Rei Demônio ao Trabalho

Rei Demônio ao Trabalho – Vol. 02 – Cap. 01.4 – Uma Vizinha Atenciosa Ajuda nas Finanças do Rei Demônio

Com um olho em Urushihara enquanto ele respondia com uma carranca, Emi pegou o seu caderno de anotações e a caneta, arrancou um pedaço de papel, escreveu algo e entregou a folha a Suzuno.

— Este é o meu endereço, o meu número de telefone e o meu e-mail. Se esses malandros fizeram algo, pode me pedir ajuda a qualquer momento.

— Muito bem. Devo-lhe muito pela ajuda. — Suzuno assentia enquanto colocava o papel com delicadeza dentro do seu kimono.

Emi não tinha ideia até agora que mulheres enfiavam coisas debaixo do kimono desta forma.

— Ouça, quem você acha que somos, hein? — Maou, lavando os pratos da manhã, não aguentou e precisou falar.

— Acho que são um bando de monstros perversos que eu consideraria piores abaixo do nível de uma barata, é isso. Duvido que façam isso agora, mas se agirem estranho com ela, vou arrancar a cabeça de vocês e pendurar na janela, entendeu?

— Quem é você, o Drácula?

Emi não deu bola para a pergunta.

— Bem, é melhor eu ir. Mas não se preocupe, pois eles podem não parecer, mas têm todos os motivos possíveis para não violarem a lei agora.

Emi disse a última parte a Suzuno enquanto colocava a bolsa de ombro perto do corpo. Então virou-se para Maou.

— Seja bom com ela, entendeu? Estou falando sério. Homens e mulheres têm sinonias completamente diferentes!

— Sim, não preciso que me lembre disso. Mas pelo menos não vou ignorar a ajuda que ela nos deu, diferente de certas pessoas que conheço. Dê o fora logo!

Emi aceitou a resposta, embora soubesse que a Heroína colocando muita confiança nisso fazia com que esquivasse do seu dever.

— Certo, até mais.

Ela foi gentil o bastante para fechar a porta quando saiu, a qual foi encarada por Suzuno por um momento.

— Y-Y-Yaaagghhhhh!!

Então, aos sons dos gritos de Emi, ela lançou-se para fora. No corredor, ainda usando suas meias de dois dedos, deu de cara com a Emi no meio das escadas, suando bastante e com as mãos firmes ao redor dos dois corrimões.

— E-E-Eu estou bem. Estou bem agora, okay? Sério mesmo.

Ela deu uma risada rouca, então, devagar, desceu a segunda metade antes de partir com uma vergonha muito aparente.

— Ela caiu de novo? — Ouviu Maou perguntando do lado de dentro.

— Não, conseguiu recuperar o controle no meio do caminho.

— Hmm, imaginei. Ela estava indo com pressa mesmo, como se estivesse fugindo da gente.

Urushihara murmurou a sua concordância, com os olhos fixados na tela do computador.

— Okay, Marko! O destino do turno da tarde de amanhã está em suas mãos. Trabalhe duro! Não deixe que o novo Frango Frito Sentucky passe por cima de nós!

Kisaki colocou a pressão em Maou na sexta à noite, várias horas depois que Emi saiu cambaleando do seu apartamento.

A partir de amanhã, durante a próxima semana, ele seria o supervisor de turno nas horas da tarde. Em outras palavras, a sua carreira de gerente assistente estava prestes a começar. Quando voltou para a corrida do almoço, Kisaki o presenteou com uma etiqueta de nome personalizada com o nome SADAO MAOU, em letras brilhantes, indicando que ele era o homem no comando daquele turno.

A sua velha etiqueta de SADAO (A) agora parecia uma relíquia dos dias do antigo salário mínimo que tinha. A partir de hoje, a etiqueta tinha o seu nome completo. Isso, de certa forma, o deixava orgulhoso.

Graças a todo o cuidado que Kisaki teve para ensiná-lo até hoje, ele estava pronto tanto em mente quanto em físico, um entendimento bem compreensivo de práticas de administração de estoque foi enfiado na sua cabeça.

— Me certificarei de ficar com o meu telefone caso qualquer emergência apareça, mas se não for algo que seja realmente catastrófico, pode ir em frente e tomar qualquer decisão que precisar ser tomada por conta própria. Isso vai servir para ajudá-lo a crescer, afinal.

— Sim, senhora.

— Bom. Gosto de ouvir isso. Dê o seu melhor aqui, pode ser? Não me faça te enviar a Trindade e Tobago.

— Pensei que estivesse brincando sobre isso. — Maou mostrou nervosismo em seu rosto.

— Eu só conto piadas quando quero que as pessoas deem risada.

Ele captou a mensagem.

— Não temos muitas pessoas neste turno, então é melhor você se virar. Pense nisso como um começo como o seu trabalho de supervisor de turno.

— Hein?

Maou olhou para a agenda de turnos na parede. As únicas linhas que estavam estendidas até a hora do fechamento, à meia noite, pertenciam a Maou e Kisaki.

Entre as cinco e dez da noite, outra linha se juntava à deles na tabela.

— Ooh. Chi, hein…?

Maou sussurrou para si mesmo. Kisaki percebeu e olhou para a agenda.

— Vocês dois não estão mais brigados, estão?

— Brigados não, mas…

A voz dele falhou antes que pudesse terminar a frase.

Chiho Sasaki, ou apenas “Chi” para os seus colegas de trabalho, era um membro do time que Maou tinha mais ou menos criado desde o primeiro dia dela. Era uma das raras garotas adolescentes com um verdadeiro talento para atendimento ao cliente. Uma carreira na indústria da hospitalidade podia estar muito bem esperando por ela algum dia.

Ela também era a única garota no Japão que sabia que Maou era o soberano demoníaco de outro mundo e que Emi era a Heroína em busca da morte dele.

Não que o fato de ela saber sobre estes eventos os incomodasse. Eles não fizeram nenhum esforço em especial para assegurar que mantivesse segredo, e também não gastaram magia para tentar apagar sua memória.

Chiho, por sua vez, não era o tipo de cidadão japonês que saía por aí gritando aquele cara é o soberano demoníaco de outro mundo! Ninguém iria acreditar nela, e ela sabia que qualquer esforço nisso seria fútil.

Uma preocupação mais relevante era que, dois meses depois da batalha contra Lúcifer, onde Chiho se deparou com todas aquelas verdades inacreditáveis, ela ainda estava sendo estranhamente reservada perto de Maou.

Não era como se estivesse aterrorizada por trabalhar no MgRonald ao lado de um monstro alienígena sedento por sangue. Até mesmo Maou estava começando a pensar que o motivo era outro.

Kisaki, medindo a resposta de Maou, estreitou os olhos de maneira fria para ele.

— Bem, se isso, seja lá o que for, começar a afetar as nossas vendas diárias, você irá preferir que estivesse em Trindade e Tobago.

A aura que ela emanou instantaneamente entrou no modo Nevasca do Ártico Nortenho.

— Pode ser que você acabe em um algum lugar como a Groenlândia, talvez.

— O quê, acima do Círculo Ártico?! Existe alguém que vive lá?

— Bem, isso é bem rude com os groenlandeses, não acha? A Groenlândia é parte do reino da Dinamarca; tem o seu próprio parlamento e tudo. Mais de cem mil pessoas vivem lá! Tem até um movimento para torná-la independente da…

— Eu não perguntei sobre a questão geográfica, além disso, não irei para lugar algum! O que você quer dizer com “seja lá o que for”?

Me refiro a algum gerente jovem que consegue se virar com o trabalho, mas tem problemas com uma adolescente que gosta dele, entendeu? Disso eu posso rir. Mas se o problema começar a afetar o meu limite… não espere piedade.

A verdadeira definição de conversa direta. Uma vertigem palpável fez-se presente na mente de Maou, forçando-o a encostar-se no balcão da frente para se equilibrar.

Maou podia não ter percebido, mas Chiho passou a ter alguns sentimentos verdadeiros por ele enquanto trabalhavam juntos nas linhas de frente da lanchonete. E, até mesmo agora, com ela já sabendo que ele era o Rei Demônio, esse ainda era o caso.

— Quero dizer, sabe, vou ter que impedir que funcionárias mulheres trabalhem com você ou o quê?

Kisaki continuou com o seu discurso retórico sem perceber, ou simplesmente desinteressada mesmo, nas emoções de Maou.

O relógio avançava sem parar, e antes que ele percebesse, já era quase cinco da tarde. Estava tendo problemas para se acalmar, mas mesmo assim gritava um “Bem-vindo ao MgRonald!” com vontade quando a porta automática era aberta em sua frente.

— Oh, um, olá.

Chiho Sasaki estava chegando para o trabalho, ainda usando o seu traje de verão. Ela, desajeitada, cumprimentou Maou, que estava no balcão.

— Uh… hmm… e aí.

Eles falavam entre si com o mínimo necessário para realizarem suas tarefas no trabalho, mas, fora isso, a quantidade de conversa tinha diminuído bastante. Até agora Maou não tinha ideia de como arrumar as pontas com ela.

— Oh, ei, Chi. — Uma voz foi ouvida ao lado dele.

— Uh… Hm! Um, boa tarde, Senhorita Kisaki!

O olhar que Kisaki mostrou a Chiho era um de interesse satisfeito, um completamente diferente do que tinha para Maou.

— Vá se trocar, pode ser? Maou vai ter bastante trabalho a partir de amanhã, então é provável que tenha muito a conversar com você também.

— Ah… uh, sim. Com licença.

Chiho assentiu, então passou pelo lado de Maou e entrou na sala de funcionários atrás do balcão. Ficaram a meros centímetros um do outro, mas não fizeram contato visual.

— Heh. Parece um caso sem volta. — Kisaki riu para si mesma quando viu Chiho sair. — Tenho que admitir que isso está me deixando um pouco mais preocupada enquanto deixo a loja em suas mãos.

— Preocupada…? Eu sei que Chi e eu estamos agindo um pouco estranho um com o outro agora, mas não é como se tivéssemos brigado ou algo do tipo. Isso não vai afetar o nosso trabalho. — Maou, meio choramingando e meio se defendendo, disse enquanto olhava para a porta da sala de funcionários.

— Bem, mesmo que você esteja bem com isso, ela pode não estar tanto assim.

As palavras saíram da boca de Kisaki. Maou a olhou, surpreso.

— Podemos ser apenas engrenagens na grande máquina que chamamos de Corporação MgRonald, mas, antes disso, somos seres humanos. Você não pode saber como as pessoas interagem entre si a partir de um único ponto de vista. Mesmo que tente, não irá melhorar as coisas no local de trabalho.

— Você… acha? Eu também suponho que seja assim.

Maou baixou os olhos. A observação fez com que percebesse exatamente o quão raso estava sendo. Então, no momento certo, Kisaki melhorou o clima.

— Ahh, vai dar tudo certo. A Chi ainda é jovem e inexperiente. Só precisa de um pouco mais de tempo para se acertar. Quando tiver a motivação certa, voltará ao normal na mesma hora.

Em termos de experiência de vida, Maou tinha uma vantagem de vários séculos sobre Chiho e Kisaki, na prática, pelo menos. Infelizmente, o tipo de experiência que ganhou durantes todos esses anos não eram algo que podia aplicar neste tipo de questão espinhosa.

— Você tem bastante habilidade mesmo, Senhorita Kisaki. Não é mole não.

— Ei, é só drama. Fique velho como eu, e isso começa a vir naturalmente.

Ainda um tanto perdido, Maou tentou o máximo possível focar na lista de controle do rush pré-jantar, mas foi parado por Kisaki.

— Vamos deixar a Chi lidar com isso, pode ser? Quero ver de perto como ela trabalha enquanto não estamos com movimento.

— Um, certo…

Kisaki tirou a lista das mãos de Maou.

— É melhor você descansar um pouco enquanto pode, Marko. Pode sair e jantar, contanto que volte às seis…, a não ser que queira comer aqui.

Maou balançou a cabeça ao ouvir o convite.

— Obrigado, mas vou passar o meu intervalo na sala de funcionários. Trouxe uma caixa de bento hoje.

— Um bento, hm? Começou a cozinha um pouco sozinho agora? Bem, só peço para que se certifique de que o que você cozinha não comece a apodrecer neste calor antes que possa comer. Isso vale o dobro para um trabalho de serviço alimentício como esse. Mantenha o seu bento em um local frio e arejado, e não se esqueça de colocar uma ameixa ameboshi seca nele para absorver a umidade.

Maou assentiu. Isso era senso comum, afinal.

— Eu sou bem organizado nesse sentido. Teria problemas se não pudesse trabalhar, caso ficasse doente. Bem, te vejo depois do meu intervalo.

Maou acertou o seu cronômetro para INVERVALO, então aventurou-se para dentro da sala dos funcionários e deu de cara com Chiho, que tinha acabado de sair de dentro do vestiário feminino.

— Oh…

Chiho, ao perceber que Maou estava ali, engoliu em seco, nervosa, desviando o olhar.

— Uh… então, vou ficar um tempinho no meu intervalo. A Senhorita Kisaki disse que queria fazer a checagem com você, tipo, ética de trabalho ou sei lá, antes de ficar movimentado.

— T-Tudo bem… — assentiu ela, as mãos para frente como se segurasse uma batata quente diante do peito, então começou a passar ao lado de Maou, quando… — …?

Ao perceber que Maou pegou um pacote da sua pasta, envolto por um lenço estampado, o qual comprou na loja de cem ienes da região, Chiho parou por um momento.

— Maou, o que é isso…?

Foi uma das raras ocasiões, nos últimos dois meses, em que Chiho puxou conversa com ele.

Maou desenrolou o lenço, revelando uma caixa de bento de dois andares, ambos de tamanho grande e com um design que era um pouco chamativo demais para um homem andar por aí com ela.

Depois a levou até a altura do rosto.

— Isso? É só um bento.

— Um bento…? Tem um padrão aí. Foi o Ashiya que comprou isso na promoção?

Sabendo das verdades sobre Maou, Chiho, naturalmente, também já conhecia Ashiya. Ela também sabia das suas origens demoníacas, assim como o seu papel como responsável pelas tarefas da casa e necessidades pessoais de Maou.

Foi uma pergunta inofensiva, mas Maou, abençoado com a primeira chance de ter uma conversa em dois meses, pensou um pouco mais antes de dar uma resposta honesta.

— Nah, peguei emprestada da minha vizinha. Eu não te contei ainda? Alguém se mudou para o quarto ao lado há um tempo.

 — Alguém se mudou… para aquele apartamento?

Os olhos de Chiho ficaram arregalados com uma surpresa inocente. Ela sabia do estado da miséria em que vivia, é claro, mas as suas próximas palavras foram o suficiente para fazer todo o seu corpo estremecer.

— Sim. É uma garota, na realidade…

— Uma garota?!

— Uou! Não precisa gritar assim.

O grito agudo de Chiho foi o suficiente para fazer Maou pular. Chiho ignorou a reclamação.

— V-Você pegou uma caixa de bento emprestada… dessa jovem moça? Mas o qu-

— Ei, Chi, pare de me chacoalhar!

Antes que percebesse, ela o agarrou pelo colarinho do uniforme de trabalho, puxando-o para frente e para trás.

— Q-Q… Quer, quer dizer que é uma garota… e essa garota te emprestou isso, para você, Maou…

— S-S-Sim. Sim, sério, pare de me chacoalhar, Chi…

O Rei Demônio não tinha forças contra uma garota adolescente.

— Eu… eu realmente não quero imaginar isso… tipo, não quero mesmo, mas não mesmo! Mas… foi ela quem fez?

O branco dos olhos dela brilhava enquanto encarava Maou, mãos ainda apertando com força a camisa dele. O desespero em seu rosto não era nem um pouco parecido com a frieza que teve que lidar durante os últimos dois meses.

A garota de quem ele falava era Suzuno Kamazuki, e como Ashiya ainda estava de cama — bem, de chão — e incapaz de fazer muito esforço físico, foi ela mesma que se voluntariou a fazer um bento para Maou no lugar dele.

Entre o udon que trouxe junto com a mudança e o gengibre e outras coisas que preparou hoje, Suzuno não reclamou por ter que trazer os próprios ingredientes ao Castelo Demoníaco e preparou as refeições para eles lá mesmo.

Os demônios, é claro, não tiveram do que reclamar. O gelo foi firmemente quebrado com a nova vizinha deles, e as economias no orçamento da comida estava aumentando de maneira exponencial. Mas Maou nunca imaginou que isso provocaria um campo minado como esse mais tarde.

— Eu… eu… eu acho que sim, talvez. Mas só acho.

Chiho não estava mais no clima para aceitar as tentativas fracas de Maou para esconder a verdade nua e crua.

— P-P-Posso, posso, posso, posso…

— Posso?

— Posso, posso dar uma olhada… no que tem dentro?

— Sim! Claro, então pare de me chacoalhar! Por favor!

Enfim removendo as mãos do colarinho de Maou, Chiho, com cautela, espiou dentro da caixa de bento de Maou, mas assustou-se com o que viu lá.

A camada mais de cima estava cheia até o talo de pratinhos com um arranjo de cores. O rosto de Chiho ficou rígido ao ver todo aquele luxo espalhado diante dela, mas o que percebeu logo em seguida a fez piscar, confusa.

Foi a raiz de bardana que chamou a sua atenção primeiro. Seguida pelo chikuzenni — frango assado e vegetais. Então o kikka-kabu, os pequenos rabanetes salgados com sal marinho e cortados em formato de flor. Depois as cenouras picadas e marinadas no vinagre e o rabanete daikon. Logo após, os kuri kinton doces, feitos com pasta de castanha.

— Osechi…?

Osechi? O quê?

 

Relutante, Maou perguntou, não tendo nenhuma experiência passada com a culinária tradicional do Ano Novo Japonês, onde era gasto bastante dinheiro por uma família em uma única refeição. Chiho balançou a cabeça.

— Deixe-me ver a última camada!

Ela então retirou a caixa de cima.

O que surgiu diante dos seus olhos era exatamente o que imaginava, algo que tornou tudo ainda mais aterrorizante para ela.

Em cima de uma camada de arroz, havia um enorme desenho de coração feito com algas marinhas, cercadas por uma fileira junta de ameixas secas.

Mesmo depois de ter anoitecido, a onda de calor caía sobre Tóquio, sem mostrar sinais de dissipação.

— Olá…

Quando Emi entrou no Mercado Amigos, a loja de conveniência que ficava perto da sua casa, em Eifukucho, foi recebida por um funcionário cuja paixão pelo serviço ao cliente era completamente diferente da de Maou.

Emi, a única cliente dentro da loja, deu um suspiro prazeroso ao sentir o vento do ar condicionado na testa, então pegou o caminho mais curto até a área dos bentos.

— Eu sempre acabo comprando a mesma coisa, né? — murmurou para si mesma enquanto pegava a refeição de curry envolvida em plástico com o estranho título longo: PURA SAÚDE-CURRY DE VEGETAIS DO VERÃO! TUDO ISSO E APENAS 1500 CALORIAS!

Pensando que aquilo não seria o suficiente, também pegou uma pequena embalagem de salada de repolho, um copo de sopa instantânea e um éclair de sobremesa, colocando tudo em cima da embalagem de curry.

Com qualquer benefício de saúde alegado no seu jantar de curry neutralizado, Emi foi até o caixa.

Trabalhar em uma central de atendimento lhe garantia que nunca precisaria se preocupar com horas extras fora do previsto, mas graças à sua parada anterior em Hatagaya para os seus deveres de Heroína, estava voltando bem mais tarde esta noite.

Nos últimos quatro dias que manteve sua vigília, este foi, sem sombra de dúvidas, o mais agitado. Por isso Emi decidiu que uma passada no local de trabalho de Maou não teria problema. Depois que embarcasse na Nova Linha Keio, desceria na estação de Hatagaya e pegaria o seu lugar preferido na estante de revistas da livraria em frente ao MgRonald, o local ideal para ficar de olho.

Mas — ela sentia que este seria o caso — tudo isso também lhe dava o direito de ver Maou, a gerente dele e Chiho Sasaki, a única pessoa japonesa que sabia da verdade sobre ele, enquanto todos continuavam suas tarefas em seus turnos. A experiência de uma stalker profissional, em outras palavras.

— Come ‘qui?

Ela assentiu para o funcionário, que tinha o estranho hábito de omitir sílabas de vez em quando, enquanto suas compras eram somadas.

Algo parecia injusto nisso tudo. Graças à generosa vizinha, Maou estava comendo como um rei, enquanto Emi desperdiçava o seu tempo e energia, além de ser recompensada por isso com uma comida de loja de conveniência entupidora de veias.

— ‘Brigado. Volte seeeempre.

Ela pegou a sacola plástica com o curry aquecido, virou-se em direção à saída, então:

— !!

Estremeceu e olhou para cima, sentindo uma clara e notável raiva assassina sobre ela.

Fosse verão ou não, indo para casa depois do trabalho ou não, com ou sem ar condicionado, Emi tinha um sexto sentido afiado para isso, o qual nunca a deixou, especialmente quando a sua vida estava envolvida.

Então, na hora em que a sombra negra, que apareceu de repente, saltou em sua direção como um assassino em fúria, na velocidade em que nenhuma pessoa japonesa pudesse sequer chegar, ela já estava posicionada para a batalha.

E quando — graças à excessiva velocidade por parte da sombra — o agressor falhou em notar a porta automática abrindo-se lentamente entre os dois, chocou-se direto no vidro transparente da porta e caiu com um baque. Emi não saiu da sua posição de batalha em momento algum.

— Nnn? Masoquê? — O funcionário, provavelmente um falante nativo da língua do povo toupeira, olhou para Emi.

Do outro lado da porta de vidro, que se abria vagarosamente, mas que agora tinha uma rachadura, o agressor baixinho de Emi estava deitado no chão, usando uma capa de chuva de plástico, calças camufladas e uma máscara de esqui preta, parecendo um meio assaltante de banco que tinha acabado de sair do barbeiro depois de um rápido corte de cabelo para esconder a própria identidade.

O peso do seu corpo manteve o sensor ativado, permitindo que a porta permanecesse aberta e que o ar frio de dentro saísse para a entrada.

Emi jogou a sua bolsa no chão e foi se aproximando do balcão para tentar largar suas compras, querendo livrar-se o quanto antes da bagagem que carregava.

— Sinhorrr, tá legal?

O funcionário saltou de trás do balcão, confundindo esse novo cliente com alguém que simplesmente teve um acidente azarado. Mas isso só continuou até o momento em que ele se aproximou da porta, quando as roupas estranhas do agressor o fizeram parar.

— Saia daí!

Ao lado, Emi empurrou o funcionário paralisado para longe. Ele caiu sobre a prateleira de jornais de emprego, surpreso com o ataque repentino, mas tal esforço salvou a sua vida no final.

Uma lâmina de luz cortou o espaço onde o funcionário estava antes. Emi sentiu uma grande e pesada massa passar, raspando em seu ombro, reduzindo a manga da sua camisa em fitas e, o pior de tudo, cortando a sacola com o seu bento recém comprado ao meio.

Ela, checando para se certificar que o funcionário ainda estava no chão, teve uma reação rápida.

— Lâmina de Vento Celestial!!

Sem um momento sequer de hesitação, lançou a sua espada sagrada, a Cara-Metade, na direção do ladrão vestido de forma bizarra, que tinha acabado de destruir a sua manga e o seu jantar.

A onda de choque liberada pela espada em sua mão direita atingiu o agressor, fazendo-o voar para o lado de fora da loja com um estrondo alto.

— Fique aqui e chame a polícia!

 Ela não sabia se o funcionário estava ouvindo, mas mesmo assim saiu da loja antes que ele pudesse ter a oportunidade de ver a sua espada enquanto perseguia o suspeito descarado.

Mas outro clarão de luz cortante a esperava do lado de fora quando saiu.

Emi defendeu-se do raio com um giro hábil da sua espada sagrada. O tinido de metal contra metal ecoou. Ela saltou, na tentativa de ficar sobre a cabeça do responsável pela emboscada.

— Passos Rápidos Celestiais!!

Focando o poder do Tecido do Dissipador que se escondia sobre suas pernas, Emi saltou para frente e pousou em cima do telhado de uma casa do outro lado da rua.

Não era um feito físico que uma pessoa comum seria capaz de conseguir, mas os olhos do assaltante com máscara de esqui nunca se desviaram dela.

Emi acabou invocando a sua espada sagrada e o Tecido sem hesitar, pois notou que, fora o traje maluco, não era um bandido qualquer com quem estava lidando.

Um mero bandido não teria uma enorme foice em mãos.

Era o tipo de foice que a maioria das pessoas só viam com a Morte nas cartas de tarô, uma que era mais alta que o próprio portador, facilmente capaz de cortar três ou mais seres humanos pela metade com apenas um golpe.

O bandido sem senso de moda não tinha nada desse tipo em mãos no momento em que se chocou contra a porta da loja de conveniência.

Diferente dos tipos de armas que a maioria dos criminosos gostavam de usar, essa não era uma daquelas que podia ser guardada em um bolso ou numa caixa de violino.

Considerando o tinido de metal quando a foice se chocou contra a espada sagrada de Emi, e também o fato de ela ser resistente o bastante para aguentar a lâmina da espada e como esse maníaco parecia tê-la gerado do nada, não havia como esse desastre da moda ser da Terra.

— Não sei se você é humano, demônio ou sei lá o quê, mas por que está me atacando em público desta forma?! — Emi começou a dar a sua honesta opinião ao agressor. — Não me importo comigo mesma, porém, se você quer machucar as pessoas do Japão, não espere misericórdia vinda de mim!

Com a Cara-Metade no nível do corpo, ela manteve-a alta enquanto saltava do telhado.

— Rrnnnngh!

A queda foi forçada não apenas pelo impulso, mas também era uma investida de tudo ou nada contra o seu inimigo, energizada por toda a quantia de força possível vinda do Tecido que cobria as suas pernas.

 Mas o seu agressor permanecia parado, foice preparada, antes de movê-la para baixo em um grande arco.

Emi tinha previsto o movimento. A sua espada foi defendida, mas ela usou o impulso para girar o corpo e dar um chute frontal com o seu pé esquerdo.

O chute reforçado pelo Tecido, usando toda a força de Emi, atingiu o ombro esquerdo do oponente.

Mesmo que o tenha pegado desprevenido, apenas o jogar para longe não acabaria com a batalha. Tendo o nocaute em vista, preparou-se para correr até o ladrão perplexo, mirando o plexo solar.

Então, naquele momento, o portador da foice liberou um clarão de luz sob a máscara de esqui.

O clarão roxo teria parecido um terrível efeito especial de vídeo dos anos 80 para uma pessoa comum, mas Emi, sentindo um calafrio lhe percorrendo a espinha, cortou o raio com a sua espada.

Algo dentro dela dizia que não poderia deixar aquele raio lhe atingir de jeito algum. Mas o que aconteceu logo depois estava além de qualquer coisa que pudesse imaginar.

— Hein…?!

A espada sagrada ficou desprovida de sua luz.

Cara-Metade, a espada que ressoava com a força sagrada dentro de Emi, começou a piscar como uma lâmpada prestes a queimar, encolhendo até o tamanho de uma adaga.

Emi puxou a espada de volta na tentativa de fazer com que ela voltasse ao seu tamanho da “fase um”, mas o portador da foice continuou com a onda de luzes roxas, prestes a suprimi-la.

— O-O que diabos é isso?!

Os raios não vinham em rápida sucessão, mas Emi nunca tinha ouvido falar de uma força poderosa o suficiente para fazer com que a sua espada sagrada literalmente encolhesse. Não sabia dizer o que um golpe direto faria com o seu corpo, mas não tinha mais como se esquivar dos ataques sem a sua espada. Em um momento, o jogo parecia ter virado.

Emi viu-se em pânico diante do agressor repentino, alguém que supôs ser um assassino de Ente Isla. Porém, a batalha contra o maníaco de foice e disparador de luz acabou de uma maneira igualmente inesperada.

— Ngh!

De repente, ele gemeu enquanto a onda de luz roxa parava.

Surpresa, Emi percebeu que a máscara de esqui dele tinha ficado da cor laranja-fluorescente, logo abaixo dos olhos.

— Não!

Agora foi um disparo redondo e laranja de… algo que passou pela linha de visão de Emi, acompanhado por uma voz masculina.

A bola atingiu o portador da foice no ombro, espalhando a cor alaranjada por grande parte do blusão dele.

Emi, confusa, olhou de volta para a loja de conveniência e viu o funcionário, em toda a sua glória, agora do lado de fora da loja e disparando bolas de tinta anti-assalto no agressor, o qual estava na total ofensiva durante toda a batalha, mas que agora estava no chão agonizando, e com o rosto coberto pelas mãos. Um pouco da tinta devia ter escorrido para dentro da máscara de esqui.

— Ei…

Esse show de coragem bruta a surpreendeu. Ter orgulho em seus deveres do trabalho é bom, mas aquelas bolas de tinta serviam para ajudar a perseguir criminosos fugitivos. Além dos agentes especiais utilizados para dar cheiro, não tinham um impacto forte.

Se o portador da foice decidisse atacar o seu novo agressor, Emi não teria muito o que fazer para o impedir. Ela, então, virou-se na direção do seu agressor—

— Hein…?

Mas viu o seu poderoso oponente virado de costas, fugindo enquanto tropeçava de um lado para o outro na rua.

— Uhhh… — resmungou para si mesma.

— N-Não! Volta’qui!! — O funcionário, enquanto isso, não se intimidou e continuou disparando as bolas de tinta enquanto o seu inimigo abatido corria.

Tudo o que podiam ouvir era uma ou outra bola estourando contra algo longe em meio à escuridão. Era difícil saber se alguma delas atingiu o alvo.

Emi dissipou a sua espada para dentro do seu corpo o mais rápido que podia. O único pensamento que tinha em mente era: qual é, sério mesmo?

Não havia dúvidas de que era um assassino de Ente Isla. Primeiro, chochou-se direto na porta automática, então invocou a foice gigante para provar da derrota vergonhosa por um caixa usando algumas bolas de tinta? Como isso aconteceu?

Evitar um conflito sem sentido era algo a ser celebrado, é claro, mas este clímax era o suficiente para fazer com que qualquer Herói perdesse o entusiasmo por toda a apresentação Heroica.

— Oh! Tá legal, moça?!

O funcionário finalmente percebeu Emi, ainda no calor do momento. Emi, em silêncio, havia guardado a espada e o Tecido do Dissipador dentro dela enquanto o maníaco de foice fugia, mas podia ser notado com facilidade caso o funcionário estivesse prestando atenção.

— Você está bem? Sinto muito por ter te empurrado daquela forma.

— Nah, que nada. Só bat’a cabeça d’leve.

Havia uma marca vermelha na testa dele, onde, sem dúvidas, tinha batido primeiro na prateleira de jornais de emprego. Essa batida o livrou de ter os intestinos libertados caso tivesse corrido direto até o ladrão.

— Será que devemos chamar a polícia?

— Oh, pois é, o alarme silencioso já deve tê chamado os tiras pra nós! — O funcionário pegou a mão de Emi, lembrando-se de algo repentinamente. — Oh, sabe comé, o manual dus funcionários jizqué pra segura todos’ clientes lá dentro. S’importa d’sperar um segundo ‘té os tiras chegarem?

— Uh… — resmungou Emi. A polícia tinha uma cena de crime para inspecionar, afinal, e mais algumas testemunhas para ouvir. Isso não era o que ela esperava. Quanto tempo os policiais precisariam para terminar a investigação? — Uhh, certo, sem problema.

Ela lembrou que podia deixar o número do telefone e identidade e pedir para ir rapidinho até o seu apartamento, mas vetou a ideia na mesma hora. Não estava tão interessada em interromper ainda mais o seu tempo privado com mais uma visita à loja de conveniência da vizinhança mais tarde.

Não era questão de se confiava ou não no funcionário, estava mais para um tipo de mecanismo de autodefesa que já vinha equipado em qualquer mulher em Tóquio.

Sem jeito, ela voltou para dentro para pegar a sua sacola de compras rasgada. Dentro, o curry, o repolho e o éclair estavam todos misturados, como se fosse uma pizza excêntrica.

Emi pegou o único sobrevivente da sacola antes de se virar para o funcionário.

— Posso pegar um pouco de água quente? Estou com fome, então queria tomar uma sopa, pelo menos, enquanto espero.

Virando-se para uma chaleira no canto, o funcionário encheu a embalagem amassada da sopa com o líquido quente e convidou Emi para se sentar no escritório dos fundos.

Olhando para o local da loja de conveniência que nunca tinha visto antes, Emi murmurou para si mesma:

— Bem, aquela luta me custou caro mesmo.

A espada Cara-Metade que manifestou desta vez estava restrita até a primeira fase, mas possuía um nível de força que era incomparável ao que tinha usado contra Lúcifer há dois meses. A este ritmo, não tinha dúvidas de que a fase dois seria acessível, mesmo com o seu Tecido do Dissipador totalmente ativado.

Isso tudo tornava mais urgente o fato de ter que descobrir o que era aquela luz roxa. Nunca tinha se deparado com um inimigo capaz de anular os seus poderes sagrados.

Bebericando da sopa depois de deixar escoar na água por um minuto, Emi cerrou os dentes, frustrada. Já estava se tornando uma noite solitária, e os eventos gerados pelo ladrão maníaco de foice só serviram para deixá-la mais para baixo.

Na próxima vez que se encontrassem, jurou que cortaria o agressor misterioso ao meio antes que mais habilidades estranhas e de outro mundo se envolvessem.

— Uh, moça, é teu?

O funcionário entrou, carregando uma bolsa de ombro que Emi deixou de lado no momento em que tudo começou.

— Oh, sinto muito. Obrigada.

Ela tinha se esquecido completamente. O funcionário apontou para a bolsa enquanto ela pegava de volta.

— Uhh, achoq’ teu telefone tá tocando…

— Hein? Oh. Ah!

Corando por instinto, Emi tirou o telefone vibrando de dentro da bolsa.

Devia ter se esquecido de colocá-lo no silencioso, pois estava tocando o tema de Shogun Maníaco, uma das suas novelas de samurai favoritas, no volume máximo.

— Uh… hahahahaha! Você, é, se surpreenderia se visse o quão viciante essa novela é.

Inventando desculpas que não eram necessárias, Emi levou o celular até o rosto.

— Yusa! Yusa, há algo de errado com o Maou!

O grito frenético do celular fez Emi virar o rosto.

O nome Chiho Sasaki e o número de telefone apareceram na tela. Quase cuspindo a sopa por causa da surpresa, Emi mostrou um olhar confuso para a forma escolhida pela garota para começar a conversa, então, relutante, levou o celular até o ouvido de novo.

— Ch-Chiho? O que aconteceu?

— Maou! Maou, ele…

— O quê? Ele morreu?

Emi, deprimida demais no momento para querer pensar sobre qualquer coisa relacionada ao Maou, deixou a pergunta extrema sair da sua boca.

Sabia muito bem que Chiho sentia algo por ele.

Depois da batalha, dois meses atrás, deu o seu contato para Chiho, pois queria se assegurar da sua segurança e também para manter a vigília sobre o que Maou estava fazendo durante as horas de trabalho. Elas trocaram algumas mensagens — ou conversas por voz — sobre nada em particular desde então.

Nada parecia fora do comum entre eles no MgRonald mais cedo, fazendo Emi se perguntar o que poderia a deixar tão histérica assim, quando:

— Não, ele trouxe um bento! Um bento caseiro!

Parecia estar prestes a derramar lágrimas enquanto reportava a terrível verdade.

Engolindo uma boa porção de sopa, Emi tentou entender por que isso faria alguém querer chorar.

— Um bento? E qual é o problema? A comida do MgRonald não é gratuita. É bem provável que o Ashiya tenha pedido para que ele cozinhasse em casa com mais frequência. O que há de estranho…

— Não foi o Ashiya! É um bento com uma enorme marca de coração. Garota, caseiro, tem duas camadas!!

— Tudo bem, pode se acalmar um pouco e colocar os verbos e pronomes na ordem certa?

Emi sorriu para si mesma. Agora já sabia por que Chiho estava tão agitada.

Aquele Maou sem cérebro deve ter feito algo para machucar o coração de uma mulher de novo

— Então, de quem era? É daquela garota que se mudou para perto deles?

— Você sabia disso, Yusa?! E ainda está disposta a dizer dessa forma?!

— Hein? Que forma?

De onde foi que saiu essa pergunta? Não é como se a Emi se importasse de quem era a comida que o Maou metia na boca. Além disso, ela meio que tinha acabado de ter o seu jantar cortado ao meio.

— Eu… não vejo qual o problema. Quero dizer, sim, se o Rei Demônio ficar em boa forma, isso pode colocar o mundo inteiro em perigo algum dia no futuro, mas não posso ficar cuidando de cada decisão que ele toma na vida.

Suzuno Kamazuki era, sem dúvidas, uma garota com uma enorme reserva de ingenuidade, mas o Japão é um país grande. Podia ser difícil para alguém natural de Tóquio imaginar, mas a filha de uma antiga e tradicional família do interior pode ainda viver esse tipo de vida, mesmo hoje.

E se Maou estivesse prestes a fazer qualquer coisa que pudesse colocá-la em perigo, já teria feito havia tempo, pois vários dias se passaram antes de Emi ficar sabendo da existência de Suzuno.

Emi pensava sobre o assunto enquanto bebericava a sopa novamente.

— E você ainda se chama de Heroína, Yusa?! — A refutação indignada fez Emi afastar o celular por um tempo mais uma vez. — E se a vizinha ao lado for uma pessoa má ou uma assassina pensando em maneiras para matar o Maou e os seus aliados? Então?

— …

Nem mesmo Emi estava esperando que isso saísse da boca de Chiho. O choque a deixou em silêncio.

— Além disso, você não acha que é um tanto estranho demais? Esses três vivendo em um apartamento em ruínas e prestes a desmoronar. Eles não ganham quase nada de dinheiro e não são lá grande coisa. Mas essa garota acabou de se mudar e ficou próxima deles? Isso não faz sentido! Maou me disse que era apenas um presente de vizinho, mas que tipo de garota faria isso por um vizinho, um completo estranho que conhece há apenas alguns dias?!

— Eu… sei que não estou em posição de perguntar, mas você gosta muito dele, não é, Chiho?

A quantidade de abuso que Chiho estava largando sobre os pés de Maou foi pesada o bastante para que Emi, de alguma forma, se obrigasse a verificar.

— Bem, só estou dizendo que sou a única garota que pensaria em fazer algo desse tipo para ele!

Ela pensou que era a única exceção do mundo. Amor adolescente pode ser cego assim às vezes.

Entretanto, Emi já tinha visto por si só quão profundamente Suzuno tinha se integrado com os moradores do Castelo Demoníaco. Ouviu a própria mulher expressar um grande interesse no Rei Demônio.

Além disso, Chiho claramente tinha ameaças muito maiores à sua vida do que a caixa de almoço. Mas, ao se lembrar dos eventos que aconteceram no Castelo Demoníaco naquela manhã, Emi percebeu algo a mais.

Tinha dado as suas informações de contato a Suzuno. Em grandes detalhes, além disso.

Ela pensou que a garota poderia usar alguma outra amiga em Tóquio, mas no mesmo dia em que o Castelo Demoníaco mudou diante dos seus olhos e deu as suas informações de contato para uma garota logo no primeiro encontro, foi atacada por um maníaco usando uma foice.

Isso tinha algum tipo de relação?

Mas era difícil imaginar uma mulher tão formal e respeitável, trajando o seu tradicional kimono, andando por aí naquele traje hilário e sem estilo. A única coisa que ambos tinham em comum era a silhueta pequena.

Ainda assim… pensava Emi enquanto se reorganizava.

Era mesmo uma verdadeira coincidência se eventos enormes caíam sobre a Heroína e o Rei Demônio… ao mesmo tempo?

A batalha contra Lúcifer e Olba há dois meses também passou pela sua mente.

— Yusa? Ei, Yusa?

A imersão de Emi foi arruinada por Chiho, que chamava o seu nome.

— Oh! Sinto muito. Só estava pensando em algo aqui.

— Então, Yusa. Você é a Heroína, né? Quer dizer que precisa derrotar o Maou alguma hora, certo?!

Emi engoliu em seco. Era como se Chiho tivesse fisicamente a colocado em um canto no escritório dos fundos.

— Eu… sim, pois é, bem provável, mas…

— Então, sabe, se quiser me ajudar…

Emi, que não tinha ideia de como que o seu plano de matar impiedosamente o Maou ajudaria a provável namorada dele, esperou que Chiho continuasse.

 


 

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Bravo

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