Outer Ragna

Outer Ragna Outer Ragna – Vol 02 – Capítulo 59 – O Cavaleiro Planeja e Tem Esperanças Pela Glória da Humanidade

O poder de Deus é esmagador. É quente, feroz e implacável.

Por isso é difícil sentir como se alguém tivesse controle. Pode até mesmo te fazer se sentir doente.

-Cavaleiro Agias II-

A câmara subterrânea, iluminada por tochas, tem uma cor alaranjada. É como um pôr do sol interminável. O chão sob meus pés está preenchido por uma mistura de cinzas e pedaços de carvão. Óleo e cheiros bestiais permanecem no ar fedorento. A fonte desse fedor é o combustível preparado para incendiar o lugar no caso de uma emergência — junto com os prisioneiros que capturamos e que mostram que não precisamos ir tão longe. O bater de botas ecoam na câmara, cobrindo o som de gemidos e arrasto. Espero até que eles apareçam à vista.

— Oh, se não é o Lorde Willow. Estou surpreso em vê-lo por aqui.

— Perdoe-me pela intrusão tarde da noite.

A figura de um homem com lampião aparece, o brasão de uma família adorna seu cinturão. Pode parecer estranho encarregar um oficial de alto escalão com a segurança de uma jaula subterrânea, mas, considerando os prisioneiros incomuns que temos, acaba parecendo bem apropriado.

Quatrocentos, sessenta e oito vampiros se renderam a nós e agora preenchem nossa masmorra. O que é engraçado, se considerarmos o fato de que poderiam transformar esse forte em cascalho em apenas uma noite, se assim desejassem.

— Como estão os prisioneiros? — pergunto.

— Quietos. Aquela corda preta provou-se muito efetiva.

— Entendo. Está encharcada em fluido de ignição, então…

— Compreendo. Por favor, deixe comigo.

Eu ia avisá-lo para que tomasse cuidado, mas fiquei em silêncio. No fim das contas, deixo a decisão com ele. No caso de eles mostrarem sinais de resistência que ele não possa lidar, terá que queimar os prisioneiros. Se necessário, também irá fechar as portas de ferro, a única saída, e queimará toda a masmorra. É um trabalho importante, ao mesmo tempo que é difícil. Mesmo que sejam vampiros, queimar prisioneiros vivos é algo cruel a se fazer. O fato de que são vampiros também traz uma quantia grande de perigo. Fiquei sabendo que o oficial já escreveu seu testamento. Será que terá coragem para fechar as portas quando a hora chegar?

— Foi um fardo enorme que coloquei sobre você. — digo, apologético.

— Eu me voluntariei para isso. O próprio General Bandkan me ensinou todos os truques deste forte. Este é o meu trabalho como sobrevivente.

Esse homem é um veterano das antigas. Soube que ele e sua unidade de cavalaria enfrentaram cinquenta vampiros. Normalmente, ele teria assumido a posição do General Bandkan como chefe do exército do forte.

— Hahaha, pode ficar tranquilo. Sira me ensinou as palavras para Ignição. Gostaria que eu fizesse uma demonstração ao transformar seu bastão em carvão? — brinca ele.

Esse homem perdeu muito, isso é fato. Seus superiores, amigos, corcel… e a perna direita. Jamais irá cavalgar para a batalha como um cavaleiro novamente. E por isso passou o controle do exército do forte para mim. Sinto ódio dentro dele, assim como vergonha. A guerra é uma crueldade sem fim.

— Nossa força principal chegará amanhã… Quatro mil e quinhentos lanceiros e familiares liderados pelo Padre Felipo.

— Ah, já era hora. Essa terra se tornou o último bastião da humanidade então.

Ele tem razão, é claro. Não tínhamos escolha a não ser deixar a defesa do norte com os elfos, e a situação no sul parece sombria no momento. Cidades e aldeias estão caindo para todo lado.

O palácio também foi tomado. Disseram-me que não ofereceram resistência devido a uma disputa interna. O mensageiro que me contou isso quase se suicidou devido à vergonha. Com os dentes cerrados, informou-me que os cidadãos armaram uma revolta que ocorreu antes que até mesmo os cinco mil vampiros, liderados por Montanha Desmoronada, pudessem chegar.

A revolta foi incitada pelo Bando Luz das Estrelas, um grupo que simpatiza com os vampiros. Muitos dos seus membros eram cavaleiros e nobres, pelo que parece. Talvez tenham pensado que essa era a melhor chance de derrubar a realeza, a qual consideravam traidores que amavam os elfos. No momento, a segurança da família real é desconhecida. Nem mesmo é claro se os cavaleiros reais foram capazes de intervir, que dirá como estão os cidadãos. A única coisa que sabemos de certeza é que a Igreja foi queimada.

As coisas estão ficando piores do que já podiam estar. A humanidade foi perseguida até a porta da morte, e agora está enfrentando a extinção, o que significa que agora precisamos de uma certa coisa.

— Estava pensando em apresentá-lo ao feiticeiro, quando ele chegar.

— Aquele homem que fez surgir novamente os métodos da magia de fogo, correto?

— Isso mesmo, Odysson lidera a Companhia de Magos, mas a magia em si não é uma disciplina militar. Seria muito assegurador se pudéssemos ter alguém para aconselhá-los sobre o assunto.

— Quer… que eu vá para o caminho da batalha novamente? Eu?

Aquele olhar, aquela luz no fundo dos seus olhos… queima como uma pira.

Esse é o espírito de luta; aquilo que precisamos. Em tempos de crise, devemos recuperar nosso espírito de luta indomável. A coragem para sermos orgulhosos e humanos será nossa arma final, e também a maior delas.

— Quero. Então peço para que cuide da sua saúde, por favor.

— Haha… Hahaha! Entendo, então ainda posso lutar, hein?

Ótimo, agora ele deve parar de querer se punir. Talvez até mesmo ganhe forças para lutar contra o destino. Uma presença como a dele é quase certa de que irá dar coragem ao exército do forte, agora que perderam o General Bandkan.

Aiai… me tornei tão conivente. Alimento os de coração partido com palavras doces e os envio às suas sepulturas; estimulo o orgulho dos corpos inválidos e os envio às suas mortes. Meu plano é transformar desespero em poder de luta. Essa é a verdadeira realidade de um comandante: ficar seguro enquanto manda soldados para morrer e matar os inimigos. Cruzarei quantas linhas forem necessárias agora. Um dia, serei julgado. Um dia, morrerei.

Deixo a masmorra e olho para o céu noturno. Parece lama. Chuva está vindo.

As pessoas não conseguem grandes coisas ao manter a integridade… Hm! Nunca aceitei os negócios sujos de Nazarus no passado. Considerei adulação excessiva da realidade, bajulação de outras famílias militares e ameaças a grandes famílias mercadoras uma depravação da mais alta ordem para alguém do seu pedigree. Enquanto isso, tentei seguir o caminho correto, e nossos caminhos acabaram se separando.

Tive que juntar todo meu orgulho para enviar aquela carta… a qual me trouxe Origis e Marius. Eles foram mandados por nosso Pai e Nazarus, eu suspeito. Caso contrário, jamais teriam vindo com mil cavaleiros da elite. Nossos homens não são tão ruins em disciplina para que sejam convencidos tão facilmente assim. Sem contar os soldados extras, equipamentos, cavalos e suprimentos enviados à Fronteira… Quanto dinheiro e mão de obra foram necessários? O que tornou isso tudo possível? Quem está apoiando as famílias dos soldados? A resposta é óbvia.

À beira da queda da nossa nação, meu pai e irmão decidiram agir.

Mesmo agora, ao ter retornado para o forte, não ouvi nada sobre a localização do exército Willow. A propriedade pode não estar no caminho dos vampiros, mas não tem como eles ficarem parados e esperarem pela destruição. Estão por aí, fazendo algo que só Deus sabe.

— Oh, aí vem o Agias.

— De fato, em um ótimo momento, irmão.

Origis e Marius, hein? Eles parecem estar desenhando algo no chão com gravetos… Formações de batalha? Bem, bem. A coluna central de soldados está sofrendo o impacto do ataque inimigo, atraindo-os para que sejam completamente cercados. A luz de lampiões traz à vida a batalha que aconteceu neste forte há pouco tempo.

— Oh, curioso sobre isso? Estou agindo como os vampiros, e Marius, como o exército do forte. Perdi. Não tem como romper essa estratégia.

— É incrível. Não importa quantos vampiros enfrentamos, essa estratégia pode lidar com todos.

— E não é só isso. Se empregarmos nossos Cavaleiros Bombardeiros e soldados à prova de fogo, podemos criar uma rede de pura morte.

— Origis pode até mesmo passar pelo centro das forças inimigas com a formação roda de fogo.

— Ei, está tentando me matar também? Eu poderia acabar sendo esmagado por todos aqueles corpos sem querer.

Como de costume, eles se dão bem. Também são bastante espertos. No centro dos soldados de infantaria, desenharam um emblema. Em outras palavras, é lá que fica o comando. Não suspiro, mas não consigo esconder o meu pesar.

— Essa é a estratégia do General Bandkan. — Lembro a mim mesmo.

Ele foi um grande militar. Nunca deixou a podridão do palácio afetá-lo, nem foi vítima de independência desdenhosa; até mesmo apoiou a Fronteira com a força do seu exército. Foi um pilar da nação, conectando o norte e o sul.

Um calafrio percorre minhas costas. Perdi um mestre em um momento em que desejava demais contar com ele.

— Você consegue fazer isso, não é, Agias? — As palavras dele me irritam; são idiotas e imprudentes. Não é a cara de Origis.

— Mais fácil falar do que fazer… — discordo.

— Não, você consegue. Você tem que conseguir.

Algo em sua voz faz com que eu olhe para ele. Tem seu olhar fixo em mim. Queima com espírito… e não só isso: o fogo dele irradia na minha direção.

Ele continua, com seus olhos me perfurando:

— Marcharemos para o palácio. O poder do rei se foi, e os vampiros governam agora. Temos que vencer; isso já é óbvio. Mas isso não pode ser tudo o que podemos fazer… Precisamos dar aos cidadãos um sinal nessa época de medo e desespero. — Ele está praticamente cuspindo fogo agora. Seus punhos estão cerrados. — Força… a força dos humanos. Somos fracos, caçados como comida por monstros e outras raças, patéticos e tristes… todo mundo está com medo. Mesmo assim, se ainda quer ter orgulho, terá que cerrar os dentes e pegar uma espada. Isso é ser um guerreiro, correto?

O espírito dele está tão brilhante que mal consigo olhar. Minhas bochechas estão quentes, mas ele não para por aí.

— Além disso, somos homens Willow… descendentes de uma famosa família militar; temos que ser mais fortes que os outros. E, também, você tem sua posição como comandante do nosso exército, Agias. Precisa ser mais forte do que qualquer um… um herói da humanidade.

Marius também concorda com a cabeça. Essa é a conclusão na qual vocês dois chegaram? Um herói… Um herói da humanidade. Querem que eu, alguém que só sabe lutar, fique à frente da humanidade, mesmo tendo todas minhas falhas e imperfeições?

— Lady Kuroi é forte. Ela existe em um reino que ninguém mais pode alcançar. — Marius mostra um sorriso, como uma flor pequena e bonita, assim como a nossa mãe fazia. — Entretanto, força não é a sua verdadeira natureza, na minha opinião. Nenhum de nós quer ser como ela. Rezamos para ela, pois, através dela esperamos falar com Deus, pedir pela Sua bênção, para que nos garanta um milagre para este mundo. — Ele coloca uma mão no peito, como se rezasse. — Lady Kuroi é a esperança em forma humana… o primeiro e último milagre presenteado à humanidade. Disso eu tenho certeza.

Ah, agora sei onde querem chegar. Desejam que eu me torne o núcleo onde o espírito de luta da humanidade se reúne… A primeira pessoa a lutar com esperança no coração. Ser aquele que ergue a “bandeira” da Lady Kuroi.

— Lady Kuroi parece estar passando bem, só para avisar. Vi-a devorar cinco tigelas de sopa não faz muito tempo. — comenta Marius, casualmente.

— Idiota! Por que não me disse isso antes?! — repreendo-o.

— Por quê? Ela parecia bem, até mesmo enquanto dormia.

— Ela disse algumas coisas engraçadas em seu sono, como “pizza” e “DDR”. — comento.

— Mas…

— Agias, você fica muito assustador quando se trata da saúde da Lady Kuroi. — diz Origis.

— Hã?

— Como se estivesse cuidando de uma filha ou coisa do tipo… Você se tornou um vovozinho amoroso.

— Ahaha, com certeza!

— O quê?!

Não consigo entender. Eles me exaltam como herói da humanidade em um minuto, e então me chamam de avô no outro.

Esse calafrio indescritível no meu peito se foi, agora substituído pela resolução reforçada. Posso sentir quão quente meu espírito queima.

Viro meu olhar para o sul, no qual há os solos que eram um campo de batalha há pouco tempo. Marchamos… até o palácio. Com o exército da esperança às minhas costas, eu hei de liderar.


 

Tradução: Taiyo

Revisão: Midnight

 

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