Sword Art Online – Aincrad – Vol. 01 – Cap. 01

 

A ponta de uma espada que emitia um brilho acinzentado raspou o meu ombro.

A fina linha localizada no canto superior esquerdo do meu campo de visão se contraiu um pouco. Neste mesmo momento, uma mão gélida me acariciava de dentro do peito.

A linha horizontal: essa coisa azul chamada de barra de HP serve para mostrar o quanto me resta de vida. Eu ainda tenho mais de 80% do valor total sobrando, mas não adianta ver as coisas por essa perspectiva. Agora estou 20% mais próximo do abismo da morte.

Antes que o inimigo conseguisse entrar em ação para o próximo ataque, eu recuei de costas e me distanciei dele.

— Hah…

Forcei para fora todo o ar que estava nos pulmões, ajustando a respiração. O “corpo” deste mundo não necessita de oxigênio, mas do lado de lá, ou seja, no mundo real, tenho certeza de que meu corpo de verdade continua respirando intensamente. E que da minha mão escorre gotas de suor frio e meu coração bate acelerado.

É óbvio.

Mesmo que o que eu veja na minha frente sejam objetos virtuais em 3D, que os hits points convertidos em valores numéricos estejam diminuindo, eu ainda luto arriscando minha própria vida.

Sendo assim, esta luta se torna completamente injusta. Afinal, o “inimigo” à frente — pele verde-escura, escamosa e escorregadia, braços longos, cabeça e cauda de lagarto, um monstro metade humano e metade animal, — como se pode ver, não só não é gente, mas também nem é um ser vivo de verdade. Não importa quantas vezes seja morto, dependendo do sistema, ele é revivido infinitamente. É apenas um amontoado de dados digitais.

…Não.

Agora mesmo, o programa de Inteligência Artificial que controla esse homem-lagarto observou e aprendeu as minhas técnicas de combate, melhorando o seu poder de reação a cada segundo que passa. Contudo, uma vez que esta unidade for destruída, os dados adquiridos pelo sistema serão resetados instantaneamente em vez de serem enviados para um nova unidade, que aparecerá em uma área diferente.

Portanto, de certa forma, aquele homem-lagarto também está vivo como uma criatura única neste mundo.

— …Não é mesmo?

Não havia como ele ter entendido o lamento que murmurei, mas o homem-lagarto, um monstro de nível 82 chamado Lizardman Lord, sibilou e sorriu, mostrando presas afiadas que despontavam de sua longa e fina mandíbula.

É real. Tudo o que há neste mundo é real. Não há sequer uma imitação virtual.

Passei a espada longe de uma mão para a minha direita, alinhando-a ao centro do meu corpo, e fiquei em posição.

O homem-lagarto também moveu o broquel em seu braço esquerdo para frente e recuou a cimitarra na mão direita.

Um vento gelado que não se sabe de onde veio soprou no interior escuro do labirinto, balançando as tochas penduradas nas paredes. O piso molhado refletia o tremeluzir das chamas.

— Grrááá!!!

Com um rugido feroz, Lizardman Lord deu um salto. À distância, sua cimitarra desenhou um arco acentuado no ar, vindo em minha direção, com uma luz ofuscante alaranjada iluminando o seu trajeto. Um ataque de alto nível de golpe único, característico da espada curva Fell Crescent. Esta formidável técnica consiste em uma investida que cobre a distância de 4 metros em 0,4 segundos.

Mas eu já esperava por esse ataque.

Sutilmente aumentei o espaço entre nós para induzir a IA a criar essa situação. Enquanto a minha mente registrava o cheiro de queimado deixado pelo corte da cimitarra a poucos centímetros do meu nariz, eu me aproximei do homem-lagarto.

— …Há!

Com um grito, balancei a espada em minha mão direita horizontalmente. A espada coberta de luz azulada atravessou a fina camada de escamas que protegia o abdômen do meu oponente e dali vi jorrar luz vermelha em vez de sangue. Ele soltou um grito abafado.

Mas a minha espada não parou. Obedecendo aos comandos ativados pelo meu movimento, o sistema auxiliou minhas ações e então desferi o segundo golpe em sequência, em uma velocidade que normalmente seria impossível de se atingir.

Este é o elemento mais importante nas batalhas deste universo: Técnica de Espada.

A minha espada atravessou o peito do homem-lagarto da esquerda para a direita, criando um novo corte. Aproveitando o impulso, girei o meu corpo e atingi meu oponente com um terceiro golpe, ainda mais profundo.

— Uaaargh!!!

O homem-lagarto, assim que se recuperou de seu estado momentâneo de paralisia após ter errado o golpe especial, soltou um rugido, talvez de raiva ou medo, e ergueu sua cimitarra para o alto.

No entanto, a minha sequência de golpes ainda não havia terminado. A espada, que até então seguia uma trajetória para a direita, de repente deu uma guinada, como se controlada por uma mola, e foi para a esquerda e para cima, atingindo meu inimigo no coração: um ponto crítico.

O losango desenhado pelo meu combo emitiu um brilho azul ofuscante e logo depois se dissipou — uma skill de espada que consiste em quatro golpes horizontais em sequência: “Horizontal Square”.

Uma luz clara brilhou pelas paredes do labirinto e então sumiu. No mesmo instante, a barra de HP acima da cabeça do homem-lagarto desapareceu sem deixar nenhum traço para trás.

O corpo imenso dele começou a tombar, deixando um longo rastro, então, de repente, parou numa posição estranha e…

Acompanhado de um barulho similar ao de vidro sendo quebrado, ele se partiu em milhares de pequenos polígonos e desapareceu.

Assim é a “morte” neste mundo. Simples e instantânea. Uma exterminação ideal que não deixa nenhum vestígio.

Depois de dar uma olhada nos pontos de experiência virtuais e na lista de itens ganhos exibidos em uma fonte roxa, flutuando no centro do meu campo de visão eu balancei a espada de um lado para o outro e a guardei na bainha presa em minhas costas. Dei alguns passos para trás, esbarrei na parede da câmara e deslizei até sentar no chão.

Soltei o ar que estava prendendo com um grande suspiro e fechei os olhos. Talvez fosse pelas longas horas de luta solitária, mas minhas têmporas começaram a doer. Virei meu pescoço em largos movimentos circulares e, depois de me livrar da dor, abri meus olhos.

O relógio luminoso no canto inferior direito do meu campo de visão me informava que já se passavam das três horas da tarde. Se eu não saísse logo de dentro do labirinto, não conseguiria voltar à cidade antes do anoitecer.

— …Vamos embora, então?

Não que houvesse alguém para me escutar, mas falei mesmo assim e comecei a me levantar devagar.

O “serviço” de hoje tinha acabado. De alguma forma, consegui evitar o abraço da morte por mais um dia. Mas depois de um breve descanso, amanhã será um novo dia de batalhas. Não importa qual seja o tamanho da margem de segurança que  você cria, se continuar enfrentando lutas em que não há 100% de chance de vitória, alguma hora a sorte pode te deixar na mão.

A questão é se esse jogo vai ser ou não “zerado” antes de eu sacar o ás de espadas.

Se você dá valor à sua própria vida acima de tudo, a estratégia mais sábia seria ficar em um vilarejo seguro, sem dar nem um passo para fora, esperar até que alguém zere o jogo. Mas eu, que vou lutar sozinho na linha de frente todos os dias, sou apenas um viciado em VRMMO — Virtual Reality Massively Multiplayer On-line, Jogo de Realidade Virtual On-line para Multijogadores —, ou então…

…um grande idiota que, em sua arrogância, se acha capaz de libertar todos que estão presos neste mundo através do poder da espada?

Quando comecei a andar em direção à entrada do labirinto, com certo escárnio no rosto, rindo de mim mesmo, comecei a me lembrar daquele dia.

Há dois anos.

O momento em que tudo se acabou. Para então, tudo começar.