— Só quero te dar um conselho. Não vai demorar muito para esse cara ir embora do Japão. É melhor manter as coisas como estão, caso contrário, você vai se machucar mais tarde.
Surpresa pela intromissão repentina de Emi, Maou sentiu sua mente ficando em branco novamente. Ashiya, que estava sentado com ela, estava se escondendo atrás dela, sentindo-se culpado por não a ter parado a tempo.
Chiho, por sua vez, respondeu rapidamente:
— Com licença, mas a senhorita o conhece?
Sua expressão perdida e desamparada mostrou-se forte no instante em que se levantou. Cara a cara, suas palavras, para a surpresa de Maou, mostravam grande hostilidade.
Emi devia ter sentido aquilo na própria pele. Seu rosto permaneceu calmo, mas sua voz mudou para um tom mais apelativo.
— Ouça, digo isso pelo seu bem! Este homem não é quem parece ser. Ele é muito mais trapaceiro… e brutal internamente.
— Você não pode vir do nada e dizer essas coisas horríveis sobre ele! Como o conhece, hein?
Maou estava chocado ao ver Chiho disparar uma saraivada igualmente poderosa de repreensões contra Emi. Ele sabia que ela era uma jovem alegre, mas não tinha ideia de que havia uma força tão dinâmica por trás disso.
Ashiya, enquanto isso, não podia fazer nada além de ficar atrás de Emi, balançando nervosamente de um lado para o outro.
— Sou a inimiga deste homem. Nada mais do que isso. Ouça-me, Chiho Sasaki, dei o meu aviso. Saia com ele, e você não sairá feliz.
— Y-Yusa, já chega! — Por fim, Ashiya saiu de trás dela e a parou.
— Chi, acalme-se um pouco. — Maou, fazendo sua parte, tentou apaziguar Chiho, porém…
— Não me diga o que fazer!
— Fique quieto, Maou.
A batalha silenciosa entre as duas continuou inabalável, as faíscas, quase visíveis, voavam enquanto elas se encaravam.
— Não, quero dizer… não quero causar nenhum problema para o café, então… o que acha de irmos para fora, pode ser?
O resto da equipe e os clientes perceberam o conflito entre Chiho e Emi, porém, estranhamente, apenas Maou e Ashiya — os demônios — estavam dando atenção. Maou tentou o melhor que pôde para neutralizar a situação.
— Ah! Agora eu me lembro. Você veio até o nosso restaurante alguns dias atrás, né, madame?
— E daí…?
Mas elas não davam ouvidos!
— Você estava conversando com Maou naquela vez, se me lembro bem. Você é a ex dele?
Não era necessário ver como os cantos dos lábios de Emi dobraram de forma dolorosa por um momento para entender quanta força foi colocada neles.
— Nngh! O que você disse!?
O grunhido irritado dela para expressar a ira e humilhação por ser acusada disso foi o que fez com que ela e Maou fossem levados à delegacia. Mas Chiho interpretou isso como um sinal de que acertou em cheio.
— Pensei que poderia ser. Bem, como eu me aproximo de Maou não deveria ser assunto seu mais, não acha?
— Pode parar de falar essas idiotices por um momento? Nós não temos esse tipo de r—
— Não? Então por que está sempre está atrás dele?
— Ouça, nossa relação não pode ser resumida tão facilmente, ok?
— Ah, então você é bem próxima dele? É isso o que quer dizer?
— O que diabos te fez pensar isso?
— O que mais poderia ser?
Independentemente se estavam ouvindo uma a outra, as acusações e o tom de voz aumentaram. Sentindo a intensidade e olhares frios dos outros clientes em suas costas, Maou falou, suor aparecia em seu rosto contorcido:
— Vocês duas poderiam se acal—
Não foi capaz de terminar a palavra “acalmar”.
Um estrondo alto percorreu o café, acompanhado por um som que era impossível de descrever.
No começo, ninguém conseguiu descobrir o que estava acontecendo — nem Maou, Chiho, Emi, Ashiya ou as testemunhas que observavam a batalha intensa com a respiração prendida.
No momento seguinte, alguém gritou:
— Terremoto!!
Outra pessoa aflita disse:
— É um dos grandes!
O grito seguinte foi abafado, junto de todos os sons no corredor subterrâneo, por um rugido massivo e opressor enquanto o chão tremia.
Eles estavam no subterrâneo, mas o sobe e desce era tão intenso que era impossível permanecer de pé. Utensílios e móveis caíam conforme lâmpadas e vidros quebravam.
— Cuidado!
Quem disse isso, ou quem ouviu, deu de cara com uma rachadura no teto que se abriu em um piscar de olhos. Os estrondos e tremores eram incessantes, à medida em que rachaduras ameaçadoras se espalhavam na direção dos pilares de sustentação e pelo chão.
— Vai desabar…
O teto começou a se curvar; a mesa em que Maou e Chiho estavam foi esmagada.
— Maou! — gritou Chiho, mas sua voz não o alcançou.
Ele conseguia ver o teto rachando, mas seus pés estavam congelados, sem conseguir escapar em meio ao tremor.
Todo o corredor começou a desabar. Durante a chuva de escombros, o medo de Chiho chegou ao limite, sua consciência estava tornando-se um grande breu.
Ela conseguia sentir os próprios olhos se abrindo, mas não havia nada além de escuridão diante dela. Confusa, tremeu involuntariamente. Foi a primeira vez que perdeu a consciência dessa forma, mas suas memórias, de agora há, pouco trouxeram de volta o medo extremo. Com cautela, tentou mover os membros tensos, fazendo contato com várias pedras e destroços no chão.
— O-O que está acontecendo? — sussurrou para si mesma.
— Ah, ótimo, está acordada.
Ouviu a voz de uma mulher por perto.
— Q-Quem é?
— Sou eu.
A voz ecoou na escuridão, pouco visível em meio a tantos obstáculos.
— Você…
O rosto que conseguiu ver com dificuldade naquele breu era o de uma mulher que, rudemente, interrompeu seu pequeno encontro com Maou. Vê-la fez com que Chiho se lembrasse da conversa que acontecera antes. Depois, notou o rosto dela na luz escassa. Estava marcado por algo escuro que escorria pela testa.
— V-Você… está bem!?
— Ah, isso?
Mesmo depois de limpar de qualquer jeito, continuou escorrendo pelo rosto. Um grito veio do fundo da garganta de Chiho.
— Isso não é grande coisa.
— Mas… mas todo esse sangue…
— Não está tão ruim quanto parece. Logo vai coagular.
A mulher, agindo como se simplesmente tivesse se cortado ao picar cebola, segurava um celular. Era sua fonte de luz no momento, o que permitiu que Chiho visse o sangue escorrendo na testa da mulher.
— Mas isso não é nada bom. Estamos completamente presas.
A mulher iluminou a área com o celular. Escombros do corredor cobriam todos os lados. Só havia espaço para as duas ficarem de pé.
— Foi… foi por causa do terremoto?
— Aham. Acho que o corredor desabou. Provavelmente há centenas de pessoas soterradas vivas aqui.
— Po-Por quanto tempo fiquei…?
— Faz menos de meia hora desde o tremor. Parece que não estamos tendo problema para respirar, então deve ter algum caminho para o ar passar.
Chiho conferiu o próprio corpo. Não havia ferimentos em particular. E, talvez por causa da calma indiferente da mulher, ela estava superando o medo do escuro aos poucos. Ela respirou fundo.
— Você parece bem calma com tudo isso.
— Aham. Um tempo atrás, coisas assim eram rotineiras. Você sim parece estar acostumada com brigas teatrais, não é por isso que está agindo com um pouco mais de calma agora?
— É porque eu tenho uma irmã mais velha, ela provavelmente deve estar chorando agora.
Apesar das circunstâncias, a mulher sorriu:
— Me chamo Emi Yusa. E quero que fique bem claro, não há nada entre mim e Maou.
— Meu nome é Chiho Sasaki. Vamos deixar isso de lado por enquanto.
Unidas pela crise em comum, as duas deram um aperto de mãos. Chiho ficou surpresa com a própria serenidade em meio ao desastre. Ela não estava sozinha, o que era o principal motivo, mas só isso não explicaria quão perturbada estava.
— Maou…?
— Não está por perto, disso tenho certeza. Mas também não deve estar tão longe.
— Não, quero dizer…
Todos estavam ao redor da mesma mesa, mas agora ele se foi. O que significava…
— Ah, está se perguntando se ele foi esmagado pelos escombros? — A mente de Chiho ficou incomodada com a facilidade que Emi teve para sugerir um destino tão horrível. — Bem, eu ficaria bem feliz se ele tivesse morrido com isso…
O que disse em seguida foi ainda pior, mas seu tom de voz indicava que não se importava muito.
— Mas tenho certeza de que está vivo. Não tem como eu deixar ele morrer agora. Quero matá-lo com minhas próprias mãos. Morrer por acidente em um desastre como esse… seria patético. Não o deixarei escapar com tamanha facilidade.
Ela soava incrivelmente confiante. A resolução em sua voz incentivou uma estranha coragem na mente de Chiho.
— Sim… você tem razão. Ele está bem.
— Claro que está.
Cansada de conversar, Emi sentou-se próxima a Chiho. Ambas conseguiam se ver dentro daquele espaço confinado, por isso Emi desligou o celular para poupar o tempo de bateria. A escuridão tomou conta novamente.
— Isso é meio estranho, não acha?
— Estranho como?
— Tipo, é um espaço perfeito aqui, o ideal para nós duas.
— Ah…
Chiho havia visto reportagens de desastres algumas vezes em sua vida. Considerou a frequência em que envolviam sobreviventes presos aos escombros por vários dias, sem serem capazes de se mover. Antes de serem resgatadas, estar a salvo e serem capazes de se mover dentro desse espaço era um milagre inacreditável. Era um fenômeno anormal.
— Há vários outros espaços espalhados pelos escombros. Acho que consigo sentir barreiras mágicas em miniatura por perto. Várias delas, na verdade. Maou deve ter feito algo.
— Barreiras… mágicas?
Chiho repetiu as palavras estranhas, mas Emi continuou sem dar atenção:
— Se eu tiver que apostar, diria que ninguém está morto na área. Na verdade, a barreira mais distante não está nem a cinquenta metros de distância. Pode ser que não tenha atingido uma escala tão grande quanto parece. — Neste momento, parecia mais que estava falando consigo mesma, sem mostrar sinais de esperar pela resposta de Chiho. — Suponho que tenhamos que agradecê-lo…, mas o que levou o Rei Demônio a fazer isso? Ele decidiu salvar a todos no calor do momento?
— Hã… você está falando do Maou?
O apelido que Emi deu para o ex dela soava um pouco imaginário para os ouvidos de Chiho.
— Se ele tinha força mágica para criar essa quantidade de barreiras em questão de segundos… ele tem mais potencial escondido do que imaginei. É bem provável que tenha criado este espaço para nós também.
— Isso aqui? Maou… fez isso?
— Sim. Para nos salvar. Isso me irrita tanto! Por que um demônio salvaria heróis? Quero dizer, é como se eu fosse algum tipo de vilão egocêntrico agora, só porque não pude criar uma parede protetiva com minha energia sagrada! — Emi cuspiu as palavras, repreendendo-se na escuridão.
— Hmm… Não tenho certeza do que você quer dizer, Yusa…
— Não se preocupe, só estou falando comigo mesma.
Um risinho suave e amargo tomou conta daquele espaço.
— Ouça, o que você viu em Maou?
— Hein!? — A pergunta inesperada fez Chiho se inclinar para trás, surpresa, no meio da escuridão. — Do… do… do que você está falando!?
Ela, descontroladamente, balançava a mão em frente ao rosto com um gesto de “não”, apesar da escuridão total.
— Você estava discutindo comigo porque gosta dele e não aprovou o que eu estava te dizendo. Não é?
— G-Gostar? N-Não, eu não…
Isso a deixou em um estado de confusão e frustração. Agitou os braços e pernas por um momento, olhando para os lados, a paisagem completamente escura, enquanto gemia de frustração. Isso continuou por mais um minuto, antes de responder com uma voz estalante.
— V-Você… não pode simplesmente dizer isso… com tanta facilidade assim!
Outra risadinha amarga agitou o ar.
— A própria garota é sempre a última a saber. É tão óbvio que qualquer um notaria. Só não tenho certeza se Maou sabe ainda.
— Nnngh…
Chiho sentiu o sangue lhe percorrendo o rosto.
— O que você acha dele, Y-Yusa?
— Eu?
— Você parece ser a inimiga mortal dele, mas sempre está ao seu lado… Parece que são, tipo, próximos, sabe?
— Eu odiaria usar a palavra próximos para descrever isso. Admito que já nos conhecemos faz um tempo, porém…
— Quanto tempo?
— Bem, eu fiquei sabendo dele primeiro, mas acho que ele começou a me notar por volta de dois anos atrás.
— Vocês se formaram na mesma escola do ensino médio, talvez?
— Não. Se tivéssemos, talvez poderíamos ter uma relação mais estável. — riu para si mesma. — Mas estou falando sério aqui, se começar a gostar dele, será difícil para você. Por isso que tentei pará-la.
— Bem… sim, mas ainda não entendo.
— Logo saberá… ou talvez fosse melhor não saber. Por enquanto, pelo menos.
Quando disse isso, Emi levantou uma mão e colocou o dedo na testa de Chiho, ainda no escuro.
— É melhor dormir um pouco. O Rei Demônio tem agido bem descuidado perto de outras pessoas ultimamente.
Terminou em um instante. A ponta do dedo de Emi brilhou com uma luz fraca enquanto pressionava a cabeça de Chiho. Quando o brilho desapareceu, Chiho já estava em um sono profundo.
À medida em que respirava suavemente, seu corpo, aos poucos, foi se deitando.
— Me perdoe por ter feito você ouvir todas aquelas reclamações. Você vai esquecer de tudo isso quando acordar.
Emi colocou o dedo na testa de Chiho mais uma vez. O brilho voltou por um momento, desaparecendo rapidamente.
— Você está aqui perto, não é? Acabei de colocar a Chiho para dormir!
Como se respondesse, uma enorme força mágica ergueu todos os escombros. Por um instante, os olhos de Emi se arregalaram ao ver o tamanho inesperado daquilo.
— Sim, obrigado por aquela conversa.
A voz de Maou ecoou através do som de escombros caindo, seguida por várias pedras atingindo o chão. Então, outra presença apareceu na escuridão.
— Do jeito que falou… Acho que nossa relação é bem complicada mesmo, não concorda?
— Ergh, você acha? Não é como se nós quiséssemos ficar perto um do outro. Isso tudo é um saco.
— Não me diga.
A voz de Maou soava como se ele estivesse no topo de algo. Emi apertou os olhos. Havia algum tipo de poder desconhecido e ambíguo em meio as palavras dele.
— Ajude a Chi, pode ser? Vamos dar o fora daqui. Acho que ninguém está gravemente ferido, mas não podemos sentar e esperar pelo resgate.
Uma luz brilhou na escuridão, um brilho sinistro e vermelho como sangue, o qual trouxe memórias aterrorizantes à mente de Emi.
— R-Rei Demônio!
— O quê?
Essa resposta era esperada.
— Você… você se parece… O que aconteceu!?
— Sei lá. Só aconteceu.
Seu rosto, pelo menos, era, sem sombra de dúvidas, o de Sadao Maou. Porém, havia chifres, o símbolo clássico da raça dos demônios, saltando de seu cabelo preto. Um deles estava cortado ao meio — exatamente onde a espada de Emi atingiu há não muito tempo.
A voz dele parecia vir mais do alto porque suas pernas se transformaram na de um demônio, mais deformadas e retorcidas do que a de qualquer animal neste mundo.
A transformação terminava ali, mas ficou claro que Maou estava em processo de recobrar sua forma de Rei Demônio.
— Deixei as barreiras ativadas, então vai ser fácil tirar esses escombros do caminho. Mas ainda não tenho poder o suficiente para controlar o Portal, por isso não se preocupe, pode ser?
Era difícil não se preocupar quando encarava algo daquele tipo. Emi não tinha ideia do porquê, mas Maou foi capaz de reganhar o poder mágico necessário para se tornar Rei Demônio de forma rápida, logo antes do corredor desabar.
— Vou precisar encontrar uma maneira de manter as barreiras de pé enquanto removo os escombros do caminho. Como será que vou explicar essa minha nova aparência…
Pouco a pouco, Maou infundia seu poder mágico vermelho e brilhante nos escombros ao seu redor.
Satan, o Rei Demônio, usou a força que mantinha em segredo para resgatar Emi, Chiho, Ashiya e todos os japoneses que nem mesmo sabia o nome. Se a “Heroína Emília” estivesse ali, cara a cara com o Rei Demônio, o qual tinha a guarda totalmente baixa, não haveria dúvidas de que ela estaria o atacando enquanto a espada sagrada cintilava na luz. Mas essa era Emi Yusa, e tudo o que ela poderia fazer era encarar as costas indefesas de seu inimigo jurado.
Em seu coração, ela temia que asas de demônio disparassem das costas dele, forçadas para fora devido àquela terrível magia. Se ela colocasse toda a cautela de lado e usasse o resto de força sagrada que ainda tinha, seria capaz de invocar uma espada sagrada com energia o suficiente para derrotar o Rei Demônio ali e agora.
— Mmm…
O meio gemido e meio sussurro de Chiho, enquanto dormia, rapidamente apagou a minúscula chama da vela de ódio mortal que havia se acendido dentro do corpo de Emi.
Caso o matasse ali, cumpriria sua missão. No entanto, também acabaria com a vida de muitas outras pessoas, as quais seriam esmagadas em um instante pelos escombros ao invés de sobreviverem graças à maldita força demoníaca. Emi e Chiho não eram exceção.
— Por quê?
No fundo de sua garganta, imperceptível para qualquer um, Emi repreendeu a si mesma.
— Por que o Rei Demônio está salvando a vida de outras pessoas?
Primeiro, Cliff apressou-se para os leitos dos enfermos. — Observar a condição do paciente…
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