Rei Demônio ao Trabalho

Rei Demônio ao Trabalho – Vol. 01 – Cap. 03.2 – O Rei Demônio e a Heroína Permanecem Fortes em Sasazuka

O grito fez a estrutura do apartamento de madeira tremer. O momento de silêncio logo em seguida parecia ainda mais ensurdecedor. Emi soluçava, sem fôlego. Maou continuava ali, sem conseguir dar uma resposta.

— O… O Rei Demônio que eu perseguia era um monstro perverso! Ele tratava as pessoas como se não passassem de insetos! Não amava nada além do desespero, do sangue que escorria pelo mundo!

— Eu…

— Você transformou nossos campos em gigantescas tempestades de fogo! Esmagou nossos castelos com seus raios! Afogou cidades inteiras com suas inundações! Permitiu que sua horda de demônios exercesse todo e qualquer tipo de brutalidade selvagem da forma que bem entendesse! Rei Demônio Satan! Mesmo depois de sua morte, jamais o perdoarei! Você tomou o meu lar, os campos de meu pai, a vida dele, minha paz, a calmaria da minha infância…! Tudo! E eu nunca irei te perdoar!

— Emi, eu…

— Mas por que… por que está sendo… tão legal comigo…?

Ficou claro que a maquiagem mental de Maou fez com que esquecesse um pouco do seu tempo em Ente Isla.

Ele foi um tirano, naquela época. Ainda se lembrava de como tratava o mundo como seu brinquedo e decidiu erradicar a raça humana de toda a terra. Aquele desejo, pelo menos, ainda existia. Mas, então, por que não apresentava resistência com relação à ideia de viver uma vida confortável em um mundo dominado pelos humanos?

— Eu… eu nunca parei para pensar muito sobre isso — Sem conseguir formular uma resposta clara em sua mente, forçou-se a dizer essas palavras de qualquer forma. —, mas… bem, sinto muito, eu acho.

— …

Emi não respondeu. Ao invés disso, ergueu seu rosto vermelho e úmido devido às lágrimas, encarando o homem à sua frente, com a boca aberta.

Sua abordagem foi casual, mas ele estava se desculpando com sinceridade.

— Assim, eu nem sabia que existia um Herói no começo. Estava ocupado com a dominação do Continente Central e o controle sobre o meu exército demoníaco, então eu acho que não dei muita atenção para o que estava rolando nas ilhas ao redor… Bem, só que não quero colocar a culpa em Lúcifer também. Mas o que eu poderia ter feito? Demônios e humanos… sabe, sempre estamos em conflito entre nós.

Ele estava claramente frustrado consigo mesmo. Seus olhos giravam, sem conseguir encarar nada fixamente, gesticulando enquanto tentava ao máximo para formular uma desculpa decente.

— Além disso, sabe, naquela vez, eu acho que não compreendia muito bem os humanos, por isso…

Emi não esperava que Maou dissesse tudo isso, mas esta reação estava totalmente fora de suas expectativas. Ela virou seu rosto vermelho para o lado; a realização que teve explodiu diante de Maou, a enchendo de vergonha.

— Olá, eu estava…

A cena foi, repentinamente, interrompida por uma voz familiar. Emi e Maou se viraram, com pressa, na direção da porta. Ashiya entrara, como se guiasse alguém, e atrás dele estava Chiho, petrificada quando percebeu o estado em que Emi e Maou estavam.

Ashiya estava perdido, esquecendo de fechar a porta quando testemunhou a cena.

Chiho, em seu uniforme escolar de cor vermelha, carregava um saco de papel com a logo de uma loja de doces japoneses localizada na loja de departamentos de Shinjuku.

— É, eu… eu me encontrei com a Senhorita Sasaki lá, e ela disse que queria se encontrar com você, então…

Ashiya gaguejava enquanto ainda segurava a sacola da farmácia. Depois de um momento em choque, Chiho derrubou a sacola que estava segurando. A julgar pelo baque pesado, podia-se imaginar que havia uma lata de biscoitos senbei na sacola, não que isso importasse agora.

Maou pôde supor o que se passava pela mente dela.

Talvez ela ainda estivesse se sentindo mal por causa da noite passada. Não só envolveu Maou no desastre, como o seu pedido também causou repercussões na vida pessoal dele. Então, a fim de compensar o ocorrido, colocou a melhor roupa que tinha e decidiu comprar um lanche para dar de presente. Para os padrões de uma adolescente moderna, era um gesto tremendamente educado.

Logo depois, encontrou-se com Ashiya, o colega de quarto de Maou, perto de seu apartamento. Chiho não teve uma conversa muito aprofundada com Ashiya, no dia anterior, mas ele a conhecia, e ela sabia que ele também estava no local do desastre. Então, sendo um bom cavalheiro, devia tê-la escoltado enquanto subia as escadas.

Como Ashiya sempre prestava atenção nos detalhes, sem sombra de dúvidas, contou-lhe sobre a visita matinal de Emi. Chiho devia ter aceito as notícias numa boa, já que estava ali agora.

Por isso, quando voltou, esperava ver uma Emi ferida, não uma de rosto vermelho e soluçando, além de um Maou em pânico, tentando ao máximo criar desculpas. Era simples imaginar como ela interpretaria aquela situação. Além disso, graças à sua queda das escadas, o traje de Emi não tinha apenas um simples rasgo.

Tudo isso correu pela mente de Maou em questão de um segundo.

Nervosa, Chiho deu um passo para trás e, com cautela, transformou toda a suposição que tinha em verdade.

— Hm… Ha-ha! T-Talvez, é, não seja o melhor momento… — gaguejou.

— Ch-Chiho…

Emi, sem dúvidas de que chegara à mesma conclusão que Maou, levantou-se, em pânico, ao perceber que Chiho tinha interpretado mal a cena de forma dramática.

— Eu acho que é verdade… que… Maou e… Yusa… Realmente estão… — Seus joelhos tremiam. Seus olhos não mostravam emoção, mas o sorriso estava tenso e trêmulo nos cantos.

Este estava se tornando um mal-entendido sério.

— N-Não, Chiho, não é isso mesmo! É…

— Chi, ouça, se acalme um…

— S-Sinto muito!

Não propensa a dar ouvidos a todas as desculpas sem fundamentos de Emi e Maou, Chiho virou-se e saiu correndo. Os mocassins, que faziam parte de seu uniforme escolar, a mantiveram segura conforme seus passos tiniam escada abaixo. Os três continuaram ouvindo, ainda petrificados.

— Isso é mal… não é? — murmurou Emi. Parecia que sua alma fora removida do corpo.

Maou virou o rosto para cima e cobriu os olhos com as mãos.

— Será que nós devíamos ir atrás dela e esclarecer tudo?

Ashiya observou a área no fim das escadas. Não havia mais sinais de Chiho.

Tirando a sacola do nervoso e contorcido Ashiya, Maou jogou-a para Emi. Ela pegou por instinto.

— Ouça, só vá para casa, tá bom? Nada de bom acontece quando você está perto de mim!

Não houve resposta para o seu abuso verbal e físico.

A entrada inesperada de Chiho drenou toda a tensão do apartamento.

— Oh, querido Senhor Maou, isso não foi muito maduro de sua parte

Até mesmo Ashiya, ainda petrificado perto da porta aberta, não percebeu no começo.

— É feio mexer com uma mulher dessa forma! Fique sabendo que não estamos nas férias do ensino fundamental.

— Aaaaghh!

Ele não percebeu até aquele momento que um pilar de ouro estava atrás dele.

— S-Senhorita Shiba!

Seu vestido longo, do estilo medieval e com desenhos de calêndulas, cintilava na luz da manhã. Uma pena de pavão brilhante, pintada da cor dourada, saltava de seu chapéu de abas longas, o qual tinha a mesma cor de seu vestido. Seu cabelo dourado, que fazia lembrar a nobreza francesa, refletia os raios de sol sobre o seu corpo. Ela carregava uma bolsinha amarela que também brilhava, com alças elegantes, que mais pareciam cordões de pérolas, e ela completava o embrulho com um xale repleto de cordões verde-limão; de sapato de salto alto e cílios postiços, que lembravam um gramado crescendo no solo oceânico, tão longos que até o mais notório artista de mangá shojo fugiria para as montanhas se lhe pedissem para desenhá-los naquele comprimento.

Era ela, Miki Shiba, a proprietária do apartamento, que apareceu sem ser notada.

Foi o grito de Ashiya que finalmente fez com que Maou e Emi percebessem a senhoria, em formato de espiga de milho, atrás dele. A luz dourada ao seu redor parecia formar uma gigantesca aréola enquanto eles sentiam o calor que vinha de sua presença.

— Posso assumir que esta é sua namorada, Senhor Maou?

A voz grave parecia pertencer a uma mulher razoavelmente de idade, mas o tamanho de barril de Shiba frustrava as tentativas de tentar adivinhar sua idade.

— Meu nome é Miki Shiba, e sou a senhoria do Vila Rosa Sasazuka. Prazer em conhecê-la!

Emi apertou os olhos, como se tentasse enxergar através de toda aquela gloriosa luz solar diante dela. Acenar com a cabeça era o melhor que conseguia fazer.

— A propósito sinta-se livre para me chamar de Mikitty.

— Hm, certo…

Não havia outra resposta a ser dada.

— Vim para visitá-los, Senhor Maou, Senhor Ashiya, para informar meus inquilinos sobre certos assuntos…, mas vejo que estão bem ocupados no momento, não?

Com essas palavras excessivamente curiosas, entregou um pedaço de papel para Ashiya, exalando um aroma de seu perfume elegante enquanto estendia o braço.

— De qualquer forma. Tivemos uma série de terremotos nos últimos dias, não acham? Senti que é necessário realizarmos um reforço contra terremotos nesta residência, por isso vim para informá-los sobre algumas obras no futuro.

Mesmo que tenha sido este o caso desde o primeiro encontro, por alguma razão, Maou ainda tinha problemas para lidar com sua senhoria. Ele não se importava nem um pouco com a extravagância atrevida e brega, mas, por algum motivo, seu sexto sentido demoníaco sempre lhe dizia que Shiba era uma dama que não poderia ser desafiada, de jeito algum.

O papel em questão possuía um agendamento para obras de reforço, um aviso de que os residentes precisariam sair da propriedade pelo período de um dia, e outro aviso de que aquilo não alteraria o aluguel mensal deles. O selo da senhoria estava no fundo, junto de uma marca de beijo, lustroso e dourado. Maou fez um esforço mental para não deixar que sua reação se mostrasse à vista.

— Porém, teve bastante terremotos mesmo, hein? Especialmente nestes últimos dias.

Shiba fez a observação casual à medida em que se aproximava de Maou.

— P-Pois é…

— Na verdade, me pergunto se terá outro algum dia.

— Eu… não sei dizer.

— Ah, falando nisso, no meio do caminho, cruzei com uma jovenzinha charmosa descendo a rua correndo. Devo dizer que ela estava chorando o caminho todo! — Ela sorria enquanto olhava para os três no apartamento ao mesmo tempo. Era um feito físico muito impressionante. — Creio que ela deva estar indo para a estação de Sasazuka…

Então, naquele instante…

— Foi um tremor… agora há pouco?

Apenas a elegante Miki Shiba preferiu não assentir em resposta.

— Senhor Maou?

— Hm?

— Se você a envolveu nisto, eu esperaria que um rapaz como você cuidasse de tudo até o fim, né?

— O-O que quer…

Maou ficou confuso, sem conseguir entender sua senhoria. Porém, enquanto ele permanecia assim, o tremor começou a ficar cada vez mais forte.

— V-Vossa Majestade Demoníaca! Es-Este tremor! — gritava Ashiya.

— Chiho!

— Então você realmente acha que aquela jovenzinha charmosa ter recebido um elo mental e ter ficado sujeita àquele golpe sonar foi uma total coincidência?

Uma única frase da senhoria foi tudo o que precisou para deixar os outros petrificados.

— Eu acreditaria que você, dentre todas as pessoas, entenderia o poder por detrás dos pensamentos e vontades das pessoas. Talvez seja melhor se apressar… antes que seja tarde, não acha?

Havia algo escondido por debaixo de toda aquela maquiagem. Mas o que podia ser?

— Viu só? Consegue ouvir, não?

Um estrondo alto percorreu a cidade.

 


 

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