Havia um cheiro no ar.
O fato de que eu ainda estava vivo me deixou em choque.
O ar que vinha para dentro do meu nariz continha várias informações. Primeiro, veio o cheiro forte de desinfetante. Depois, o cheiro de roupa seca ao sol. O doce aroma de uma fruta. O odor do meu próprio corpo.
Abri os olhos lentamente. Por um segundo, senti fortes raios de luz penetrando a minha mente, então rapidamente fechei os olhos de novo.
Algum tempo depois, tentei abri-los mais uma vez, hesitando um pouco. Uma dança turbulenta de cores. Foi só então que me dei conta da grande quantidade de líquido acumulado nos meus olhos.
Pisquei para tentar me livrar dele. Mas o líquido continuou a escorrer. Eram lágrimas.
Eu estava chorando. Mas por quê? Havia uma forte e profunda dor no meu peito, um sentimento de perda. Vozes continuavam a ecoar nos meus ouvidos, como se chamassem meu nome.
Apertei os olhos contra a luz forte e, de alguma forma, consegui me livrar das lágrimas.
Senti que estava deitado em algo macio. Consegui ver algo que parecia ser o teto. Havia fileiras de painéis beges, alguns deles brilhavam suavemente, como se houvesse luzes por trás deles. Do canto do olho, vi uma saída de ar de metal, que soprava ar, fazendo um barulho baixo.
Um ar condicionado… Ou seja, uma máquina. Como algo daquele tipo poderia existir ali? Nenhum ferreiro conseguiria criar uma máquina, não importava quão avançadas fossem suas habilidades. Se o que eu via era realmente uma máquina, então este lugar…
Não era Aincrad.
Eu abri bem os olhos. Minha mente despertou completamente por causa dessa ideia. Eu me apressei para me levantar, mas…
Mas meu corpo não obedecia de jeito nenhum. Eu não conseguia aplicar nenhuma força. Mesmo quando meu ombro direito conseguia se erguer alguns centímetros, ele caía de volta.
Só a minha mão direita conseguia se mover. Eu a ergui e a trouxe para diante dos meus olhos.
Por um segundo, não pude acreditar que aquele braço magro era meu. Seria impossível segurar uma espada com aquilo. Quando examinei a pele incrivelmente branca mais de perto, pude ver os pelos que a cobriam. Pude ver as veias azuladas que corriam por baixo dela e as dobras nas articulações. Parecia assustadoramente real. Tão biológico que parecia anormal.
Na parte interna do pulso, um pedaço de fita adesiva segurava uma agulha no lugar, e ela estava ligada a um longo tubo que parecia ser usado para injetar algo. Meus olhos seguiram a extensão do tubo e chegaram a uma bolsa transparente, pendurada em um gancho prateado. A bolsa ainda tinha três quartos de um líquido laranja que pingava continuamente.
Tentei mover o braço esquerdo e recuperar a sensação de toque. Parecia que eu estava completamente nu, deitado em uma cama feita de uma espécie de gel de alta densidade. Como sua temperatura estava um pouco abaixo da minha, eu conseguia sentir sua frieza gradualmente penetrando minha pele. De repente, uma memória apareceu em minha mente. Eu tinha visto uma vez no noticiário que haviam desenvolvido esse tipo de cama para pacientes que não podiam se mexer. Ela conseguia prevenir infecções de pele e eliminar resíduos corporais.
Olhei em volta. Era um quarto pequeno. As paredes eram da mesma cor branca do teto. Havia uma grande janela à minha direita com cortinas alvas fechadas sobre ela. Eu não podia ver a vista do lado de fora, mas podia ver o brilho amarelo do sol entrando pelo tecido. Um carrinho de metal estava do lado esquerdo da cama de gel e havia uma cesta de vime sobre ele. Havia um buquê de flores simples dentro da cesta, que parecia ser a fonte do aroma adocicado. Atrás do carrinho, uma porta retangular fechada.
Com base naquelas informações, eu estava em um quarto de hospital e era o único no local.
Voltei a olhar meu braço erguido e tive um pensamento repentino. Balancei o braço com o indicador e o dedo médio esticados.
Nada aconteceu. Não apareceu nenhum efeito sonoro ou janela de menu. Fiz o mesmo movimento mais uma vez, com mais força. E mais uma vez. O resultado era sempre o mesmo.
Isso queria dizer que ali realmente não era SAO. Então era algum outro mundo virtual?
Mas as informações que recebia através dos cinco sentidos gritavam que havia outra possibilidade. Ali… Era o mundo real. Era o mundo que tinha deixado há dois anos e não esperava ver nunca mais.
O mundo real… Levei um bom tempo para entender o verdadeiro significado dessas simples palavras. Para mim, o mundo de espadas e batalhas havia sido o meu único por muito tempo. Eu ainda não conseguia acreditar que aquele mundo não existia mais, que eu não estava mais lá.
Então eu tinha voltado?
Mas, mesmo quando pensei nisso, não conseguia me sentir feliz, nem nada. Tudo o que conseguia sentir era um pouco de confusão e uma sensação de perda.
Era essa a recompensa por ter terminado o game? Eu claramente havia morrido dentro do jogo e meu corpo havia desaparecido. Eu já havia aceitado isso. Estava até satisfeito com o fato.
É… Não teria problema se eu tivesse simplesmente desaparecido naquela luz ofuscante. Se eu tivesse me dissolvido, dissipado e dispersado com o resto daquele mundo, com ela…
— Ah…
Soltei um som sem perceber. Uma dor cortante passou pela garganta que eu não havia usado em dois anos. Mas não dei a mínima. Eu abri bem os olhos e pronunciei o nome que surgiu na minha mente.
— A… su… na…
Asuna. A dor gravada no meu peito queimou novamente. Asuna, minha amada esposa, que tinha visto o fim do mundo junto comigo…
Fora tudo um sonho…? Uma bela ilusão que vira no mundo virtual…? Esses pensamentos confusos surgiram em minha mente.
Não, ela existira. Era impossível que todos aqueles dias que tínhamos passado rindo, chorando e dormindo juntos fossem um sonho.
Kayaba disse: “Parabéns por terminarem o jogo, Kirito e Asuna”. Ele com certeza tinha dito isso. Se ele me incluíra na lista de sobreviventes, então Asuna também deveria ter voltado para este mundo.
Assim que tive esse pensamento, todo meu amor e loucura por ela transbordaram dentro de mim. Eu queria encontrá-la. Eu queria tocar seu cabelo. Eu queria beijá-la. Eu queria ouvi-la chamando meu nome.
Forcei os músculos do meu corpo e tentei me levantar. Foi só nesse momento que percebi que minha cabeça estava presa. Eu apalpei abaixo do meu queixo e desfiz a trava que havia ali. Havia algo pesado na minha cabeça. Usei ambas as mãos para conseguir tirá-lo.
Sentei e encarei o objeto em minhas mãos. Era um capacete azul-escuro bem liso. Um cabo da mesma cor saía da parte de trás e continuava até o chão. Era… Nerve Gear.
Eu tinha ficado preso naquele mundo por dois anos por causa disto. Ela estava desligada. Minha última memória dela era de um capacete brilhante, mas agora sua cor estava desbotada. Partes da tinta tinham saído e dava para ver a liga de metal da qual era feita.
Todas as minhas memórias daquele mundo estão dentro disto. Eu fui invadido por esse pensamento e acariciei a superfície do capacete.
Acho que nunca mais vou colocá-la de novo na cabeça. Mas ela serviu bem ao seu propósito…
Eu murmurara mentalmente aquelas palavras antes de colocá-la sobre a cama. Os dias em que lutei ao lado dela já faziam parte do passado. Havia outra coisa que eu precisava fazer neste mundo.
De repente tomei consciência dos sons do lado de fora. Quando prestei atenção, pude ouvir vários barulhos, parecia que minha audição finalmente havia voltado ao normal.
Eu definitivamente estava ouvindo o som de pessoas conversando e gritando. Também ouvia o som de passos apressados e de rodas de macas sendo arrastadas.
Não havia como saber se Asuna estava naquele mesmo hospital. Jogadores de SAO vinham de todo o Japão, então as chances de ela estar ali eram mínimas. Mas eu começaria a minha busca por ali. Não importava quanto tempo levasse, eu iria encontrá-la.
Tirei o cobertor de cima de mim. Havia vários fios espalhados por todo meu corpo. Talvez fossem eletrodos colocados para desacelerar a atrofia dos músculos. Consegui tirar todos eles. Uma lâmpada de LED laranja piscou no painel na beira da minha cama e um alarme começou a tocar, mas eu ignorei tudo aquilo.
Arranquei a agulha do soro e finalmente libertei meu corpo. Então, coloquei o pé no chão e experimentei aplicar força nele, na tentativa de ficar de pé. Meu corpo se ergueu bem pouquinho, mas logo senti que meu joelho não aguentaria e isso me fez sorrir amargamente. Não havia mais nem sombra da minha força sobre-humana.
Eu agarrei o suporte do soro para me apoiar e finalmente consegui ficar de pé. Depois de olhar em volta do quarto, vi que, sobre o mesmo carrinho onde estava a cesta de flores, havia uma bata hospitalar dobrada.
Depois de completar aquelas simples ações, minha respiração estava ofegante. Os músculos que haviam ficado fora de uso já protestavam de dor. Mas eu não poderia reclamar tão fácil.
Rápido, rápido. Podia ouvir uma voz que insistia que eu fosse adiante. Meu corpo inteiro ansiava por ela. Minha luta não estaria acabada até que eu tivesse Asuna — Asuna Yuuki — nos meus braços.
Com a mão apertando o suporte em vez de uma espada, apoiei meu corpo contra ele e dei o primeiro passo em direção à porta.
Sword art online: Aincrad volume 1 – Fim
Tradução: Axios
Revisão: Alice
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