Outer Ragna Outer Ragna – Vol 02 – Capítulo 42 – A Mercadora Cuida e Reza Pelo Mundo de Após a Batalha Final

Nossas preces chegam a Deus.

Através de mim, Deus respondeu às súplicas de Seu povo.

 

-Mercadora Ange I-

Os líderes da Fronteira preenchem o pequeno escritório, fazendo com que até mesmo respirar seja desconfortável: Comandante Representante da Fronteira, Agias Willow; Sacerdote da Fronteira, Felipo; Feiticeiro da Fronteira, Odysson; Comandante Nortenho… alguma coisa Peine; Capitães da Cavalaria, Origis e Marius Willow; e eu, Mestra da Moeda da Fronteira. Com essas pessoas aqui reunidas, sabe-se que o assunto da discussão será algo nada agradável.

O rosto do gordinho tagarela está completamente sério, enquanto o tagarela coberto de curativos sorri. Isso serve como confirmação. Eles devem estar prestes a revelar algo terrível. Seja qual for a notícia ruim, com certeza irão testar nossos limites.

— É chegada a hora. — A voz do Comandante Representante Willow ressoa com força. É como se ele dissesse para nos preparar para o pior. — Os vampiros declararam guerra contra os elfos e nós. Essa será a batalha final. Em nome do Império Sagrado de Rorangia, disseram que “irão subjugar essa terra e expulsar os infiéis…”, não, talvez já tenham começado.

Um mapa do continente está aberto diante de nós. Cada área de controle está marcada por uma cor diferente. O leste e oeste são predominantemente preto e branco, com um pontinho vermelho ao sul; como se tentasse enfiar a realidade na nossa cara.

— Muitas das cidades que fazem fronteira com o oeste foram atacadas e conquistadas. — continua ele. — Individualmente, não parecem muito, mas junte tudo e terá um enorme ataque em grande escala. É provável que irão prosseguir para atacar o forte também. Temos relatórios de que estão, ao mesmo tempo, usando desta mesma tática de grande escala contra os elfos.

Ele coloca um pequeno peão preto no canto ocidental da seção vermelha. Ao norte, onde as seções preta e branca se cruzam, coloca um peão preto maior e… um grande branco. É claro.

— De acordo com a declaração de guerra deles, o exército invasor que ia em direção aos elfos é liderado por Tempestade de Raios. Em resposta, é muito provável que os elfos mandem um Apóstolo. Não sabemos dizer com certeza se será Absoluto ou Mar Profundo, mas a Dez Mil Sinos parece estar fora de questão.

Enquanto fala, coloca um peão branco maior na seção norte da área vermelha. Aquela é a garota élfica, não é?

— Dez Mil Sinos não irá sair daqui, declaração dela mesma. Acreditamos que a derrota de Dourada nesta terra é parte do motivo de sua decisão. Este é o fim do meu relatório.

Alguém acabou de engolir em seco? Não pode ter sido eu, pois tomei cuidado para ficar em silêncio. Não importa, sério; pode ter sido todos nós. Guerra, hein? Essa batalha estará em um nível diferente de qualquer outra. Não há dúvidas de que todo o continente será envolvido.

Eu sabia que essa hora chegaria. Matar monstros, recusar-se a se curvar para os elfos, enfrentar os vampiros, adorar Deus, seguir uma Apóstola, matar a Dourada, recusar-se a morrer… e, ao invés disso tudo, tentar viver com glória. Era natural que isso fosse ocorrer.

Mesmo assim, isso não faz com que a tremedeira pare. Não muda o fato de que é aterrorizante. Táticas militares são como uma língua estrangeira para mim, por isso não sei dizer quem ou o que está ganhando, nem mesmo prever o que pode vir em seguida. Ainda assim, há uma coisa que eu sei: a humanidade está encurralada, e não tem saída para nós.

Dentro da seção vermelha no mapa, há algumas semelhanças entre a linha de frente e a linha recuada. A Fronteira, que abrange o forte por três lados, é considerada uma zona perigosa, enquanto a capital, mais ao sul, é um refúgio seguro… pelo menos essa é a ideia comum. A nobreza e os pobres vivem juntos nesta terra pequena, lutando para conseguirem sobreviver.

Entretanto, essa segurança é apenas temporária. Se os vampiros quisessem, poderiam destruir o forte em um instante. Não, poderiam obliterar e não deixar traço algum para trás. Essa é a realidade — a dura e fria realidade que nos cerca.

— Permita-me adicionar uma coisa a mais — Padre Felipo diz. Duvido que vá anunciar algo positivo. — Normalmente, os vampiros submeteriam o anúncio em nome de um dos seus três Apóstolos. Eles seguiram essa convenção quando assinaram o Tratado de Baltrial. Enquanto os elfos invocavam a República de Ewlogond, os vampiros entravam no acordo em nome do líder Apóstolo deles, a Dourada.

Que grande conhecimento… Isso não é algo que se aprende no seminário. Quanto tempo faz que esse homem vem planejando a guerra?

— Mas agora invocaram o nome do Império Sagrado de Rorangia. Isso é alarmante demais. Houve apenas uma vez em que fizeram isso, e foi quando fundaram a própria nação. Em outras palavras, é a primeira vez desde a guerra que os levou ao poder de repente, como é descrito no livro sagrado.

Um pouco de história? Não, mais parece mais um conto de fadas. Sobre trezentos anos atrás, em uma noite de lua cheia, os vampiros apareceram subitamente. Liderados pelo Deus Demônio, eliminaram os maiores discursantes, então entraram na guerra entre elfos e anões. Foi assim que subiram ao poder como a tribo mais forte do continente… Pelo menos é isso o que a história diz. Hehe. Enfim, isso não tem nada a ver conosco, pois vivemos no presente.

Essa grande revolução que começou na Fronteira é o que realmente compõe uma lenda.

— Deveríamos considerar a afirmação deles de “batalha final” de maneira literal. — continua o sacerdote. — Isso quer dizer que será uma ofensiva com força total, a qual envolverá toda a nação. O que estou querendo dizer com isso é… — Lentamente, como se eu observasse uma pequena rachadura se tornar um abismo, um sorriso se forma em seu rosto. — É a oportunidade perfeita para a chegada da nossa revolução.

Pensei que pudesse dizer isso. O sorriso do Capitão Sei-lá-o-que é tão largo que parece querer voar do seu rosto. Que incômodo. Odysson deve concordar comigo, pois também mostra um sorriso pretensioso. O Comandante Representante, Willow, e o Capitão Marius sorriem levemente, enquanto o Capitão Origis e o Capitão Zakkow estão rindo como se fossem invencíveis.

— Sim! Um embate com força total! Não é como se estivéssemos em posição para nos segurarmos, de qualquer forma. Não só nossas forças são fracas, como também nos falta estamina. Além disso, não importa quanto tempo seja dado, não há esperança em unir o país… A humanidade já está à beira da aniquilação. — avisa Padre Felipo.

Ele tem razão; já passamos dos nossos limites há muito tempo.  O alcance nortenho pode estar devastado pela guerra e desolado, mas, no sul, o coração do povo já está completamente apodrecido. Os pais vendem a carne de seus filhos, enquanto as crianças vendem os ossos de seus pais… Não importa quantas vezes eu veja isso, minha mão ainda treme quando eu lhes dou dinheiro em troca. A mesma coisa vale para quando entrego aos vampiros seus produtos: tremo e balanço, mas lágrimas não caem. Enquanto isso, de suas mansões acima dos becos, os nobres se deliciam em seus banquetes.

É um pesadelo. Para os humanos, é um pesadelo. Encurralados por causa de sua fraqueza, manchados pela miséria e tratando vinho e mulheres como o pináculo da cultura… isso me enoja. Uma lógica inocente como “progredindo lentamente” não funciona mais.

— Se os vampiros estão vindo com tudo, é natural que os elfos vão seguir o mesmo plano. Pela primeira vez, uma abertura apresentou-se por si só… Devemos apostar nessa oportunidade única na vida, nessa batalha de tudo ou nada. Somos fracos e temos pouco tempo de vida: essa é a única opção que nos resta. — conclui o sacerdote, animado.

Hehe. Isso que eu chamo de louco. E esses adultos, que de alguma forma conseguiram sobreviver até hoje, estão sorrindo de maneira natural. Ah… a imagem de um certo alguém ausente surge em minha mente… o perfil daquela garota de cabelos negros.

— Claro, estaremos focando na defesa e em táticas de correr e bater. — avisa o Comandante Representante Willow enquanto coloca dois novos peões vermelhos no mapa. — Nossas forças principais, a de Origis, com dois mil de cavalaria, de Felipo, com dois mil de infantaria, e Odysson, com mil soldados mágicos, estarão posicionadas aqui, na Fronteira do norte. Felipo será o comandante. Mantenham uma posição defensiva, e, se a situação exigir, mandem soldados das áreas próximas.

Hmm… Considerando que precisamos da diplomacia com os elfos, o Padre Felipo tem que ficar aqui. Porém, estacionar dois homens impulsivos e diretos com ele…

— Então despacharemos a cavalaria de dois mil do Marius e a infantaria de dois mil do Zakkow para a Expansão Infernal como um exército reserva. Jashan será o comandante. Apoie os residentes na defesa deles, mas permaneçam de prontidão.

Ah, entendo. Então é assim. Um grande calculista. O Comandante Representante Willow não tem intenção de proteger a Expansão Infernal até a morte. Se as coisas tomarem um rumo ruim, ele quer que recuem e preservem os soldados. No mínimo, a cavalaria deve ser capaz de retornar. E ele está despachando as pessoas certas para o trabalho. Os impulsivos têm a tendência de deixar suas emoções tomarem conta, afinal.

Capitão Zakkow parece entender a situação; ele assente com resolução. Sim, essa é a resposta correta. O tempo gasto esperando por uma abertura vale dez mil ouros, e os soldados na reserva para a batalha final irão ter o mesmo valor. Inevitavelmente, haverá sacrifícios. Esse é o tipo de batalha em que estamos entrando.

— Irei liderar uma força de mil da cavalaria em táticas de bater e correr no oeste. — conclui o cavaleiro.

Heh. Heheh… Esse rosto. A luz naqueles olhos. Eu poderia me apaixonar por você aqui mesmo, Agias Willow. Você pretende assumir o papel mais perigoso e entrar em batalha com nossos inimigos usando mil soldados da nossa elite da cavalaria. Sim, você certamente não está se segurando. Sua resolução forte e autoconfiança são brilhantes. Planeja lutar nas linhas de frente, sobreviver de qualquer maneira possível e comandar nossos exércitos para a batalha final… Que homem incrível.

— Uma última coisa: devemos tomar cuidado com os movimentos dos Apóstolos.

Padre Felipo tenta reunir os peões maiores, o preto e o branco, em sua mão gorda, mas os dois caem. Deixe-os assim, cara. Ele consegue ser um idiota nos momentos mais estranhos. Pare de copiá-lo, Capitão Sei-lá-o-que… Ei, você é bom nisso.

— Ahem. Onde os vampiros de Montanha Desmoronada irão aparecer? Onde os elfos de Absoluto e Mar Profundo estarão posicionados? A verdadeira batalha começa quando descobrirmos as localizações dos Apóstolos. Até lá, por favor, não façam nada precipitado. — avisa Padre Felipo. Ele pega um grande peão vermelho. — Desta forma, devemos fazer o que pudermos. — O único peão grande vermelho. O símbolo de nossa esperança. — E devemos esperar uma revelação divina… — recita, colocando o peão reverentemente no lado do mapa — da mão de Deus.

É como se ele estivesse desafiando e rezando a Deus ao mesmo tempo. Todo mundo fecha os olhos. Eu sigo o fluxo e rezo.

Rezo para que nosso precioso desejo por um futuro em que a humanidade possa existir com orgulho se torne realidade. Rezo para que isso signifique nossa vitória. Rezo para que, mesmo que signifique derrota, os sacrifícios que devemos fazer não sejam grandes demais. Rezo para que muitos aproveitem de um futuro feliz em troca. Rezo para que um dia possamos ficar alegres com o nascimento de nossos filhos. Rezo por um mundo maravilhoso, em que pais podem ver seus filhos crescerem.

— Deus Ex. — entoamos. Agora, nossa batalha final começou.