De repente, um som alto, que parecia o tilintar de um sino, ou melhor, o ressoar de um alarme, ribombou por todo lado, fazendo com que eu e Klein pulássemos de susto.
— Mas…
— O que é isso?!
Ambos gritamos ao mesmo tempo, então nos encaramos, os olhos arregalados.
Tanto eu quanto o Klein estávamos imersos em um pular de brilho azulado. A pradaria do lado de fora do pilar de luz ficava cada vez mais desfocada.
Eu já havia presenciado esse fenômeno inúmeras vezes durante o período de beta. Era um “Teleporte” causado por um item de locomoção. Mas eu não tenho nenhum item do tipo e nem recitei o comando. Mesmo que seja um transporte forçado pelos administradores, por que eles não anunciaram antes?
Enquanto minha mente se agitava entre pensamentos, a luz que me envolvia pulsou mais uma vez e então fui engolido pela escuridão.
Assim que a luz azul se dissipou, o cenário à minha volta ficou claro novamente. Contudo, eu já não estava mais no gramado banhado pelo pôr do sol.
Uma grande rua pavimentada com pedras. Ruas medievais ladeadas de postes de iluminação e um enorme castelo irradiando uma luz negra ao longe.
Sem dúvidas algumas, aquela era a praça central da Cidade do Início, onde ficava o ponto de partida do jogo.
Voltei-me para Klein, que estava boquiaberto ao meu lado. Então, ao mesmo tempo, olhamos em volta para a multidão que estava ali.
Havia uma grande diversidade de homens e mulheres deslumbrantes, com equipamentos e cores de cabelo de todo tipo. Todos, certamente, jogadores de SAO, assim como eu. Havia algumas milhares — não, umas dez mil pessoas ali. Era possível que todo mundo que estava logado ao mesmo tempo que eu e Klein também tivesse sido transportado para cá.
Passando alguns instantes, a multidão se calou e começou a olhar em volta.
Então, deu-se origem a um burburinho que logo em seguida aumentou de volume. Coisas como “O que tá acontecendo?”, “Vou conseguir sair agora?” e “Vai logo!” chegavam aos poucos aos meus ouvidos.
À medida que os jogadores foram ficando mais impacientes, gritos descontentes de “Isso só pode ser brincadeira!” e “Aparece logo, GM!” podiam ser ouvidos.
Então, de repente, alguém gritou, fazendo-se ouvir apesar do barulho em volta.
— Ah… Olhem lá em cima!!!
Eu e Klein instintivamente olhamos para cima. Uma visão incomum nos recebeu.
Cem metros acima de nós, o piso do segundo andar estava coberto por um padrão xadrez escarlate.
Prestando atenção, percebi que o padrão na verdade era formado por duas frases em inglês, escritas em vermelho, que se cruzavam entre si. As frases eram: [Warning] e [System Announcement].
Depois de passado o susto, pensei: Ah, finalmente os administradores vão fazer um anúncio, e relaxei um pouco da tensão nos ombros. O ruído na praça cessou e eu senti todos atentos ao que estava prestes a ser dito.
Mas o que aconteceu em seguida traiu completamente minhas expectativas.
Um líquido parecido com sangue começou a pender lentamente a partir do centro do padrão. Ele escorria lentamente, como se quisesse enfatizar sua viscosidade, mas a gota não caiu. Em vez disso, começou a mudar de forma em pleno ar.
O que apareceu foi uma figura humana encapuzada, vestida de escarlate, medindo cerca de vinte metros de altura.
Não, não era bem isso. De onde estávamos olhando, dava para ver claramente dentro do capuz, mas não havia nenhum rosto. Estava completamente vazio, via-se o forro e o bordado verde dentro dele. O mesmo se passava dentro do manto: tudo o que podíamos ver eram sombras.
Eu já tinha visto aquela roupa antes. Durante o período de teste, aquela era a vestimenta que os funcionários da Argus que agiam como GMs usavam. Mas, naquela época, os homens tinham a figura de um velho mago com uma longa barba branca, e as mulheres tinham o avatar de uma menina de óculos. Talvez usassem o manto por falta de tempo para preparar um avatar de verdade, mas o vazio sob o capuz vermelho me deu uma sensação inexplicável de ansiedade.
Os inúmeros jogadores à minha volta devem ter sentido o mesmo.
— Aquilo é um GM?
— Por que é que ele não tem rosto? — foram alguns dos murmúrios que ouvi.
Então, de repente, como se quisesse calar todas aquelas vozes, o braço direito do manto gigante se moveu.
De dentro da longa manga surgiu uma luva branca. Mas, assim como o resto da figura, não havia nada que conectasse a luva ao corpo e nenhum vestígio de algo material por baixo da roupa.
Em seguida, o braço esquerdo também se ergueu lentamente. Com ambos os braços estendidos acima das cabeças de dez mil jogadores, a figura sem face abriu a boca — ou pelo menos foi o que pareceu. Então, uma voz masculina grave e calma ressoou vindo do alto.
Prezados jogadores, sejam bem-vindos ao meu mundo.
Não consegui entender direito na hora.
“Meu mundo”? Se o manto vermelho era mesmo um GM, ele na certa tinha poderes divinos neste universo, podendo mudar a estrutura do jogo como bem entendesse, mas pra que falar disso agora?
Eu e Klein trocamos olhares atônitos. O capuz vermelho abaixou os braços e continuou a falar.
— Meu nome é Akihiko Kayaba. Sou a única pessoa que tem o poder de controlar este mundo.
— Quê…?!
Devido ao choque, a garganta do meu avatar, e acho que até mesmo a garganta do meu corpo no mundo real, parou de funcionar por um instante.
Akihiko… Kayaba!
Eu conhecia aquele nome. Não tinha como não conhecer.
Alguns anos atrás, a Argus era apenas uma pequena empresa de jogos em meio a muitas outras, mas o responsável por torná-la esse gigante do mercado que ela é hoje foi esse jovem que, além de designer de jogos, era também um gênio no campo da física quântica.
Ao mesmo tempo que ele era o diretor de desenvolvimento de SAO, ele também foi responsável pela criação da Nerve Gear.
Eu, como um gamer hardcore, sentia uma profunda admiração por Kayaba. Comprei todas as revistas nas quais ele apareceu e li suas poucas entrevistas tantas e tantas vezes que quase as sabia de cor. Só de ouvir sua voz, eu praticamente conseguia vê-lo no jaleco branco que sempre vestia.
Mas ele sempre evitou ficar sob os holofotes da mídia, trabalhando nos bastidores. Ele nunca nem tinha atuado como GM antes — então por que estava agindo daquele jeito?!
Eu havia congelado feito um poste e minha mente estava prestes a parar de funcionar, mas forcei meus pensamentos a circularem, para conseguir extrair algum sentido de toda aquela situação. Mas as palavras que saíram daquele capuz vazio pareciam zombar dos meus esforços.
— Prezados jogadores, imagino que já tenham notado o sumiço do botão de logout do menu principal. Isso não é um erro do sistema. Vou repetir: isso não é um erro do sistema, mas sim parte das especificações de Sword Art Online.
— E… Especificações? — Klein disse, a voz falha.
O anúncio em voz grave prosseguiu, como se quisesse abafar o ruído das vozes.
— Até que atinjam o topo do castelo, nenhum de vocês poderá sair do jogo por vontade própria.
Na hora, não consegui entender o que ele quis dizer com “castelo”. Onde é que tinha um castelo na Cidade do Início?
As minhas dúvidas foram sanadas com o que o Kayaba disse logo em seguida.
— Além disso, a paralisação ou o desligamento do Nerve Gear por terceiros também está proibida. Caso haja alguma tentativa…
Por um instante, todas as dez mil pessoas prenderam a respiração. Talvez tenha sido por causa do silêncio quase insuportável, mas as palavras que ele disse depois pareciam sair mais lentamente.
— …os sensores de sinais de sua Nerve Gear irão emitir um potente pulso eletromagnético e destruir o seu cérebro, paralisando todas as suas funções vitais.
Eu e Klein nos encaramos por alguns segundos em choque.
Era como se a minha mente se recusasse a acreditar no que eu havia acabado de ouvir. Mas a breve declaração de Kayaba me atingiu dos pés à cabeça com uma intensidade e dureza tremendas.
Destruir os nossos cérebros.
Em outras palavras, ele vai nos matar.
Se alguém desligar a energia da Nerve Gear ou desconectar a trava, ele vai matar o usuário. Fora aquilo que Kayaba acabara de declarar.
Murmúrios começaram a surgir aqui e ali em meio à multidão, mas não havia ninguém gritando ou enraivecido. Todos, assim como eu, ou ainda não conseguiam entender o que havia acabado de ser dito, ou então se recusavam a acreditar.
A mão direita de Klein se ergueu lentamente. Ele estava tentando tocar o lugar onde o capacete estaria no mundo real. Logo em seguida, ele soltou um riso seco.
— Há, há… O que esse cara tá falando? Ele ficou louco? Não tem como isso acontecer, a Nerve Gear… É só um acessório de jogo. Não tem como isso… Destruir o nosso cérebro. Não é, Kirito?!
A última parte foi dita em um grito rouco. Klein estava praticamente me perfurando com seu olhar, mas não consegui mover minha cabeça em sinal de concordância.
Dentro do capacete da Nerve Gear havia inúmeros sensores de sinais que emitiam pequenos pulsos eletrônicos e enviavam sinais sensoriais falsos ao cérebro.
Pode-se dizer que era o mais novo exemplo de ultratecnologia existente, mas o mesmo princípio básico tem sido usado nos últimos quarenta anos em um certo aparelho domesticado presente nas casa japonesas: o micro-ondas.
Se tiver a quantidade suficiente de corrente elétrica, a Nerve Gear pode atirar as moléculas de água no nosso cérebro e acabar fritando-o com o calor gerado pela fricção. Contudo…
— Teoricamente, não é impossível, mas… É óbvio que é um blefe. Se a Nerve Gear for tirada da tomada, não tem como ela enviar nenhum tipo de corrente elétrica. A menos que tenha algum tipo de bateria… embutida…
Klein provavelmente entendeu por que eu parei de falar.
Sua voz era quase um lamento, um gemido, sua figura alta agora diminuta e seu belo rosto, uma expressão vazia.
— Mas… Tem. Eu ouvi dizer que trinta por cento do peso dela são células de bateria. Mas… Isso é loucura! O que acontece se a força acabar de repente?!
Então, como se estivesse ouvindo o grito de Klein, a figura de Kayaba, lá de cima, voltou a falar.
— Mais especificamente, em casos de corte de energia externa maior que dez minutos, desconexão da linha de rede maior do que duas horas ou tentativa de destravar, desmontar ou destruir a Nerve Gear, o processo de destruição cerebral se iniciará automaticamente. Essas condições já foram notificadas ao Governo e aos veículos de comunicação. A propósito, já há um número considerável de casos em que familiares e amigos de usuários ignoraram os avisos e tentaram se livrar da Nerve Gear. Os números oficiais são…
A voz metálica que reverberava por toda a praça tomou um segundo para respirar.
— …infelizmente, duzentos e treze jogadores deixaram para sempre não apenas Aincrad, mas também o mundo real.
Em algum lugar, apenas um grito de desespero foi ouvido. Entretanto, a maioria dos jogadores não conseguia acreditar, ou preferia não acreditar no que havia acabado de ouvir, enquanto todos permaneciam parados com olhares distraídos ou sorrisos amargos nos rostos.
Meu cérebro também tentou rejeitar o que Kayaba havia acabado de falar. Mas meu corpo me traiu e meus joelhos começaram a tremer violentamente.
Dei alguns passos para trás, aos tropeços, os joelhos fracos e, de alguma forma, consegui não cair. Klein, no entanto, tinha caído sobre o próprio traseiro, seu rosto prostrado.
Duzentos e treze jogadores já se foram.
Esse único fragmento ficou se repetindo de novo e de novo na minha cabeça.
Se o que Kayaba tinha dito fosse verdade, queria dizer que mais de duzentas pessoas já morreram até agora?
Dentre eles, provavelmente havia outros beta testers assim como eu. Poderia haver gente que eu conhecia o nome de usuário e a aparência do avatar. E essas pessoas morreram porque tiveram o cérebro frito pela Nerve Gear — fora isso que o Kayaba dissera?
— Não acredito… não acredito de jeito nenhum.
Klein disse, rouco, ainda sentado no chão de pedra.
— Ele só tá ameaçando a gente. Não tem como ele fazer isso. Para de ficar tirando com a nossa cara e tira a gente daqui! Eu não tenho todo o tempo do mundo pra ficar participando desse tipo de evento. É… É tudo um evento. É só um teatrinho pro lançamento do jogo. Né?
Por dentro, eu gritava exatamente a mesma coisa.
Mas como se quisesse acabar com as esperanças de todos os jogadores, a voz pragmática de Kayaba voltou a falar.
— Prezados usuários, não há necessidade de se preocupar com o corpo que deixaram do lado de lá. Neste exato momento, todos os veículos de informação de TV, rádio e internet estão noticiando repetidamente a situação atual, incluindo o número de mortos. O risco de suas Nerve Gear serem desconectadas e, consequentemente, de morrerem, diminuiu consideravelmente. Em alguns instantes, usando as duas horas que dei, seus corpos do mundo real serão transportados para hospitais e outras instituições similares e receberão o melhor tratamento possível. Agora poderão relaxar… E se concentrar em vencer o jogo.
— Quê…
Então, finalmente, eu comecei a berrar.
— O que você tá falando?! Vencer o jogo?! Você quer que a gente fique jogando numa boa numa situação dessas?!
Eu continuei gritando, encarando a gigante figura em um manto escarlate flutuando logo abaixo do teto do primeiro andar.
— Isso aqui já deixou de ser um jogo!
Então, novamente, como se estivesse me escutando, Akihiko Kayaba começou a fazer um anúncio em voz baixa, num tom monótono.
— Mas eu gostaria de pedir a compreensão de todos. Sword Art Online já não é mais um simples jogo. Podemos dizer que é uma segunda realidade… A partir de agora, nenhum método para reviver o seu personagem vai funcionar. No momento em que o seu HP chegar em zero, seu avatar será eliminado permanentemente, e, ao mesmo tempo…
Eu conseguia prever claramente o que ele diria em seguida.
— …terá o cérebro destruído pela Nerve Gear.
De repente, senti uma vontade incontrolável de dar risada vinda do fundo do meu âmago, mas pude contê-la.
Uma longa linha horizontal estava brilhando em azul no canto superior esquerdo do meu campo de visão. Quando ajustei melhor o foco, os números 342/342 podiam ser vistos em cima dessa barra.
Hit points. O que me restava de vida.
No momento em que o valor chegasse a zero, eu morreria de verdade — segundo Kayaba, meu cérebro seria frito por micro-ondas eletromagnéticas.
Aquilo com certeza era um jogo. Uma brincadeira que podia custar sua vida. Ou seja, um jogo da morte.
Eu devia ter morrido umas cem vezes durante os dois meses do beta de SAO. Revivia com um sorriso constrangido no palácio ao norte da praça principal, o Palácio do Ferro Negro, e então voltava correndo para a área de caça de novo.
RPG é isso. É um tipo de jogo em que você morre várias e várias vezes, aprende com os erros e sobe de nível. Mas não dava mais pra fazer isso? Você morria uma vez e perdia a própria vida? E, além disso, não tinha nem como parar de jogar?
— Ridículo — grunhi baixinho.
Quem iria se arriscar com aquelas condições? Mas é claro que todos iam se abrigar nas cidades, onde era seguro.
Então, como se lesse minha mente e provavelmente a de todos que estavam ali, a próxima mensagem foi dada.
— A condição para que todos sejam libertados do jogo é apenas uma. Como disse anteriormente, basta chegar até o centésimo andar, no todo de Aincrad, e derrotar o chefe que se encontra lá. Eu garanto que, no mesmo instante, todos os jogadores que ainda estiverem vivos serão automaticamente ejetados do jogo.
Dez mil jogadores ficaram em absoluto silêncio.
Foi então que finalmente entendi o que Kayaba dissera no começo com “chegar ao todo deste castelo”.
“Este castelo” referia-se àquela monstruosidade que engolira todos os jogadores em seu primeiro andar e mantinha-se flutuando com outros noventa e nove andares empilhados um por cima do outro. Ele estava falando de Aincrad.
— Passar… Por todos os cem andares?!
Klein gritou de repente, ele se levantou em um pulo e ergueu o punho em direção ao céu.
— I-Isso é impossível! Ouvir dizer que subir os andares já foi difícil durante o período de teste!
Ele tinha razão. Durante os dois meses do período de teste, os mil jogadores que foram recrutados conseguiram chegar só até o 6º andar. Agora, no servidor oficial, cerca de dez mil jogadores estavam lotados, mas quanto tempo levaria até conseguirmos chegar ao último andar?
A maioria dos jogadores que foram forçados a vir até aqui provavelmente estavam fazendo a mesma pergunta sem resposta. O silêncio foi aos poucos sendo deixado de lado. Mas eu não ouvia nada que lembrasse medo ou desespero.
Talvez a maioria ainda não tivesse percebido que tudo isso era um “risco real” e não uma “superprodução de lançamento do jogo”. As palavras de Kayaba possuíam um peso tão terrível que era difícil de acreditar que eram reais.
Eu olhei para cima, em direção ao céu, e enquanto encarava o manto escarlate, tentei forçar minha mente a aceitar os fatos.
Eu não vou mais conseguir sair do jogo. Eu não vou poder voltar ao quarto que deixei no mundo real, à minha vida. Eu só vou conseguir voltar quando alguém derrotar o último chefe que se encontra no topo deste castelo flutuante. Até lá, se o meu HP chegar a zero pelo menos uma vez, eu morro. Eu morro de verdade e a pessoa que eu sou vai deixar de existir para sempre.
No entanto…
Eu não conseguia engolir nenhuma daquelas informações, não importava o quanto eu me esforçasse. Há apenas cinco, seis horas, eu comera o almoço que a minha mãe fizera, conversara um pouco com a minha irmã e subira as escadas de casa.
Eu não poderia mais voltar pra lá? Isso tudo era mesmo real?
O capuz vermelho, que estava sempre a um passo à nossa frente, moveu rapidamente o braço direito e declarou com uma voz totalmente destituída de sentimento:
— Por último, vou provar que, para vocês, essa é a única realidade que existe. No inventário de cada um haverá um presente preparado por mim. Chequem, por favor.
Ao ouvir isso, quase que por reflexo, juntei dois dedos da mão direita e, com eles voltados para o chão, fiz um movimento de arrastá-los para baixo. À minha volta, os outros jogadores também deviam ter repetido a mesma ação, pois fomos inundados pelo efeito sonoro de sinos eletrônicos.
Apertei o botão de inventário no menu principal e o item apareceu no topo da minha lista de pertences.
O nome dele era “Espelho de mão”.
Imaginando por que aquilo estava ali, apertei o nome do item, e na pequena janela que apareceu, cliquei na opção “materializar”. Imediatamente, acompanhado de um efeito sonoro agudo, um pequeno espelho retangular apareceu.
Agarrei o objeto com certa hesitação, mas nada aconteceu. A figura que me encarou de volta quando chequei meu reflexo era apenas o avatar que tive tanto trabalho para criar.
Inclinei a cabeça e olhei para Klein, ao meu lado. O samurai de aparência robusta também encarava o espelho com uma expressão atordoada.
Então…
Klein e os demais avatares ao redor foram todos envolvidos por uma luz branca. Assim que percebi o que estava acontecendo, também fui engolido pela mesma luz e minha visão ficou ofuscada.
Passados uns dois, três segundos, o brilho se apagou e tudo voltou ao normal…
Não.
O Klein que estava à minha frente não tinha o mesmo rosto com o qual havia me acostumado.
A armadura de chapas de metal, a bandana brega e os cabelos espetados ainda eram os mesmos. Mas seu rosto havia mudado completamente. Seus olhos amendoados tornaram-se esbugalhados e caídos. Seu nariz alto e delicado tornou-se longo e aquilino. Uma barba esquálida brotava de seu queixo e de suas bochechas. Se o avatar antigo era um jovem samurai bem-apessoado, sua imagem atual era a de um guerreiro derrotado — ou melhor, de um ladrão.
Esqueci a situação toda por um momento e murmurei:
— Quem… é você?
Então as mesmas palavras me foram devolvidas por esse homem totalmente desconhecido.
— Ei… Quem é você?
Nessa hora, tive um certo pressentimento e foi então que finalmente entendi o significado por trás do presente de Kayaba, o Espelho de Mão.
Eu o ergui rapidamente e o rosto que me encarava de volta…
Cabelo preto num estilo bem arrumado. Dois olhos que indicavam certa fraqueza por trás de uma franja longa. Um rosto fino e delicado que fazia com que as pessoas me confundissem com uma menina quando eu saía com a minha irmã vestindo roupas casuais.
A robustez do jovem guerreiro “Kirito” de alguns segundos atrás já não estava mais lá. O que havia dentro do espelho…
O meu verdadeiro rosto, o qual eu evitava o máximo que podia.
— Sou… Sou eu…
Klein, que também encarava o espelho do meu lado, caiu para trás.
Nós dois nos encaramos mais uma vez e gritamos ao mesmo tempo:
— Você é o Klein?!
— Você é o Kirito?!
O tom das nossas vozes também eram diferentes, o efeito de mudança delas provavelmente também havia parado de funcionar, mas não era hora para pensar nisso.
Os espelhos caíram das nossas mãos, atingindo o chão e desapareceram, acompanhados de um efeito sonoro baixinho de algo sendo quebrado.
Olhei em volta novamente, já não havia mais aquela multidão de pessoas atraentes que pareciam ter saído de um jogo de fantasia. O que havia era um grupo de jovens com aparência real, o que você imagina que aconteceria se pegasse o público de uma convenção de jogos e os colocasse em armaduras e elmos. Surpreendentemente, a proporção de homens e mulheres também mudou completamente.
Como isso era possível? Os avatares que eu, Klein e possivelmente a maioria dos outros jogadores tiveram tanto trabalho para fazer foram trocados por nossas aparências reais. É claro que a textura ainda era meio estranha, parecida com modelos feitos de polígonos, mas ainda assim era medonhamente preciso. Era como se tivéssemos passado por um scanner de corpo inteiro.
— Scanner…
— …É isso!
Eu olhei para Klein e forcei minha voz a sair.
— A Nerve Gear tem sensores de alta densidade que cobrem a cabeça inteira. Ela não só consegue captar nossas funções cerebrais, mas também o formato do nosso rosto…
— Mas, mas então… Como é que ele sabe a nossa altura… O nosso tipo físico?
Klein falou baixinho, olhando silenciosamente em volta.
A média de altura dos outros jogadores, que agora olhavam para os próprios rostos e os dos demais quem volta com uma variada gama de expressões, diminuíra bastante, comparada com o momento anterior à “mudança”. Eu, e muito provavelmente Klein também, mantive a altura do meu avatar igual à do meu corpo real, pensando que a diferença de tamanho poderia afetar os meus movimentos, mas a maioria dos jogadores parecia ter adicionado uns dez, vinte centímetros à sua verdadeira altura.
Não era só isso. O tipo físico e a largura dos jogadores aumentaram também. Mas esse tipo de coisa não teria como ser detectado pela Nerve Gear, que só escaneava a cabeça.
Foi Klein quem respondeu à minha pergunta.
— Ah… Espera. Eu comprei a minha Nerve Gear ontem, então ainda lembro. Na hora de fazer a configuração, tive que… Calibrar? Pediram para tocar em vários pontos do corpo. Acho que foi isso…
— Ah, aaa, é… É, teve isso…
A Calibração servia para a Nerve Gear saber “o quanto você tem que mover o braço para tocar o próprio corpo”. Isso servia para que as sensações de movimento fossem propriamente reproduzidas. Mas parece que na verdade era para armazenar dados sobre o físico dos jogadores dentro do sistema.
É possível, então, neste universo de SAO, criar modelos de polígonos dos usuários praticamente idênticos à sua imagem real.
E o propósito por trás disso parecia bem claro agora.
— Realidade… — murmurei. — Foi o que ele disse antes. Que isso é a realidade. Este avatar… E o HP. Agora esses são nossos corpos e nossa vida de verdade. O Kayaba reproduziu nossa aparência pra fazer a gente acreditar que isso é real…
— Mas… Mas Kirito…
Coçando a cabeça e com um brilho nos olhos quase escondidos pela bandana, Klein gritou:
— Quê?! Mas por que raios…?!
Não respondi à sua pergunta. Em vez disso, apontei para o céu acima de nós.
— Espere mais um pouco. Com certeza ele vai te responder.
Kayaba não traiu as minhas expectativas. Alguns segundos depois, do céu tingido pela cor de sangue, veio uma voz que se podia definir como austera.
— Agora, vocês devem estar se perguntando “Por quê?”. Por que eu, Akihiko Kayaba, desenvolvedor de SAO e da Nerve Gear, fiz isso? É algum tipo de ataque terrorista? Estou sequestrando vocês em troca de alguma recompensa?
Foi nesse momento que a voz de Kayaba, que até então soava neutra, demonstrou algum sinal de emoção. Eu acabei inapropriadamente pensando na palavra “admiração”, mas isso não fazia sentido.
— O meu objetivo não é nada parecido com isso, Ou melhor, agora, não tenho mais nenhuma razão ou propósito por trás dessa ação. Afinal… A presente situação em si era o meu último objetivo. Criar e observar este mundo foram as únicas razões para eu ter criado a Nerve Gear e SAO. E agora, está tudo feito.
Então, logo após uma curta pausa, a voz de Kayaba voltou a falar. Desta vez, novamente destituída de emoção:
— Agora, encerro o tutorial oficial de Sword Art Online. Prezados jogadores, eu lhes desejo boa sorte.
A última frase pairou no ar por um tempo, com um leve eco.
O capuz vermelho subiu no ar sem fazer som algum e começou a se fundir na mensagem do sistema que aparecia no céu, como se derretesse nela.
Os ombros, o peito e então as mãos e pés afundaram na superfície da cor de sangue. Por fim, uma pequena mancha se espalhou. Da mesma forma como apareceu, repentinamente, a mensagem que cobria o céu desapareceu.
Sobre o céu da praça, dava para ouvir o som do vento soprando e a música de fundo tocada por uma orquestra de NPCs, que aos poucos chegava aos nossos ouvidos.
O jogo voltou ao seu estado anterior. Tirando o fato de que algumas das regras haviam mudado.
Então… finalmente.
A multidão de dez mil jogadores mostrou a reação apropriada.
Os gritos da multidão que reverberavam pela praça fizeram o chão tremer.
— É mentira… Só pode ser mentira!
— Chega de piada! Deixa eu sair! Me deixa sair daqui!
— Não pode ser! Eu tenho um compromisso marcado!
— Nããão! Deixa eu voltar! Deixa eu voltaaaaaar!
Brados. Bramidos. Berros. Vaias. Súplicas. E gritos.
As pessoas, que em um intervalo de alguns minutos foram de simples jogadores a prisioneiros, curvaram-se, segurando as cabeças, jogaram as mãos para o alto, abraçaram-se ou então começaram a xingar.
Enquanto ouvia os inúmeros gritos à minha volta, minha mente estava estranhamente calma.
Isto aqui é a realidade.
Tudo o que Akihiko Kayaba falou é verdade. Aquele homem foi capaz de fazer uma coisa dessas. Não seria estranho se o fizesse. Essa genialidade era um dos lados de Akihiko Kayaba que o tornava tão atraente.
Por algum tempo — talvez meses, até mais que isso — não vou poder voltar ao mundo real. Não vou poder ver o rosto da minha mãe e da minha irmã, muito menos conversar com elas. Pode ser que nunca mais as veja. Se eu morrer aqui…
Eu morro de verdade.
Antes apenas um equipamento de jogo, a Nerve Gear agora é a chave dessa prisão e o instrumento mortal que vai fritar o meu cérebro.
Depois de inspirar e expirar lentamente, abri a boca.
— Klein, vem cá um pouquinho.
Agarrei o braço do guerreiro que parecia ser bem mais velho do que eu na vida real e comecei a andar a passos rápidos, desviando da multidão desvairada.
Aparentemente, nós estávamos mais afastados do centro, então conseguimos sair de lá bem rápido. Entramos em uma das inúmeras vielas que irradiavam da praça central e nos escondemos na sombra de uma carruagem estacionada.
— …Klein.
Seu rosto parecia dizer que sua alma havia sido retirada do corpo, então chamei seu nome mais uma vez, tentando soar o mais sério possível.
— Escuta o que eu tenho a dizer. Vou sair dessa cidade o mais rápido possível e ir para a próxima vila. Vem comigo.
Klein arregalou os olhos sob a bandana. Eu continuei falando em voz baixa.
— Se tudo o que ele falou for verdade, a gente tem que se fortalecer pra conseguir sobreviver no jogo. Você deve saber que MMORPGs são batalhas entre os jogadores atrás de recursos. Só quem conseguir adquirir a maior quantidade de dinheiro e itens limitados que o sistema disponibiliza consegue ficar forte… Quem já se tocou disso vai sair pra caçar todos os monstros em volta da Cidade do Início. Você vai ter que esperar um bom tempo até um monstro reaparecer. É melhor ir pra próxima vila agora. Eu já sei o caminho e todas as partes perigosas, então consigo chegar lá numa boa,mesmo estando no nível 1.
Considerando que era eu, esse monólogo foi bastante longo, mas mesmo assim ele escutou tudo sem se mover.
Alguns segundos depois, seu rosto se distorceu.
— Mas… Sabe. Eu já te falei. Fiquei na fila de madrugada junto com uns amigos meus pra conseguir comprar o jogo. Eles também devem ter feito login e devem estar lá na praça. Eu não posso… Deixar eles aqui.
— …
Soltei um suspiro e mordi os lábios.
Eu conseguia entender tudo o que Klein queria dizer através de seu olhar nervoso.
Ele — ele que é animado, gosta de pessoas e que provavelmente deve ser bom em cuidar dos outros —, esperava que eu pudesse levar esses amigos junto com a gente.
Mas não consegui assentir com a cabeça.
Se fosse só o Klein, eu conseguiria garantir que a gente chegaria ao próximo vilarejo enquanto eu o protegeria dos monstros mais agressivos, mesmo estando no nível 1. Mas se tiver mais duas pessoas — não, mesmo uma pessoa a mais — já seria arriscado.
Se no meio do caminho alguém morresse, e por consequência esse jogador perdesse a vida do jeito que Kayaba anunciara…
A responsabilidade seria toda minha, que sugerira deixar a segurança oferecida pela Cidade do Início e falhara em proteger um companheiro.
Eu nunca conseguiria carregar um peso desses nas costas. Era simplesmente impossível.
Klein pareceu ter lido todos esses pensamentos que se passavam na minha cabeça. Suas bochechas cobertas por uma barba por fazer pareciam enrijecidas, mas logo se relaxaram num sorriso enquanto balançava a cabeça.
— Não… Não posso mais dar trabalho pra você. Eu era líder de uma guilda no outro jogo que jogava. Vai ficar tudo bem, vou me virar com as técnicas que você me ensinou até agora. Além disso… Ainda tem a possibilidade disso tudo ser um evento de mau gosto e da gente poder sair logo daqui. Então você pode ir pro próximo vilarejo sem se preocupar com nada.
— …
Calado por alguns segundos, fui assolado por uma indecisão que nunca tinha me ocorrido antes.
Então, escolhi a palavra que me atormentaria mesmo depois de dois anos.
— …Tá.
Dei um passo para trás, concordando com a cabeça, a voz rouca.
— Então vamos nos separar aqui, Me manda uma mensagem se acontecer alguma coisa… Até mais, Klein.
Enquanto me virava para ir embora, cabisbaixo, Klein gritou:
— Kirito!
— …
Eu o olhei inquisitivamente, mas ele não disse nada, apenas suas bochechas tremiam levemente.
Apenas acenei e virei em direção nordeste — em direção ao vilarejo que usaria como próxima base.
Eu havia dado apenas cinco passos quando novamente ouvi uma voz vinda das minhas costas.
— Ei, Kirito! Até que a sua cara de verdade é bem bonita! Faz bem o meu tipo!
Com um sorriso amargo, gritei por cima do ombro:
— Esse visual de samurai até que combina com você!
Então simplesmente continuei andando, dando as costas ao primeiro amigo que fiz neste mundo.
Depois que percorri algumas vielas sinuosas, olhei para trás, mas é claro que não havia mais ninguém lá.
Ignorei todos os sentimentos estranhos que me apertavam o peito e saí em disparada.
Então corri desesperadamente em direção ao portão nordeste da Cidade do Início, à pradaria, à densa floresta, ao pequeno vilarejo depois dela — e mais além, nessa jornada solitária e interminável em busca da sobrevivência.
Tradução: Axios
Revisão: Alice
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