Alguns dias depois, após falar com os garotos idiotas, aconselhar o covarde Kiriyuu e recomendar a história de Huck Finn para Ogiwara, sentei-me no telhado novamente.
Sempre tenho ido lá visitar, quando Minami estava lá. Eu olhei para o céu e soltei um suspiro profundo de barriga cheia, tão satisfeita como se tivesse acabado de comer um hambúrguer grande.
Minami ficou olhando para a frente o tempo todo, acariciando minha amiga de pelo fino nas costas. Pensei o máximo que pude sobre como colocar em palavras os sentimentos que vieram do fundo do meu coração. Então me virei para Minami, que se sentou ao meu lado.
— A vida é como uma cabra.
— Que diabos isso significa?
— Quando leio uma história maravilhosa, eu poderia simplesmente engoli-la e ela me nutriria.
— Não acho que seja verdade.
— Hein? Mas eu me sinto completamente satisfeita agora, e acabei de ler um conto maravilhoso.
Preocupada com que todo o meu corpo explodisse de animação, respirei fundo e, ao expirar, gritei para a Minami:
— Minami! Você é incrível! Ainda não acredito que conseguiu escrever uma história dessas! Você é incrível!!!
Ofereci a ela meus maiores respeitos.
Como já havia dito a ela, sonhava em escrever minha própria história algum dia. No entanto, eu tinha outro segredo. Na verdade, já tinha tentado escrever muitas histórias no passado. Mas sempre que tentei, nunca deu certo. Eu nunca poderia trazer personagens como Tom ou Sem-teto Huck ao mundo. Isso me deixou deprimida, tão deprimida como se um dos muffins da Vovó tivesse ficado preso na minha garganta. Nesse ritmo, eu me perguntava se poderia simplesmente definhar.
Para mim, a Minami, que era capaz de criar reviravoltas tão chocantes e personagens tão atraentes, era mais impressionante do que qualquer pessoa importante na TV. Não pude deixar de querer saber como escrever uma história assim. Minami, no entanto, de repente ficou quieta e só disse: “Entendo”, não importava o que eu dissesse a ela.
— Gostaria que todos pudessem ler esta história!
— Sem chances. Ninguém nunca vai ver isso.
— Que desperdício. Você precisa fazer com que mais pessoas leiam isso. A vida é como uma pausa à tarde.
— Por que você vai comer um lanche saboroso?
— Porque o tempo é limitado, então tem que preenchê-lo com o máximo de coisas maravilhosas que puder. Eu gostaria que todos pudessem ler sua história durante seus quarenta minutos.
— Chega de bajulação. — disse Minami.
Embora estivesse falando a verdade, ela tirou o caderno de minhas mãos. Nunca me deixou segurar por muito tempo. Honestamente, eu gostaria de poder levar tudo para casa comigo e terminar de ler a história lá. Eu só podia ler quando estava no telhado, e isso me levou dias. Ela provavelmente pensava que eu iria sujar com suco, sorvete ou algo assim, mas eu nunca faria uma coisa dessas. Gostava mais de ser organizada.
— Bem, não tem problema. — eu disse. — Isso significa que sou sua primeira fã. Também estou ansiosa pela sua próxima história.
Minami acenou com a mão, ainda sem olhar na minha direção. Então ergueu os olhos de repente, como se algo estivesse caindo do céu.
— Ah, sim… você já encontrou sua resposta sobre o que é felicidade? — A história da Minami ainda tinha suas garras no meu coração, mas a Professora Hitomi nos ensinou a nunca ignorar alguém falando com você, então dei a ela uma resposta adequada:
— Não. Já pensei em muitas coisas diferentes, mas ainda não tenho uma resposta que surpreenda a todos, ou que impressione a Professora Hitomi. Honestamente, não tenho muito tempo. Aparentemente, ter apenas metade das nossas ideias é o suficiente, então temos que apresentar no nosso próximo dia de observação da aula.
— É?
Minami parecia estar realmente prestando atenção. Eu senti os sons infiltrando-se em mim… foi uma sensação maravilhosa. Minha amiguinha, deitada no colo da Minami e tendo sua barriga acariciada, também parecia verdadeiramente satisfeita.
— Se você pensar em alguma coisa — eu disse —, me conte.
— Não é algo que se pode pensar tão facilmente. Embora, bem… ultimamente acho que tenho estado um pouco mais feliz do que o normal, passando um tempo com essa garota.
A Senhorita Bobtail lambeu a mão da Minami e miou, embora não estivesse claro se ela sabia ou não que estava sendo elogiada. O que ela esperava atrair com aquele olhar sedutor?
Embora eu tenha encarado minha amiguinha, fiquei alegre por Minami estar feliz. Todos de quem eu gostava deveriam estar felizes e todos de quem não gostava deveriam simplesmente desaparecer.
Percebi então que as cicatrizes nos pulsos da Minami haviam sumido.
Eu me levantei, esticando meus braços para o alto, como se fosse alcançar o céu azul. No momento, eu era muito pequena para alcançar prateleiras altas, mas, se continuasse, poderia esticar-me o suficiente para tocar na cesta de basquete em nosso quintal.
Ao me ver de pé, a Senhorita Bobtail olhou na minha direção e desceu desamparada do colo da Minami. Minami, é claro, não olhou para mim.
— Vejo você na próxima vez. — eu disse. — Apresse-se e escreva sua próxima história, mal posso esperar para lê-la!
— Faça o que quiser.
— Isso mesmo! Ainda não sei o que responder sobre a felicidade, mas ler sua história me deixou feliz.
Minami acenou para mim novamente em silêncio, ou assim pensei. Mas uma voz, mais suave do que meu próprio tom infantil, veio como se carregada pelo vento.
— Valeu.
Saí do telhado da Minami com meu peito aquecido e o coração cheio, então decidi ir para a casa da Senhorita Messalina pela primeira vez em muito tempo. Eu não ia lá há alguns dias, mas mesmo esses poucos dias foram muito mais longos do que ela e eu deveríamos ter passado separadas. A Senhorita Messalina se sentia da mesma forma. Ela estava bebendo café quando me cumprimentou em seu prédio cor de creme que parecia um bolo perto do rio.
— Já faz um tempo, mocinha. Como esteve?
— Tenho me mantido calma, mas também tenho muita energia.
— Entendo… Esta pequena tem sido um Jiji para o seu Kiki, então, hein?
— Infelizmente, ainda não consigo fazer mágica. Então, diria que somos mais como Charlie e Snoopy. Mesmo que eu seja uma menina e ela um gato, em vez de um menino e um cachorro.
— Tenho certeza de que você será capaz de fazer isso algum dia. Tudo bem então, entre. Acontece que eu tenho um pouco de bolo hoje, e leite também.
— Vou querer um pouco!
Enquanto estava sentada em seu apartamento comendo bolo, expliquei à Senhorita Messalina o porquê da minha ausência. Então perguntei a ela sobre Minami.
— Não acho que Minami seja estranha da cabeça. — eu disse. — Ela pode escrever histórias muito boas! Mas acho estranho cortar o próprio corpo se sua cabeça estiver normal. Você sabe por que ela faria algo assim?
Eu vi o espaço entre as sobrancelhas dela se apertar. Ao contrário das minhas sobrancelhas, as da Senhorita Messalina eram afiadas, tão afiadas que eu poderia imaginá-las fazendo um som tipo ka-shing!
— Hm, às vezes as pessoas são assim. É algo que você deve perguntar à própria pessoa. Elas podem querer ver sangue, ou podem apenas estar curiosas, ou isso pode acalmá-las.
— Ela disse que isso a acalma.
— Sim, então isso te ajudou a entender?
— De forma alguma. Tentei arranhar meu braço, só para ver, mas só doeu e deixou uma marca vermelha.
— Né? Então, realmente, acho que é algo que só a pessoa que está fazendo pode entender. Mas não há problema em não entender, principalmente para você. Quando viu essa garota, desejou que ela parasse de se machucar, certo?
— Sim, eu odeio saber que meus amigos estão se sentindo machucados.
— Isso mesmo. Acho que se você entendesse o motivo pelo qual alguém pode se machucar e também começasse a fazer isso, gostaria que parasse. Portanto, não há necessidade de você entender isso. É como te disse antes, acho maravilhoso você só poder saborear as partes doces do pudim.
— Mas… mas Senhorita Messalina! Eu realmente quero entender como ela está se sentindo!
— Hm, é claro. — Ela ergueu um dedo, assim como a Professora Hitomi faria. — Mocinha, você sabe em qual número estou pensando agora?
Com essa pergunta repentina e estranha, olhei em seus olhos como se pudesse ver através de seu crânio. Mas eu ainda não conseguia fazer mágica e não podia ver dentro de sua cabeça, por mais que tentasse.
— O-Oito?
— Errado. A resposta correta era vinte e quatro. Viu só? Ninguém consegue ver magicamente o coração de outra pessoa. É por isso que os humanos têm o poder do pensamento. Você quer saber coisas sobre seus amigos, mas não entende a sensação de querer cortar o próprio braço. Nesse caso, tem que pensar sobre isso, sobre o que ela pode estar pensando. Então vai saber, aos poucos.
— Sim, isso faz muito sentido.
— Você realmente é uma garota inteligente.
A Senhorita Messalina me elogiou, mas me senti um pouco errada. Ela é a única que era realmente inteligente, me dando uma resposta tão direta. Observei seus movimentos casuais. Ela realmente era exatamente como eu esperava ser no futuro… a bela e inteligente Senhorita Messalina, tomando café. Se apenas pudesse escrever histórias como a Minami e fazer doces como a Vovó, então eu seria a adulta perfeita. Eu nem teria que fazer mágica.
Naturalmente, hoje também não consegui vencer a esperta e maravilhosa Senhorita Messalina no Othello.
— Boa sorte com o dia de observação. — disse ela, enquanto eu partia.
— Claro! Vou mostrar minha inteligência a eles. — respondi, saindo do prédio e caminhando para casa sob o sol poente.
Enquanto caminhava ao longo da margem do rio com a Senhorita Bobtail, que ainda estava animada com seu leite, pensei na apresentação sobre a felicidade que se aproximava rapidamente e decidi consultar o sol da tarde. Havia uma chance de que o que a Senhorita Messalina disse sobre o pensamento possa ser uma grande dica.
Desci as escadas do barranco. Eu estava andando sem pensar, então demorei um pouco para notar o garoto se aproximando de mim.
— Oh, Kiriyuu! Saudações. — gritei.
— K-Koyanagi! — ele respondeu, escondendo-se atrás do adulto com quem estava andando.
A Senhorita Bobtail se escondeu atrás de mim também. Eu sorri, pensando como era engraçado encontrar tantos conhecidos aqui, e percebi outra coisa feliz: eu tinha a resposta para uma pergunta que me atormentava há algum tempo.
— Boa tarde. — disse o homem que caminhava com Kiriyuu.
Era o homem que eu tinha encontrado algumas vezes recentemente no parque no sopé da colina. Na verdade, embora eu não tivesse tido sorte em lembrar quem ele era antes, percebi que era o pai de Kiriyuu. Eu o tinha visto uma vez em uma competição esportiva, mas aquele único encontro não foi suficiente para me fazer lembrar completamente dele. De repente, me senti bem, como se algo que estava travando na minha garganta foi finalmente removida.
— Boa tarde!
Eu retornei sua saudação alegremente. Kiyiruu ainda se escondia atrás de seu pai. Eu queria muito que ele parasse. Ele fez parecer que eu estava mexendo com ele.
O pai de Kiriyuu não estava com seu rosto terrivelmente deprimido hoje. Tenho certeza que ele tinha todos os tipos de humor, assim como eu, mas hoje estava de bom humor. Foi maravilhoso ver. Nós dois conversamos sobre todos os tipos de coisas triviais.
— Vejo você no dia de observação, então.
Com essas palavras de despedida, os Kiriyuus e eu nos separamos. Além de um rápido “Vejo você mais tarde”, o próprio Kiriyuu não disse nada.
— Apesar de como ele é, aquele menino faz desenhos maravilhosos. — disse à minha amiguinha mais tarde.
A Senhorita Bobtail apenas inclinou a cabeça, choramingando em dúvida. Talvez ela não tenha interesse em meninos humanos.
Quando voltei para casa e disse adeus à minha amiga, fui recebida por uma visão estranha. Minha mãe não só tinha chegado em casa antes de mim, mas já tinha terminado de fazer o jantar. Além disso, era toda comida que eu amava. Comecei a me perguntar se tinha, de alguma forma, conseguido errar a data do meu próprio aniversário.
Eu amo a comida da minha mãe. Ela era uma pessoa ocupada, então geralmente tínhamos que comprar nossos ingredientes no supermercado do bairro, mas a comida que ela fazia era excepcional.
Felizmente, comi meus pratos favoritos, mas no meio do caminho percebi algo estranho. Minha mãe estava apenas me observando comer, sem tocar em sua própria comida. Me perguntei se ela estava apenas com vergonha de como eu estava enchendo a boca, mas não era o caso.
Eu olhei para ela. Ela olhou para mim com uma expressão muito séria e disse meu nome. Tive um pressentimento muito ruim com isso. Os adultos só fazem caretas sérias quando têm algo desagradável a dizer. Era diferente da expressão séria da Professora Hitomi. Eu tinha visto aquela expressão no rosto de um professor mais assustador, exigindo saber quem quebrou uma janela, e no rosto do meu pai, quando ele esqueceu meu aniversário. Às vezes, eles faziam caretas assim na esperança de surpreendê-lo com alguma notícia feliz, mas esses momentos eram incrivelmente raros.
Como seria maravilhoso se minha mãe estivesse fingindo para me surpreender! No entanto, eu sabia que esse não era o caso quando ela começou dizendo “Sinto muito”.
Ela me disse que tanto ela quanto meu pai teriam que viajar para algum lugar longe a negócios em breve, e mesmo que quisessem muito ir, embora estivessem ansiosos por isso e estivessem incrivelmente tristes pela situação, não seriam capazes de assistir ao dia de observação de aula.
Por um segundo, quando ela terminou de falar, foi como se toda a sala tivesse ficado às escuras. Naquela escuridão, senti meu estômago embrulhar. Embora meus lábios estivessem pressionados em um beicinho, provavelmente ainda poderia ter comido meu bife de hambúrguer. Mas não o fiz. Com aquele clima momentaneamente sombrio, todos os sentimentos de animação que eu vinha armazenando dentro de mim explodiram como uma mola espiral.
— Mas você disse que iria!
Ela já sabia o quão alto eu falava, então isso não a surpreendeu. O que a surpreendeu foi que eu estava com raiva, algo que não acontecia há muito tempo.
Embora eu diga “há muito tempo”, na verdade eu tenho me sentindo assim recentemente.
— Sempre! Você está sempre quebrando suas promessas! O pai também!
— Sinto muito, mas temos que ir.
— Por que você sempre escolhe o trabalho? Por quê?!
Minha mãe explicou a razão de seu trabalho ser tão importante, de forma muito simples, para que até eu pudesse entender. Entretanto, não era isso que eu estava perguntando. Percebi que minha mãe não me entendia e não havia nada a ser feito a respeito. Ainda assim, ela poderia pelo menos ter tentado pensar sobre isso, como a Senhorita Messalina tinha dito.
E assim, embora eu já devesse saber, disse algo que absolutamente não deveria ter dito:
— Então eu gostaria de ter nascido em uma família com uma mãe e um pai que não tivessem empregos tão importantes!
Pude ver na mesma hora que a tinha machucado. No entanto, ela era igual a mim e não conseguia se conter.
— Não há nada que possamos fazer! — ela gritou.
Fui direto para o meu quarto sem dar outra mordida e rastejei para debaixo das cobertas. Embora eu não tenha comido todo o meu jantar, não estava com fome.
Eu disse que a vida era como uma cabra, mas talvez fosse mais como um alienígena, pensei. Eu soube pela primeira vez que meu estômago não estava apenas cheio de histórias e felicidade, mas também de tristeza e desespero.
Mesmo assim, descobri que afinal eu estava com fome, e tarde da noite, depois que meus pais foram para a cama, entrei sorrateiramente na cozinha e comi um pouco de pão.
Não consegui comer nada no café da manhã que minha mãe me preparou na manhã seguinte.
Tradução: SoldSoul
Revisão: Guilherme
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