Super Minion

Super Minion – Cap. 32 – Sino de Jantar

 

Eu não tenho os mesmos padrões de perigo que os humanos. Um humano olharia, digamos, para um enxame de vinte ratos e veria a morte iminente. Enquanto eu veria uma oportunidade de treino de combate, seguida de um almoço reforçado (ao menos, se eu não tivesse sido cortado ao meio antes e estivesse com poucos recursos). Apenas uma ameaça ao meu núcleo importava, e ratos não usam exatamente armas de fogo nem têm poderes elétricos, embora eu estivesse em apuros se eles comessem meu núcleo; já os vi comer pedras de propósito. Ainda assim, agora eu tinha muitos recursos e bem mais experiência. Não seria pego desprevenido por ratos novamente.

E é por isso que achei que Sandra estava exagerando.

— Como assim você foi perseguido por ratos?! — gritou Sandra. Eu estava tentando explicar por que me sentia seguro usando os esgotos. Obviamente, eu havia escolhido a abordagem errada.

— Isso aconteceu depois que escapei da Magenta. Naquela vez, precisei ser resgatado, mas fora isso, nunca estive em perigo nos esgotos.

— O trabalho da semana passada? Por que só estou sabendo disso agora?! Por que você não contou para ninguém?

— Eu contei para o Mikey.

— Eu quis dizer para um tenente!

— Ninguém perguntou.

— Tofu, isso… — ela respirou fundo e soltou um longo suspiro, esfregando as têmporas ao fazê-lo. Em seguida, virou-se para mim e perguntou:

— Como tem achado ser parte dos Capangas do Hellion até agora?

Esta foi uma mudança repentina de assunto.

 — Tenho gostado muito.

— Então posso presumir que planeja continuar conosco?

— Sim, definitivamente.

— Bom saber. Então, há apenas uma coisa que eu gostaria de discutir com você. — Ela cruzou os braços sobre a mesa e se inclinou para frente. — Como deve ter percebido, os Capangas de Hellion são um pouco diferentes de outras organizações vilãs. Tanto na forma como operamos quanto no nosso temperamento. Até hoje, estamos em operação há mais de quinze anos, enquanto a maioria das organizações similares dura, no máximo, dois ou três anos.

— Isso é impressionante.

— Obrigada. Gostaria de saber o segredo do nosso sucesso?

— Sim, por favor.

Ela sorriu e se inclinou ainda mais. — Trabalho em equipe. Simples assim.

— Não parece tão simples. Para mim, tem sido algo bem complicado.

Ela riu:

— Bem, eu quis dizer trabalho em equipe como um objetivo que buscamos, mas obrigada por reconhecer os detalhes. Admito que manter tantas personalidades e níveis de experiência organizados é um trabalho em tempo integral para mim e minha equipe. Isso é parte do motivo pelo qual temos equipes separadas: mantém as pessoas que cooperam bem juntas e separa as personalidades mais difíceis.

— Entendi… tenho sido difícil?

— Pfft, não, não é por isso que mencionei aquilo. Na verdade, você tem contribuído bastante até agora, e estamos felizes em tê-lo na equipe. O que me preocupa é que você parece ter uma tendência a se meter em problemas e, então, tenta resolver tudo sozinho, sem pedir ajuda. Parte de ser uma equipe é que todos contribuem com o grupo, mas outra parte é que o grupo cuida de seus membros individuais. Da próxima vez que se encontrar em uma dessas situações, fale conosco. Podemos garantir que você tenha o suporte adequado ou, pelo menos, ajudar a evitar que o problema aconteça novamente. Tudo bem?

— Tudo bem, vou lembrar disso.

— Ótimo. Então vou deixá-lo ir. E… o que você faz no seu tempo livre é problema seu, mas se for entrar nos túneis, leve alguém com você, ok? E não apenas seu amigo Mikey! Se for realmente importante, você pode pedir a um de nossos tenentes, alguém com experiência. Tem coisas piores que ratos lá embaixo.

— Ok, Sandra.

Voltei para meu apartamento um tanto tarde e decidi ir “dormir” depois de preparar um lanche de açúcar e sobras de pão de burguer. Normalmente, eu poderia manter Humano.exe funcionando por dias se precisasse, mas o poder de Poena definitivamente causou um aumento prematuro de fadiga. Suponho que eu poderia continuar sem o Humano.exe, já que tenho recursos suficientes para evitar a torpor, mas por que me incomodar? Fazer isso seria apenas um uso ineficiente de recursos, sem benefício imediato; melhor dormir.

Coloquei algumas folhas de papel que Sandra me deu na bancada da cozinha para mais tarde. Ela me deu “relatórios pós-ação” para preencher e devolver. Estranhamente, parecia preocupada que eu não fosse conseguir ler e entender os relatórios, mas garanti a ela que ficaria bem. Admito que minha compreensão de palavras escritas havia sido abaixo do esperado quando fiz a entrevista com Sandra, mas tive uma semana inteira de escola para aprender a ler e escrever desde então.

Fui para debaixo da cama, mas levei alguns momentos para considerar o que Sandra disse sobre os objetivos dos Capangas de Hellion. Meu entendimento sobre fazer parte de uma facção era de que os benefícios individuais eram fornecidos porque isso beneficiava a facção. Recebi um capacete e um traje dos Capangas de Hellion porque proteger seus membros da morte era importante para a força do grupo. Recebi comida e dinheiro porque isso era necessário para me manter contratado. Mas Sandra estava dizendo que o objetivo geral do grupo também era cuidar especificamente dos membros individuais? Era como… eu cuidar de uma micro unidade ou célula individual. Não fazia sentido… mas quase fazia? Bleh, eu definitivamente precisava desligar Humano.exe por algumas horas. Eu não entenderia isso sem Humano.exe, mas estava obviamente começando a falhar novamente. Havia sido um longo dia.

Encerrando Humano.exe;

Compilando resultados…

O dia seguinte era domingo e não havia trabalho, então, embora tenha acordado pontualmente às 5h, fiquei embaixo da cama até as 5h30 para revisar tudo o que aconteceu no dia anterior. Três coisas me preocupavam: o conceito de Trebla de “viver não é sobreviver”, o conceito de Sandra de “o grupo cuida de seus membros” e o conceito humano geral de “entretenimento”. Desses três conceitos, o único que eu poderia afirmar que entendo é o entretenimento. Quando um humano adquire tudo o que precisa para sobreviver em excesso, ele então passa para uma forma de melhoria proativa. A câmara de luz sólida do Percurso no Beco de ontem era um exemplo perfeito disso; testava tanto os reflexos reativos quanto a resistência, enquanto apresentava aos “jogadores” o cenário improvável de ter armas e alvos inimigos que saíam de cobertura. Embora as chances de um cenário como esse serem baixas, se isso algum dia acontecesse, estaríamos prontos. O entretenimento humano cobria uma vasta gama de cenários improváveis, mas possíveis, uma qualidade que achei muito admirável.

Quanto aos conceitos de Sandra e Trebla… não, eu não estava realmente entendendo. Senti que poderia quase entender o conceito de Sandra, se o colocasse em termos de indivíduos trabalhando juntos por um objetivo que todos quisessem, mas um grupo inteiro olhando por um único membro? De uma forma que não fosse apenas para reter um membro valioso? Muito estranho. Mas então, Capangas de Hellion forneciam advogados até mesmo para seus membros sem poderes… aspectos desse conceito faziam algum sentido, então eu o manteria em segundo plano por enquanto.

Mas o conceito de Trebla era simplesmente falso; sobreviver é igual a viver, não havia como contornar isso. Talvez fosse uma daquelas excentricidades que os supervilões têm.

Deixei minhas reflexões de lado e saí do meu apartamento em direção à base para o café da manhã. Até as 6h da manhã, bebi café e comi alimentos típicos de café da manhã, aproveitando o tempo para conversar com os minions que estavam saindo do turno da noite. Depois de terminar, fui para a academia e encontrei Adder para o treino de combate matinal. Aproveitei a oportunidade para perguntar a ela sobre Wandergheist e como seu estilo de luta coincidia com o dela. Ela explicou que era porque ambos os estilos eram baseados em “hipereficiência”. Em vez de focar em uma seleção de manobras de combate praticadas, se concentravam em pensar várias etapas à frente e aplicar o mínimo de força com o máximo de efeito. Fácil de dizer, mas não tão fácil de fazer, como Adder demonstrou ao me jogar no chão enquanto eu tentava praticar o conceito. Combate real era bagunçado, então gastar valiosos ciclos de processamento em previsões, em vez de reações, era perigoso. Mesmo assim, como foi provado por Wandergheist e Adder, era assustadoramente eficaz quando dominado.

Depois de uma hora de prática, fui para o campo de tiro experimentar e praticar novos designs. A ideia da língua de estilingue funcionou muito bem, considerando. Só precisava fazer algumas alterações para que eu pudesse falar enquanto o utilizava. Modificações nas cordas vocais resolveriam esse problema. Quanto à munição, eu realmente precisava de algo um pouco menos letal. Se o meu objetivo era deixar o alvo vivo, não queria ter que mutilá-lo antes de deixá-lo viver, pois isso faria com que ele me priorizasse como alvo em encontros futuros. Agora eu estava feliz que Ifrit tinha me avisado sobre isso, não percebi o quanto os humanos eram adversos a danos superficiais, como perder uma mão. Tim uma vez mencionou que existiam supers médicos que podiam regenerar membros, então eu pensei que isso não fosse importante.

Eu precisava de munição não letal. Para isso, recorri ao design de isca que havia usado nos ratos costurados. Embora aquele design fosse principalmente para atrair os ratos pelo cheiro, eu queria focar no fato de que era um projétil não sólido que se decompunha. Quando faço algo usando micro-máquinas, o objeto resultante é atado com micro unidades ainda conectadas ao meu núcleo. O resultado lamentável é que qualquer coisa que eu faça se decompõe em segundos quando separada do sinal que meu núcleo produz. Até agora, eu considerava isso uma falha de design, mas posso na verdade ser capaz de usar isso a meu favor. Se fizesse os projéteis eu mesmo, poderia programá-los para se decompor antes do impacto, e o resultado não seria tão letal quanto uma munição de metal sólido ou um espinho poderia ser.

Tentei algumas variações diferentes até encontrar um design que gostei; uma pequena bolinha do tamanho e composição de um globo ocular. Quando testei nos alvos do campo, teve impacto suficiente para empurrar os alvos mais leves para trás, mas não o suficiente para fazer buracos em nada. Espero que isso seja um bom impedimento sem ter que mutilar.

…Mas era muuuito intensivo em recursos, e eu não poderia reutilizá-los como os projéteis de metal. Bleh. Eu os guardaria para alvos frágeis como ajudantes e civis.

Às 8h da manhã, terminei meus experimentos e, depois de pegar meu pagamento, me dirigi ao restaurante Café Nascer do Sol da Maggie para outro café da manhã para recuperar um pouco da minha massa gasta. Enquanto estava lá, entrei em uma conversa com as pessoas sentadas ao meu lado nos bancos do balcão sobre lockdowns. Nenhum dos setores ao leste havia entrado em um lockdown até agora, o que, aparentemente, era uma raridade? O Verão Bizarro foi oficialmente declarado em vigor há duas semanas e, embora coisas ruins tenham acontecido, nada ruim o suficiente para justificar a quarentena de um setor inteiro.

— Por que é estranho não ter um lockdown? — perguntei a um dos homens mais velhos sentados ao balcão.

— O quê, tá maluco? A muralha tá bem ali — ele respondeu.

— Ah, seja agradável, Harold — disse uma mulher mais velha — Você não é daqui, garoto? — ela me perguntou.

 — Não, senhora, me mudei para cá há algumas semanas — respondi. Ambos tinham um sotaque que me lembrava da maneira como Jasper às vezes falava.

— Viu, Harold? O garoto acabou de se mudar para cá. Por que não responde a pergunta dele direito? — ela disse.

— Tá, tá, tô chegando lá — ele se virou para mim — Então, rapaz, como eu tava dizendo, a muralha tá a apenas três setores daqui. Só precisa de uma daquelas criaturas feias pra passar e pronto, lockdown.

— Eu pensei que a muralha era impenetrável.

— Há, talvez fosse quando Overlord estava no comando, que Deus o tenha, mas aquelas mulas da U.N.A não conseguem tirar a cabeça do –

— Harold!

Cof — – do chão sem cinco comissões e uma licença. Graças a Deus por Novo Amanhecer. Sem eles, estaríamos até o pescoço com vampiros, banshees e outras porr–

— Harold!

— –rcarias. Outras coisas.

— Ainda assim não é tão bom quanto quando Overlord tava por aqui — disse outro idoso, e todos os “mais velhos” humanos assentiram em uníssono.

Passei uma hora conversando e comendo com os “idosos” antes de prosseguir. Foi um tanto desanimador descobrir que a Novo Amanhecer Inc. era, na maior parte, responsável pela segurança da muralha, junto com “o exército”. A instalação de onde eu havia escapado ficava perto de S5 ou SE5, dependendo de quão bem eu estava avaliando as distâncias envolvidas. Mas, aparentemente, havia uma instalação Novo Amanhecer em NE16, ao lado da muralha, muito mais próxima de E13. A grande questão era: Novo Amanhecer Inc. se tornaria um obstáculo? Eles haviam investido os recursos para me criar, e pelo que vi, eu era um tanto único como arma. Eu era valioso o suficiente para eles tentarem minha recuperação? Quanto tempo meu disfarce atrasaria sua resposta? Eles se dariam ao trabalho de me rastrear? Poderiam me rastrear? Com o super certo, tudo é possível. Variáveis demais…

Por enquanto, deixei esse pensamento de lado. A Novo Amanhecer Inc. era uma facção grande, mas os Capangas de Hellion já operavam em E13 há muito tempo, o que o tornava um lugar ideal para solidificar minha posição. Um ambiente estável significa fatores previsíveis. Se a Novo Amanhecer Inc. viesse atrás de mim, eu simplesmente teria que estar preparado.

Para isso, passei a hora seguinte mapeando partes de E13 onde eu ainda não havia estado. Eu não chegaria perto de terminar, mesmo que passasse dias fazendo isso; até mesmo um único setor era imenso (especialmente os setores externos), mas me fez sentir melhor. Prestei atenção especial aos possíveis pontos de acesso aos túneis (e vendedores de comida), pois saber sobre as possíveis rotas de fuga era sempre algo bom. Principalmente porque a arquitetura de E13 variava muito dependendo de onde você estivesse. Era fácil ser pego em um beco sem saída ou em um beco inseguro se não fosse cuidadoso. Um beco pelo qual passei tinha alguns fios amarrados os quais eu me deparei.  As coisas irritantes eram afiadas o suficiente para cortar e emaranhavam facilmente, então fui forçado a destruí-las com micro unidades para me desembaraçar. Irritante. Provavelmente uma armadilha dos Tinker Tots, já que estava perto de seu território.

Às 10 horas, voltei ao meu prédio para bater na porta de Cindy e perguntar se ela ainda iria ao fliperama. Com os ratos atacando o shopping ontem, todos nós fizemos planos para nos encontrar no nosso ponto de encontro habitual. Cindy atendeu a porta, mas parecia um tanto atordoada; ela estava dormindo?

— Tofu? O que – uaah – que foi?

— Você ainda vai para o fliperama?

— Fliperama?…Argh! — Seus olhos brilharam. — Descupa, descupa! Me dê um momento, estarei pronta em um minuto!

Assim que ela se preparou, partimos. Achei um pouco estranho que ela tivesse dormido por tanto tempo e, seguindo um palpite, liguei para Mikey e Tim para ter certeza de que chegariam na hora certa. Tim estava a caminho, mas Mikey estava dormindo.

E ele pulou o treino da manhã novamente. Eu vou ter que arrastá-lo até lá, não é?

Uma vez no fliperama, Tim e eu definimos nosso plano de apostar nos resultados dos jogos. Depois de tentar alguns jogos diferentes, percebi que meus reflexos eram simplesmente bons demais para jogar contra ele em jogos para dois jogadores, como Alley Fighter 2, então discretamente o desafiei a bater o recorde em alguns dos jogos de um jogador. Mikey e Cindy foram jogar os jogos de dois jogadores enquanto eu tentava desafiar Tim, mas depois de um tempo queríamos fazer algo em que todos pudéssemos participar e desistimos do teste de poderes para tentar os jogos de quatro jogadores. Fizemos isso por duas horas e, então, às 12h30, decidimos almoçar em um Mega Burger nas proximidades (eu comi o stacker triplo).

— O que vamos fazer agora? — perguntou Tim. — Acho que já estou meio que cansado do fliperama.

— Que tal irmos ver um filme? — sugeriu Mikey.

Os outros concordaram e saímos do arcade para ir ao “cinema” às 13h. Ficava a alguns quarteirões de distância; um grande edifício estilizado, projetado para se destacar dos prédios mais quadrados (e eficientes). Em explorações anteriores da rua Ashwood, eu o havia evitado devido à segurança aparente na entrada. Guardas constantemente verificavam pedaços de papel (ingressos, eu agora sabia) apresentados pelos humanos que entravam. Mikey comprou um ingresso para uma sala para um pequeno grupo, e depois de apresentá-lo ao guarda da porta, entramos na câmara principal do edifício.

Onde fui imediatamente inundado pelo cheiro de manteiga, sal e algo levemente queimado.

— Querem dividir uma pipoca grande já que acabamos de comer? — perguntou Tim.

— Hum, melhor pedir duas — respondeu Mikey. Por que ele estava olhando para mim?

Tim e eu pegamos dois recipientes grandes de “pipoca”, um lanche estranho que aparentemente era apenas para sabor e textura, pois tinha quase nenhum valor nutricional. Havia também um balcão de pacotes de refrigerantes de cortesia, e parei para preparar uma bebida.

— Ugh, cara. Você realmente misturou Nectar aí? — disse Tim — É tão doce, como você consegue aguentar?

— É o meu favorito.

— Ugh, e você já misturou outros dois refrigerantes aí. Esse negócio é pra mutantes, no final das contas. Você vai ter pedras nos rins.

— Estou bem até agora — respondi, ignorando o comentário. Não ia parar de beber Néctar se não fosse necessário.

Caminhamos por um corredor que tinha várias portas com luzes vermelhas e verdes sobre elas, e Mikey nos levou até a primeira porta com luz verde. Dentro, havia seis poltronas macias em uma fileira, todas ancoradas ao chão, voltadas para uma parede que era uma grande tela. Mikey foi até uma tela sensível ao toque montada ao lado da porta e perguntou:

— Tudo bem, o que vocês todos querem assistir?

Mikey, Tim e Cindy discutiram opções enquanto eu bebia minha mistura de refrigerante. Eu não tinha uma preferência, fora evitar comédia. Humor ainda era algo que eu não conseguia entender completamente, e nas poucas vezes que alguém me contou uma “piada”, ou quando algo “engraçado” aconteceu, eu não reagi da maneira certa.

— Tofu, ajuda aqui. O que a gente escolhe? — perguntou Mikey de repente. Eu não sabia o suficiente sobre filmes para responder a uma pergunta tão complicada, então eu simplesmente disse o único filme que eu conhecia.

— Que tal o filme A Coisa que você mencionou?

Mikey pausou, e então sorriu:

— Ha! Ótima escolha. O que vocês dois acham?

— Uh, esse é aquele filme de terror que você vive falando, certo? — disse Tim — Talvez a gente devesse assistir algo que nenhum de nós tenha visto…

— Eu acho que é uma ótima escolha — disse Cindy, também sorrindo.

— Três votos contra um. Desculpe, Tim, parece que você não pode mais fugir — disse Mikey, enquanto apressadamente selecionava o filme.

Nos acomodamos, e a sala escureceu automaticamente antes de dois “anúncios” serem exibidos. Um para Pretzels de Quebrar Cabeça e o outro era sobre um sistema de segurança residencial feito pela Novo Amanhecer Inc.

O filme em si foi incrível. Ele retratava um “monstro” com habilidades de mudança de forma surpreendentemente semelhantes às minhas, lentamente se infiltrando e consumindo os ocupantes de uma base avançada humana isolada. Segundo Mikey, esse filme foi feito há mais de cem anos, antes mesmo do Verão Bizarro começar! A imaginação humana era realmente impressionante. Pelo que eu sabia, algo como eu nunca tinha sido criado antes (os cientistas me chamaram especificamente de protótipo, afinal), então pensar que eles poderiam ter previsto um cenário de combate envolvendo um organismo semelhante a mim era simplesmente um pensamento preditivo maravilhoso. Havia diferenças, claro, como a habilidade da criatura de se replicar, mas nossos pontos fortes e fracos eram tão semelhantes que era fácil criar paralelos e começar a pensar em contramedidas.

Eu fiz muitas anotações.

— Você estava certo Mikey, minha transformação realmente se parece muito com a de A Coisa.

— Heh, espero que o filme não tenha sido muito na cara — respondeu Mikey.

— Não, achei bem distribuído. — Afinal, não era só o rosto do monstro que transformava.

— Uh… claro.

O filme durou cerca de duas horas, e Tim precisou sair assim que terminou para comparecer a um “compromisso de família”. Como restaram apenas Mikey, Cindy e eu, aproveitamos a oportunidade para discutir tópicos mais relacionados às minhas habilidades e aos Capangas de Hellion. O que Cindy chamava de “conversa de negócios”.

— De qualquer forma, eu queria perguntar, alguém do trabalho comentou algo sobre os ratos? — perguntou Mikey — Quem fez isso não é tipo, um cliente ou algo assim, certo?

— Nem ferrando! — exclamou Cindy — Os capangas de Hellion nunca trabalhariam com algum idiota que ataca civis indiscriminadamente. Deve ser só os Espada tentando alguma merda de novo.

— Uh, certo! Foi isso que pensei— disse Mikey, aparentemente surpreso com a veemência repentina de Cindy. Ela também parecia um pouco envergonhada pela reação, provavelmente porque sua voz começou a ficar rouca no final. Tentando disfarçar, ela tossiu e começou a procurar o inalador na bolsa.

— Conversei com Sandra sobre isso ontem — expliquei. — Ela disse que se os heróis não resolvessem, ela iria chamar alguns capuzes quando voltassem de suas atividades.

— Ah, que alívio… espera, tem mais supervilões em CH? — perguntou Mikey.

— É claro. Você não achou que fosse apenas Hellion, Imp e Socket, né? — disse Cindy.

— Uh, mais ou menos?

— Nope. A maioria tá por aí, fazendo alguma coisa.

Enquanto caminhávamos pela rua Ashwood, Cindy nos deu uma descrição mais detalhada da situação dos capuzes em CH. A maioria dos detalhes eu já conhecia, mas aprender sobre os outros “vilões de verdade” que trabalhavam com Hellion foi interessante. CH operava predominantemente por meio de várias brechas legais que rotulavam minions como acessórios a um crime quando um supervilão estava envolvido, e não como criminosos de fato. Usando essa peculiaridade das leis, CH alugava equipes de minions para vilões que precisavam de um pouco mais de força ou suporte. No entanto, isso não significava que a CH não tinha seus próprios capuzes. Antes de Hellion fundar os Capangas de Hellion, ela fazia parte de uma organização criminosa que estava começando a estabelecer a Zona Vermelha. Essa organização não era tão… amigável quanto a CH é hoje, e quando Hellion despertou, ela e outros capuzes com ideias semelhantes derrubaram a antiga liderança e reformaram tanto a Zona Vermelha quanto os Capangas de Hellion no estado em que estavam hoje. Muitos desses capuzes, como Socket e Imp, ficavam na organização permanentemente, enquanto outros saíam para fazer suas próprias coisas, voltando apenas quando eram necessários. Um deles gerenciava “cassinos” na Zona Vermelha e quase nunca os deixava. Outro havia sido preso e enviado ao Panamá, mas após cumprir sua sentença, descobriu que gostava da guerra constante e decidiu ficar por lá. Enquanto Cindy descrevia mais capuzes ausentes, fiquei com a impressão de que a maioria deles era… excêntrica.

— Uau, eu não sabia que CH tinha uma história assim — disse Mikey — Como você sabe de tudo isso, Cindy?

— Huh? Ah, uh, minha mãe, hum, trabalha no departamento jurídico com a Sandra.

— Ah, que legal.

— Mas Cindy– cof cof — Cindy pisou no meu pé, sinalizando para eu me calar. Acho que disfarcei bem.

Caminhamos mais um pouco, apenas “olhando as vitrines”, eventualmente passando por uma loja com vários manequins na vitrine. Eles usavam “vestidos” brancos, usados em uma ocasião chamada “casamento”, e pareciam positivamente impráticos. A loja inteira aparentemente era dedicada a vender apenas isso? Bleh. Por que alguém iria querer roupas tão pouco convenientes? Algo como esses vestidos rasgaria e seria destruído até mesmo na menor luta.

— Isto me lembra; algum de vocês conhece um bom lugar para comprar roupas? Preciso de algo que não rasgue se eu acabar lutando com elas. — Eu vinha planejando comprar roupas há algum tempo, mas de alguma forma nunca conseguia me organizar para tal. Além disso, o filme A Coisa me fez receoso sobre não ter roupas de verdade. O monstro do filme foi revelado tirando pequenos pedaços de seu disfarce, e isso facilmente poderia acontecer comigo com as coberturas falsas que eu formava. Roupas de verdade tornariam meu disfarce mais convincente e, como bônus, eu não precisaria desperdiçar recursos constantemente transformando para mudar o que estava “vestindo”.

— Tem tido problemas no guarda-roupa? — perguntou Mikey, sorrindo.

— Não, eu apenas não tenho nenhuma roupa que possa usar com meu poder.

Ele franziu a testa em confusão — Oh. E essas que você tá usando agora? Parecem aguentar bem, onde você comprou?

— Essas não são roupas, são feitas com meu poder — e eu brevemente mudei a cor ao longo de uma manga do meu “moletom” — Olha só.

— Mas se o seu poder pode fazer roupas, por que comprá-las? — perguntou Cindy.

— Ainda custa calorias toda vez que as transformo, e se rasgar, sangra. Ainda é parte de mim.

Mikey e Cindy ficaram em silêncio por um momento. Então olharam um para o outro. Depois olharam de volta para mim.

— Ei, Tofu — começou Mikey — Chutando aqui. Mas se suas roupas são parte do seu corpo… você tá tecnicamente pelado agora?

Eu pensei sobre isso… — Tecnicamente, sim.

Ambos demoraram alguns segundos me encarando com expressões estranhas, até que Mikey levantou as mãos e deu de ombros — Nope, não tô tão surpreso quanto achei que ficaria. Vamos lá, imperador, vamos encontrar umas roupas pra você.

— Me segue — disse Cindy — eu conheço um lugar bom.

Por volta das 15h45, chegamos a uma loja discreta, a alguns quarteirões da rua Ashwood. No interior havia algumas araras com roupas, na maior parte, o espaço era preenchido por manequins e pôsteres exibindo uma variedade de mutantes em diferentes designs de vestuário. Pelo visto, essa loja era especializada em roupas para mutantes.

— Eu venho aqui o tempo todo — disse Cindy — Babs ta de boa com CH, então você pode dizer a ela exatamente o que precisa, Tofu.

— Tudo bem.

Babs acabou por ser a dona da loja. Era uma mulher alta, vestindo um vestido listrado, com o cabelo preto e liso pendendo de um lado da cabeça, enquanto o outro lado estava completamente raspado. Para minha angústia, ela também tinha um “piercing no nariz”, com uma corrente que o conectava a um “brinco” na orelha do lado raspado. Por que os humanos insistem em anexar joias a partes tão estrategicamente vitais de seus corpos? Eu preferiria perder um braço a comprometer meus órgãos sensoriais durante combate, mas os humanos colocam todo aquele metal afiado pendurado próximo aos olhos. Eu mantinha todos os meus metais afiados internamente, onde não poderiam ser usados contra mim, como qualquer pessoa sensata faria.

— Cindy, que prazer — cumprimentou Babs enquanto se aproximava de nós. — E quem é que você trouxe com você?

— Estes são Mikey e Tofu. Estamos aqui porque Tofu precisa de roupas e ele é exigente.

Eu não era exigente. Como expliquei a eles no caminho para cá, apenas não tinha encontrado uma loja que vendesse o que procurava. As roupas que vendiam não eram práticas, não combinavam com meu disfarce, eram caras demais ou não resistiriam em condições de combate. Eu ainda lamentava que a jaqueta que peguei de Frankie não pudesse ser usada. Não tinha encontrado outra parecida desde então.

— Entendi, entendi, — disse Babs. Ela me olhou de cima a baixo. Então franziu a testa. Então fez isso de novo, se aproximando mais e olhando intensamente. Isso me deu aquela sensação desconfortável como quando uma multidão de pessoas me observava ao mesmo tempo. Não gostava de ter meu disfarce sob escrutínio.

— Não reconheço nenhuma dessas — disse ela — são sob medida? Parece algo genérico, mas há muito cuidado no trabalho de costura. Também não conheço ninguém com esse estilo. Interessante.

— Eu as fiz usando meu poder — respondi. Então mudei a cor da manga como fiz com Mikey.

Seus olhos se arregalaram e ela agarrou minha manga. — Seu poder pode criar… isso não é tecido.

— Tecnicamente, é carne. Eu sou um metamorfo.

Seus olhos se arregalaram ainda mais, se é que isso era possível. Então ela sorriu. Me lembrou exatamente do sorriso de Trebla…

As próximas horas foram… interessantes. Babs começou fechando a loja, antes de me bombardear com perguntas sobre meu poder e me fazer demonstrar algumas das coisas que eu podia fazer. Era basicamente como trabalhar com Socket, exceto pela falta de máquinas perigosas. Ela parecia especialmente animada quando eu disse que poderia crescer membros extras e imitar mutantes, mas hesitei em fazê-lo, pois não queria desperdiçar calorias. Então ela ofereceu me dar várias roupas de graça se eu “desfilasse” para ela. Fiz um cálculo rápido de conversão de comida para dinheiro e aceitei, pois comprar açúcar era mais barato que roupas.

Pelas próximas três horas, transformei e testei suas roupas. Ela não me pediu para testar os modelos de combate mais modificados hoje, mas havia variação suficiente, mesmo entre humanos apenas ligeiramente alterados, para me manter ocupado. Fora um par extra de braços, transformar outras coisas como cor da pele, etnia e sexo era tudo fácil, bastando mover depósitos de gordura e ajustar ligeiramente os alinhamentos ósseos. Eu não mantinha meu crânio como uma peça sólida, o que tornava a alteração do rosto simples.

— Obrigada por desfilar essas peças para mim, Tofu — disse Babs, depois que tirei a última roupa do dia. Uma peça peculiar, destinada a alguém com dois braços direitos e um braço esquerdo mais forte. — Às vezes tenho ideias para essas roupas e não resisto em fazer antes de perceber que não tenho ninguém para experimentar.

— Mania tinker?

— Oh, não, não sou uma tinker — ela riu — apenas uma entusiasta que fica entusiasmada demais. Mudei para cá para ter mais clientes para os meus designs, mas parece que nem mesmo E13 não consegue acompanhar minha imaginação. Não estaria interessado em um emprego?

— Desculpe, já tenho um.

— Droga. Bem, se você tiver algum tempo livre, sinta-se à vontade para aparecer por aqui.

Saí da loja de Babs vestindo um conjunto novo de roupas. Minha camiseta era feita de um material durável que podia se ajustar em vários tamanhos. O “jeans” que estava usando tinha buracos na altura dos joelhos, o que me permitia transformar partes através deles, e tinha a garantia de durar mesmo que mais buracos fossem feitos. E, finalmente, meu item favorito: uma jaqueta de pseudo-couro grande e volumosa, com muitos bolsos escondidos por fora quanto por dentro.

Voltei para casa com duas grandes sacolas de roupas. Mikey e Cindy estavam quase tão interessados quanto Babs em minha habilidade de transformação, mas Babs simplesmente continuou sem parar, então ambos saíram antes de mim. Eu mesmo teria saído muito antes, mas Babs continuou me prometendo mais roupas e, admito, seu conhecimento de estilos diferentes e roupas em geral foi imensamente útil para explicar por que os humanos usavam o que usavam. Gostei especialmente do que ela tinha a dizer sobre como certas combinações de cores e padrões podem ser usados para significar perigo.

Mas, por mais interessante que fosse, eu tinha um lugar para ir. Corri para casa e às 18h55 fui para a base. O trabalho de Trebla tinha sido um grande trabalho, então esta noite deveria haver um jantar de companhia. Espero que eu não esteja atrasado. Estava ansioso por isso.

19h17m34s24ns.

Eu fiquei angustiado.

— Sinto muito, Tofu — explicou Sandra — mas infelizmente o jantar foi cancelado por causa desse fiasco com os ratos. Muitas pessoas desapareceram e estamos esperando ver o que os heróis vão fazer antes de decidirmos como vamos lidar com isso.

— Ah. Entendo.

— Ainda tem lanches no refeitório, por que você não– — seu celular tocou — Oops, desculpa, preciso atender — e ela começou a falar rapidamente com quem quer que a tivesse ligado.

De fato, não parecia um clima muito festivo entre os minions na base. Enquanto pegava uma donut no refeitório, ouvi vários murmúrios entre os minions como — Os Espada de novo? Merda, será que eles têm novos recrutas? — e — Minha sobrinha estava naquele shopping. Ela quase foi pega!

Eu não tinha percebido que eles ficariam tão preocupados, mas aparentemente a natureza de um “sequestro em massa” havia deixado muitos dos funcionários normais assustados.

Mordisquei meu donut, mas ele só reabasteceu uma fração dos recursos que usei durante toda a transformação da tarde. Eu esperava um grande jantar.

Saí da base.

Eu precisava fazer uma ligação. Depois, eu iria vagar por alguns becos escuros.

Eu queria carne.

 


 

Tradução: Lodis

Revisão: MoriSan

 

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