Reconstruir o Mundo

Reconstruir o Mundo – Vol. 01.1 – Cap. 04.2 – Fantasma do Velho Mundo

 

Graças à repreensão e encorajamento de Alfa, o medo de Akira deu lugar à determinação. Para se preparar para o combate, expurgou qualquer pensamento de fuga e concentrou-se no ataque, respirando profundamente para acalmar seus nervos e focar sua mente.

Alfa já havia delineado seu plano, assegurando-lhe com confiança que venceria, desde que fizesse o que ela dissesse. Akira acreditou, e não sem razão, a memória de seu encontro com o grande cão armado e sua promessa de confiar na orientação de Alfa estavam frescas em sua mente.

Akira, eles entraram no prédio. disse a ele.

Um está protegendo a entrada, enquanto o outro procura dentro. Eles querem seu sangue, então não mostre piedade.

— Tudo bem. — respondeu Akira.

Brevemente se perguntou como Alfa sabia dos planos dos homens. Mas rapidamente descartou a questão, pensamentos desnecessários levavam a ações desnecessárias, o que aumentaria suas chances de morrer. Seguir o plano, decidiu ele, era tudo o que precisava pensar neste momento.

Alfa deu a ele um sorriso sedutor, calculado para aumentar sua moral.

Vamos começar. Você está pronto?

— Sim. — assentiu com firmeza. Parecia calmo e resoluto agora.

Alfa sorriu com satisfação e desapareceu da vista de Akira, exatamente como planejado. Akira exalou profundamente, preparou-se e disparou para o local indicado por Alfa.

***

Enquanto Hahya se arrastava cautelosamente por um corredor, avistou uma mulher em um vestido desaparecendo em uma curva. Era Alfa. Instantaneamente menos cauteloso, quase a perseguiu, apesar de tudo. Porém, lembrando-se das advertências enfáticas de Kwahom, se conteve e ligou seu comunicador.

— Kwahom. Acabei de ver a mulher. — O pirralho estava com ela?

— Não, ela estava sozinha no final deste corredor. Estou prestes a ir atrás dela.

— Cuidado com o pirralho; ele pode estar perto. — Eu sei, eu sei.

Hahya partiu atrás de Alfa. Ele ficou de olho em Akira, mas Alfa estava andando rapidamente e não conseguia alcançá-la. Mesmo assim, manteve as costas dela à vista. Frequentemente, parava para examinar cuidadosamente os arredores, seguindo Alfa apenas quando tinha certeza de que era seguro e, em seguida, parava novamente uma curta distância depois. No entanto, ficou entediado, relaxando e se tornando menos cauteloso.

Cada vez que olhava para Alfa, seu olhar se demorava mais em sua figura encantadora, prestando menos atenção ao seu ambiente. Sua beleza e estilo excepcionais o cativaram, seu deslumbrante vestido branco, a pele macia de suas costas ousadamente expostas, o brilho lustroso de seus cabelos, o busto sedutor e o perfil gracioso que se vislumbrou quando, virou uma esquina rapidamente preocupou a mente de Hahya. Sem pensar, jogou a cautela ao vento e acelerou o passo, ansioso para olhar mais de perto. Ele só tinha olhos para suas atraentes costas e nádegas, seu rosto contorcido em um sorriso vulgar e sua cautela totalmente esquecida.

Quando Hahya finalmente alcançou Alfa, que havia parado contra a parede de um corredor, ela o cumprimentou com um sorriso amigável. A boca dela se movia como se estivesse falando com ele, Hahya apurou os ouvidos para captar suas palavras, porém não conseguiu ouvir nada. Franziu a testa, um pouco desconfiado, mas ela continuou a mover os lábios com o mesmo olhar alegre.

De repente, Alfa virou para o lado como se algo tivesse chamado sua atenção. Hahya seguiu o olhar dela, não viu nada notável, apenas uma janela sem o vidro, e sua suspeita se aprofundou.

Em seguida, tiros soaram.

De seu esconderijo, Akira saltou atrás de Hahya. Seu primeiro tiro passou ao lado de Hahya, mas o caçador, ainda distraído por Alfa, não reagiu. Seu segundo tiro atingiu o chão aos pés de Hahya. O caçador veterano se preparou para responder ao fogo, porém hesitou, suas poderosas balas anti-monstro matariam Akira instantaneamente, junto com qualquer chance de interrogá-lo. O terceiro tiro atingiu Hahya, mas não conseguiu ferir o caçador por causa de seu traje de proteção. Com isso, Hahya finalmente respondeu, atirando descontroladamente em Akira com balas menos poderosas projetadas para monstros fracos e alvos humanos. Os ecos trovejaram no corredor, enquanto as balas atingiam o chão, as paredes e o teto.

Akira escapou por pouco, recuando imediatamente após seu terceiro tiro, deixando manchas de sangue no chão. Hahya os viu e sorriu. Estava prestes a persegui-lo quando a voz de Kwahom o interrompeu.

— Hahya. O que houve?

— Nada. Avistei o pirralho, então atirei nele, mas ele fugiu.

— Os primeiros tiros que ouvi não soaram como os seus.

— Oh, bem. — Hahya hesitou. — Não é grande coisa. Esqueça isso.

— Me dê os detalhes!

Hahya obedeceu de má vontade e ouviu a raiva de Kwahom através do comunicador.

— Ele te pegou enquanto estava perseguindo a bunda daquela mulher?! Você está me sacaneando?!

— N-Não! Ela realmente é muito gostosa!

Kwahom bufou.

— Então ela é literalmente “de morrer”? Não é de admirar que as pessoas contem histórias sobre ela.

Ele ignorou as desculpas frenéticas de Hahya e voltou ao assunto em questão.

— Então, a mulher ainda está aí?

— Sim, ela está apenas parada aqui. Ah, e parece que está dizendo alguma coisa, mas não consigo ouvi-la.

— Parece que seus olhos só podem captar imagens, não dados de áudio. Apenas para estar seguro, verifique se você pode tocá-la. Ela pode ser física, mas invisível para mim, algum tipo de autômato com camuflagem ativa que você pode ver através da rede.

Hahya alcançou o amplo peito de Alfa, mas não sentiu nada. Sua mão simplesmente atravessou a imagem.

— Eu não posso tocá-la relatou com evidente desapontamento. — Ela é apenas uma imagem depois de tudo. Ter seios tão bonitos ao alcance do braço e não poder senti-los é uma espécie de tortura, se você me perguntar. Espere, as pessoas vão pagar um bom dinheiro até mesmo por um vídeo de uma gata tão gostosa. Eu posso vê-la, então se ignorarmos o vídeo para…

— Essa porcaria pode esperar! — Kwahom estalou. — Eu estou farto de suas besteiras. Em seguida, diga a ela para levantar a mão direita.

Hahya fez isso. Com isso, Alfa parou de mover os lábios e obedeceu.

— Hã? — disse Hahya. — Ela levantou a mão como eu disse a ela.

— Agora diga-lhe para apontar para a pessoa mais próxima, exceto você e a criança.

— Para quê?

— Apenas faça!

— T-Tudo bem. — Hahya comandou Alfa novamente, e desta vez apontou diagonalmente para o chão.

— Hahya. Como foi? — perguntou Kwahom. — Ela apontou para onde estou?

— Me dê um segundo. O mapa automático mostra você aqui, e eu estou aqui, então…

Hahya deu um salto, impressionado.

— Sim. Ela está apontando diretamente para você! Isso é loucura ou o que?!

Kwahom, por outro lado, respondeu com uma maldição raivosa.

— Merda!

— Qual é o problema?

— É uma armação! Aquele pirralho estava atrás de nós! Deve ter dito a ela para apontar para alguém que não fosse ele ou algo assim! E ela é uma isca! Ele deu ordens a ela para passear pelo prédio e depois se mover para um local específico assim que a visse! Ela atraiu você para uma posição para que ele pudesse derrubar você!

— Aquele pequeno punk! — Hahya rugiu, sua voz tremendo de raiva. — Ele mexeu com o cara errado! Eu vou matar ele!

— A mulher deve ser um guia para essas ruínas ou algo assim. Ela ouviu você, então provavelmente aceitará ordens de qualquer um. Faça com que ela o leve até o garoto e depois o mate. Você precisa de reforços?

— Eu consigo fazer isso! O pirralho só tem uma pistola e nem mesmo é um bom atirador, posso acabar com ele sem problemas!

— Tome cuidado. Você não teria sobrevivido àquela emboscada se ele tivesse uma arma decente e soubesse como usá-la.

— Eu sei disso. Apenas mantenha os olhos abertos e certifique-se de que ele não vá a lugar nenhum.

Hahya então gritou um comando para Alfa. — Leve-me até o garoto!

Alfa começou a andar de novo, e ele a acompanhou. Pela primeira vez, sua figura falhou em cativá-lo, sua raiva queimou mais do que sua luxúria.

***

Akira fez uma careta e pressionou a mão sobre o ferimento. Sua rápida retirada o salvou de mais ferimentos, mas o tiro de Hahya normalmente teria sido suficiente para parar o menino em seu caminho. Felizmente, tomou uma grande dose de remédio pouco antes de atacar o caçador veterano; continuou se curando, enquanto fugia, permitindo-lhe fazer mais do que apenas cambalear para longe. Enquanto avançava, seguindo as instruções de Alfa e manchando os corredores com seu sangue, a dor lancinante gritava para ele parar. Resolutamente ignorou e continuou.

Graças ao remédio, sua dor desapareceu rapidamente. A lesão em si, no entanto, permaneceu longe de ser curada. Franzido a testa, Akira tirou um punhado de pó de seu bolso: nanomáquinas médicas, recuperadas em sua última viagem para as ruínas e guardadas para emergências. Podia-se ingeri-los, mas eram muito mais eficazes se aplicados diretamente a uma ferida, e muito mais dolorosos. Akira os havia usado depois de levar um tiro na favela, sua agonia era tão intensa que agora hesitava, mesmo com sua vida em risco.

Estremecendo em antecipação, ainda pressionou o pó contra seu ferimento.

A dor era ainda pior do que imaginara, mas cerrou os dentes e cobriu o ferimento com esparadrapo branco.

— Acho que isso é tecnologia do Velho Mundo para você. disse, com um sorriso tenso. — Não é de admirar que as relíquias sejam vendidas por tanto.

Só então, a voz de Alfa interrompeu sua reflexão.

Sinto muito. Deveria ter dito para você se retirar depois de dois tiros, não três.

Akira balançou a cabeça.

— Não, é minha culpa. Deveria ter acertado nele.

Embora Alfa fosse invisível para ele, sua voz o guiou antes, durante e após o ataque. Ela disse a ele como se esconder no ponto cego de seu inimigo, quando saltar para o corredor, quantas vezes atirar, priorizar a velocidade sobre a precisão e recuar imediatamente. Akira obedeceu com o melhor de sua habilidade e conseguiu atirar em seu inimigo indefeso por trás, uma emboscada perfeita. Apesar de sua lesão, não tinha motivos para duvidar de suas ordens.

Erro deles? Alfa pediu a Akira para acertar pelo menos um tiro em Hahya antes de recuar, para ajudá-la a avaliar a eficácia de sua arma contra o caçador. Então Akira tentou inconscientemente mirar, um atraso quase imperceptível. Se tivesse disparado três tiros sem pensar e fugido de uma vez, teria evitado ferimentos. Seu ferimento grave demonstrou que mesmo as menores falhas podem ser fatais e, como resultado, seu ânimo havia baixado.

Akira. Alfa o chamou, sua voz gentil e reconfortante.

Seu alvo superou você de forma esmagadora, mas você o emboscou e sobreviveu. Então tenha orgulho! Mantenha sua cabeça erguida! O que te falta em habilidade, eu compenso com treinamento. Deixe comigo, vou chicoteá-lo até que me implore para parar!

Ela falou como se a sobrevivência de Akira estivesse garantida, e ele começou a se sentir confiante mais uma vez.

— Acho que você está certa. — disse. Forçou um sorriso para se encorajar. — Estou contando com você.

Você não vai se arrepender. E como você acertou um tiro, nossos preparativos estão completos. Analisei completamente seus equipamentos e padrões de movimento, então poderemos matá-lo da próxima vez.

— Sério? Estou impressionado com você, Alfa!

Eu disse que sou de alta especificação, lembra? Mas você precisará ficar extremamente perto dele, então esteja preparado para isso.

— Entendi. E não se preocupe, estou pronto.

Cerrando os dentes, Akira resolveu aproveitar a ocasião. Não sentia mais a dor de seu ferimento de bala.

***

Hahya fervia de raiva enquanto caminhava pelo prédio, de olho em Akira e mal olhando para Alfa. Mas sem nada para alimentar sua raiva, seus sentimentos começaram a se dissipar e em pouco tempo ,começou a abandonar a cautela mais uma vez. Seguir Alfa significava que ,não podia evitar olhar para ela completamente, e ,encontrou seu olhar voltando para suas costas sedutoras. Se forçou a desviar o olhar, mas isso só o tornou mais consciente dela, distraindo-o de seus arredores e especialmente de qualquer perigo que estivesse à frente.

Até Hahya reconheceu o problema. Se esforçou para ficar alerta, tirando Alfa de sua mente e examinando a área ao seu redor. Quando olhou para a frente novamente, viu que Alfa havia parado em um entroncamento a uma curta distância à frente e apontava para um dos corredores.

Então, é aí que está o pirralho!

Calculando pelo gesto de Alfa onde Akira deveria estar, Hahya parou pouco antes da bifurcação. Imaginando que ali estaria seguro, colocou um braço ao redor da curva e atirou às cegas. Se disparasse balas suficientes, com certeza acertaria Akira mesmo sem saber a posição exata do garoto.

O tiroteio ecoou pelo prédio. A rápida saraivada de balas atingiu o chão, as paredes e o teto do corredor. Inúmeros tiros ricochetearam em todas as direções, eliminando todo e qualquer ponto cego. Enquanto Hahya se preparava para trocar seu pente vazio por um cheio, viu Alfa parar de apontar para o corredor.

Relaxou, concluindo que sua presa devia estar morta.

— Bom. Acho que acabei com ele.

Virando a esquina para confirmar sua morte, viu apenas um corredor crivado de buracos de bala. Seu rosto congelou imediatamente.

— Ei! — Hahya rugiu, girando e caminhando até Alfa. — Onde diabos está o pirralho?!

Alfa apenas sorriu e moveu os lábios. Lembrando que não podia ouvi-la, gritou.

— O garoto! Aponte para aquele garoto! Alfa apontou para trás de Hahya, que olhou novamente, mas ainda não viu ninguém.

Um tiro! Ele sentiu a dor em seu intestino lhe dizendo que tinha sido atingido. Enquanto congelava em estado de choque, várias outras balas o atingiram. Nenhuma delas foi fatal, elas não conseguiram penetrar sua armadura corporal, por mais barata que fosse, mas o derrubaram. Caiu no chão com um grito de dor e ficou lá em agonia, imaginando o que diabos tinha acontecido.

Fui baleado?! De onde?! Não há inimigos por aqui, apenas essa mulher! Espera, ela atirou em mim?! Não, isso é loucura! Ela é apenas uma imagem! Ela não poderia!

Hahya ficou cada vez mais confuso, até que de repente a resposta apareceu diante dele. Akira saiu de dentro de Alfa.

Eles estavam sobrepostos para eu não poder vê-lo…!

Akira se aproximou de Hahya, agarrou sua arma firmemente com as duas mãos e apontou-a firmemente para a testa do caçador veterano. Apesar da dor lancinante de Hahya, conseguiu apontar sua própria arma para Akira e puxar o gatilho primeiro. Mas nenhuma bala surgiu, o pente estava vazio.

Hahya raramente precisava pensar muito sobre qualquer coisa, mas agora, com a morte pairando diante de seus olhos e sua vida em risco, não podia deixar de fazer perguntas. O mundo parecia desacelerar ao seu redor enquanto estava prestes a morrer, e a verdade surgir para ele:

Foi tudo uma armadilha?

Em sua mente, viu tudo de novo, mas com nova clareza: Alfa desviou o olhar pouco antes da emboscada de Akira para distrair Hahya do menino. Ela parou em um lugar estranho e apontou para o corredor para fazê-lo desperdiçar munição. Ela parou de apontar para interrompê-lo antes que substituísse seu carregador vazio. Ela sorriu para ele, distraindo-o com sua aparência deslumbrante. Será que tudo — suas roupas, o caminho que tomaram até aqui, sua velocidade de caminhada e uma série de outros detalhes triviais — planejado para atraí-lo para sua morte? Tais perguntas não contribuíram em nada para sua sobrevivência, então Hahya desperdiçou seus últimos e preciosos momentos com suspeitas inúteis, e o que restava de sua sorte acabou.

— A Fantasma Sedutora… — murmurou através de um sorriso distorcido pelo medo.

Um instante depois, Hahya morreu, baleado entre os olhos por Akira. A última coisa que viu foi o sorriso cruel de Alfa, enquanto se aninhava perto de Akira.

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A voz de Kwahom explodiu no comunicador de Hahya.

— Hahya. O que aconteceu? Você pegou o pirralho?

Não responda a ele.  Alfa alertou Akira. Isso entregaria sua posição.

Akira assentiu silenciosamente.

Agora, apresse-se e pegue seu equipamento. continuou. Vamos adicioná-lo ao nosso arsenal.

O equipamento de Hahya parecia estranho em Akira, mas era uma visão melhor do que apenas uma pistola.

Em seguida, jogue seu corpo daquela janela.

Akira começou, Alfa permanecia sorridente, imperturbável.

***

No primeiro andar, Kwahom revirou seu cérebro para descobrir o que estava acontecendo.

Ele deve ter lutado com o garoto, ouvi o tiroteio, mas não deu mais um pio desde então. Não me diga que está morto. Estragou tudo e tropeçou em outra emboscada? De jeito nenhum, mesmo ele não pode ser tão estúpido.

Hesitou, dividido entre investigar e retirar-se imediatamente.

E se isto for uma armadilha? Quão antes isso começou? E se nos levar até este prédio fizesse parte do plano deles? Ou se essas relíquias dos rumores nunca existiram? Talvez este lugar seja o campo de caça daquele pirralho, e  apenas tem atraído caçadores que podem ver a mulher para dentro deste prédio para assassiná-los e saquear seu equipamento e achados. Se for esse o caso, não posso me dar ao luxo de subestimá-lo. Ou estou apenas pensando demais nas coisas?

As histórias de fantasmas sobre as ruínas aumentaram a cautela de Kwahom, e se inclinou em recuar. Inconscientemente, seu olhar vagou para a saída do prédio e a paisagem logo além dela.

Ele viu o corpo de Hahya cair. O cadáver atingiu o chão com um forte estrondo.

— Hahya?!

Kwahom instintivamente correu em direção a seu parceiro, mas parou perto da porta.

Seu equipamento foi levado. Esse garoto está vivo e fez questão de jogar o corpo de Hahya para fora, o que significa que sabe onde estou.

Kwahom ergueu os olhos, o rosto inflamado de ódio. Viu apenas o teto, mas imaginou Akira além dele, pronto para atirar nele quando correu para verificar Hahya.

— Ele não sabe com quem está se metendo!

Se Kwahom sentiu alguma complacência ou presunção porque seu alvo era uma criança, esse sentimento se dissipou. Eestava agora concentrado apenas em matar Akira. Puxou seu terminal de dados e mostrou a localização de Hahya em seu visor. O sinal estava em movimento, mostrando que Akira carregava o aparelho.

Eu sabia. Ele está lá em cima. E se pensa que é o único com rastreamento do seu lado, ele tem outro a caminho.

Sorrindo fracamente, Kwahom correu para dentro do prédio.

***

Com um inimigo abatido, Akira preparou-se para despachar o outro.

Akira, pegue essa faca. Alfa o instruiu quando chegou ao local de sua próxima emboscada.

Aquela que eu disse para você não vender.

— Essa coisa?

Era a faca que havia encontrado nas ruínas da cidade de Kuzusuhara. Embora sua lâmina arredondada parecesse quase completamente cega, Alfa disse a ele que poderia cortar uma grande variedade de materiais com facilidade se usada corretamente.

Essa mesmo. Confirmou Alfa.

Você vê a leve protuberância na parte inferior de seu cabo? Atire nessa parte com sua arma.

Akira colocou a faca no chão, aproximou o cano de sua arma da protuberância indicada por Alfa e mirou com cuidado.

— Só para deixar claro. —  hesitou.  — vai quebrar se eu atirar, certo?

Sim vai. Ou apenas o mecanismo de segurança, para ser mais preciso.

— Parece um desperdício. Quer dizer, é uma relíquia do Velho Mundo. Não a venderíamos por muito se…?

Considere isso uma despesa necessária. A menos que você prefira uma alternativa que o coloque em perigo mortal três vezes.

Akira olhou para o sorriso destemido de Alfa, que de alguma forma sugeria que ela estava se divertindo, e puxou o gatilho.

***

Kwahom verificou a localização do terminal de dados de Hahya, que não se movia há pelo menos dez minutos. O menino estava esperando ali ou era algum tipo de armadilha?O caçador permaneceu atento a ambas as possibilidades, enquanto avançava cautelosamente.

Encontrou o dispositivo abandonado no meio de um corredor. Kwahom o pegou e o examinou com ar desconfiado.

— Ele jogou aqui porque descobriu que eu o estava rastreando?

Se o menino não tivesse percebido que Kwahom poderia usar o terminal para localizá-lo,

O caçador seria capaz de lançar um ataque surpresa. Mas se Akira percebeu que estava indo direto para o terminal de Hahya, então Kwahom esperava que o garoto usasse o dispositivo como isca para uma emboscada ele mesmo. O caçador veterano, por sua vez, planejava detectar a emboscada e virar o jogo contra seu adversário super-confiante.

Encontrar o terminal por si só prejudicou seus planos.

Kwahom franziu as sobrancelhas. Seria difícil atirar nele de uma curva do corredor ou de algum outro esconderijo, mas ainda não conseguia se livrar da sensação de que algo estava errado. Na verdade, sua aparente segurança piorou sua ansiedade.Seus instintos estavam gritando para havia uma emboscada.

Um instante depois, seus temores se mostraram justificados.

Algo cortou o torso de Kwahom em dois, apesar de sua armadura. Suas metades superior e inferior caíram no chão enquanto seus órgãos vitais se derramavam do corte.Em meio ao choque e a dor de seus breves momentos finais, o caçador notou um longo rasgo horizontal em uma parede próxima, e sua consciência enfraquecida compreendeu que algo o havia atravessado. Então, ainda se perguntando o que havia causado tudo isso, morreu.

***

Do outro lado da parede fendida, Akira estava congelado, sua mão estendida ainda segurando o cabo da faca, sua lâmina havia se reduzido a pó com um único uso. Depois de disparar na protuberância em sua alça, ele a balançou exatamente como Alfa o instruiu. Um flash branco-azulado da lâmina cortou Kwahom e deixou um corte de cinco metros na parede intermediária, embora a lâmina não pudesse alcançar nenhum dos dois de onde Akira estava. Ele podia ver o corredor através da abertura fumegante, que tinha cerca de um centímetro de altura e exalava um cheiro de queimado.

Muito bem. Alfa disse ao lado dele com um sorriso e um aceno de cabeça.

Você conseguiu matá-lo. É seguro agora.

Ela parecia tão casual como se ele tivesse acabado de completar uma tarefa simples.

— Hã? Oh sim. Certo! — Akira se sentiu atordoado, incapaz de entender o que havia acontecido e a calma com que ela reagiu a isso. Perplexo, deu outra olhada no cabo sem lâmina.

— Alfa. —  perguntou.  — Qual é o problema com esta faca?

Não tenho certeza do que você quer dizer. É uma faca do Velho Mundo fabricada e vendida para uso público em geral.

Seu tom sugeria que não havia nada notável sobre isso, mas Akira parecia ainda mais curioso.

— Então, pessoas comuns no Velho Mundo precisavam de facas que pudessem cortar paredes?

Esse não era seu principal propósito. Os habitantes do Velho Mundo queriam lâminas mais afiadas e duradouras e acabaram criando facas que podiam até mesmo cortar paredes como resultado. O que você acabou de fazer não é possível a menos que destrua o mecanismo de segurança.

— A segurança? — refletiu. — Eu sei que quebrei, mas isso realmente fez uma diferença tão grande?

A energia na faca normalmente preserva a lâmina e sua afiação. A remoção da segurança permitiu liberar toda aquela energia de uma só vez, sem levar em conta as limitações físicas da lâmina. Caso contrário, nem mesmo uma faca do Velho Mundo poderia cortar uma parede e a pessoa do outro lado, junto com todo o seu equipamento.

Alfa falou com indiferença, quase convencendo Akira de que isso era perfeitamente normal. Quase.

— Isso ainda não a tornaria terrivelmente perigosa? —  perguntou, parecendo em conflito.

Bem, sim. Extremamente. Mas e daí? É seguro se usado corretamente. Você a usou de forma insegura deliberadamente.

— Bem, suponho.

Akira não tinha nenhum motivo real para discutir ou duvidar da explicação de Alfa. Ainda assim, não conseguia se livrar da ideia de que a faca era perigosa. E o que isso dizia sobre o Velho Mundo como um todo, onde tais ferramentas eram comuns?

Alfa deu um sorriso ao mesmo tempo orgulhoso e travesso.

Agora, você está satisfeito com o meu apoio? Pensou que não tinha chance contra os caçadores e agora derrotou dois, mesmo que tenha arruinado uma relíquia no processo. Não me importaria com uma demonstração de gratidão, sabe.

Akira fez uma reverência, sua expressão séria em desacordo com a brincadeira de Alfa.

— Obrigado. Eu teria morrido sem você. E acho que parte de mim não confiava completamente em você até agora. Desculpe.

Alfa abandonou sua atitude provocativa e sorriu gentilmente.

Não se preocupe. Se finalmente ganhei sua confiança, fico feliz. Agora, o que faremos a seguir? Seguir nosso plano original e rastrear relíquias, ou voltar e encerrar o dia? Você deve estar cansado, e esgotar-se não é eficiente, então não há necessidade de se forçar.

— Para ser honesto — disse Akira, com sua preocupação bem clara no rosto. — Estou cansado e gostaria de voltar, mas ainda não encontramos nada hoje. Preciso trazer algo de volta se quiser receber o resto do meu dinheiro no posto de troca.

Vamos apenas verificar este edifício, então. Com minha ajuda, você terá mais facilidade em encontrar relíquias que a maioria dos caçadores não perceberia.

Akira concordou. Sua busca revelou alguns lenços extremamente sujos que nenhum caçador comum daria uma segunda olhada, nem Akira teria, se Alfa não o tivesse informado que eles eram de fabricação do Velho Mundo. Mas isso ainda era melhor do que nada, e com isso cancelou sua busca, voltando para a cidade com o máximo de equipamento de Kwahom e Hahya que pôde carregar.

Apenas os dois cadáveres permaneciam no prédio, caçadores mortos em um ataque fracassado a outro caçador, uma cena muito comum no leste.

 


 

Tradução: Nagark

Revisão: Bravo

 

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