Rei Demônio ao Trabalho

Rei Demônio ao Trabalho – Vol. 03 – Cap. 01.3 – O Rei Demônio e a Heroína Inesperadamente se Tornam Pais

Com a garota maçã de um lado, dormindo pacificamente de barriga pra cima em um cobertor estendido, os demônios, humanos não-terráqueos e a aluna do ensino médio consumiam sorvete em silêncio.

Para ser mais exato, Chiho só cutucava seu sorvete, pois estava com a cabeça nas nuvens. Os outros cinco devoraram os seus em uma tentativa fútil de fugir da realidade.

Emi foi a primeira a terminar o seu pote.

— Beleza, bem, preciso ir, então…

Espere aí!

Maou agarrou a perna dela antes que pudesse chegar mais perto da porta.

— Ei! Me solte!

Ela tentou afastá-lo, e Suzuno ergueu um dedo.

— Sshhh! Você vai acordá-la, Emilia!

Emi sentou-se novamente, devagar, seu rosto resignado.

— Bell e eu não temos nada a ver com isso! Vocês que se virem com essa situação!

— Nem me venha com essa! Esse bebê foi direto até você!

Eles continuaram argumentando em um sussurro prudente.

A maçã, de volta para o modo bebê, tinha de fato chamado Emi pelo nome. Não se sabia se tinha sido atraída pela energia sagrada ou se estava apenas rolando na direção dela, mas considerando que foi atraída por Emi desde o momento em que a espada sagrada foi puxada, o primeiro motivo pareceu ser mais provável.

— Você tem que levar ela daqui! Ou, tipo, pelo menos fique aqui até que a gente consiga descobrir o que está rolando!

— Esqueça! Você sabe o que acontece sempre que tenta me envolver nos seus problemas? Nada de bom, é isso! Quero dar o fora daqui o quanto antes!

— As mãos dele… tão fortes

Chiho, ao lado da disputa furiosa, continuava encarando o nada.

— Acha que eu também gosto disso? Você está sempre se metendo na minha vida diária e ainda me faz resolver todos os seus problemas? Estou cansado disso!

— Bem, dessa vez você vai ter que se virar mesmo, não é?

— Nem ferrando que eu vou! Você causou essa bagunça aqui, moça! E agora vou fazer com que limpe!

— Larga de ser nojento! Eu sempre cumpro as minhas promessas! Não é culpa minha se você continua fingindo que te prometi o céu e a terra!

— Vai parar de agir as-

— Façam silêncio, os dois! Vão acordá-la!

Ashiya suavemente fez com que os dois parassem. As vozes deles tinham aumentado de volume enquanto discutiam.

— Tão fortes… as mãos do Maou… Tão grandes…

— O que aconteceu com a Chiho?

— Ela está assim desde que entramos.

— Cale-se, Lucifer, ninguém te perguntou.

Suzuno rosnou enquanto colocava uma mão na têmpora. Fora Ashiya e suas tentativas de acalmar a situação, não havia ninguém com quem pudesse contar.

— Isso tudo é culpa sua por ter acendido aquele fogo doido lá! Você a invocou para cá da mesma forma que fez com aqueles clientes quando colocou aquela maldita árvore do lado de fora do MgRonald!

— Como que isso pode ser culpa minha?! E o que a árvore tem a ver?! Você nem mesmo sabia o que era um mukaebi! Que direito você tem de brigar comigo? Aquela coisa é de conhecimento comum no Japão! Não tem nada a ver comigo!

— Hah! Eu sabia! Você realmente a invocou! O restoio de energia demoníaca que ainda possui deve ter reagido com outra cerimônia tradicional japonesa! Você a trouxe para cá; você assume a responsabilidade!

 — O que diabos quer dizer com “restoio”?! Tenho uma reserva estratégica, droga! Você poderia pelo menos tentar ajudar um pouco quando surgir um problema!

— Ajudar? Como se eu nunca tivesse feito nada por você até agora?!

— Então? fez? Pois recentemente mais parece você está se metendo na minha vida e ficando presa em cruzes!

O quê?!

— Quer vir pra cima?!

— Vocês dois poderiam fazer o favor de calar a boca de uma vez?!

Suzuno, incapaz de aguentar a guerra vitriólica (ainda sussurrada em voz alta) de palavras entre a Heroína e o Rei Demônio, mirou impiedosamente um ataque do Luz de Ferro sobre a cabeça deles.

Ashiya e Urushihara não tinham como a impedir.

— Agh! Espera! Calma!

— Ei, se está tentando ser engraçado, então rngh!!

O martelo acertou em cheio na testa de Maou, que era mais alto.

Não fora utilizada muita força, mas até mesmo um martelo comum e sem magia poderia ser uma arma assassina nas mãos corretas. Maou encarou Suzuno sombriamente, olhos repletos de lágrimas.

— Nnnh… Aphh!

O tempo parou com o bocejo silencioso e sons de movimento.

A garota maçã se sentou, bocejando enquanto esfregava os olhos por um tempo. Ela olhou pelo aposento até que seus olhos se fixaram nos de Maou.

— Uh… ei.

Maou fez uma tentativa de saudação enquanto os olhos sonolentos dela observavam a cena.

— Ooooo?

Era difícil saber se o que dissera foi compreendido, mas ela devia ter entendido o contexto, pelo menos.

— … OOO-láááá.

Ele não deveria ter se preocupado. A voz da garota estava travando, mas claramente era o japonês simplificado de uma criança, não o japonês que exigiu que Maou e Emi usassem as habilidades do Elo Mental quando chegaram ali.

Maou, sem conseguir entender como aquela garota do Portal tornou-se uma especialista em um minuto, aproximou-se devagar para não a assustar.

— V-Você consegue falar japonês?

— Sim, pouco.

— Um pouco, hein? Hmm, entendo.

Maou assentiu, distraído, então virou-se, procurando por alguém — qualquer um — que pudesse se intrometer. Deu de cara com os olhos silenciosos de Emi, Suzuno, Ashiya e Urushihara, todos pressionando-o para que continuasse.

Um tanto frustrado por causa disso, juntou um pouco mais de coragem e virou-se de volta para a garota maçã.

— Então, hã, o que é você?

— Ooo?

A garota maçã devolveu o olhar, desnorteada, talvez sem conseguir entender a pergunta. Maou estremeceu por dentro.

— Não, hã… tipo, o seu nome. Qual, hm, é o seu nome?

Maou lembrou-se do seu treinamento no trabalho, fingindo que a garota era só mais uma adorável criança no caixa ao lado da mãe.

Agora os olhos da garota cintilaram, pensativa. Ela deu outro bocejo antes de responder:

— Alas Ramus.

— Alas Ramus?

— Hm, Alas Ramus… bipf!

Outro espirro leve. Talvez isso servisse para acordá-la; seus olhos entreabertos estavam agora arregalados e claros enquanto sua cabeça balançava de um lado para o outro.

— Ah!

Urushihara e o grupo recuaram por causa daquele súbito movimento, mas Maou, um pouco mais acostumado a comportamentos incomuns dos filhos dos clientes, conseguiu manter a postura.

Isso lhe deu a primeira oportunidade de dar uma boa olhada naquela garota que se chamava Alas Ramus.

Em termos humanos, não tinha mais do que um ou dois anos de idade. Seu cabelo era prateado, do tipo raro, que era claro o suficiente para refletir os raios de sol, mas uma mecha dele era roxo no final, como se tivesse sido pintado. Seus olhos também brilhavam com a cor violeta.

Maou direcionou o olhar para a testa da garota por um momento, mas nada estava ali agora. Deixando essa preocupação para depois, tentou outra pergunta.

— Então, Alas Ramus, de onde você veio?

— Mm, de… casa?

Depois de um momento, respondeu à pergunta com outra pergunta, a qual foi pronunciada com algumas palavras indistintas.

— Hm… Oh, casa? Bem, sim, acho que você veio de casa…, mas… então, onde é a sua casa?

— Ca… Casa ? Não sei casa.

Maou selecionou as perguntas que tinha em mente com cuidado.

— Você… tem uma mãe, ou um pai?

— Ma… Pa?

Alas Ramus balançou a cabeça, confusa. Ela podia não saber, ou as palavras eram longas demais.

— Então, quero dizer… hã, pode me falar sobre a sua mamãe e o seu papai, Alas Ramus?

Ela era uma criança perdida, a qual pelo menos parecia ser humana. Perguntar sobre os pais dela não seria um passo maior que a perna.

— Papai é… Satan.

Assumindo que a resposta não fosse aquilo.

Maou imediatamente sentiu os olhares de todo mundo fixados em suas costas.

— Entendi, o seu papai é Satan… Espere!

— Ela…

— Acabou de dizer…

— “Papai é Satan”…

— Né…?

— M-Maou?!

Chiho, perdida em seu próprio mundinho até então, rapidamente voltou à realidade, disparando na direção de Maou.

— Você, você, você tinha uma filha, Maou?!

— Ei, ei, ei, calma aí, Chi!

— É… é uma daquelas situações lá?! Você tinha uma esposa e filhos quando era Rei demônio?!

— Não! Nada disso! É melhor se acalmar um pouco! Nunca tive nada do tipo!

— É… é verdade, Vossa Alteza Demoníaca?!

— Ah, qual é, Ashiya! Não começa você também!

— Meu soberano sendo pai de uma criança fora do matrimônio seria uma notícia avassaladora nos reinos dos demônios! Ela deve receber o melhor tutor possível o quanto antes para ser preparada para o trono! Mas você a manteve escondida de mim por… bem, obviamente, meses, no mínimo! Qual o significado disso?!

— Esperem! Por que todo mundo está convencido de que ela é a minha filha?!

— Mas, ora, com que tipo de prostituta você teve um caso, Vossa Alteza Demoníaca?! Nossas forças eram compostas em grande maioria por homens, mas esse encontro saliente ocorreu antes de termos invadido Ente Isla?!

— Não! Estou te falando, não é isso!! Calma lá…

Perto da mão de Maou, enquanto ele era interrogado aos gritos por Chiho e Ashiya, a garota que se chamava Alas Ramos saiu de debaixo das cobertas.

— … Nff!

Ambas as mãos se fixaram no piso de tatame, ela corajosamente apertou o rosto com os olhos escuros enquanto, devagar e um tanto tímida, ficava de pé.

Ficou claro, se não útil de saber, que ela tinha idade o suficiente para ficar de pé sozinha.

Balançando os braços e pernas de um lado para o outro com toda a força, Alas Ramus correu de maneira desequilibrada a grande distância entre ela e Maou.

A expressão de todo mundo se suavizou um pouco diante de seus esforços ferventes, mas à medida que seus olhos a seguiam, Alas Ramus foi em direção à mão de Maou e a levou ao nariz, como se a cheirasse.

— Papai…

Então mostrou um enorme sorriso e o abraçou.

Era difícil descrever em palavras a tensão no aposento naquele instante.

Chiho e Ashiya enrugaram os rostos, bocas abertas como a de um peixe dourado puxado do seu aquário. Urushihara correu para um canto da residência, esperando não ser ainda mais arrastado para aquela bagunça. Emi e Suzuno ficaram paradas, em choque, incapazes de sequer processar o ocorrido.

E nem precisava dizer que Maou, o pai oficialmente certificado da criança, foi jogado nas profundezas mais abissais do caos interno.

— E-Espere! Como você pode ter tanta certeza de que sou o seu pai?!

— Papaaaai.

Por favor, mano, pare de ficar jogando mais lenha na fogueira!!

A mente de Maou parecia um carro de corrida, procurando por uma forma — qualquer forma — de acalmar os horrorizados Chiho e Ashiyia. Depois de um momento, pensou na pergunta perfeita para acabar com aquele atoleiro.

Só não sabia ainda que este era o prelúdio de um abismo muito mais profundo e sombrio.

— E-Espere, espere! Quem é a sua mãe, então? A sua mãe!

Alas Ramus apertou um pouco os seus olhos arregalados enquanto o encarava de volta.

Era o único fio de esperança ao alcance de Maou. A identidade de seja lá quem fosse essa mãe misteriosa era o que poderia lhe dar espaço suficiente para provar a sua inocência.

A garota não tinha mais do que dois anos de idade, a julgar pela aparência. Foi por volta da época em que Emilia e o Rei Demônio travaram a última batalha em Ente Isla. Ashiya e Emi sabiam que Maou estava encurralado na retirada, sem chance alguma de estar livre para aproveitar algumas safadezas com sedutoras diabólicas.

— Mamãe.

Desta vez, Alas Ramus respondeu sem repetir a pergunta.

Quando falou, um braço rechonchudo ergue-se no ar, com o dedo apontado confiantemente para a frente.

O resto do grupo seguiu a direção. Ela aparentava ter total controle dos braços e dedos, não que isso importasse, é claro.

— Hein…?

Emi estava no lugar indicado.

— Hã… E-E-Eu?

Em um instante, o rosto dela ficou mais branco e mais desprovido de sangue do que qualquer outro.

Era pleno verão, mas o ar no Castelo Demoníaco congelou por completo.

— Papai. Mamãe.

Então, como se desse o golpe final, Alas Ramus apontou para Maou e Emi, nesta ordem.

Os dois ficaram em choque, incapazes de analisar o comportamento dela.

— Ooh…

Ashiya desmaiou, e Urushihara levantou-se para ajudá-lo.

— Aghh! Ashiya! Ashiya, não vá desmaiar justo agora! Está tudo bem?!

— Yu… Yu, Yu, Yu, Yusa?

O pote de sorvete na mão de Chiho, ainda cheio de sorvete, foi esmagado pelo seu punho de ferro.

— O Rei Demônio é o pai, e a Heroína, a Mãe? Isso está muito além de um cataclisma…

A observação de Suzuno resumia perfeitamente o caos que começou logo depois.

E, no chão, indiferente a toda a confusão, Alas Ramus ficou entre a “Mamãe” e o “Papai”, balançando os braços de um lado para o outro, cheia de alegria.

 


 

Tradução: Taiyō

 

Revisão: Milady

 


 

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