Abrigue o fogo. Manhã, tarde ou noite, se o seu coração está congelado, entregue-o ao fogo.
Alguém está lá. Ao seu lado, atrás de você — mesmo no fogo, alguém está lá.
-Padre Felipo II-
— Ei, aonde está indo, Felipo? Venha se sentar ao lado do fogo.
Eu estava pensando por que ele não estava no acampamento, e agora encontro o meu melhor amigo, son Peine, com um copo de vinho em mãos. O que há de errado com ele? Estaremos chegando ao palácio em alguns dias!
— É uma noite agradável. A véspera de uma batalha decisiva, pode-se dizer.
— Do que está falando? — pergunto.
Se estivéssemos enfrentando os elfos, eu poderia me sentir inclinado a relaxar à noite, mas já que são os vampiros que enfrentaremos, a noite é quando devemos tomar mais cuidado. Estamos marchando contra a noite. Junto com o nascer do sol vem a tranquilidade, e durante o dia descansamos. Então, ao escurecer, erguemo-nos e marchamos noite adentro. Mesmo neste breve descanso, temos cavalaria em patrulha para assegurar a nossa segurança. Os coelhos, com a excelente visão noturna deles, também estão em guarda.
A moral é alta; todo mundo está ansioso. Pois, se nos depararmos com a derrota, será a sentença final da destruição da nossa espécie.
— Calma, calma. Não faça essa cara de nojo. Estou em uma missão especial, só para te avisar. — assegura ele.
— Que coisa estranha de se dizer. É o dever de um soldado descansar quando se tem tempo para acampar.
— Ah, mas enquanto ainda estamos vivos, vamos beber. Um copo para você, um copo para mim.
— E aí vai ele, dizendo coisas nada a ver. Honestamente… Hm?
Um copo me é entregue vindo do lado — pela Lady Kuroi, dentre todas as pessoas. Ela segura um pequeno barril. Ah, deve ser uma oferenda de um dos refugiados.
— Viu só? Especial, né?
— De fato.
Suponho que não posso simplesmente tomar apenas um copo, por isso me sento.
— Se vai chorar, agora é a hora. — diz ele, de repente.
— Isso foi… bastante randômico.
— Você perdeu quase toda a sua família recentemente, não? Bom, eu também.
— Você… não mede mesmo as suas palavras, não é?
— Assumo que os irmãos Willow choram escondidos. Todos nós temos nossas próprias maneiras de lidar com o luto.
Meu melhor amigo e eu rezamos em silêncio, encarando um ao outro, então tomamos um gole lento de nosso vinho.
A informação combinada trazida a nós por um cavalo veloz do forte e dos nossos batedores, que foram enviados para investigar a Propriedade Willow, mostraram uma imagem peculiar da verdade.
— A batalha na Propriedade Willow foi uma de entrar para a história.
— Sim. Usando o rei como isca e a propriedade como armadilha, eles atraíram os vampiros antes de incendiarem tudo… Mesmo depois de três dias, dizem que fumaça negra ainda é vista.
— Um plano arrojado ao usar o próprio rei em uma missão suicida.
— Ele… tinha uma tendência de cair em desespero.
— Idiota. Apenas o desespero não poderia levar mil vampiros para a cova junto com ele. Estou impressionado; até mesmo conseguiu atrair outros quinhentos para procurar as cinzas. Espero que tenhamos toda essa sorte em batalha.
Não tenho palavras. Entre os homens do rei — do meu pai — que morreram, estava o pai de son Peine. Lembro-me que era um conde que amava estratagemas e arte acima de tudo. Ele me pagava com frequência para que eu fizesse algumas coisinhas.
O príncipe herdeiro — meu irmão mais velho — foi morto em meio ao caos no palácio, assim como o seu irmão. Ele era um homem puro e honesto, inadequado para o condado, assim como para o militarismo. O cara tinha que quase sempre limpar as bagunças do seu irmão depois que suas pegadinhas davam errado.
Agora eles se foram. Estão todos em chamas neste momento. Talvez, se eu encarar por tempo o suficiente essa fogueira oscilante, posso conseguir ver o rosto de um deles… O brilho faz meus olhos lacrimejarem. Bato o pé repetidamente para me livrar do que começa a surgir.
— Deixe-me confirmar uma coisa… A carga da acólita, é o que estou pensando que é?
— Sim. Era para continuar guardada debaixo da igreja.
— Então este foi o combinado… É isso mesmo?
— Acredito que sim.
Jogo um pedaço de madeira seca no fogo e observo-o ser consumido. Faça com que aquilo que entra e sai do meu coração seja como esse pedaço de madeira.
Oh, como fiz um péssimo julgamento de meu pai e professor.
O que son Peine está querendo dizer é que o rei e o arcebispo estavam juntos nessa… O rei estava assumindo diversos desafios para controlar a resignação e corrupção da classe governante, enquanto o arcebispo estava trabalhando para aliviar o desespero e sofrimento do povo comum. Como esses desejos estavam sendo distorcidos à medida que trabalhavam para manter a ordem da nação, deixaram um traço de esperança: o tesouro do fogo, a Cinza Primordial. A grande magia de conflagração que reside dentro dela, assim como os outros tesouros, pode fazer com que milagres aconteçam… Pelo menos é isso que está escrito no livro sagrado. É por este motivo que rezamos.
Algo poderia ter acontecido — ou foi forçado a acontecer. Essa também pode ser a razão por trás da manifestação de Deus. Posso apenas esperar que seja verdade. É todo o motivo de nossas vidas atuais existirem. Tais crenças me trouxeram até aqui. Se não acreditasse, não teria chegado tão longe.
Confiado com tudo apenas pra descobrir a verdade depois… Quem seria capaz de suportar aquilo?
— Devem ter passado a gostar de incêndios, depois de verem a igreja queimar.
— E lá vai você de novo… Aposto que foi ideia do arcebispo. Ele costumava dizer que queria ser queimado na estaca.
— Haha, verdade mesmo. Aquele velho peidorreiro sempre estava acima de nós quando o assunto era pegadinhas.
O caos no palácio foi, muito provavelmente, o resultado de diversos planos discordando. O Bando Luz das Estrelas, que desejava abrir os portões do palácio para os vampiros, incitou a irmã do rei, os nobres corruptos e os cidadãos desesperados. Entretanto, não foram capazes de conseguir o controle total, o que sugere que os cavaleiros reais e os guardas do palácio tinham uma boa influência. O rei e o arcebispo deviam estar em pânico. Eram considerados o pior dos resultados, e ainda agiram de acordo. Os Willows eram seus ajudantes nessa.
Quase consigo ver isso nas chamas agora: uma série de batalhas começando no palácio. Pessoas entrando em frenesi e resistindo. Incendiar a igreja foi uma distração que permitiu que o rei e o tesouro escapassem para a Propriedade Willow. Quando receberam a informação de que os vampiros os seguiam, o plano acabou sendo o de usar o rei como isca para fazer com que o tesouro chegasse até o forte… A coragem para tomar tal decisão é algo admirável.
A prioridade deles era realmente uma oração pelo futuro. Um plano suicida desses, apenas para garantir-nos um pouco de esperança… é de fato um pensamento revolucionário.
— Estou perdendo tudo aquilo que me prende a este mundo. Uma pena. Todo mundo está agindo tão maneiro. — diz ele.
— Que tipo de idiotices está falando? Deus não abençoa aqueles cuja a vida já não possui o desejo de viver.
— Pois é… Sim, tem razão. Esqueça o que acabei de dizer.
O fogo está bom. Ele aquece minhas bochechas, o que significa que não há gotas de suor para que o vento noturno refresque. Ele também, suavemente, mais do que nunca, convida-me para dormir.
— O que temos aqui? — Essa voz… Lady Ange? Zakkow segue logo atrás, segurando uma panela. — Dois homens loquazes bebendo antes de uma batalha, com os copos servidos por uma Apóstola? Isso é o que chamo de sorte.
— Mm.
— Oh, eu não estava pedindo por… Tudo bem, tudo bem. Vou aceitar um pouco.
— Mm.
— Eu também? Obrigado.
Tanto Lady Ange quanto Zakkow também recebem um copo.
Continuamos vindo, um após o outro. Talvez essa seja a magia de uma fogueira. Ela reúne as pessoas, ilumina-as e aquece-as, então captura seus corações… Religião e magia são meramente subprodutos não intencionais.
— Venham, aninhem-se ao lado do fogo, vocês dois.
— E quem disse que você é o chefe dessa fogueira? — protesta Ange.
— Bem, eu mesmo. — responde son Peine.
— Técnicas de acender fogo…? — pergunta Zakkow.
— Sim, exatamente. Não sou um cavaleiro à prova de fogo nem um Cavaleiro Bombardeiro; ainda estou lutando para encontrar o meu próprio caminho.
— Você sempre foi um quebra-galho, mas que nunca dominou nada, mesmo assim sempre indo para onde sua curiosidade o leva. — comento.
— Felipo, foi um elogio ou uma ofensa?
— Do meu ponto de vista, vocês dois são igualmente imbecis. O filho de um conde e um príncipe real? Deve haver algo errado. Vocês são adoráveis crianças travessas em corpos de adultos. — Ange nos surra com suas palavras.
— Pfft!
Zakkow, isso foi cruel, cuspir uma névoa de vinho sobre todos nós. Mas o que podemos fazer? Filhos não escolhem os seus pais. Por outro lado, os pais frequentemente escolhem seus filhos, motivo pelo qual acabei sendo banido para as extremidades nortenhas da Fronteira… Ou, pelo menos, era isso que pensava. Parando para analisar agora, também pode ter sido um movimento estratégico. Meus irmãos, fora o príncipe herdeiro, foram todos mandados para diferentes partes do país. Eu acreditava que éramos reféns de algum nobre poderoso, mas pensar que meu pai tinha planejado tão à frente… Não, mesmo assim, eu fui o único mandado para o norte do forte. Era bonito demais, talvez.
— Hm, Sira já está dormindo. — comenta son Peine.
— Claro que está, e você também deveria. — repreende Ange.
Aqueles que se foram, hein? Meu pai e irmãos… Todos aqueles que me eram uma fraca memória… foram transformados em cinzas. Meu professor — aquele velhote que entoava com tamanha clareza o livro sagrado, assim como as crônicas de queimar na estaca quando estava bêbado — também não passa de ossos queimados agora.
— Isso mesmo. Como soldado, deveria aprender com o comandante e Marius. Eles estão descansando tranquilamente enquanto nós conversamos. — lembra Zakkow.
— Ah, neste caso, é Origis que está em patrulha agora? Se nos estendermos, acham que ele viria?
— Nem pense nisso. Cavalgar cansa o corpo todo. O tempo de descanso dele é precioso.
As pessoas em que estou pensando estão nessas chamas? Elas ainda queimam?
— Você se faz de durão, Capitão. Sei que anda fazendo carinho nos coelhos fofos em segredo. — diz son Peine, tirando sarro dele.
— Bfft!
— Isso é verdade? — pergunta Ange, desdenhosa.
Deus observou o momento final deles? Ele ouviu seus desejos?
— O que estão fazendo? Estão fazendo barulho demais. — diz uma voz que se aproxima.
— Agora é Odysson que está aqui! Venha, sente-se ao lado do fogo.
— Mm.
— O-Oh, vinho, hein? Agradecido… Então, qual é a do barulho?
— Nem vai acreditar; sei disso porque também não iria. Parece que o capitão é tímido.
— Espera aí! Como é que chegou nisso?! — grita Zakkow.
Eu vou… para lá, também? Serei bem-vindo nas chamas quando cair em batalha? Algum dia… algum dia.
— Ei, o sacerdote parece sonolento. Uou! Não vá desperdiçar vinho. — diz ele, tirando o copo da minha mão.
— É por isso que Felipo jamais poderia se tornar um sacerdote corrupto: só um pouco de vinho já o deixa assim.
— É o cansaço. Ele tem se desgastado para negociar com todas as pessoas que se juntaram a nós ao longo do caminho.
— Você aí, alguma-coisa Peine, leve-o para a cama.
— Senhorita Ange, poderia parar de me machucar assim? Por que apenas não diz son Peine?
— Eita! Ele quase caiu de cabeça no fogo!
É tão estranho. Sinto como se estivessem tão perto. É tão familiar, quente e, de certa forma, triste… Não, solitário eu acho que seria um termo mais correto. Tenho certeza de que me lembrarei deste momento várias vezes no futuro. E esse pensamento… faz com que me sinta solitário. Faz com que eu queira chorar.
Estou sendo carregado; carregado para longe das chamas. Para onde, não sei.
É solitário. Sinto-me solitário.
Tradução: Taiyo
Revisão: Midnight
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