.”

 

E se, de alguma forma, os detalhes de minhas Mimories vazassem da clínica?

 

E se essas informações chegassem às mãos de terceiros mal-intencionados?

 

Comparado à teoria do sonho e à teoria da amiga de infância, esta tinha um leve toque de realismo. A teoria do golpe. A mulher que vi no dia anterior, que era a perfeita imagem de Touka Natsunagi, seria apenas uma golpista preparada por uma organização fraudulenta, nada mais que uma estranha fazendo o papel da Substituta caracterizada como Touka Natsunagi.

 

Obviamente, essa teoria também tinha suas próprias falhas. Muitas, de fato, e grandes. Se um personagem de suas Mimories aparecesse na realidade, você não ficaria feliz com isso – a primeira coisa que surgiria seria a suspeita. O indivíduo ficaria cauteloso, sabendo que isso não pode acontecer, então pensaria que alguém estava tentando enganá-lo. A outra parte deveria perceber isso. Uma coisa é se disfarçar como um conhecido real, mas não há mérito em disfarçar-se como o personagem de uma Mimorie. É como pedir para se tornar um suspeito.

 

Não, talvez eu estivesse subestimando o poder dos desejos latentes das pessoas. Emori não disse que Okano, o homem que se apaixonou pela golpista, foi informado de que “eram colegas de classe” várias vezes, até começar a acreditar?

 

Emori supôs que seu desejo pelo que ela dizia ser verdade resultou em suas próprias memórias sendo alteradas. Se esse tipo de inclinação mental fosse comum, então sim, talvez um Substituto fosse ainda mais adequado para esse tipo de golpe, ainda melhor do que um conhecido real.

 

Substitutos são cuidadosamente projetados pelos engenheiros de Mimories para preencherem todas as brechas mentais reveladas na profunda análise do programa, era possível considerá-los a personificação das grandes massas de desejos internos do indivíduo. Quantas pessoas teriam calma e analisariam tudo objetivamente ao serem confrontadas com o parceiro dos sonhos?

 

Nesse sentido, não há alvo mais fácil para um golpista do que alguém que possui Mimories. Emori não mencionou isso também? “Não se dedicam a seguir memórias. Eles se aproveitam da ausência delas.”

 

Mesmo assim, muitas dúvidas permaneceram. Supondo que a mulher que vi no dia anterior fosse uma golpista que se apresentou como Touka Natsunagi, ela realmente chegaria a se mudar para o apartamento vizinho para enganar um simples estudante como eu? Não era só isso, seria fácil encontrar alguém que correspondesse perfeitamente a uma Substituta? Pensar que faria uma cirurgia plástica só para me enganar era uma ideia inconcebível.

 

Meus pensamentos chegaram a um beco sem saída. Havia muito pouco para prosseguir. Seria apressado tomar uma conclusão neste momento. Quando voltasse para o apartamento, antes de qualquer coisa, visitaria o quarto ao lado. E perguntaria na lata: “Quem é você?” Duvido que responderia honestamente, mas isso deveria dar ao menos uma pista. Eu poderia usar a pista para adivinhar sua estratégia.

 

E se fosse comprovado que realmente se trata de algum tipo de golpe…

 

Acho que não ficaria satisfeito, a menos que a fizesse pagar um pouco por tudo.

 

Depois do serviço, visitei o supermercado perto da estação de trem e comprei um monte de cup noodles. Queria voltar para casa o mais rápido possível, então nem olhei para outras comidas. Olhando para a sacola cheia de junk food[6], senti uma pontada de preocupação, se mantivesse esses hábitos alimentares meu corpo não suportaria. Mas, pensando em termos de “que bem uma vida saudável realmente traria para alguém como eu?”, tudo deixou de ser importante.

 

Havia outra razão para minha dieta nada saudável. Depois de completar dezoito anos, não achei nada saboroso. Não é como se tivesse perdido o paladar. Acho que é mais fácil dizer que as informações de sabor e a sensação de desfrutar foram separadas. Agora, dois anos depois disso, não lembro mais o que era algo “delicioso”. Se fosse comida salgada esquentada, o resto não importava.

 

Não fui ao médico, então não sei a causa disso. Pode ser algo psicossomático[7], pode ser falta de nutrientes. Ou talvez exista um coágulo sanguíneo ou tumor em algum lugar do meu cérebro. Por enquanto, não era tão inconveniente, então pude ignorar.

 

Nunca fui muito exigente com comida, desde o começo. Minha mãe também não tinha interesse na comida e, até onde eu sabia, nunca cozinhava sequer uma refeição. Com algumas exceções, como prática culinária na escola, eu poderia muito bem nunca ter comido algo caseiro. Desde criança, sempre estive bem com refeições de bentôs, comida pronta ou fast food[8].

 

Possivelmente em resposta ao meu passado, minhas Mimories continham vários episódios em que eu era alimentado com comida caseira que minha amiga de infância fez. Mimories onde Touka observava todas as coisas ruins que eu comia e, preocupada, dizia: “Você devia se alimentar melhor”, e me convidava para sua casa e cozinhava.

 

De repente, percebi certa coincidência. Pensando bem, o bilhete deixado na geladeira estava exatamente com a mesma frase: “Você devia se alimentar melhor”. Letra por letra.

 

Com certeza essa mulher sabia o conteúdo de minhas Mimories. Preparei-me mais uma vez, lembrando que tinha quer ser cauteloso. Ela sabia exatamente que tipo de estratégia seria efetiva contra mim. Tinha todos os recursos necessários para me cativar.

 

Entretanto, repeti para mim várias vezes, a mulher chamada Touka Natsunagi não existe.

 

Não posso me deixar enganar.

 

Cheguei ao apartamento.

 

De pé na frente da porta do duzentos e dois, toquei a campainha.

 

Dez segundos depois, nenhuma resposta.

 

Pressionei mais uma vez para ter certeza, mas o resultado foi igual.

 

Se ela era uma golpista, deveria estar esperando minha visita.

 

Como isso implica que não iria se afastar, por que não respondia?

 

Ela espera abalar minhas faculdades de tomada de decisão ao me deixar nervoso? Ou talvez esteja fazendo algum tipo de preparação necessária para o golpe.

 

Eu não podia ficar ali para sempre, então decidi que, por enquanto, voltaria para meu quarto.

 

Quando notei que a porta não estava trancada, a surpresa sequer existiu. Esquecer de trancar o quarto era algo corriqueiro.

 

Mesmo quando notei que as luzes estavam acesas, ainda não fiquei surpreso. Deixar as luzes acesas também era uma ocorrência comum.

 

Ainda quando percebi que havia uma garota de avental na cozinha, não fiquei surpreso. Uma garota de avental preparando algo na minha cozinha era algo bem reco…

 

Em minhas Mimories, claro.

 

A sacola de compras escorregou da minha mão e os cup noodles caíram.

 

Ouvindo o som, a garota se virou.

 

— Oh bem-vindo de volta, Chihiro. — Seu rosto ampliou-se em um sorriso. — Como está se sentindo?

 

Quando confrontei essa mulher suspeita que tinha entrado no meu quarto sem permissão e usava minha cozinha como se fosse a dona do lugar, meu primeiro pensamento não foi “Vou ligar para a polícia”, e nem “Vou derrubá-la”, mas sim “Será que deixei algo que não quero que uma garota veja aqui?”

 

Eu sei, até eu achei que isso era um absurdo.

 

Mas, na minha frente, havia uma garota ainda mais absurda que qualquer coisa.

 

Mesmo com o dono do quarto tendo aparecido, ela não tentou fugir ou dar uma explicação, e apenas provou alegremente o conteúdo de uma panela. Os ingredientes que parecia ter trazido estavam sobre o balcão.

 

Pelo cheiro, parecia que estava fazendo um ensopado de carne com batata.

 

Exatamente o tipo de refeição que uma amiga de infância faria, suponho.

 

— O que está fazendo…?

 

Por fim, fui capaz de perguntar isso. Então percebi que era uma pergunta sem sentido. Ela estava invadindo e fazendo comida. Era exatamente o que parecia.

 

— Estava fazendo ensopado de carne com batata — respondeu enquanto mantinha um olho na panela. — Você gosta de ensopado de carne com batata, não é, Chihiro?

 

— Como entrou no meu quarto?

 

Essa também era uma pergunta óbvia. Ela provavelmente roubou a chave reserva enquanto estava cuidando de mim na noite anterior. Como as coisas em meu apartamento sempre eram poucas, deve ter encontrado facilmente e sem esforço.

 

Ela não respondeu minha segunda pergunta.

 

— Sua roupa suja estava toda amontoada, então lavei tudo. Além disso, você precisa cuidar melhor do seu futon[9].

 

Olhei para a varanda e vi uma semana de roupas secando na brisa.

 

Fiquei tonto.

 

— Quem… é você?

 

Ela olhou para mim.

 

— Não é como se você estivesse bêbado agora, ou está?

 

— Responda-me — disse, adotando um tom mais severo. — Quem é você?

 

— Quem…? Eu sou a Touka. Esqueceu o rosto de sua amiga de infância?

 

— Não tenho amigos de infância.

 

— Então por que sabe meu nome? — Ela tinha um sorriso preocupado. — Você me chamou de Touka ontem à noite, não foi?

 

Balancei a cabeça. Se eu seguisse o fluxo assim, estaria acabado.

 

— Touka Natsunagi é uma Substituta. Uma pessoa fictícia que só existe na minha cabeça. Posso ao menos distinguir entre o que é verdade ou mentira. Não sei se você é uma golpista ou o quê, mas tentar me enganar é inútil. Se não quer que eu chame a polícia, saia.

 

Um suspiro escapou de sua boca ligeiramente entreaberta.

 

— Huh…

 

Ela apagou o fogo do fogão a gás e caminhou em minha direção.

 

Eu inconscientemente dei um passo atrás, e ela deu mais um passo à frente e falou:

 

— Então você ainda é o mesmo, huh?

 

Não pude perguntar o que ela quis dizer com isso.

 

Meu peito estava a ponto de explodir, então não pude pronunciar qualquer palavra.

 

Por mais que tentasse lutar contra as impressões superficiais, meu cérebro estava, fundamentalmente, vendo a ilusão de uma “reunião com a amada amiga de infância da qual estive separado por cinco anos” e tremendo de alegria.

 

Ela era adorável, tão adorável, que se baixasse a minha guarda, a abraçaria em um piscar de olhos.

 

Eu nem consegui desviar o olhar, então nos entreolhamos frente a frente.

 

Ao ver seu rosto de perto, parecia algo irreal. Sua pele era tão branca que parecia artificial, mas estava ligeiramente vermelha ao redor dos olhos, dando a impressão de que estava doente.

 

Como se fosse um fantasma!, pensei.

 

Ao me ver congelado, ela sorriu suavemente.

 

— Tudo bem, não precisa se esforçar para lembrar. Só lembre de uma coisa. — Ela pegou minha mão gentilmente e a segurou com a sua. Estava fria. — Chihiro, estou ao seu lado. Não importa o quê.

 

Depois que saí do trabalho no dia seguinte, liguei para Emori. Perguntei se poderíamos nos encontrar de noite para discutirmos algo, e ele me disse que estaria livre após as dez. Depois de decidir que nos encontraríamos no parque, desliguei. E então notei, na lista de contatos de meu telefone, que em algum momento o nome “Touka Natsunagi” apareceu por ali. Ela deve ter aproveitado para se adicionar após cuidar de mim. Pensei em excluir isso, mas imaginei que poderia ser útil para uma ou outra coisa, então mantive salvo.

 

Fui à faculdade e fiquei estudando no canto da cafeteria, esperando pela hora marcada. Uma vez por hora, saía do campus para fumar e relaxar. O ar estava terrivelmente úmido, de modo que os cigarros tinham um sabor mais cru do que o normal. Depois que a cafeteria fechou, fui para a sala de descanso, onde me afundei em um sofá e passei o tempo lendo várias revistas. A sala não tinha ar-condicionado, então entre isso e a luz do sol entrando pelas janelas, parecia estar tão quente quanto se estivesse do lado de fora. Mesmo sentado, comecei a suar.

 

Decidi que só voltaria ao apartamento após ouvir a opinião de Emori. Queria estabelecer firmemente a minha posição antes de outro encontro com aquela garota. Para isso, senti que precisava explicar a situação para alguém de confiança e obter uma visão mais objetiva.

 

Pensando nisso, foi a primeira vez que senti vontade de discutir algo com alguém. Acho que isso mostra o quanto aquela garota deixou minha mente confusa.

 

De maneira incomum, Emori apareceu bem na hora marcada. Talvez estivesse preocupado comigo, já que receber uma de minhas ligações era um acontecimento raro.

 

Depois que terminei minha explicação ilusória dos acontecimentos, ele falou:

 

— Então, resumindo a história: você tentou apagar suas memórias usando Lethe, mas recebeu Verde Verde por engano e usou isso, recebendo Mimories sobre uma amiga de infância fictícia chamada Touka Natsunagi. Dois meses depois disso, a garota que não deveria existir se aproximou de você e está sendo amigável… É basicamente isso, não?

 

— Bem estúpido, não é? — Suspirei. — Mas é isso mesmo, você está certo.

 

— Bom, não posso imaginar que você esteja mentindo, Amagai, então deve ser verdade que isso aconteceu. — Com isso, Emori sorriu. — Ela é fofa?

 

— Tenho certeza de que você sabe como são os personagens de Mimories — respondi de forma indireta.

 

— Então ela é fofa.

 

— Bem, sim.

 

— Então, você a pressionou?

 

— De forma alguma. Pode ser uma armadilha sexual[10], não acha?

 

— Claro. Também acho — concordou. — Mas essa foi a primeira possibilidade em que você pensou. Normalmente, você se alegra e não pensa tanto.

 

Na verdade, eu estava tão em pânico que não conseguia fazer nada, mas não mencionei isso.

 

— Só estou pensando que talvez seja algo semelhante ao esquema que você mencionou no outro dia, Emori. Eu me pergunto se as informações de um cliente poderiam vazar da clínica, e se algumas pessoas mal-intencionadas puseram as mãos nelas e estão usando tudo para golpes.

 

— Parece uma maneira bem indireta para dar um golpe… mas não é impossível. — Emori concordou. — Vamos pensar nisso. Amagai, sua família é rica?

 

— Isso ficou no passado. Não somos muito diferentes de uma família normal agora.

 

— Então, um golpista pensaria em um esquema tão complexo para enganar um estudante universitário sem muito dinheiro?

 

— Também fiquei pensando nisso. Emori, o que acha? Consegue pensar em alguma coisa além de golpe?

 

Depois de dois goles de cerveja, cheio de modéstia, Emori falou:

 

— Só para confirmar, Amagai, mas você nunca tomou Lethe em sua vida, tomou?

 

— Isso mesmo — disse confirmando. — É claro que, mesmo que alguém tome Lethe, isso também apaga as memórias de “ter tomado Lethe”, então não tenho certeza. Mas, por que da pergunta?

 

— Oh, só estou me perguntando se essa garota não está realmente mentindo. Talvez vocês dois eram amigos de infância, mas você apagou essas memórias. Então, o que acha que são Mimories podem ser suas memórias do passado, as reais.

 

— Não consigo imaginar isso.

 

Soltei uma risada irônica. Pensei que era uma piada.

 

— Ou talvez você tenha simplesmente esquecido por conta própria. Amagai, você sempre foi esquecido.

 

— Mesmo se tivesse esquecido, com certeza lembraria ao ver o rosto ou escutar a voz dela.

 

— Mas se por acaso… Se houver a menor chance de algo assim ter acontecido…

 

O tom da voz de Emori diminuiu.

 

— Lamento por essa garota.

 

Eu ri de novo.

 

Mas ele não estava rindo.

 

Minha risada solitária ecoou pelo parque e foi engolida pela noite.

 

Bebemos em silêncio por algum tempo.

 

A atmosfera ficou estranha.

 

— De qualquer forma — disse Emori, trocando de assunto. — Não deixe que seus sentimentos façam você assinar documentos suspeitos.

 

— Não vou.

 

— Nem pense em fingir que foi enganado para ver como isso funciona. As coisas podem acontecer tão rápido que nem perceberia o que houve. Não arrisque.

 

— É. Vou tomar cuidado.

 

Depois de acabarmos com todas as latinhas que compramos, agradeci a Emori e fui embora.

 

Quando estava saindo, Emori murmurou algo para si mesmo:

 

— Entendo… Verde Verde, hein… — Parecia que estava dizendo algo assim.

 

Cheguei ao apartamento depois da uma da manhã, quando o bairro residencial ficava quieto e em paz. Alguns mosquitos voaram silenciosamente pelo corredor iluminado.

 

Minha porta não estava destrancada e as luzes não estavam acesas. Silenciosamente a abri e entrei, e não vi nenhuma garota. Suspirei aliviado e abri a janela para deixar o calor abafado escapar. Depois coloquei um cigarro na boca e o acendi.

 

A panela que a garota trouxera desapareceu. Depois de expulsá-la de meu quarto, deixei a cozinha intocada. Depois, ela provavelmente usou a chave reserva para realizar outra entrada não autorizada e recuperou seus utensílios.

 

Minha cabeça ficou entorpecida por mais um tempo enquanto a situação imprevista durava, mas quando pensei bem nisso, notei que era o clima ideal para uma intervenção policial. Minha chave sobressalente tinha sido roubada, e eu continuava sendo importunado por uma completa estranha.

 

Entretanto, não queria contar com a polícia ainda. Não havia garantia de que a resolução da situação tornaria a verdade clara. Se tudo terminasse antes que eu pudesse descobrir a verdadeira identidade da garota, ficaria fantasiando e nunca conseguiria uma resposta pelo resto da vida. Qual era seu objetivo, por que sabia o conteúdo de minhas Mimories, por que era uma réplica tão perfeita de Touka Natsunagi…

 

“Tudo bem, não precisa se esforçar para lembrar.”

 

E se, talvez, realmente fosse alguém que eu conhecia…?

 

Por mais tolo que fosse, se apenas uma fração de dúvida remanescesse, seria minha derrota.

 

Em breve ela tentará algo novamente. Quando isso acontecer, vou guiar a conversa do começo ao fim para extrair informações e expor seus objetivos.

 

No momento em que estabeleci meu objetivo e fui colocar água em uma chaleira, ouvi a porta sendo aberta.

 

Ela chegou cedo. Eu me preparei.

 

Larguei a chaleira e coloquei o cigarro no cinzeiro.

 

Certamente, na terceira vez, seria capaz de lidar com isso com calma. Subestimei a situação.

 

Quando me virei para a porta da frente e a vi, congelei.

 

— Ah, você estava prestes a comer algo ruim de novo — disse, decepcionada, vendo o copo de cup noodles no balcão.

 

Um pijama branco liso. Não havia nada de estranho nele por si só. Talvez estivesse um pouco “indefesa” para visitar o quarto de um estranho no meio da noite, mas não era ruim para o papel que estava interpretando. Portanto, o próprio pijama não era motivo para surpresa.

 

O problema era que ele tinha exatamente o mesmo modelo do que Touka Natsunagi usou no hospital.

 

A garota na minha frente se sobrepôs à Touka Natsunagi de minhas Mimories. Mais vividamente do que uma lembrança real, o ar do quarto do hospital daquele dia pareceu ressuscitar, assim como aquela voz frágil.

 

Meu peito palpitava sem parar, e todas as células de meu corpo sussurravam:

 

Oh, sim, essa garota sabe. Ela sabe exatamente como sacudir meu coração de um jeito efetivo.

 

Ela tirou as sandálias e entrou no meu cômodo, parando ao meu lado.

 

Seu braço frio e esguio tocou meu cotovelo, e eu o afastei como se tivesse levado um choque.

 

— Ah, tudo bem. Eu também estava com um pouco de fome. Ah, faz um pouco para mim também.

 

Temporariamente coloquei todas as emoções que tinha em quarentena e a encarei. E tentei lembrar qual era meu objetivo inicial.

 

Certo, extrair informações.

 

— Continuando de onde paramos ontem… — falei.

 

— O que foi?

 

Ela olhou para mim virando os olhos para cima. Consegui me impedir de desviar o olhar por reflexo e a questionei.

 

— “Tudo bem, não precisa se esforçar para lembrar.” O que quis dizer?

 

Ela sorriu como se dissesse: “Ah, é só isso?”

 

E falou como se estivesse explicando as coisas para uma criancinha:

 

— Quando digo que não precisa se esforçar para lembrar, quero dizer que não precisa se esforçar para lembrar.

 

Era realmente a maneira de Touka Natsunagi falar. A garota de minhas Mimories gostava dessas frases meio zen[11]. “Por que gosto de ficar com você, Chihiro? Porque eu gosto de ficar com você, Chihiro.”

 

Tentando desesperadamente evitar um sorriso nascendo da nostalgia em direção a um passado inexistente, deixei minha desconfiança clara.

 

— Isso é tudo um blefe, não é? Acha que se disser palavras que soem boas o bastante, cometerei um erro conveniente para você?

 

Foi uma provocação intencional. Com isso, talvez pudesse forçá-la a mostrar sua próxima cartada para conquistar minha confiança. Quanto mais ela falava, mais mentia. E quanto mais mentia, maior a chance de aparecerem furos em sua história. Essa era a minha abordagem.

 

No entanto, ela não caiu em minha provocação

 

Apenas mostrou um sorriso solitário e disse:

 

— Não me importo se você acha isso agora. Se não acredita que éramos amigos de infância, não precisa. Se lembrar que estou do seu lado, é o suficiente.

 

Com isso, colocou mais um pouco de água na chaleira e ligou o fogão.

 

Parecia que isso não seria simples. Como qualquer bom golpista, ela sabia quando avançar ou recuar.

 

Eu não poderia esperar muitos resultados nessa batalha. Decidi tentar outra abordagem.

 

— Você provavelmente não sabe, mas não recebi Mimories por vontade própria. Estava tentando esquecer meu passado usando Lethe, mas acabei recebendo Verde Verde por engano.

 

— É, eu sei que é isso que você está pensando. — Ela apenas concordou, parecendo uma sabe-tudo. — E o que mais?

 

— Ao contrário do típico usuário de Mimories, não tenho nenhuma ligação com as minhas. Portanto, não tenho interesse no personagem de Touka Natsunagi. Se pensou que poderia usar o nome dela para me agradar, então foi um completo engano.

 

Ela bufou após isso.

 

— Mas que mentiroso. E sobre o tanto que me bajulou quando chegou em casa bêbado duas noites atrás?

 

Bajulei ela?

 

Na mesma hora, mapeei minhas memórias, mas não importa o quê, não conseguia lembrar do momento após entrar no meu quarto. Depois de nossa reunião inesperada e a troca de algumas palavras, perdi toda a memória do processo pelo qual acabei na cama.

 

Mas bajular uma estranha – uma garota da minha idade – era um ato ousado demais para me imaginar fazendo. Por mais bêbado que estivesse, os fundamentos de minha personalidade não mudariam. Ter esse tipo de dupla personalidade era simplesmente impossível.

 

Isso provavelmente era mais um blefe. Ou melhor, uma piada de mau gosto.

 

— Não me lembro de nada assim — afirmei resolutamente. Mas minha voz estava cheia com uma profunda inquietação.

 

— Hmph. Já se esqueceu das coisas de duas noites atrás? — Ela não tentou tocar no meu ponto fraco, parando só com um sorriso afiado. — Bem, de qualquer forma, você deve tomar mais cuidado com o álcool.

 

A chaleira estava soltando vapor. Ela desligou o fogão e derramou a água quente em dois copos de cup noodles. E sem eu ter que expulsá-la, levou o seu para o quarto ao lado. Deixando-me com um simples “Boa noite, Chihiro”.

 

Que modo de evitar perguntas.

 

No momento em que parei na estação mais próxima da casa dos meus pais, senti vontade de voltar na mesma hora. Queria pegar o trem de volta para o meu apartamento de imediato; todo o meu corpo tremia com a resistência, na esperança de abandonar a cidade o quanto antes. Mas depois de chegar tão longe, não consegui partir de mãos vazias. Decidindo pensar nisso como um teste mental, me forcei a criar ânimo.

 

Não detestava a cidade em si. Olhando para o passado, era um lugar muito confortável para se morar. Uma cidade relativamente nova, localizada entre colinas, com uma população abaixo de vinte mil habitantes. Tinha bons acessos para o centro, além de instalações públicas e empresas lucrativas. A maior parte da população era de classe média e não gostava de problemas, por isso estava sempre em silêncio. Tinha uma bela vista verde e, embora pudesse ser um pouco entediante para jovens que gostam de estímulo, era a cidade ideal para viver uma infância saudável.

 

Eu não tinha nenhuma memória ruim dali. Claro, fui uma criança solitária, mas esse fato não me deu experiências desagradáveis (pelo menos até onde posso lembrar). Se era uma tendência da minha geração ou se estava cercado por algum tipo de gente estranha, não sei, mas não havia nenhuma grande panelinha na escola que frequentei, apenas três ou quatro grupos espalhados aos arredores. Assim sendo, mesmo que tivesse alguns gostos diferentes, não havia oportunidade para algo como pressão vinda dos colegas.

 

Na verdade, olhando para essa situação, sinto que simplesmente não havia nada além de “boas crianças”. Só sei disso agora que deixei a cidade, mas havia um número quase bizarro de crianças bem-sucedidas nela. Talvez o clima do local atraísse gente assim.

 

Eu não estava descontente com a cidade. O alvo de meu descontentamento era quem morava nela. Independentemente de ter um local tão abençoado para crescer, doía confrontar minha própria inutilidade por não conseguir ter criado uma única bela lembrança.

 

A cidade era perfeita, eu que não era.

 

Vi sombras do meu passado em vários lugares ao longo do caminho para a casa dos meus pais. Eu com seis anos, com dez anos, com doze ou até quinze, exatamente como parecia na época. Todas olhavam para o céu, sem qualquer emoção, esperando pacientemente por alguma mudança.

 

Mas, no final, nada aconteceu. Eu, de vinte anos, sabia disso.

 

Deveria terminar meus negócios e partir rapidamente, pensei. Antes de ser esmagado por esses dezoito anos de vazio.

 

A pergunta de Emori me levou até ali.

 

“Só para confirmar, Amagai, mas você nunca tomou Lethe em sua vida, tomou?”

 

Isso deve ser verdade, pensei.

 

Mas quando pensei um pouco mais, percebi que não tinha provas.

 

Entre as opções para o Lethe está o fato de você esquecer ou não se o usou, e é altamente recomendável que escolha o esquecimento. Porque se não o fizer, será sempre perseguido pela pergunta do que esqueceu ao usá-lo.

 

Como resultado, apenas por eu não ter nenhuma lembrança disso, não significava que nunca havia usado. Meus pais tinham a opinião de que o filho que tinham não precisava de Mimories, mas me ocorreu que nunca tinha ouvido a opinião que tinham sobre o apagamento de memórias. Havia uma possibilidade diferente de zero de que a abordagem que adotaram na criação do filho permitisse uma exceção para o uso de Lethe.

 

Cheguei em casa. Localizada na esquina do distrito residencial, essa casa de vinte anos, construída como qualquer outra, era a dos meus pais, onde nasci e cresci. Tentei usar o interfone por precaução, mas não recebi resposta. Minha mãe tinha partido há muito tempo, e meu pai estava no trabalho, então isso era natural.

 

Quando destranquei a porta e entrei, senti um cheiro nostálgico. Dito isso, não senti nenhum tipo de sentimentalismo especial brotando. Esse fato apenas aumentou o meu desejo de voltar para meu apartamento. Para mim, o lugar que chamaria de casa não era mais a dos meus pais, mas sim meu quarto barato.

 

Subi as escadas rangentes até o segundo andar e entrei no meu velho quarto. Claro, ele foi deixado exatamente do modo como estava quando parti. Parecia extremamente empoeirado, então abri as cortinas e janelas antes de começar a trabalhar.

 

Supondo que existisse uma pequena chance de haver uma conhecida chamada Touka Natsunagi…

 

Se houvesse alguma pista de sua existência, onde mais estaria se não em meu antigo quarto?

 

Foi isso que me fez ir até o local, mas eu tinha uma grande preocupação. Se bem me lembro, quando saí de casa, fui e joguei a maioria de meus pertences fora. O período entre a formatura do ensino médio e minha mudança foi tão intenso que não lembro o que joguei fora e o que guardei. Era possível que tivesse descartado qualquer coisa que pudesse me informar sobre meus relacionamentos passados.

 

Fiz uma breve pesquisa no quarto e, como esperado, meus anuários tinham desaparecido. Não consegui encontrar o do jardim de infância, nem do fundamental ou ensino médio. Bem, claro. Não há nada pior do que eles para uma pessoa que quer esquecer o passado. Naturalmente, também descartei coisas como álbuns e fotos. Tudo que parecia ter ficado para trás era um dicionário de inglês-japonês, uma luz portátil e um porta-canetas.

 

Esqueça sobre pistas a respeito de Touka Natsunagi, tudo sobre mim tinha desaparecido do quarto. Com esse nível de limpeza, ficaria surpreso se restasse até um fio de cabelo.

 

Se contatasse minha escola, pergunto-me se mostrariam um anuário de quando me formei ou uma lista de alunos. Provavelmente recusariam, querendo manter todas as informações pessoais seguras. Se pudesse pedir para um ex-colega de classe para que me emprestasse seu anuário, isso também serviria bem, mas não era uma opção para alguém sem qualquer amigo. Não lembrava de nomes, então muito menos de informações de contato.

 

A pesquisa acabou em pouco tempo. Não havia mais nada que pudesse fazer. Deitei no chão ligeiramente empoeirado e estendi os braços e pernas, ouvindo as cigarras. O sol brilhava através das janelas ao oeste, desenhando uma deformação retangular na parede oposta. O cheiro forte de repelente de insetos pairava para fora do armário aberto, e logo relacionei isso à mudança das estações.

 

Mas, na verdade, era o meio do verão. Doze de agosto. A estação das chuvas já tinha clareado, mas esse clima estranho continuou.

 

— Chihiro, está em casa?

 

Meu nome foi chamado do corredor. Era a voz de meu pai.

 

Parecia que caí no sono. Já que estava deitado no chão, meus músculos doíam.

 

Quando me sentei e limpei o suor da testa, a porta foi aberta e o rosto de meu pai apareceu.

 

— O que está fazendo aí?

 

Ao ver o rosto do filho pela primeira vez em um ano e meio ele falou sem qualquer rodeio.

 

— Só vim buscar uma coisa. Já estava saindo.

 

— Não parece que tenha algo nesse quarto para vir buscar.

 

— Isso mesmo. Não há.

 

Ele encolheu os ombros e começou a se virar, como se não suportasse me entreter, mas eu o chamei:

 

— Só quero ter certeza de uma coisa…

 

Meu pai virou-se lentamente.

 

— O que?

 

— Você já usou Lethe em mim?

 

Houve silêncio por alguns segundos.

 

— Nunca — declarou. — Foi assim que te criamos, certo?

 

Em outras palavras, ele considerava que o implante e apagamento de memórias eram a mesma coisa.

 

— Então o nome Touka Natsunagi parece familiar?

 

— Touka Natsunagi? — repetiu meu pai, como se estivesse lendo o nome de uma flor rara. — Nem ideia. É alguém que você conhece?

 

— Não se preocupe, não tem problema se for estranho.

 

— Ah, agora já respondi suas perguntas, então é melhor ao menos explicar o que está acontecendo aqui.

 

— Recebi uma carta de uma pessoa com esse nome. Diz que é uma velha colega de classe. Achei que poderia ser algum tipo de golpe, mas não confio muito na minha memória, então queria verificar com você, só por precaução.

 

Eu preparei essa mentira com antecedência, até usei um pouco da história que Emori me contou.

 

— Só por precaução, huh. — Meu pai coçou o queixo mal barbeado. — Você sempre foi tão diligente?

 

— Claro. Igual meus pais.

 

Ele riu e voltou para o corredor. Provavelmente estava pronto para começar a beber. Tomar uísque e relembrar as Mimories era a única coisa que queria na vida.

 

Quando se entregava a memórias fictícias, ficava com uma expressão muito gentil. Uma expressão cheia de carinho que nunca dirigiu à esposa ou filho. Se a realidade o satisfizesse, meu pai poderia ter sido uma pessoa muito boa. Ao menos foi o que imaginei.

 

Ao calçar meus sapatos, na porta da frente, percebi que ele estava parado atrás de mim. Em uma mão segurava um copo de uísque com gelo, e na outra havia um pedaço de papel bem dobrado.

 

— Você falando sobre uma carta me lembrou de algo — disse. Ele já parecia meio bêbado, já que todo seu rosto estava ficando vermelho. — Chegou uma carta para você.

 

— Para mim?

 

— É. Mas já faz bastante tempo.

 

Ele a jogou para mim. Peguei o papel do chão e desdobrei.

 

E fui jogado em um redemoinho de confusão.

 

Estava certo em vir aqui, pensei.

 

— No inverno passado manchei meu casaco e peguei o seu emprestado por uns dias, e isso estava em um dos bolsos. Imaginei que diria que não queria isso, mas me sentiria mal por quem escreveu, então guardei.

 

— Não — disse, dobrando a carta. — Você realmente ajudou. Obrigado por fazer isso.

 

Meu pai tomou um gole de uísque e voltou para a sala sem dizer nada.

 

Depois de sair de casa, abri mais uma vez a carta sem remetente.

 

Dizia o seguinte:

 

“Fico feliz por ter te conhecido, Chihiro. Adeus.”

 

Na viagem de trem de volta para casa, pesquisei sobre a clínica em que havia comprado minhas Mimories em meu telefone.

 

Quando digitei o nome, o site da clínica que verifiquei há três meses desapareceu de todos os resultados de pesquisa. Achando que o nome estava errado, peguei o cartão da clínica da carteira, mas não vi nenhum erro de digitação.

 

Havia um número de telefone no cartão. O horário de atendimento terminaria em breve, então desci no trem na estação mais próxima para fazer uma ligação. Sentei em um banco na plataforma e disquei o número, certificando-me de que estava tudo correto.

 

Não chamou.

 

— O número chamado não existe. Por favor, verifique o telefone e tente novamente.

 

Depois de tentar várias outras formas de pesquisa, soube que a clínica fechara há dois meses. Mas, por mais que tentasse descobrir mais, não encontrei qualquer informação além de “fechada”. Nesse ponto, havia apenas uma postagem no conselho da comunidade local.

 

Desisti, peguei o próximo trem e voltei para o meu apartamento.

 

Ela estava na cama. Claro, quero dizer, minha cama, não na dela. Estava enrolada naquele habitual pijama branco, deixando respirações leves escaparem.

 

Chamei por ela, mas não mostrou qualquer sinal de que acordaria, então timidamente toquei seu ombro. Por que eu, o proprietário do quarto, tenho que me preocupar com uma invasora? Hesitar assim só prolonga ainda mais as coisas, pensei. Mas não tive coragem de dar um tapa para acordá-la ou coisa do tipo.

 

Depois de três sacudidas, ela abriu os olhos. Vendo meu rosto, disse alegremente: “Ah, bem-vindo de volta.” Depois sentou e se alongou um pouco.

 

— Com certeza um futon recém-arejado é muito melhor.

 

Sem palavras, olhei para ela por algum tempo.

 

Quem escreveu aquela carta…?

 

Eu tinha deixado um único casaco na casa dos meus pais, o que eu usava no ensino médio. A última vez que coloquei meus braços naquilo foi na graduação do terceiro ano, então podia presumir que a carta foi colocada no bolso interno durante o inverno, quando eu tinha quinze anos.

 

Mas não havia ninguém tão próximo de mim por lá para me escrever uma carta dessas. Era uma brincadeira de alguém? Mas o texto foi reservado demais para isso. Uma brincadeira tentaria extrair alguma reação minha. Chamariam ao fundo da escola ou escreveriam o nome de algum remetente.

 

Mentalmente comparei a caligrafia da carta com a nota deixada na geladeira. Poderia dizer que era semelhante se quisesse, e também poderia dizer que não era. Além disso, a escrita deveria mudar um pouco em cinco anos.

 

— O que houve?

 

Olhando para mim enquanto eu pensava em silêncio, ela inclinou a cabeça para o lado.

 

Até esse gesto era exatamente igual ao da Touka Natsunagi de minhas Mimories.

 

— Você vai continuar insistindo que é minha amiga de infância…?

 

— Sim. Porque é isso que sou.

 

— Meu pai disse que nunca ouviu o nome de Touka Natsunagi. Como explica isso?

 

— Isso não significa simplesmente que um de nós, eu ou seu pai, está mentindo? — respondeu na mesma hora. — Seu pai é um homem honesto?

 

Isso calou a minha boca.

 

Agora que mencionou, não havia provas de que meu pai iria responder minhas perguntas honestamente. Ele, que gostava de viver em um mundo de ficção, era, ao mesmo tempo, alguém que gostava de criar ficções. Se houve momentos em que mentiu sem motivo, certamente também houve aqueles em que mentiu por alguma causa. Se mentiu para se justificar, certamente também mentiu para omitir algo.

 

Aquela família estava montada em mentiras. Quanto eu podia confiar em meu pai, que era o precursor disso?

 

— Você esqueceu muita coisa. — A garota que se chamou de minha amiga de infância levantou e aos poucos diminuiu a distância até mim. — Mas isso pode ser porque precisava esquecer.

 

Permanecendo cara a cara, a diferença entre a altura que tínhamos aos quinze aumentara. Eu sabia disso pelo ângulo estranhamente diferente em que seu rosto me encarou. Seu corpo se tornara muito mais feminino, mas, ainda assim, quase não tinha excesso de carne, como sempre, então imaginei que poderia facilmente levantá-la como naquela época…

 

Não. Esse não é o meu passado.

 

— Apenas responda. O que eu esqueci?

 

Sua expressão mudou um pouco.

 

— Realmente não posso te dizer agora, Chihiro. Parece que você ainda não está pronto.

 

— É assim que pretende evitar minha pergunta, é? Se esqueci algo, então me prove…

 

Não fui capaz de continuar além disso.

 

— Chihiro — sussurrou, colocando o rosto em meu peito.

 

Seus dedos finos amavelmente acariciaram minhas costas.

 

— Você pode ir com calma. Só lembre um pouco de cada vez.

 

Minha cabeça tremeu, como se algo quente tivesse sido jogado em meus ouvidos.

 

Afastei-me por reflexo. Ela perdeu o equilíbrio e caiu de costas na cama, depois olhou para mim com um pouco de surpresa.

 

Mais do que tudo, fiquei aliviado por a cama estar ali para aparar sua queda.

 

Depois de engolir um pedido de desculpas que chegou até minha garganta, falei:

 

— Por favor, saia…

 

Talvez porque sentisse culpa, o que saiu foi meio direto.

 

— Certo. Entendi.

 

Ela assentiu obediente e inocentemente sorriu, como se não se importasse com meu empurrão violento.

 

— Eu vou voltar. Boa noite

 

Quando voltou para o quarto ao lado, o silêncio reinou.

 

Coloquei um cigarro na boca, esperando apagar os traços da presença que ficou para trás. Como não consegui encontrar meu isqueiro, fui até a cozinha esperando acendê-lo no fogão e notei um prato embrulhado no balcão. Dentro havia arroz e omelete coberto com molho demi glace[12], ainda estava quente.

 

Depois de alguma hesitação, joguei a comida fora. Não era como se estivesse desconfiado de envenenamento ou coisa do tipo.

 

Essa foi apenas uma forma de expressar meus sentimentos.

 

Depois que acabei meu cigarro, vasculhei os fundos de uma gaveta e preparei um pequeno truque que poderia me ajudar a dar um jeito na golpista. Então peguei meio copo de gim gelado e tomei. Escovei os dentes, lavei o rosto, apaguei as luzes e deitei na cama. Quando fechei os olhos, senti o cheiro dela, levantei, virei o travesseiro e voltei a deitar. Claro, isso estava longe de ser efetivo para acabar com seu cheiro, então, naquela noite, sonhei que estava dormindo com Touka Natsunagi.

 

Em seu quarto bem ventilado, nossos jovens seres dormiam juntos como amigáveis irmãos gêmeos. As cortinas estavam fechadas, então o quarto estava escuro, com um tipo de silêncio noturno diferente. Por ser um dia útil, o bairro residencial estava em total silêncio; não conseguia ouvir nada além de uivos do vento sussurrando no corredor. Era uma noite de verão tão pacífica e tranquila que poderia imaginar que todos humanos, exceto nós dois, haviam perecido.

 


Notas:

Título – Recall é um termo em inglês que significa a devolução de um lote ou linha de produtos, a solicitação é feita pelo próprio fabricante.

1 – Grande Mãe ou Deusa Mãe, é às vezes associada à Mãe Terra, sendo representada como deusa geradora da vida, da natureza, das águas, da fertilidade e da cultura; geralmente é considerada como a generosa personificação da Terra.

2 – Aquilo que recorda algo ou alguém; recordação, lembrança.

3 – Cópia de segurança.

4 – Macarrão instantâneo em copo.

5 – Tipo de marmita japonesa para uma pessoa.

6 – Comida rica em calorias e de baixa qualidade nutritiva.

7 – Algo causado ou agravado devido ao estresse.

8 – Refeições produzidas em massa que podem ser preparadas e produzidas em um curto intervalo de tempo.

9 – Tipo de colchão usado nas camas japonesas tradicionais.

10 – Armadilha sexual, ou honey trap, é um termo usado em espionagem, onde uma vítima é atraída a uma situação comprometedora e, assim, passa a ser vítima de chantagem ou difamação.

11 – Zen é o nome japonês da tradição Ch’an, de origem chinesa. Consiste na prática de meditação contemplativa que visa levar o praticante à “experiência direta da realidade” através da análise da própria mente.

12 – Molho francês próprio para pratos com carne.

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