Qualidea de um Traste e uma Moeda de Ouro

Qualidea de um Traste e uma Moeda de Ouro – Capítulo 04

 

Yuu

O que faz a sociedade funcionar?

Quando a pergunta é feita dessa maneira, a resposta é bem óbvia.

A sociedade humana também é conhecida como o espírito de cooperação mútua.

Tudo no mundo — seja o sistema de seguro, infraestrutura ou até mesmo ajuda humanitária — é construído sobre um sistema de ajuda mútua. Se os humanos apenas pegassem ou roubassem o que quisessem, seu desenvolvimento como espécie não teria sido viável. As pessoas construíram a sociedade apoiando-se umas nas outras.

Então, o que éramos Kusaoka e eu? Enquanto esperávamos o semáforo de pedestres mudar, inclinei minha cabeça em uma vaga confusão.

A rotatória manchada pelo pôr do sol estava cheia de passageiros. No coração da nossa cidade, havia um terminal de estação gigante, que percorria todas as oito ferrovias, incluindo as linhas privadas, o metrô e o JR. Ladeado por uma loja de departamentos emblemática de um lado e a sede de um empório de eletrodomésticos do outro, nosso movimentado distrito comercial era conhecido em todo o país por ter sido construído sobre os alicerces do Oriente e do Ocidente. Era uma colmeia de atividade a qualquer hora do dia, desde o raiar da madrugada até a calada da noite.

Era um mundo governado por uma lógica capitalista gananciosa, totalmente divorciada do conceito de ajuda mútua.

No meio de tudo isso, olhei para a pessoa ao meu lado. O menino que me seguia silenciosamente, respondendo ao meu grito de socorro.

— Kusaoka, você diria que temos uma relação de cooperação?

— Eu diria que, dadas as circunstâncias, a única coisa que temos entre nós é uma conspiração maligna…

— Hã?

— Oh, nada.

— …Entendo. Estou um pouco preocupada. Não acho que seja uma boa sensação ajudar os outros sem esperar nada em troca.

— Não se preocupe. Eu não acho que seja possível se sentir pior do que isso.

— …Então você está um pouco incomodado, não é?

Para isso, não houve resposta. Com um sorriso peculiarmente fino no rosto, Kusaoka caminhou em silêncio. Minha voz foi engolida pela multidão? Não, não poderia ser isso. Estávamos perto o suficiente para ele me ouvir claramente.

Me perguntei se ele não gostava de mim. Se eu não tivesse sido objeto de consideração, poderia ter considerado seriamente essa possibilidade. No entanto, em uma conversa sobre as sutilezas do coração, fingiu ignorar minha voz. Isso só poderia significar uma coisa.

Ele sem dúvida ficou extasiado com a minha beleza. Certamente não desejava sofrer a dor da rejeição. Oh, cara. Eles vêm em todas as formas e tamanhos, mas cada um deles é teimoso como deve ser.

Desde o momento em que ele me chamou pela primeira vez, de alguma forma eu soube.

O rosto do Kusaoka era o de um jovem completamente apaixonado à primeira vista. Não havia outra maneira de um rosto horrível como aquele pertencer a um ser humano.

Como uma mulher abençoada com rara inteligência e beleza, eu tinha mais experiência nesses assuntos do que a maioria. O número de vezes que alguém me convidou para sair excedia o número de estrelas no céu. Mas, infelizmente, ainda não tinha dado minha aprovação a ninguém. Ser uma garota bonita tinha suas desvantagens ocasionais.

Se eu vendesse meu rosto para o sexo oposto, compraria uma quantidade igual de desprazer de meu próprio sexo. Dado que o mercado era inerentemente justo, essa transação específica era uma questão de justiça em uma sociedade escolar fechada. Entre as coisas que eu tinha algum conhecimento, o mundo capitalista do amor certamente estava entre elas.

Só queria sair com alguém que fosse igual a mim, pois era uma pessoa tímida e fraca de coração. A simples ideia de realizar uma transação igual com alguém muito menos inteligente e refinado do que eu me enchia de arrepios incontroláveis. Em vez de mirar sem pensar e injustamente por alguém além de seu alcance, preferiria muito mais que eles se elevassem ao meu nível.

Contudo.

— Não tenho ideia do que você pensa de mim, Kusaoka, mas sou humana. Se faço alguém se sentir mal, também me sinto mal — insisti lentamente.

Kusaoka lançou um olhar para mim, sua boca ainda fechada.

De fato. À primeira vista, Yuu Chigusa pode parecer um pouco– bem, extremamente adorável, mas seu coração era o de uma garota normal. Mesmo que seus próprios sentimentos fossem impossíveis de responder, fui compelida a perguntar qual era o problema. Eu estava profundamente preocupada com esses sentimentos humanos.

Uma boa ação merece outra – essa é uma regra inviolável.

De acordo com minha irmã mais nova, os meninos gostavam muito de meninas bonitas que lhes pediam favores. Sendo esse o caso, Kusaoka deve ter sentido uma grande emoção com o meu pedido. Eu poderia ter entrado nessas investigações para cumprir meu próprio objetivo, mas ele era um estranho total. Ele estava engajado na busca da felicidade – um hedonista absoluto, por assim dizer.

— Kusaoka, não diria que dei mais a você, estritamente falando?

— Hein? — Kusaoka deixou escapar como se tivesse sido pego de surpresa.

— No entanto, não precisa se preocupar com isso. Não sou o tipo de pessoa que se preocupa com transações que não envolvem dinheiro.

— …Impressionante. Tenho transações em mente o tempo todo, então não temos nada em comum. — Aparentemente profundamente emocionado, Kusaoka soltou um suspiro profundo bem no meio da faixa de pedestres, onde a multidão de pessoas começou a se mover. — Então, o que tenho que fazer para ir embora?

— Quando terminarmos nossa investigação de coleta de informações. Deveríamos nos encontrar no MOL Burger no final do– opa!

Uma das pessoas que cruzou a rua deve ter me atingido com sua bolsa. Bam.

Senti uma pressão nas minhas costas, fazendo meus joelhos dobrarem involuntariamente.

Lentamente, gradualmente, a dor se espalhou por todo o meu corpo.

— Ai…

Tudo ficou embaçado. Lágrimas começaram a brotar espontaneamente de meus olhos.

Eu realmente era uma bebê chorona. Em momentos como esses, tinha plena consciência de minha própria impotência.

Não havia nada que eu pudesse realmente fazer, mas se eu pudesse ver por mim mesma quem me bateu–

Aconteceu no momento em que tentei me virar humildemente.

— Está tudo bem, então apenas levante-se.

— Hã?

— Apresse-se e termine para que possamos ir para casa.

Uau!

Alguém estava puxando meu braço e me ajudando a ficar de pé. Um arrepio desceu pela minha espinha– ele era ainda mais forte do que quem me derrubou.

O menino que me puxou com tanta força era a fantasia feminina universal. Claro, eu, sendo o auge da feminilidade, não era exceção quando se tratava de tais fantasias.

Freneticamente, limpei os cantos dos olhos com as palmas das mãos. Eu abaixei minha cabeça.

— …Er, hum… Muito obrigada.

— Você não tem que se curvar. Eu só quero ir para casa logo.

Quando olhei para cima, Kusaoka estava desviando o olhar como se nada tivesse acontecido. Curiosamente, seu perfil rude parecia um neon cintilante para mim.

— Seus pontos acabaram de aumentar, Haruma.

— Que pontos…?

— Nossa, não faça uma garota dizer isso. — Eu levantei um dedo.

Apesar de todas as suas forças, era um menino tímido. Ele apenas encolheu os ombros de vergonha. A enorme lacuna entre sua aparência e ações estava fazendo seus pontos subirem ainda mais!

Quando meus pontos Joana se enchessem, eu daria à outra pessoa uma chance de lutar para jantar comigo. Kusaoka realmente teve sorte por eu prolongar seu encontro com uma garota tão maravilhosa. Eu também ganharia uma refeição grátis, então também estava muito feliz. O sistema de pontos mata dois coelhos com uma cajadada só!

Concebi todas essas políticas para fazer todos felizes, então talvez eu seja bem adequada para o ramo da política. Se meu objetivo era economizar dinheiro, mergulhar no mundo da política certamente era uma opção. Faria qualquer coisa para transformar o Japão, minha pátria amada, em um lugar melhor.

 

Haruma

Eu não sou um cavalheiro ou feminista.

É que, quando Chigusa caiu, ela prontamente tentou usar o celular em sua mão para tirar uma foto da pessoa que esbarrou nela, então achei que deveria intervir. Ela nem se preocupou em fungar ou enxugar as lágrimas; simplesmente foi direto para o trabalho. Ela era uma advogada por dentro ou o quê?

Como os pedestres estavam zumbindo de interesse, eu prontamente agarrei o braço da Chigusa e deixei o local imediatamente.

…O braço da Chigusa era fino como um ancinho.

Ainda assim, não era particularmente ossudo e eu podia sentir sua maciez através de suas roupas. Se eu continuasse a segurando, minha mão suada desenharia um mapa do Japão em seu uniforme, então eu rapidamente a soltei após alguns passos. Agora que havia colocado alguma distância entre nós, não sabia o que fazer, então abri a boca.

— De qualquer forma, para onde vamos?

— Vamos ao MOL Burger, Haruma.

Por que essa garota me chamou pelo meu primeiro nome? Porque meus pontos subiram? Nesse caso, me perguntei se deveria chamá-la pelo apelido que inventei: Joana. No entanto, não havia um único átomo de desejo em mim para aumentar seus pontos Joana… Nesse caso, chamá-la de Chigusa era provavelmente a melhor opção, embora “Chibusa” meio que cabe nela, por mais embaraçoso que possa ser!1“Chibusa” significa aproximadamente “tetas”. Eu sou seu típico adolescente tímido.

Então, sim. Por isso continuei falando sem chamar Chigusa pelo nome.

— Se está falando sobre comida, então já comi.

— Eu não estou. Vou ouvir a história da Anna — Chigusa disse como se nada fosse mais óbvio, apesar do fato de que eu não tinha ideia de quem diabos era Anna. Uma música de sucesso da Banda Kai?

De qualquer forma, foi uma péssima escolha marcar um encontro com essa Anna antes de verificar minha agenda. Sem mencionar que Chigusa estava agindo sob a suposição de que eu a seguiria…

Havia uma garota por aí que poderia aturar uma mulher atraente e egocêntrica como a Chigusa? Uma garota como ela seria prontamente evitada e ignorada na sociedade feminina e, se aparecesse para a escola, sua mesa estaria cheia de pichações. Bem, algumas delas tiveram que encontrar valor utilitário apenas em um rosto bonito. Eu me perguntei se essa Anna que estávamos prestes a encontrar se encaixaria nesse molde.

Ficando alguns passos atrás da Chigusa, caminhei por uma cidade oprimida pela escuridão da noite. Talvez seja porque fomos amarrados pela multidão em horário de pico a caminho de casa, mas, apesar de nossa proximidade física, não havia conversa entre nós e uma espécie de inquietação tomou conta de mim.

Sem nada melhor para fazer, peguei meu smartphone. Depois de tocar na tela algumas vezes, meus olhos pararam na mensagem da Chigusa pela segunda vez.

No entanto… quanto mais eu olhava para ela, mais assustador parecia. Uau. Só de ler o texto casualmente, eu poderia dizer que era aterrorizante, horrível e de arrepiar a espinha, como algo direto do gênero terror. Emoção, choque, suspense. Cada vez que eu a lia, mais alguns meses eram eliminados da minha vida.

Dessa mensagem horrível, uma frase em particular chamou minha atenção: “Encruzilhada Aleatória”. Era como algo da The Twilight Zone2“The Twilight Zone” é uma série norte-americana de ficção científica e suspense que conta a história de uma viagem no tempo de Peter Jenson após este falar com um psicanalista. No Brasil, a série é conhecida como “Além da Imaginação”..

— Ela se envolveu na Encruzilhada Aleatória e desapareceu, hein… — murmurei para mim mesmo, sem conseguir conter uma bufada diante dessa história completamente implausível.

Eu não estava muito familiarizado com essa coisa de Encruzilhada Aleatória. Tinha algo a ver com uma lenda urbana, mas não só não havia ninguém ao meu redor espalhando rumores, como de fato não havia ninguém ao meu redor.

Devo ter um gênio natural para Nen ou algo assim. De que outra forma eu poderia ter aprendido Zetsu do nada…? Na verdade, até o autor desse mangá está usando Zetsu. Ele anulou toda sua presença! (NT: Referência a HunterxHunter).

Bem, de qualquer maneira, se eu não resolvesse o problema em questão, não seria capaz de ir para casa. Eu resolveria o dilema da Chigusa, se possível, e se isso fosse difícil, teria que apresentar uma resposta devida que ela seria capaz de aceitar.

Tossi algumas vezes.

— Ei, Chigusa — gritei para ela. — Posso perguntar sobre os detalhes do seu problema?

Em resposta, Chigusa cruzou os braços atrás das costas e se virou. A borda de sua saia tremulou levemente, permitindo-me ter um vislumbre de suas coxas brancas e cremosas.

— Os detalhes, você pergunta? — Chigusa inclinou a cabeça e cantarolou pensando. — Hmm… Shia era alguém com quem eu me dava muito bem. Ela tem um Schnauzer miniatura e mora com o irmão mais velho e os pais em um prédio de apartamentos a duas estações da escola, e na escola ela estava aprendendo ginástica rítmica por causa da influência de sua mãe, mas não consegue lidar com pauzinhos ou varas, muito menos com um bastão, e não conseguia nem pegar o bastão que sua mãe lhe deu, e sem mencionar que suas notas não são exatamente as melhores — está apenas um pouco acima da média — e no meio de todos esses problemas, ela começou a sair com colegas ruins, então suas notas têm caído ainda mais e recentemente anda vagando o máximo que pode, então seus pais e até mesmo seu irmão hoje em dia estão se preocupando se ela realmente está decidida a fazer os exames de admissão, ao que parece.

— O-Ok…

Por mais que eu tenha ficado extremamente feliz com essa explicação prolixa, quem diabos era Shia? Algum tipo de manteiga? O quê? (Ei, se ela fosse feita de manteiga, sua pele estaria úmida.)

De qualquer forma, eu não queria saber os detalhes sobre essa Shia, eu queria perguntar sobre a Encruzilhada Aleatória… E sério, isso era muita informação.

Eu lancei a Chigusa um olhar perplexo, mas ela apenas suspirou e continuou falando, sua voz era fraca, mas fervorosa.

— …Shia é uma amiga de confiança que compartilha algo muito importante comigo. É por isso que devo absolutamente trazê-la de volta — Chigusa disse com uma cara séria. Seus olhos febris estavam cheios de tristeza inegável.

— Bem, sim, seria meio preocupante se ela nunca voltasse…

— De fato. Pensar nisso me deixou muito preocupada… Ela não estava lá quando toquei a campainha e nem atendeu minhas ligações ontem, embora eu tenha ligado para ela a noite toda…

Chigusa fungou e enxugou o canto dos olhos. Quando visto no vácuo, aquele gesto dela era adorável como o inferno e despertou sentimentos protetores em mim, mas as coisas em sua mensagem de antes combinadas com o que ela estava realmente dizendo agora soavam muito mais angustiantes…

Mesmo Chigusa, no entanto, teve que mostrar preocupação.

— Se acontecer que ela nunca mais volte, será uma perda esmagadora para mim — disse ela com ainda mais veemência. — Só de imaginar que estava envolvida em um incidente causado por alguma organização nos bastidores, meu coração se enche de agonia.

Enquanto eu observava Chigusa apertar a fita em seu peito, parecendo que o fim do mundo estava chegando, não pude deixar de pensar que, suas ações bizarras à parte, eu não me importaria de ajudá-la com este problema específico.

— Bem, sabe… — Esforcei-me para encontrar o que dizer. — De qualquer forma, eu só queria saber sobre a Encruzilhada Aleatória.

Chigusa inclinou a cabeça confusa e fez uma careta como se estivesse tendo um encontro com um tatu.

— …Encruzilhada Aleatória?

— Hum, da sua mensagem, sabe.

Hã? Não foi a Encruzilhada Aleatória? Talvez tenha sido Gundam X-road? Em termos de nome, era bem SD Gundam.

— Ah, isso? — Chigusa disse com uma risadinha estranha, momento em que ela se lançou em uma explicação que soava hesitante cheia de “hums” e “uhs”. Er, não foi ela quem me abordou sobre isso em primeiro lugar…?

A Encruzilhada Aleatória.

Diz-se que se você caminhar pela área residencial à meia-noite de mãos dadas com sua namorada, uma quarta estrada aparecerá no final do entroncamento. Não há como saber qual caminho é o correto. Se escolher o caminho errado nesse ponto, talvez nunca mais volte ou algo parecido.

…Ela era uma idiota? Parecia algo que um aluno do ensino médio acéfalo inventaria. Se você escolher o caminho errado, nunca pode voltar… Que diabos, cara?

O que era isso, uma metáfora para a vida? Será que representava o coração de uma donzela adolescente, dividida entre as escolhas e agonizando sobre para onde ir?

Deve haver inúmeras pessoas que escolheram o caminho errado e se descobriram incapazes de voltar atrás, não importa o quanto se arrependiam.

Isso me representava. Agora, estava louco para desistir e voltar para casa.

Na minha opinião, as pessoas que são boas em socializar nunca encontraram a ocasião certa para ir embora. A capacidade de se impor aos outros é provavelmente uma característica essencial da comunicação, o coração das relações humanas. Alternativamente, você poderia dizer que o lado negro das relações humanas, sociabilidade, comunicação, etc., envolve remover a própria existência de outras pessoas.

Exatamente como o que Yuu Chigusa fez.

— Haruma, venha por aqui.

Mesmo agora, Chigusa estava andando rápido à minha frente, completamente alheia aos meus pensamentos. Os pedestres olhavam para ela por cima dos ombros de vez em quando, mas parecia que nem mesmo a agitação da cidade alcançava seus ouvidos. Ela abriu caminho através do fluxo de pessoas saindo da estação e finalmente chegou a um prédio na frente. Ao entrar no elevador, Chigusa deu um suspiro. Depois de apertar o botão para ir para o segundo andar, ela deu um passo para trás e ficou com as pernas juntas como uma dama de verdade, olhando para a porta como se esperasse que ela se abrisse a qualquer segundo.

Só Chigusa e eu estávamos dentro daquela caixinha. Naturalmente, nós dois estávamos fisicamente mais próximos do que nunca.

…Foi de alguma forma estressante.

Agora que pensei sobre isso, fazia muito tempo desde a última vez que falei com uma garota da minha escola. Além disso, se estivéssemos nos encontrando fora do horário escolar, isso significava que era um encontro? Se eu habitava o mesmo espaço que uma menina, então não seria exagero dizer que, em um sentido amplo, estávamos coabitando…

 

Yuu

No segundo andar do MOL Burger, em uma cadeira em um canto mal iluminado. Naquele pequeno local imperceptível, uma menina pequena estava sentada com os ombros curvados.

— Com licença, eu deixei você esperando? — me aproximei, acenando alegremente. Em resposta, ela balançou a cabeça bruscamente duas ou três vezes. Ela estava nos olhando com olhos arregalados.

— Hum, este é o Harum, ele concordou em me dar assistência na minha investigação. E esta é minha amiga Anna.

— …Hmmm. — Com uma resposta retraída que envergonharia uma tartaruga, Kusaoka sentou-se o mais educadamente que pôde.

Em seguida, tinha a Anna.

Uma colega do primeiro ano, ela era a caçula de três irmãs. Ela era de Gêmeos e seu tipo sanguíneo era B, não era o tipo de combinação que alguém poderia imaginar que convém a alguém que trabalha com artesanato, mas aí está. Morava com os pais, que usavam um carro emprestado. Ela nunca atrasou o pagamento de seus impostos.

Suas receitas e obrigações eram mínimas. No entanto, seus pais tinham controle estrito sobre ela. Ela devia trinta e seis mil e quatrocentos ienes às minhas finanças. Suas covinhas eram sua característica mais charmosa.

Hoje, no entanto, suas covinhas desapareceram no ar, substituídas por um suor frio.

— Er, hum, Yuu… Me pergunto por que você me chamou aqui…

— Há algo que eu quero te perguntar, se puder responder.

Anna respondeu prontamente à minha convocação, mesmo durante um horário movimentado à noite. Não era exagero chamá-la de minha irmã de alma.

— Você está ciente de que muitos dos meus amigos desapareceram recentemente, não é? Anna, gostaria de saber se você se dava bem com a Shia. Não há nada que possa me dizer? Qualquer coisa que saiba servirá.

— …Hum, sabe, nós três, Shia, Maria e eu, geralmente, bem, no último domingo estávamos saindo… — Depois de se sentar ao meu lado, Anna apenas olhou fixamente para as pontas dos dedos trêmulos. Era quase como se seu tremor pudesse gerar eletricidade. Um corpo tão conveniente seria vendido por muito dinheiro. — É por isso que tentei perguntar a Maria sobre a Shia no telefone.

— Continue.

— Mas algo terrível deve ter acontecido com a Maria, porque ela parecia tão abalada antes… — Ah, coitadinha. A propósito, por que você mencionou isso agora?

— Oh, não é nada! — Ela balançou a cabeça freneticamente. Como era adorável, igual uma coelhinha.

Quando se trata de relacionamentos humanos, três pilares são necessários: elogiar, espantar e seguir. Só então a comunicação pode ser mantida.

No entanto, uma pessoa extremamente tímida e obstinada como eu sempre recorreu ao elogio.

— Anna, você é tão fofa. Você consegue!

Enquanto eu a aplaudia sorrindo, os lábios da Anna tremeram tanto que seu queixo ameaçou desequilibrar-se.

Uma das razões pelas quais pedi a Kusaoka para me emprestar sua ajuda foi para que ele pudesse pressionar a pessoa que eu estava questionando se resistisse, mas parecia que ela estava disposta a contar tudo sem que ele tivesse que fazer nada. Nossa, isso significava que eu não precisava dele? Em certo sentido, dividir espaço com um homem sem valor já vale uma taxa ou encargo nominal, não é?

— …Não é grande coisa, então conte-nos tudo o que você percebeu, ok? — Kusaoka disse secamente do outro lado da mesa, sem perder um momento.

A garota ideal, bonita e gentil. Ele deve estar inspirado para mostrar seu melhor lado para uma garota tão maravilhosa. De alguma forma, não posso desprezar alguém que age com economia e estoque em mente.

— E-Eu não estava realmente planejando isso ou algo assim, mas ouvi algo uma vez da Shia — Anna falou, seu rosto ainda estava tenso. — Ela disse que estava sofrendo porque estava pagando seu ju–.

— Oh, meu Deus.

Em meu descuido, derramei minha xícara na mesa.

O café, uma infusão quente e negra que parecia desespero, voou para fora da xícara e se espalhou pelo chão.

— Eu sinto muitíssimo! Estou tão feliz que você não tirou sarro de mim, Anna. Isso podia ter causado uma grande queimadura.

— C-Certo…

— Agora então, o que aconteceu? Sou uma pessoa bastante nervosa, então quando ouço meu nome falado fora de hora, minha mão pode tremer de surpresa. — Eu lancei um olhar de lado para Kusaoka.

— O-O piso com certeza está sujo…

Havia um ar de “Oh, minha querida!” sobre ele enquanto diligentemente começou a limpar o chão. Parecia que não estava ouvindo a conversa. Isso foi um alívio. Eu apenas divulgo minhas informações financeiras para um número limitado de pessoas. O fato de ser capaz de controlar as informações dos meus clientes de forma tão completa é uma prova das minhas excelentes práticas comerciais.

— …E-Eu sinto muito! Eu realmente sinto muito! — A cabeça da Anna balançou para cima e para baixo em um movimento surpreendentemente parecido com uma boneca. Foi o tipo de ação que me fez pensar que ela tinha uma longa vida pela frente. — Er, hum… a Shia estava preocupada com alguém! Alguém em algum lugar! Ela devia dinheiro àquela pessoa e estava com problemas por causa disso!

— Isso é um grande dilema. — Eu sorri gentilmente. Espero que as pessoas necessitadas possam rapidamente virar uma nova página depois de deixarem de seguir a regra de ouro da humanidade – devolver o dinheiro emprestado.

— Então me perguntei se a Shia havia procurado outro agiota.

— Outro agiota, você disse?

Eu me levantei em um instante, e então, sendo a pessoa calma e controlada que sou, imediatamente me acalmei. Em vez disso, cerrei minhas mãos em punhos de aço sob a mesa.

Eu previ que eles surgiriam um dia. Por eles, quero dizer uma empresa rival.

Os empreendedores colhem muito lucro, mas é um fato da vida que serão ultrapassados assim que baixarem sua guarda. Havia uma possibilidade significativa de que meus clientes desaparecidos tivessem sido acolhidos e persuadidos do inevitável por seus negócios financeiros.

Tive de cortar o problema pela raiz e estabelecer o regime militar.

— Anna! Me conte mais! — Inclinei-me para frente, incapaz de me conter.

— S-Sério! Eu não faço ideia! Pare, sério…!

— Tudo bem. Não há pessoas assustadoras aqui.

Oooooh…

Por mais que tentasse acalmá-la, Anna ainda parecia que estava prestes a chorar. Ela era como uma garota que recebe violentas extorsões de um demônio do inferno.

Em momentos como este, há pessoas que podem facilmente dizer coisas como “Fale com seus pais” ou “Chame a polícia”, como se soubessem de tudo a respeito. Por outro lado, elas podiam rir e dizer: “Essas coisas acontecem. O que não te mata te torna mais forte.”

Isso é uma coisa realmente horrível de se dizer, na minha opinião.

O que não te mata te torna mais forte. As pessoas estão cientes de quantas vítimas foram feridas por essas palavras conhecidas?

Elas são dominadas pela fraqueza e cultivadas pelo medo; sua própria vontade está sob o controle de outra pessoa. Seus corações estão contaminados pelo desespero. Quem pode fazer uma avaliação adequada da situação nessas circunstâncias? No que diz respeito a esses indivíduos básicos, a força individual por si só é insuficiente para enfrentar a situação. É por isso que procuram ajuda externa.

Enquanto refletia sobre esses pensamentos, percebi: Anna realmente aguentava ser um pouco mais forte.

Por ela ser uma amiga minha valiosa, as palavras medo e controle não existiam entre nós. Esse tipo de dinâmica é bastante comum entre amizades.

 

Haruma

Uau, que escuro, pensei enquanto esfregava o piso.

Claro, eu não estava falando sobre o café.

Joana quase me fez me borrar de medo. Ela derrubou sua xícara sem uma única grama de hesitação, apenas deixando escapar o mais ínfimo dos olhares.

O guardanapo de papel com o qual estava limpando o chão estava marrom sujo, e eu definitivamente podia sentir seu calor. Provavelmente teria uma leve queimadura se tocasse o líquido diretamente. Não só isso, tinha feito uma mancha permanente na blusa branca pura da Anna.

Você pensaria que seria normal ficar com raiva quando algo assim acontece com você, mas Anna estava balançando como geleia e ficava se desculpando sem parar. Quando olhei para cima, tendo terminado de arrumar o chão, ela ainda estava curvada de vergonha.

— Então me perguntei se a Shia havia procurado outro agiota.

— Outro agiota, você disse?

Não houve uma centelha de surpresa no rosto da Chigusa enquanto ela repetia essas palavras. Sua atitude era extremamente calma, mas debaixo da mesa, suas mãos estavam cerrando os punhos com força. Talvez fosse porque ela realmente não tinha muitos músculos, mas pude ver que seus braços tremiam ligeiramente enquanto canalizava sua força em seus punhos.

Para mim, foi a primeira vez que ouvi que um colega estudante tinha um agiota, mas, a julgar pela maneira como as duas estavam conversando, provavelmente havia mais de um deles. Isso era fácil de adivinhar.

Visto que raramente falava com as pessoas cara a cara, tornei-me bom em inferir coisas a partir de conversas entre estranhos. Se você quer saber o quão bom eu sou, sou tão bom que poderia dizer que um dos agiotas em questão era ninguém menos que Yuu Chigusa.

…Quero dizer, no momento, o grande interesse da Yuu no assunto dizia tudo!

Dito isso, a própria Chigusa não parecia estar ciente disso, então achei que deveria fingir que não tinha ouvido nada… Se eu soubesse, poderia acabar com café derramado em mim!

Não se deve fazer perguntas que a outra parte não deseja responder.

Existem dois aspectos importantes em uma conversa tranquila. Não fale sobre coisas que não lhe perguntam e não pergunte sobre coisas que a outra pessoa não disse. Se seguir essas duas regras, discussões e conflitos serão inevitavelmente evitados. Ora, existe até a possibilidade de que as conversas nunca aconteçam.

Sentimentos, perspectivas e limites imaginários, todos pertencem ao domínio do indivíduo. Pisar sobre eles nada mais é do que infringir o território de outra pessoa. É um ato de guerra, eu te digo!

Esta é uma era em que os indivíduos deveriam se empenhar por uma política isolacionista em prol da expansão interna em suas mentes, eu acho. Sim. O princípio da paz a qualquer custo? Non, non, esta é uma antiga preocupação.

No entanto, a garota chamada Yuu Chigusa não parecia ter esse tipo de preocupação em sua mente. Ela estava inclinada para frente, perseguindo Anna por uma resposta. Sua mão estava estendida em direção ao seu smartphone, que ela havia colocado sobre a mesa.

— Anna! Me conte mais!

— S-Sério! Eu não faço ideia! Pare, sério…!

Anna enrijeceu, mas a ponta do dedo da Chigusa não saiu de seu smartphone. Sua linguagem corporal era gritante: você sabe o que vai acontecer se não confessar.

— Tudo bem. Não há pessoas assustadoras aqui. — Chigusa sorriu, fazendo com que os ombros da Anna sacudissem em alarme. Sim, essa Joana Smile agora estava assustadora como o inferno…

Mais do que tudo, era assustador como havia alguém por aí que conseguia intimidar os outros com um sorriso fofo e palavras calorosas. Eu tinha visto a arte de sorrir para esconder a raiva na TV, mas sorrir para ameaçar os outros tinha que ser uma nova forma de arte…

Infelizmente, a arte da Chigusa deixou a Anna tão assustada que a conversa não foi a lugar nenhum.

— Quem é esse outro agiota? Um conhecido seu? — Eu falei.

Anna olhou para mim, aliviada. Isso tinha que ser o chamado Efeito Ponte Suspensa. Isso não significa que ela vai acabar se apaixonando por mim? Uh oh, espaguete!

— Por favor, conte-nos todos os detalhes. — Em um flash, Chigusa fez um gesto para se inclinar para frente, apenas para Anna endurecer mais uma vez.

Se esse era o tom da discussão, então não levaria a lugar nenhum… Eu queria me apressar e ir embora logo…

— Você não tem que nos contar todos os detalhes — eu disse, me intrometendo entre Chigusa e Anna. — Houve algo que particularmente chamou sua atenção?

Amassando seus pensamentos em lembranças, Anna começou a falar devagar e hesitante.

— Há cerca de duas semanas, sabe, Shia e eu estávamos conversando sobre o que faríamos com os trajes de banho de verão. Mesmo dizendo que estava falida e que não havia como comprar, ela mudou de ideia depois da escola. Naquele dia, foi muito generosa com seu dinheiro e, quando perguntei a sobre isso, disse que recebeu uma renda especial…

Oh cara, eu sei como é. O bom senso declarou que foi quando ela conseguiu o dinheiro. A questão era como conseguiu fazer isso. Essa parte de sua história era impossível de ignorar.

— Que peculiar… — Chigusa falou de repente, tendo ouvido em silêncio. Ou talvez ela estivesse nutrindo as mesmas dúvidas que eu. Ela era a mesma garota sorridente de sempre, mas naquele momento, havia um brilho estranho em seus olhos. Eu podia até ver que estava com raiva, a julgar pela atmosfera espinhosa que de repente tomou conta da mesa.

Supondo que ela deve ter atingido um ponto sensível, Anna concordou rapidamente.

—S-Sim… Não há ninguém mais que poderia ter emprestado dinheiro para a Shia, mas–

Chigusa a interrompeu.

—Acho que, antes de negociar com outra pessoa, ela deveria devolver o que pegou emprestado. Existem outras coisas que devem ter precedência na mente de qualquer bom cidadão. Contudo, Shia é peculiar no que ele– quero dizer, ela pode ter uma ideia errada sobre as coisas. Como amiga, posso precisar ter uma conversa longa e completa com ela sobre isso.

Oh, então é isso que ela quis dizer…

Mas sabe, Joana. Acho que você realmente não é do tipo que fala, dado o quão peculiar você é! Chigusa não inventou a história como um daqueles Yazuka ou homens de negócios duvidosos?

— Se isso aconteceu depois da escola, ela deve ter conseguido o dinheiro dentro da escola — eu disse. — Essa é a parte estranha.

— …Isso é realmente tão estranho?

— Claro que é… Você não sabe para que serve uma escola?

— É um lugar que o força a entrar em contato com pessoas com quem certamente nunca se envolveria por vontade própria. É um câncer regressivo contra a ordem adequada. No entanto, quando se trata de troca de dinheiro, o sistema financeiro ainda funciona melhor do que o desastre da hierarquia — disse Chigusa com naturalidade e rosto completamente sério.

— Hum, está bem. Certo… continuando.

Nem é preciso dizer, mas as escolas não devem funcionar como bancos. Era perfeitamente razoável imaginar como alguém poderia negociar com dinheiro apesar disso. Além disso, você não ocasionalmente tropeça em pessoas que pensam que tirar o dinheiro de crianças do ensino médio é uma ótima coisa a se fazer. Mas a questão é que a Chigusa não era a única… Sério, estava me perguntando o que se passava na cabeça desses aspirantes a agiotas.

Bem, é preciso um para conhecer um. Cinzas às cinzas, pó ao pó. Dê a César as coisas que são de César. Eu teria que olhar para isso a partir do evangelho de acordo com a agiota Joana. (NT: Aqui na verdade existe um trocadilho, ele a chama de Johannes, que seria o equivalente a João em portugês, e o evangelho referido seria o do Apocalipse.)

Quero dizer, não adiantava ficar insistindo sobre o senso moral dessa garota. Eu não conseguia nem entender o ponto de vista de uma pessoa normal.

Isso se aplica ainda mais às pessoas que não têm bom senso.

Então, eu poderia muito bem gostar de conversar com a Anna, que supostamente era a pessoa sã!

— Então, você sabe de onde vinha essa Shia?

— De fato, é como Haruma disse. Por acaso você sabe para onde Shia foi naquele dia? Se souber disso, bem como o valor que ela recebeu e os juros, gostaria de saber em detalhes. — Chigusa só queria falar com Anna como uma pessoa normal, mas mais uma vez ela atropelou seu caminho pela frente.

Anna estremeceu, como se estivesse surpresa com a intensidade da Chigusa.

— Não sei o valor ou os juros, mas acho que ela estava na sala do aconselhamento estudantil, talvez… Quando estávamos nos encontrando pouco antes de irmos às compras, era de onde ela vinha…

A sala do aconselhamento estudantil ficava no primeiro andar do prédio da escola. Era uma pequena sala situada não muito longe da entrada central. Supostamente, era usado para orientar os alunos conforme o nome sugeria, mas como muitos alunos da nossa escola tinham notas impecáveis, normalmente não via gente entrando e saindo daquele lugar.

Ao lado da sala de aconselhamento estudantil ficava a sala dos professores. As duas salas eram conectadas no meio, então era o tipo de arranjo em que você podia facilmente passar de uma sala para a outra.

Quando eu estava no meu primeiro ano, um professor intrometido me chamou à sala de aconselhamento estudantil e disse: — Há alguma coisa que está pesando sobre você? Não está sendo intimidado nem nada? — O conselho apaixonado e comovente que recebi dele me deixou uma impressão muito forte. Espere, o professor não estava agindo apenas para se proteger? Más memórias…

— A porta ali não estava trancada, estava? — Pensando bem, o professor demorou muito para vir naquela ocasião em que fui chamado, então me lembro de ter que esperar no corredor por cerca de vinte minutos.

— Acho que não… mas suponho que talvez parecesse que ela estava vindo daquela direção ou algo assim… — respondeu Anna em um tom nada confiante. Enquanto ela falava consigo mesma, suas palavras progressivamente faziam menos e menos sentido. Bem, eu ouvi que relatos de testemunhas oculares de acidentes não são confiáveis…

— A maioria dos alunos não pode entrar lá. Há uma chance de que ela tenha vindo de outro lugar — eu disse a Anna, com a intenção de cutucar seu pensamento para outra abordagem.

Naquele momento, uma voz saiu voando do campo esquerdo.

— Não. Se ela tivesse uma chave, isso invalidaria as condições da sala fechada.

— Hã?

Quando me virei com a interjeição repentina, Chigusa colocou um dedo nos lábios, balançando-o como as pessoas fazem ao desvendar um quebra-cabeça lógico.

— Pense nisso. Contanto que você tenha uma chave, qualquer pessoa pode entrar. Se houver uma porta, então não acho que possa chamá-la de sala fechada naquele momento.

— Você tem razão. — Suspirei.

Me vi concordando com aquela resposta incrivelmente simples, mas lúcida. Faz sentido. Uma sala realmente fechada era uma caixa sem pontos de conexão. Se essas condições não fossem cumpridas, então uma maneira de entrar na sala tinha que existir.

A maneira como Chigusa via as coisas me fez pensar se ela era de uma espécie diferente. Exatamente o que você esperaria de alguém sem bom senso… Como a boa e velha Joana conseguiu acabar no telhado quando estava fora dos limites? Isso só provou meu ponto.

Mesmo assim, fiquei impressionado com o que Chigusa disse: contanto que você tenha uma chave.

Os professores encarregavam-se das chaves da sala de orientação estudantil, junto com os coordenadores anuais e a vice-diretora. Era normal vê-los entrando. Bem, não era como se alguém não pudesse usar uma chave falsa, chave mestra ou arrombar, mas isso era uma outra história. A primeira coisa a fazer era se agarrar a uma possibilidade e pensar a respeito. Neste momento, isso era o suficiente.

Eu perguntei o que queria perguntar, então olhei na direção da Chigusa, canalizando meu desejo de ir embora – (“Eu me pergunto se posso ir embora agora”, “Queria poder ir para casa” “Estou cansado. Vou bocejar”) nos meus olhos. Chigusa estava sorrindo brilhantemente.

— Anna, muito obrigado por nos contar sua história.

De repente, Chigusa curvou-se educadamente, deixando Anna perplexa.

— Er, hum, uh, claro…

Pelo jeito que Chigusa estava falando, ela estava encerrando totalmente as coisas. Belezaa! Eu posso ir embora! Pensei, levantando-me parcialmente, apenas para Chigusa puxar a manga do meu casaco.

— Estamos apenas começando. Me pergunto até onde se espalharam os rumores sobre um mercado negro na sala de aconselhamento estudantil. Como não estava na minha rede de informações, não deve ter sido divulgado no boca a boca, mas nesse caso me pergunto como o negócio pôde crescer. Eles estão cobrando mais por cliente ou dependem de clientes recorrentes? Que tipo de modelo de negócio estão usando?

— E-Eu não tenho ideia…

— Não posso permitir falta de ideias! Anna, o que você acha de se oferecer para ser um cliente? Isso é uma questão de responsabilidade! — Chigusa pressionou Anna, fazendo com que a garota começasse a tremer novamente.

Sua tagarelice frenética era confusa, incoerente e inútil. Não essa merda de novo… Mesmo ler os avisos na folha da bandeja parecia menos perda de tempo.

— …Vou pegar um café — anunciei, antes de rastejar até o balcão, arrastando os pés a cada passo do caminho.

 

Yuu

Passei uma hora persuadindo-a depois disso, mas no final, Anna quase não disse nada. Por enquanto, decidi cortar seu saldo devedor para meros 36.000 ienes. Ela chorou de alegria.

Kusaoka e eu deixamos o MOL Burger para trás. Quando olhei para o céu, havia luzes de néon: variadas e sórdidas, o emblema da ganância criada pelo homem.

Na cidade em que vivemos, não existe escuridão. Hoje, a cidade estava brilhando tão brilhantemente que fez meu coração doer.

— Essa foi uma história ultrajante, não foi? — Enquanto eu caminhava ao longo da seção branca da faixa de pedestres, virei meu olhar para Kusaoka, que estava caminhando na seção negra. Era como se nós dois simbolizássemos um anjo e um demônio.

Tínhamos aprendido apenas uma coisa com a mansa Anna.

— Então, o dinheiro foi trocado de mãos na sala de aconselhamento estudantil ao lado da sala dos professores…

— …Não consigo imaginar usar um lugar como esse, no entanto.

— De fato. — Nunca tinha percebido que existia uma zona segura como aquela.

Foi nada menos que um ultraje.

Então, novamente, apenas os professores poderiam usá-la livremente. A ideia do clero fazer uma refeição de estudantes no mercado negro significa o fim do mundo. Eles justificaram uma denúncia firme. Se ela cometeu um erro, Anna merecia uma denúncia também.

A cena no MOL Burger havia tomado muito tempo. Como se estivessem competindo com o céu noturno pressionando de cima, as luzes de néon brilhavam com uma arrogância vistosa.

A prosperidade geralmente tem um lado sombrio.

A gigante loja de departamentos, uma relíquia de uma época passada, traz à mente o objeto de arte conhecido como a concha de grandes dimensões. Quando caiu, as multidões tornaram-se sacrifícios. Não havia fim para o trabalho de conserto da rodovia, que se estendia pela cidade como um cobertor. As Olimpíadas estavam chegando, mas havia rumores de que as operações foram interrompidas por causa de um julgamento político peculiar.

Se você se aventurasse no beco dos fundos, havia uma miscelânea de esquisitos e excêntricos: vagabundos que se sentavam e babavam enquanto bebiam algum tipo de remédio, religiosos que cantavam coisas como “Arrependam-se” e “O mundo está acabando” baixinho, mulheres velhas abraçando brinquedos macios enquanto examinavam os céus em busca de seus filhos pequenos. Seus fardos de mudança de vida constantemente vinham à tona, e não se passava um dia sem que eu ouvisse a sirene da ambulância tocando.

Contudo.

Eu não nutria nenhum mal-estar em relação a esta cidade cheia de costuras abertas. Eu me perguntei se isso seria considerado o tipo de amor que as pessoas reservam para sua cidade natal. Quanto mais se põe os olhos nos defeitos, mais o amor se inflama.

Antes que percebesse, estava falando comigo mesma.

— Você parece estar de bom humor — Kusaoka me provocou educadamente.

De alguma forma, parecia que ele também estava de bom humor.

— Agora então, quando consideramos o paradeiro da Shia e a verdadeira natureza do outro agiota, há muito, muito mais coisas para investigar. Também podemos passar mais tempo juntos, Haruma!

— Hum, mas eu quero ir embora?

— Hã?

— Hã?

Fiquei surpresa com sua resposta inesperada.

Respire fundo, muito fundo. Dentro e fora. Dessa forma, eu poderia acalmar meu batimento cardíaco.

Enquanto lutava para manter minha respiração sob controle, olhei para Kusaoka, tremendo como uma folha.

— Que coisa para se dizer do nada… Nós dois ainda somos alunos do ensino médio, sabe.

— Hã?

— Quando você convida alguém do sexo oposto para um lugar privado, gostaria que primeiro conhecesse essa pessoa bem o suficiente.

— Hã? Por que você gostaria de vir à minha casa?

— Hã? Não me diga que você queria me deixar e ir para casa sozinha?

— Bem, sim…

— H-Hããããããã?

Eu não sabia mais quantas vezes minhas perguntas foram respondidas com perguntas. No final, meu rosto surpreso encontrou o dele, e isso me deixou ainda mais perplexa.

Eu só poderia dizer que nossa comunicação estava morta. Me perguntei o que diabos essa pessoa estava pensando.

Ao seu lado está a garota perfeita por quem você se apaixonou à primeira vista, com uma beleza incomparável e uma personalidade maravilhosa. Acima de tudo, está sendo dito que ela tem muito tempo de sobra agora.

Por que você deve tomar medidas que frustram suas chances bem diante de seus olhos? Estou sem palavras agora!

— …Ok! Eu decidi!

— Er, hum, o quê? Merda, estou com medo.

— Nosso negócio acabou por hoje!

— Hã, sério? Agora estou com medo pelas razões opostas.

— E amanhã nos encontraremos novamente! Haruma, você não tem o direito de recusar!

— Hã? Agora estou com muito medo.

Tenho um lema favorito: Voluntário para um serviço impopular.

Kusaoka de alguma forma parecia o tipo de pessoa que tinha poucos amigos. Por mais que eu achasse difícil de acreditar, ele tinha aqueles momentos de comunicação estranha. Até o homem das cavernas com sua saia de palha e martelo de pedra aprendeu a cooperar com os outros para caçar.

Na selva de concreto de hoje, me perguntei se uma criança enviada do céu pretendia viver sozinha. Eles seriam considerados uma anomalia grotesca, até mesmo um inimigo da própria sociedade.

Por isso mesmo, só eu era capaz de agir com ele. Eu o faria um inimigo da sociedade. Esse era o dever de uma pessoa que recebeu amor à primeira vista. Eu faria isso mesmo se todas as pessoas no mundo o rejeitassem.

— Por favor, deixe tudo comigo! Vou fazer de você um novo homem, Haruma! Ser forçado a fazer algo que odeia fazer é o que sua mãe lhe ensinou.

— Uh, sobre isso…

Kusaoka acenou com a cabeça quase indiscernivelmente.

Eu me perguntei se meus sentimentos sinceros e apaixonados o haviam afetado. Além do que já havia dito, ele não apresentou motivos para me rejeitar.

 

Haruma

A caminho da estação, Chigusa caminhou vivamente pela noite.

Ela me trouxe para fora, se separou de mim e fez planos para se encontrar amanhã sem permissão. Esse espírito livre dela era evidente através de seu cabelo preto longo e sedutor, que balançava para cima e para baixo como um coelho saltitante.

Enquanto eu olhava para ela com o canto dos olhos, murmurei baixinho. Voluntário para um serviço impopular, hein? Japonês com certeza é uma língua difícil de entender3A expressão japonesa é 他人の嫌がることを進んでやりなさい. É um ditado popular. Traduzido literalmente, significa “Você deve avançar fazendo o que os outros não gostam”..

Foi algo que senti vagamente, mas uma semente de conflito estava entre Chigusa e eu. Éramos de mundos separados, tão diferentes como a noite e o dia.

— Ei, Chigusa — gritei para ela.

— Sim? Chigusa girou no local, fazendo com que a ponta de sua saia tremulasse.

— Acho que há uma discrepância fatal no que dizemos um ao outro.

— Eu concordo. Já que ainda não nos conhecemos bem, suponho que esse tipo de coisa seja inevitável. No entanto, mesmo que concessões mútuas sejam difíceis, acredito que não haverá problemas se eu vier a entendê-lo completamente, Haruma!

Chigusa falava com olhos brilhantes e um ar bastante solene, mas o que dizia era ainda mais psicopata. Ela tinha os olhos de uma criança que fora sugada por alguma religião inovadora.

Ah, e não vamos esquecer o que ela realmente disse. Já havia desistido de tentar entender Chigusa há muito tempo. Na verdade, no que me dizia respeito, não havia um átomo dela que eu quisesse entender…

Bem, deixando de lado o fato de que não entenderia Chigusa tão cedo, percebi que havia consciência mútua disso entre nós… Pela primeira vez, concordei com ela sobre algo! Não que isso resolvesse algum dos nossos problemas!

Chigusa saltava como um filhote de cervo, cantarolando o tempo todo. Quando ela mantinha a boca fechada, realmente parecia uma modelo na capa de uma revista. Não havia nenhuma maneira de eu entender o que se passava na cabeça ou no coração da Chigusa, mas não importa o quão enganosas as aparências externas possam ser, havia algumas coisas que não podiam ser erradas.

Enquanto eu caminhava atrás dela, dezenas de prédios sórdidos me cegaram com luzes falsas, e multidões de pessoas falavam ao nosso redor com vozes estranhas e vaidosas. Os pontos turísticos da cidade eram tão familiares que pareciam nada além de sem graça, não que isso me incomodasse no mínimo.

 


 

Tradução: Ouroboros

Revisão: n2ny

 

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