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Sword Art Online – Moon Cradle – Vol. 19 – Cap. 08

 

O jantar foi apenas entre Iskahn, Sheyta, Kirito, Ronie e Leazetta, mas foi uma noite agradável e animada, como se Ronie estivesse de volta à sua casa em North Centoria.

Iskahn trouxe pratos exóticos, alguns dos quais quase pareciam pegadinhas, como espetinhos de lagarto arco-íris e cogumelos faiscantes fritos, mas Kirito devorou todos com entusiasmo, muitas vezes gritando com os resultados culinários, para grande deleite e gargalhadas de Leazetta. A visão de sua filha se divertindo deixou Sheyta e Iskahn radiantes.

Ronie terminou sua refeição com uma nova apreciação pelo calor dos bebês e das famílias. Tomou seu segundo banho do dia e voltou para seu quarto de hóspedes.

O banheiro era muito menor que o da Catedral Central, claro, mas considerando que ficava quase no topo de um palácio de quinhentos mels de altura, era nada menos que um milagre haver água quente fresca disponível o tempo todo. Não parecia envolver artes sacras, como na catedral, então era um grande mistério como conseguiam ter tanta água quente ali.

Depois, ela soube que, quando aquilo ainda era apenas uma montanha intocada, água termal brotava perto do topo e, no processo de esculpir o palácio, os construtores utilizaram essa veia d’água para a cozinha, banheiros e aquecimento interno.

O quarto estava quente e a cama era macia, comparada à estalagem barata onde haviam ficado na noite anterior; então, Ronie vestiu as roupas de dormir que lhe foram oferecidas e ficou sonolenta antes do sino das nove. Eles voltariam para o Reino Humano pela manhã; então, dormir cedo era bom, mas uma parte dela não queria que o dia terminasse. Ela deitou de lado, virada para a parede norte.

Do outro lado dela, Kirito estaria se preparando para dormir. Talvez já estivesse dormindo. Estavam juntos há mais de quarenta horas desde que deixaram Centoria, mas parecia que ela ainda não conseguira lhe dizer nada importante.

O verdadeiramente importante era seu dever de protegê-lo, claro — ela não estava ali para conversar com ele. No entanto, teve que lutar desesperadamente contra o impulso de sair da cama e bater em sua porta.

Kirito já tinha uma parceira: Asuna. Ela era do mundo real como ele, tão bela quanto Stacia e gentil com todos, mas forte como ninguém quando desembainhava sua lâmina. Na guerra, Ronie só pôde se encolher na carroça e tremer, mas Asuna lutara desesperadamente para proteger Kirito, sofrendo ferimentos tremendos no processo. Ronie não tinha o direito de competir com alguém como ela.

— Não posso dizer a ele como me sinto. Nunca.

Ela puxou o fino cobertor até a cabeça e fechou os olhos com força. Mas o sono que ela deixara escapar não queria voltar.

Devido ao cansaço da longa viagem, no entanto, Ronie acabou adormecendo sem sequer apagar as lâmpadas de minério — até ser despertada pelo som de gritos distantes.

A escuridão pairava do lado de fora da janela; seu corpo lhe dizia que provavelmente eram duas ou três da manhã. Ela se concentrou na audição sem se mover da cama e estava prestes a fechar os olhos novamente e atribuir tudo a um sonho quando ouviu o som novamente. Era claramente uma voz muito tensa e exaltada vindo de além da porta. Havia vários pares de passos apressados.

Ela saiu da cama de pijama e encostou o ouvido na porta. Os passos, presumivelmente de guardas, sumiram na direção das escadas, então ela abriu a porta silenciosamente e viu que Kirito estava com a cabeça para fora de seu quarto ao mesmo tempo.

— Sobre o que será que eles estão gritando? — ela perguntou enquanto o delegado sonolento trotava até ela.

— Não sei,… mas parece que todos os guardas correram para o andar de baixo… — ele murmurou, piscando até despertar completamente. 

Ele jogou sua capa sobre os ombros dela e disse: 

— Deveríamos ir verificar.

— Hum… Tem certeza?

— Talvez possamos ajudá-los em alguma coisa — ele disse, dando um tapinha no ombro dela.

— Tudo bem,… mas se formos apenas atrapalhar, você tem que voltar comigo imediatamente! — ela gritou enquanto Kirito começava a correr pelo corredor.

Houve outro grito, muito mais claro e alto, bem quando chegaram ao quadragésimo oitavo andar. 

— Para trás! — disse uma voz, que era, inconfundivelmente, a de Iskahn. Kirito e Ronie se entreolharam e correram para o sul pelo largo corredor.

Quando a passagem se dividiu no final, eles pegaram o caminho da direita e viram um grande conjunto de portas duplas. Qualquer que fosse a função desta sala, era importante; as pesadas portas de obsidiana eram decoradas com finos acabamentos de prata. Elas haviam sido escancaradas, e gritos de medo e repulsa dos guardas jorravam de lá.

Kirito e Ronie correram pelos últimos vinte mels do corredor e entraram na câmara.

Inúmeras fontes de luz ofuscante assaltaram sua visão de ambos os lados ao fazerem isso, cegando-os brevemente. Cerca de dez guardas mais ao fundo seguravam lanternas de minério que refletiam em incontáveis armas, peças de armadura, joias e outros itens que enchiam a grande sala. Este devia ser o arsenal — ou talvez o tesouro — do Palácio de Obsidia.

— Seus monstros! — gritou Iskahn, sua voz vindo do outro lado dos guardas.

Kirito desembainhou sua espada e saltou habilmente sobre a multidão de guardas, desaparecendo além deles. Ronie não teve escolha a não ser seguir seu exemplo, pegando um pequeno impulso antes de saltar, a capa chicoteando sobre sua camisola.

Além das características técnicas consecutivas da esgrima estilo Aincrad de Kirito e Asuna, os dois davam grande ênfase a passos rápidos e grandes saltos, táticas que Ronie se esforçava para dominar. Graças a isso, ela mal conseguiu ultrapassar o grupo de guardas. Ouviu-os gritar de surpresa atrás dela, mas havia um assunto mais urgente que ocupava sua atenção agora.

Alguns mels à frente deles estavam Iskahn e Sheyta, ambos em trajes de dormir. E além deles, duas figuras escuras.

“Monstros” era realmente a única palavra para descrevê-los. Sua forma era semelhante o suficiente à de um humano ou demi-humano, mas seus pescoços e braços eram muito mais longos, e suas bocas eram círculos perfeitos com fileiras de presas voltadas para dentro que se esticavam e contraíam incessantemente, como uma certa espécie de peixe. Quatro olhos alinhavam cada lado das cabeças alongadas, asas de fina membrana cresciam de suas costas, e uma longa cauda pendia de suas cinturas.

— Isso são… lacaios?! — gritou Kirito. Sheyta e Iskahn olharam para trás ao som de sua voz.

— Desculpe, acho que acordamos vocês, mas não podemos deixar nossos problemas respingarem em nossos convidados! Vou destruir essas coisas esquisitas com um só golpe! — berrou Iskahn, cerrando um punho que brilhava como fogo. Mas Sheyta estendeu a mão para impedir o marido.

— O sangue de lacaio é venenoso. Você não pode atacá-los de mãos nuas.

— Sim, mas… — Iskahn protestou. Como se entendessem a conversa e aproveitassem o momento de oportunidade, os dois lacaios silvaram agressivamente.

Era a primeira vez que Ronie via um lacaio, mas ela sabia sobre eles. Eram criaturas artificiais que serviam aos magos sombrios do Território Sombrio. Muitos deles haviam sido convocados para a batalha no Portão Oriental no início da Guerra do Underworld, mas a arte de Controle Perfeito de Arma da Espada Divisora do Tempo do Comandante Bercouli dizimara toda a unidade. Como não haviam realmente causado nenhum dano ao exército humano, pareceram pouco mais que grandes morcegos, mas, na verdade, eram muito mais horríveis do que isso. Tinham quase dois mels de altura, e as garras nas pontas de seus braços esguios eram tão longas e afiadas quanto facas.

Eles também eram resistentes a todos os tipos de elementos, assim como a ataques perfurantes e contundentes. O meio mais eficaz de danificá-los era um corte de uma lâmina afiada, mas Iskahn e Sheyta não tinham espadas, é claro. Tarde demais para fazer algo a respeito, Ronie desejou que ela ou Kirito tivessem trazido as espadas de seus quartos.

— Comandante Supremo, deixe-nos cuidar disso! — gritou um dos guardas atrás deles, mas Iskahn se recusou a se mover.

Quaisquer que fossem as ordens dos lacaios, eles apenas emitiam aqueles silvos ameaçadores, sem realmente atacar. Várias prateleiras estavam derrubadas dos lados das criaturas, e joias e acessórios estavam espalhados por toda parte, mas os monstros não os estavam roubando.

Como essas criaturas conseguiram se infiltrar no tesouro perto do topo do palácio sem atrair nenhuma atenção dos guardas, afinal? Ronie se perguntou.

Ela logo obteve sua resposta, no entanto. As enormes asas em suas costas significavam que não precisavam subir todas aquelas escadas. Eles apenas se misturaram à escuridão da noite e entraram por uma janela. Ela olhou para trás deles e viu, em uma parede distante, a moldura de metal quebrada da janela em questão.

E se eles puderam fazer isso, então… então…

Pensamentos explodiram na mente de Ronie como faíscas bem quando Kirito ofegou ao seu lado.

— Saiam da frente, vocês dois! — ele gritou, estendendo a mão direita. Uma luz pálida brilhou ao redor de sua palma estendida. Trinta elementos de gelo, todos de uma vez.

Sheyta e Iskahn saltaram para os lados imediatamente. Kirito prontamente disparou os elementos de gelo para frente e os liberou ao redor dos dois lacaios. Normalmente, simplesmente liberar elementos de gelo faria seu efeito se difundir por uma grande área, mas esta rajada fria agarrou-se apenas aos lacaios, como se moldada por alguma arte avançada, congelando as criaturas negras como tinta com gelo branco.

— Gshyaaaa! — os lacaios gritaram, suas longas cabeças se contorcendo, mas logo até suas bocas foram congeladas, parando-os completamente. 

Foi uma demonstração tremendamente poderosa, mas os lacaios haviam sido criados de argila e eram resistentes a chamas e gelo. Mesmo congelados, não estariam sofrendo muito dano em relação às suas vidas.

Mas Kirito tinha uma resposta para isso, é claro. Com a mão ainda estendida, ele comandou: 

— Agora, vocês dois!

— Certo! — gritou Iskahn triunfante enquanto saltava. Sheyta seguiu seu exemplo.

— Raaaah! — Seu soco atravessou direto o corpo do lacaio à direita. 

Então, Sheyta usou a lateral da mão como uma lâmina improvisada para roçar o lacaio esquerdo em uma descida vertical.

Um momento depois, o lacaio direito explodiu em um milhão de pedaços, e o lacaio esquerdo se partiu em duas metades simétricas. Como ambos estavam congelados, nem uma única gota de seu sangue tóxico derramou.

Os guardas nos fundos aplaudiram, e Iskahn se virou com um sorriso exasperado, mas impressionado. 

— Você é ainda mais louco do que as histórias sobre você sugerem, Kirito. Sempre ouvi dizer que mesmo para os magos mais avançados, cinco elementos gerados por uma única mão era o máximo.

— Podemos conversar depois, Iskahn! — Kirito disse, interrompendo seus próprios elogios. Ele parecia ainda mais agitado agora do que quando estava dando ordens antes. 

— Os lacaios não estavam tentando roubar tesouros ou nos atacar. Quem quer que os tenha soltado estava apenas ganhando tempo!

Foi nesse ponto que o lampejo de inspiração anterior de Ronie se transformou em alarme tangível. O rosto de Sheyta também empalideceu.

— Oh, não! — ela murmurou, disparando. Ronie e Kirito passaram correndo pelos guardas como o vento e saíram em disparada do tesouro.

— Nós também vamos! — gritou Kirito.

Iskahn apertou suas roupas de dormir, que eram no estilo das usadas no império oriental, e começou a correr, seus pés descalços batendo no chão de obsidiana polida. 

— O-o que você quer dizer? — ele perguntou. — Distração de quê…?

— Acho que o que quer que o mago esteja procurando é algo muito mais precioso que joias — Kirito respondeu.

— Muito mais precioso…? — Iskahn repetiu. Seu olho de repente se arregalou em alarme. Ronie quase imaginou que ouviu seus cabelos ruivo-dourados se arrepiarem.

— Leazetta — o pugilista ofegou. Seus pés brilharam em um vermelho pálido.

Ele disparou do chão com um “bang!” deixando-o rachado como uma teia de aranha. Afastou-se dos outros dois com velocidade sobre-humana e alcançou as escadas alguns segundos atrás de Sheyta, que estava na liderança. Iskahn subiu saltando, pulando quatro ou cinco degraus de cada vez, Kirito seguindo logo atrás com um trabalho de pés suave.

Ronie correu o melhor que pôde, lutando contra um medo que ameaçava paralisar seu corpo. Ela subiu as escadas e correu para o corredor do quadragésimo nono andar, mas os outros três já estavam fora de vista. Ela apenas ouviu seus passos distantes.

Ela continuou correndo atrás deles, passando pelo quarto do bebê, para onde fora levada quando chegou ao palácio, e para o quarto no final do corredor, que presumivelmente era o quarto dos pais. Ela se precipitou pela porta aberta e sentiu um cheiro horrível picar suas narinas.

O quarto estava escuro, iluminado apenas por uma única lâmpada de minério, mas a grande moldura da janela quebrada, a poça escura de sangue em frente a ela e os dois guardas caídos eram claramente visíveis.

A poça miasmática de sangue, que provavelmente pertencia a um lacaio, espalhava-se sob os guardas caídos. Ambos respiravam, mas gemiam em agonia, seja por seus ferimentos ou pelo efeito do veneno. Apenas Iskahn era visível de outra forma.

— Gude! Gaihol! — gritou Iskahn, lançando-se em direção a eles. — O que aconteceu?!

Um dos guardas gesticulou para que ele recuasse com um aceno. 

— Não, Comandante, não toque nisso!

O outro fez uma careta, mais por amargo arrependimento do que por dor. 

— Um tempo depois que vocês dois desceram, ouvimos a janela quebrar… e quando entramos, um monstro negro estava lá. Quase conseguimos derrotar a criatura, mas, de repente, um mago sombrio estava na sala, lançando um feitiço de cegueira em Gude e em mim.

Quando o segundo guarda parou, ofegante, o primeiro continuou a história: 

— Ficamos cobertos pelo sangue do monstro, e isso minou nossa capacidade de nos mover. O mago pegou Leazetta da cama e saiu pela janela montado no monstro… e essa foi a última coisa que vi.

— Entendo — disse Iskahn, cerrando audivelmente a mandíbula.

No lado direito do quarto, havia uma cama de casal perto da parede, com um pequeno berço de criança do outro lado. Leazetta devia ter passado o dia no quarto do bebê, claro e ensolarado, antes de ir dormir com seus pais.

Aquele bebê adorável, de apenas três meses, fora sequestrado. Era um pensamento tão horrível que Ronie ficou paralisada de choque. Sheyta e Kirito voltaram para o quarto pelo terraço do outro lado da janela quebrada.

— Não conseguimos encontrá-los. Nenhuma resposta na arte de busca por elemento sombrio — Sheyta murmurou baixinho.

Kirito também balançou a cabeça.

— Também não consegui sentir nada — ele disse com desgosto. 

Então, ele se virou para os guardas caídos no chão e ergueu a mão, gerando elementos como fizera na sala do tesouro. Desta vez, não era o branco dos elementos de gelo, mas elementos de luz. Havia cerca de dez deles, que ele dividiu em dois grupos e pressionou contra os corpos dos guardas.

Um brilho quente envolveu os dois, e a maior parte do líquido preto acumulado no chão simplesmente desapareceu, como se evaporado pela luz. Os guardas esfregaram seus próprios corpos maravilhados, respirando pesadamente, e, então, se levantaram de um salto e curvaram-se profundamente para Sheyta e Iskahn.

— Comandante, Embaixadora, estamos totalmente envergonhados por nossa incapacidade de cumprir nosso dever!

— Fomos encarregados de proteger Leazetta com nossas vidas, e agora elas devem ser confiscadas como punição.

Iskahn estendeu a mão e agarrou os ombros dos dois homens.

— Nada disso vai trazer minha filha de volta. Prefiro ter a força de vocês na luta para trazer Leazetta de volta.

Apesar de seu coração provavelmente estar em pedaços, Iskahn manteve a voz sob controle e ergueu os homens de volta à posição vertical. 

— A primeira coisa que quero saber é sobre a aparência deste mago sombrio. Vocês viram um rosto? Ouviram uma voz?

— Bem… — disse o guarda mais alto, aquele chamado Gude — A figura usava um capuz preto puxado para baixo, escondendo o rosto… Não pude lhe dar nenhum detalhe sobre a voz do mago. Nem sequer consegui dizer se essa pessoa era homem ou mulher.

— Entendo — Iskahn mordeu o lábio.

Kirito assumiu o interrogatório. 

— Quantos minutos se passaram entre a fuga do mago pela janela e nós voltarmos para o quarto?

O guarda mais corpulento, Gaihol, respondeu: 

— Três… talvez apenas dois minutos.

— Dois minutos…? — Kirito repetiu, franzindo a testa. Ele olhou pela janela para o céu noturno.

Sheyta também ficou surpresa com isso. Ela murmurou: 

— Eles montaram em um lacaio ferido e desapareceram em apenas dois minutos?

De acordo com o que ensinavam nas palestras sobre artes sombrias na Grande Biblioteca, a velocidade de voo de um lacaio era equivalente à velocidade de corrida de um ser humano. Isso era quinhentos mels por hora no ar; então, qualquer que fosse a direção, parecia impossível que estivessem completamente fora de vista em apenas dois minutos, mas o mago sombrio talvez pudesse ter usado algum tipo de feitiço de ocultação. De qualquer forma, se Kirito e Sheyta não conseguiam encontrá-los, Ronie não tinha chance.

Atormentada pela sensação de futilidade, ela atravessou o quarto até a cama do bebê. O berço estava vazio, é claro, exceto por uma chupeta adorável e bichinhos de pelúcia de urso e dragão. A visão partiu seu coração em pedaços.

Ronie estava desviando o olhar da cama quando, por acaso, notou algo estranho que caíra sobre o brinquedo de pelúcia do dragão. Ela estendeu a mão para pegá-lo.

Era um maço de pergaminho, amarrado com um cordão vermelho. Isso claramente não era um brinquedo de criança.

— Hum… encontrei isto na cama — ela disse, estendendo o pergaminho.

Iskahn atravessou o quarto como um raio para pegá-lo. Ele arrebentou o cordão de aparência resistente com as pontas dos dedos e o abriu. O único olho bom do pugilista o encarou, e o ar escapou com dificuldade de sua garganta. Ele tropeçou e sentou-se na cama.

Sheyta arrancou o papel dele. O choque se espalhou pelas feições da cavaleira. Ela mordeu o lábio e o entregou a Kirito em seguida. Ronie ficou ao lado dele para poder ler as letras escuras no pergaminho.

Ao pôr do sol do vigésimo primeiro dia do segundo mês, o delegado espadachim do Conselho de Unificação Humana deve ser executado publicamente no grande coliseu pelo crime de tentativa de assassinato do comandante supremo do Território Sombrio, e sua cabeça deve ser enviada de volta ao Reino Humano. Se esta exigência não for cumprida, a cabeça de um bebê inocente será entregue ao Palácio de Obsidia.

— N… não……!

Ronie balançou a cabeça repetidamente. O vigésimo primeiro dia era hoje. Isso significava que tinham apenas treze ou catorze horas até o pôr do sol, o prazo para a execução.

Seu primeiro pensamento foi que Iskahn e Sheyta nunca deixariam Kirito ser executado. Mas, então, ela percebeu que a vida de sua amada filha recém-nascida estava em jogo. O que poderia ser mais importante para eles?

Ronie levou a mão à sua lateral esquerda sem pensar. Não havia espada ali. Como Kirito, ela deixara sua arma no quarto.

E mesmo que a tivesse consigo… se Iskahn e Sheyta fizessem o impensável e seguissem as exigências do sequestrador, ela conseguiria realmente lutar contra eles? Se Kirito e Ronie fugissem, Leazetta morreria.

Ela não conseguia imaginar abandonar aquele bebê doce e inocente a este destino horrível. Mas também era seu dever como guarda-costas proteger Kirito; ela não podia permitir que ele fosse executado. Era a última coisa que ela poderia fazer.

Ronie estava em conflito como nunca antes em sua vida. Queria olhar para o rosto de Kirito enquanto ele lia o pergaminho, mas não conseguia nem mexer o pescoço para virar.

— Hum… meu senhor… — gaguejou Gude, o guarda, encostado na parede com seu parceiro. Ele provavelmente estava curioso sobre o conteúdo do pergaminho, mas Iskahn apenas ergueu uma mão cansada e apontou para a porta.

— Gude, Gaihol, vão para o corredor e não deixem ninguém entrar.

— Sim, senhor!

Eles fizeram saudações no estilo do Território Sombrio; depois, seguiram para a porta. No caminho, Gaihol parou e se virou. 

— Hum, há mais uma coisa a relatar.

Os outros quatro se viraram para olhar para o guarda baixo, que encolheu seu pescoço curto para parecer ainda menor.

— Não é nada especialmente importante — ele continuou — mas… logo depois que o mago sombrio e o monstro saíram pela janela, senti como se tivesse ouvido um barulho estranho.

— Barulho…? Que tipo? — Sheyta perguntou.

Gaihol abriu e fechou a boca várias vezes, procurando as palavras certas. 

— Era como… um pilão de pedra girando, como um som de moagem…

— Pilão de pedra…? — repetiu Iskahn. Ele conhecia muito bem este castelo, mas não parecia ser uma ideia familiar para ele. Gaihol saudou novamente, saiu da sala com Gude e fechou a porta.

Um silêncio pesado preencheu o quarto até Kirito dizer: 

— Iskahn, Sheyta… Sinto muito. É minha culpa que isso tenha acontecido.

— Do que você está falando? Você não é responsável por isso — retrucou Iskahn da cama, apesar do fato de que devia estar fora de si de preocupação. 

— A culpa é minha. Deixei a guarda de Lea ser reduzida, e caí direto naquela distração. Mas… E odeio dar desculpas, mas os lacaios dos magos sombrios não deveriam conseguir voar até esta altura. Apenas os cavaleiros de dragão da cavalaria sombria conseguem chegar tão alto, mas eles são proibidos de se aproximar de qualquer ponto exceto a plataforma de pouso nos fundos. Então eu simplesmente presumi que ninguém conseguiria se esgueirar pela janela, vindo atrás de nós!

Suas mãos se fecharam sobre os joelhos a ponto de estalar. Sheyta caminhou até o marido e pousou uma mão esguia sobre a dele.

— Mesmo assim, fui eu quem convidou esta situação — repetiu Kirito, ainda segurando a carta de extorsão — Ronie reconheceu a possibilidade de que o assassinato no Reino Humano pudesse ter sido uma armadilha para me fazer viajar para Obsidia. Mas presumi que se eu viajasse para Obsidia em um único dia, qualquer conspiração que estivesse sendo tramada não conseguiria me alcançar. As pessoas que roubaram Leazetta estavam um passo à minha frente, no entanto… Eles tinham gente em ambas as terras, e têm um meio de comunicação mais rápido que um dragoncraft.

Dragon… craft? E você pode usar isso para viajar de Centoria a Obsidia em um dia? — Sheyta maravilhou-se.

— Sim. Mostrarei a você alguma hora. Mas sua filha vem primeiro… — Kirito disse. 

Ele olhou para o pergaminho novamente e continuou: 

— O propósito deles, presumo, é colocar o Reino Humano e o Reino Sombrio um contra o outro novamente. Se os ignorarmos, eles certamente cumprirão sua ameaça. Vou dar tudo de mim para recuperar Leazetta… mas se eu falhar em encontrá-la, então quero que vocês…

— Não diga isso! — retrucou Iskahn, impedindo Kirito de dizer “me executem”.

Ronie ouvira de Kirito e Asuna antes sobre como eles viajavam para o Underworld do mundo real. Eles se deitavam para descansar em um tipo de Objeto Divino chamado STL, que transportava suas almas, mas apenas suas almas, para o Underworld.

Por causa disso, se perdessem todo o seu valor de vida no Underworld, não morreriam. Suas almas retornariam ao mundo real, onde despertariam novamente.

Isso provavelmente estava na mente de Kirito agora. Mas se ele voltasse para o mundo real, provavelmente nunca mais conseguiria retornar ao Underworld, segundo os dois. Para Ronie — e para todas as outras pessoas que conheceram Kirito e compartilharam seu tempo com ele — isso significava que ele poderia muito bem estar realmente morto. O Reino Humano… todo o Underworld… ainda precisavam dele.

Ela não conseguia colocar em palavras a tempestade de pensamentos e emoções que a percorria; então, em vez disso, Ronie deu um passo para mais perto de Kirito e apertou a manga de sua camisa preta. Sheyta a viu fazer isso, e os cantos de sua boca suavizaram um pouquinho. Ela assentiu para Ronie para tranquilizá-la.

— Primeiro irei ao quartel-general da guilda dos magos sombrios no Distrito Norte. Tenho certeza de que foi um mago não afiliado que invadiu este quarto, mas se a fórmula dos lacaios foi aprimorada de alguma forma, talvez possamos desvendar o mistério a partir daí.

— Tudo bem. Eu vou com você. Se for só você, os malditos magos podem tentar se esquivar de contar a verdade — disse Iskahn, pulando de pé e pegando a tiara de prata da cabeceira da cama para colocá-la em sua testa.

Sheyta arrancou suas roupas de dormir e começou a se trocar, o que forçou Ronie a esconder os olhos alarmada.

Kirito, enquanto isso, olhava pela janela quebrada novamente. Ele mordeu o lábio pensativamente, imerso em pensamentos. O casal terminou de se trocar quando ele se virou e disse: 

— É possível que o mago e o lacaio que sequestraram Leazetta tenham retornado ao castelo por um andar diferente?

Iskahn franziu a testa e resmungou. 

— Hmm… Todas as janelas estão trancadas a esta hora, e se eles arrombassem uma para entrar, os guardas daquele andar notariam… mas se houver um traidor no palácio, eles poderiam abrir uma janela para deixá-los entrar.

Sheyta concordou com ele e acrescentou: 

— Faremos com que todos os guardas revistem o palácio inteiro.

— Ronie e eu podemos ajudar com isso? — Kirito pediu. Iskahn concordou sem hesitar.

— Por favor. Se houver mais lacaios por perto, precisaremos do seu poder. Pegue isto.

Ele abriu uma pequena gaveta no pé da cama, tirou um colar de prata e o jogou para Kirito, que o pegou com uma mão.

Iskahn apontou com o polegar para sua própria tiara. 

— Este é o sinal do comandante supremo militar, e aquele é o sinal de seu vice. Mostre isso e diga meu nome, e você pode se safar de quase tudo.

— Entendido. Obrigado — Kirito disse, colocando a corrente em volta do pescoço; dela pendia um pequeno pingente de prata com um brasão. 

Iskahn marchou até o espadachim com passos largos e segurou o ombro de Kirito.

— Por favor — ele disse simplesmente, a única palavra que precisava ser dita. 

Então, ele se virou e saiu correndo do quarto com Sheyta. A porta se abriu, depois se fechou e, como se fosse um sinal, os sinos das quatro horas tocaram suavemente sua melodia.

 


 

Tradução: Gabriella

Revisão: Fabio_Reis

 

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