Ó Deus, garanta o fogo a este mundo através de mim.
Garanta-nos o fogo para que o trabalho do homem nunca morra. Garanta-nos uma conflagração.
-Sira II-
Minha armadura é feita de madeira, couro e cota de malha. É leve e fácil de se mover. Entretanto, o elmo é feito de aço, por isso é pesado, e a alça esfola o queixo. Mal consigo manter a cabeça erguida enquanto o uso.
— Wahahaha! Uma aparência deveras heroica, devo dizer, Sira! — Um homem de cabeça brilhante chega. Ele é o chefe militar deste forte. É barulhento e está sempre rindo, e também me dá muita comida. — Eu gosto dessa coisa que colocou no seu elmo! É vermelho e balançante como o fogo!
Não consigo agradecer. Quero, mas ele não vai deixar. Sabe…
— Não concorda, Lady Ange? — ele pergunta antes que eu tenha a chance de falar.
— Sim, General Bandkan, é um presente maravilhoso. — agradeço a ele. — Como representante da Fronteira Nortenha, eu… UOU!
— Ah-hah! Bloqueada, hein? Que pena!
Ele… gosta de tocar na minha bunda sempre que tento agradecer.
— Por favor, já chega de brincadeiras. Temos muito a preparar. — aviso-o.
— Brincadeiras? Assim você me machuca! Muito bem, vamos nos casar às vésperas da nossa grande batalha!
— Por favor, já chega de brincadeiras. Temos muito a preparar. — repito, ignorando sua falação.
— Como eu já disse… hã? Lady Ange? Quê? Que sorriso perigoso esse seu! — Ele ri enquanto olha para a moça da Empresa Flor Carmesim.
Apesar de tudo, não odeio esse homem. Na verdade, gosto muito dele. Ele me escuta, conta histórias divertidas e me elogia com frequência. Sem contar que…
— Ahem! De qualquer forma, sinto que preciso expressar minha gratidão a Sira! Não só fez com que meus soldados compreendessem a existência de Deus como também mostrou um método de treinamento muito especial! Além disso, ela agora diz que lutará ao nosso lado….
Seus olhos me fazem lembrar muito o meu Pai. No fundo do seu coração, algo queima, jorrando pelo seu sorriso silencioso… é suavemente quente, e faz com que eu sinta falta dele.
— Que desculpa triste nós somos como adultos, a ponto de sermos forçados a aceitar a ajuda de uma criança em batalha. — lamenta ele.
Eles são mesmo muito parecidos; ele fica irritado e triste pelos outros. Trabalha duro, ignorando as próprias necessidades. Já conheci muitos assim, e disse adeus à maioria. Seu tipo é comum entre os soldados.
— General, posso dizer algo, mesmo que você possa achar um pouco imprudente? — pergunto.
— Sim, sim. Pode ficar à vontade.
— Nosso inimigo é composto por cinquenta mil soldados. Nossos aliados são compostos por dois mil da cavalaria e três mil da infantaria. Pelos números, até mesmo um empate seria…
— Sim, se entrarmos em embate direto, não temos chance. Seria um homem para cada pelotão de vampiros. Seríamos facilmente suprimidos.
— Mesmo assim… vocês devem entrar em batalha?
— Nós devemos. Esse forte foi designado para enfrentar os inimigos que vêm do norte; somos fracos demais contra uma invasão vinda do sul. É possível que seja mais um massacre do que uma batalha de verdade. Não podemos lutar em grupo com todas as estruturas no caminho. E uma batalha mano a mano com um vampiro? Já consigo imaginar o sangue jorrando.
Não quero que ele morra. Não quero que ninguém morra. Todo mundo aqui é uma pessoa boa. Eles me perguntam como son Peine está; comentam sobre como Lorde Willow é valente; me falam que desejam um filho ou filha como eu e fazem carinho na minha cabeça; todos sorriem, mas em seus olhos posso ver que estão preparados para lutar até a morte.
Deus. Ó Deus. Sobreviver significa que precisa continuar lutando assim?
— Dito isso, vou precisar que fique no quartel-general, Sira. Infelizmente, essa é a única forma para podermos usar magia de fogo. Caso contrário, seria como uma lâmina cega.
— Então você quer mesmo usar a Sira? — pergunta a moça da Empresa Flor Carmesim.
— Quero. Devemos vencer. Não há possibilidade de retirada para a humanidade agora. Se perdermos, os trens de suprimento necessários para montar um contra-ataque serão destruídos. Além disso, as planícies ao norte se tornarão um cemitério em massa, e toda a esperança… será perdida.
Pensar na Lady Kuroi enche meus olhos de lágrimas. Estou bem quando estamos juntas, mas não aguento ficar longe. Apenas lembrar do seu rosto iluminado pela fogueira… Oh, aqui vamos nós de novo. Mas não posso evitar; se continuarmos lutando, até mesmo a Lady Kuroi morrerá no final.
— Sira, está chorando? Qual é o problema, querida? Está com medo? — Ange quer saber.
— Estou sempre com medo.
— Sira… — O velho fala mais baixo.
— Não estou com medo da luta; posso aguentar a dor. Porém…
Tantas vidas… Tantas mortes pesam nos ombros da Lady Kuroi enquanto ela luta pelo nosso bem. Ela trabalha tão duro e queima muito mais brilhantemente do que qualquer um. É a mais forte chama de todas — uma conflagração garantida a nós por Deus para iluminar este mundo frio e escuro.
— Todo mundo irá morrer. — choramingo.
Uma chama que queima com intensidade é linda, mas não deixa nada para trás. Sei que o fogo dela é lindo, pois usa cada gota do combustível; essa é a natureza de conflagrações cegantes. Odysson me ensinou isso.
— Não deixarei que aconteça! — grita o homem de cabeça brilhante.
Uou! Isso me surpreendeu. Aaah, ele está me colocando em seus ombros! É forte; e eu também estou usando armadura completa.
— Essa é uma batalha gigantesca! Uma época de grande perigo! Muitos morrerão, é verdade! Nem mesmo Deus pode impedir! Mas, Sira, você não deve se enganar. Não batalhamos para morrer… um guerreiro luta para evitar a morte!
Ele anda, e eu balanço com cada passo. Preciso manter meu elmo. A cabeça brilhante é lisa demais para eu me segurar.
— Veja, nossos cinco mil guerreiros! Wahaha! — De pé na sacada, observamos o pátio. O homem ri em voz alta. — Se incluirmos seus pais, serão mais dez mil guerreiros! Claro, alguns deles são irmãos, por isso é apenas uma estimativa, mas… também há seus avós! Isso quadruplica nossos números, no mínimo. A história contínua da humanidade está à mostra bem aqui, com esses guerreiros. Em outras palavras, eles são o resultado de dezenas de milhares de vontades ancestrais!
Todo mundo está olhando para nós. Estão agitando suas bandeiras e acenando suas mãos para nós. Suas armaduras, espadas, lanças e olhos brilham.
— E você é uma criança, Sira. Uma garota corajosa e devota, que todos amam como uma filha. Pode-se até mesmo dizer que você é a estrela mais brilhante da humanidade. É a fonte do nosso espírito de luta e o símbolo da nossa vontade. Não deixaremos que morra. Sua sobrevivência é a nossa vitória!
Quero lhe dizer que ele é forte. Quero lhe dizer que estou preocupada com todo mundo, porém… não adianta. Ninguém aqui quer morrer, mas irão. É por isso que não posso dizer nada. Preciso aceitar seus sentimentos.
Oh, Lady Kuroi… esse é o seu trabalho. É tão quente. A paixão de todos está chovendo sobre mim… Sinto-me tão triste e solitária… Meu coração está prestes a rachar em dois. É como se eu estivesse queimando. Resistir à vontade de chorar me dá forças. A mana está surgindo dentro de mim.
— Lady Ange, preparei um grupo de mensageiros e cavalos. Você me compreende? — pergunta o homem.
— Se a hora chegar, Sira e eu…
— Sim. Queimarei o forte se chegar a esse ponto. Ganharemos tempo para que Agias resgate vocês heroicamente. Certifique-se de dizer a ele sobre os suprimentos que escondemos nas montanhas.
— Juro pela minha vida.
— Sinto muito e agradeço-a. Não é muita coisa, mas, se o pior acontecer, rezo para que até mesmo uma lata de sopa daquele estoque sustente o orgulho da humanidade, e que cada grão, imbuído com as vontades dos nossos cidadãos, torne-se sua força.
Acho que o fogo me engolindo está chamando Deus. Abraço a espada do Papai com força. Deus colocou poder nesta lâmina. Está quente. Deveria me queimar, mas não queima; sequer suo. É um calor estranho.
— Agora, meus guerreiros! É hora da batalha!
Certo, eu também estou indo. Ange observa enquanto marchamos em direção à saída sul. Vamos lutar juntos. Nossas passadas estão em harmonia. Ninguém chora nem está com medo.
— Armadura pesada no centro! Formar ranks! Cavalaria, formar duas alas! — comanda o careca.
Uma bandeira vermelha desdobra-se e flutua ao vento como um fogo gigante. Será que Deus está observando? Essa bandeira diz: “Não perderemos! Veja-nos, Deus!”
A bandeira dos vampiros é preta e dourada, como um trovão à noite. Posso ver vários deles do outro lado do campo. Os barracos cinzas no horizonte são acampamentos feitos de pedra. Eles esperam lá dentro pelo cair da noite. É o momento em que atacarão.
É por isso que esse é o nosso momento. Temos que agir agora, antes que morram depois.
— Tudo bem! Meus honrados cinquenta cavaleiros! Vão!
— Sim, senhor! — respondem e esporam seus cavalos para que galopem. Em suas mãos estão frascos de óleo. Colocam mana neles… Oh, não, os vampiros perceberam! Pedregulhos os esmagam, eles se chocam contra paredes de pedra, buracos se abrem debaixo das pernas de seus cavalos… Muitos perecem, muitos. Mas mesmo assim…
Conseguem disparar suas bombas. Fizeram o melhor que podiam. Por todo lado, os frascos quebram e irrompem em uma onda de chamas. Alguns até mesmo caem dentro de barracas de pedra e os incendeiam. Posso ouvir o grito de vampiros.
Apenas nove cavaleiros retornam.
Mesmo assim, todos batem as espadas contra os escudos e comemoram em voz alta.
— Conseguimos! — gritam eles.
— Ótimo, ótimo! Um excelente primeiro ataque! Contemplem! Os animais sugadores de sangue estão com medo do fogo! Wahahahahaaa!
Ele não consegue estar feliz. Não consegue celebrar…, mas ainda sorri. Sorrir também é lutar.
Movendo-se em direção ao próximo ataque, outra tropa de cem soldados galopa adiante. Novamente, não são capazes de chegar perto antes de morrerem, mas ainda disparam suas bombas. Cerca de metade retorna.
— Qual é o problema? Não vão contra-atacar? Covardes! Eu já sabia! Vocês cavaram uma passagem através de toda a montanha porque estavam com medo do forte que o nosso exército defende! Tudo o que podem fazer é atacar cidades indefesas! Fracotes! Wahaha!
Os soldados concordam com a cabeça. Eles se movem. Oh! Os vampiros estão vindo. São tantos. Um número incrivelmente grande deles se aproxima.
— Soldados do centro, manter posição! Aqueles na esquerda e na direita, recuem! Cavalaria, formar uma abertura!
Estou no centro, então nós temos que manter nossa posição. Os soldados na linha de frente preparam seus escudos, formando uma parede e cavando os pés no chão. A linha da retaguarda de soldados firma as costas deles. Alguns têm lanças em mãos; outros, frascos de óleo. Unidos, esperamos.
— Somos o exército do forte! Defensores da humanidade! Façam com que sejam ouvidos, homens!
Gritos e barulhos preenchem o ar. Humanos e vampiros colidem. Parece como se o mundo inteiro estivesse tremendo; como se a minha alma estivesse sendo comprimida. Empurramos e somos empurrados, perdendo pouco a pouco. Vamos ser esmagados, mas ainda assim…
— Empurrem! Empuuuuurrem! — O homem de cabeça branca grita. Eu também empurro sua bunda.
Não perderei. Nós não perderemos!
Tradução: Taiyo
Revisão: Midnight
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