Naquela noite, eu tive um sonho.
Sonhei com algo que aconteceu quando eu ainda estava na ilha.
Naquele dia, eu estava pedalando o mais forte que conseguia para esquecer a dor no lugar onde o meu pai me bateu. Na época, também chovia na ilha. Nuvens de chuva espessas moviam-se no céu, mas vários raios de luz passavam pelas frestas na camada de nuvens. Eu queria chegar até lá para entrar naquela luz, então pedalei pela estrada costeira com todas as minhas forças. Por apenas um momento, pensei que tinha conseguido!
Mas eu estava na beira de um penhasco à beira-mar, e a luz do sol foi para longe, para além do mar.
Eu vou entrar naquela luz, foi o que decidi na época…
E, quando o fiz, te encontrei.
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Naquela noite, eu tive um sonho.
Sonhei com o dia em que te vi pela primeira vez.
Você estava sozinho no McDonald’s tarde da noite, e me parecia um gatinho abandonado. Mas aquele gatinho abandonado foi a pessoa que encontrou o significado na minha vida.
Eu te encontrei e comecei a trabalhar. Toda vez que eu fazia o sol aparecer, mais pessoas sorriam, e continuei com o meu trabalho como garota sol porque aqueles sorrisos me faziam feliz. Não era a culpa de ninguém; foi uma escolha que eu mesma fiz. Mesmo se eu percebesse tarde demais para voltar atrás… encontrá-lo me deixou muito alegre. Se eu não tivesse te conhecido, não poderia ter amado a mim mesma nem o mundo tanto quanto amo agora.
Neste exato momento, você está dormindo bem ao meu lado, exausto depois de chorar tanto. Há marcas de lágrimas nas suas bochechas. Do lado de fora, consigo ouvir a chuva violenta e trovões como um tambor distante. Um pequeno anel está na minha mão esquerda. Um presente que você me deu, o primeiro anel que ganhei na minha vida… e provavelmente o último. Com suavidade, coloco a minha mão sobre a sua enquanto você dorme. Posso sentir o calor gentil dela, como o sol à noite.
Logo em seguida, como ondulações surgindo das nossas mãos juntas, passo a sentir a mim mesma me tornando uma com tudo. Os meus limites são dissolvidos no mundo. Uma alegria peculiar e tristeza aguda se espalham por mim.
Eu não quero isso, penso, mesmo quando euforia me preenche. Ainda não, eu não lhe disse nada até agora. Eu não te disse Obrigada ou Eu te amo. Eu freneticamente junto a minha consciência espalhada e diluída, tento prender os meus pensamentos e emoções a mim mesma de alguma forma. Eu falo. Encontro a minha garganta e, então, tento lembrar da sensação do ar contra ela. Hodaka.
— Hodaka. — A minha voz é curta e rouca, enviando apenas as mais finas vibrações no ar — Hodaka, Hodaka, sin—
Nem mesmo sinto a minha garganta mais. Estou desaparecendo. Estou sumindo. Reuni o resto da minha força, tentando fazer as minhas palavras alcançarem os seus ouvidos.
— Não chore, Hodaka.
— …
Os meus olhos se abrem.
Eu estive dormindo. Sonhando.
Me sento devagar. Tudo ao redor de mim estava coberto por uma névoa branca. Uma pequena neblina cai com um barulho igual ao de finas folhas de papel esfregando-se uma na outra com suavidade.
O que eu estava fazendo…?
Não consigo me lembrar. A única coisa dentro de mim é o vestígio de algo que foi diluído em água.
Durante o pouco tempo que se passou, peixes transparentes flutuavam ao meu redor. Enquanto eu olhava para os peixes do céu, distraída, notei algo lá de súbito. Não havia temperatura dentro do meu corpo… exceto por aquele lugar que estava um pouco quente.
O meu dedo anelar da mão esquerda. Eu o estendo na frente dos meus olhos. Há uma pequena asa prateada envolta dele.
— Hodaka… — Os meus lábios se movem.
Hodaka? A palavra aquece o meu corpo todo, apenas um pouco.
Splish.
Com um som espantosamente alto, uma gota de chuva cai sobre a minha mão esquerda. A minha mão, feita de água, estremece com suavidade e engole a gota.
Splish, splish, splish.
Gotas caem, uma após a outra. O meu perfil estremece à medida em que ondulações se espalham por mim, colidindo com outras ondulações para criar mais. Se eu continuar ondulando tanto assim, o meu corpo vai desmanchar. A minha ansiedade aumenta.
Então, uma gota atinge o meu dedo anelar aquoso, e o anel escorrega por ele, como se a água o tivesse tirado de mim.
— Aaah!
Por impulso, agarro com a mão direita o anel que cai.
— …!
Mas ele também passa direto por aquela mão e desaparece no chão. Desespero surge em mim e, por um momento, me lembro de você animado, à medida em que meus sentimentos irrompem em cores novamente — Mas, então, se esvaecem e vão embora, deixando apenas uma tristeza sem cor para trás.
Nem mesmo sei mais o que está me deixando triste, mas ainda choro sem parar. Os peixes permanecem flutuando ao redor de mim, em silêncio.
Sem demora, a chuva para, e a névoa começa a se levantar.
Estou em uma planície com gramado. Sobre mim está um céu azul e perfeitamente limpo. A planície farfalhante brilha com a luz brilhante do sol.
Estou em um campo no topo de uma nuvem, invisível para qualquer um na superfície da terra. Sou azul e branco, sou vento e água. Me tornei parte deste mundo, e sem alegria nem tristeza, assim como qualquer outro fenômeno natural, eu simplesmente derramo lágrimas.
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Acordei com um susto.
O meu coração estava batendo caoticamente. As minhas têmporas pulsavam tão forte que eu temia que pudessem explodir. O meu corpo inteiro suava. O som do meu próprio sangue surgiu nos meus ouvidos como uma torrente de lama.
Estava olhando para um teto que não reconheci. Onde estou? Pensei, e, aos poucos, o som nos meus ouvidos foram enfraquecendo, o suficiente para me permitir ouvir sons diferentes.
O canto de pardais. O barulho dos carros. A fraca voz das pessoas.
Os sons de uma cidade pela manhã.
Hina.
De repente, me lembrei de tudo. Olhei para onde Hina estava dormindo perto de mim.
— …!
Tudo o que estava lá era o seu roupão, como uma concha abandonada. Hina desaparecera.
— Hina! Hina, onde você está?!
Pulei da cama. Chequei a área de banho, espiei para dentro do banheiro, até mesmo abri o armário. Ela não estava em lugar algum.
— Hodaka, qual é o problema? — O Mestre Nagi estava acordado, esfregando os olhos; ele soava ansioso.
— A Hina não está aqui! Não consigo encontrá-la!
— Huh?! — A expressão perplexa de Nagi transformou-se em tristeza de repente. — Eu… estava sonhando até agora há pouco.
— Huh?
— Sonhei que a minha irmã estava rezando para ter tempo bom. Então ela elevou-se no ar e desapareceu no céu…
Engoli em seco. A imagem de Hina subindo ao céu a partir do torii no prédio abandonado surgiu na minha mente como se eu tivesse presenciado. Parando para pensar, eu tinha tido o mesmo sonho…
Bam, bam!
Na mesma hora, alguém bateu com força na porta.
— Abra! Abra esta porta! — gritava a voz severa de um homem. Essa voz… Enquanto eu tentava desesperadamente me lembrar, a fechadura foi destrancada com um click, e a porta se abriu.
Policiais entraram, ainda usando os seus sapatos. Havia um homem em roupa de oficial, uma mulher policial, um homem alto em um terno e um topete no estilo regente.
— Você se chama Hodaka Morishima, correto? — O Topetudo colocou-se na minha frente, segurando o seu distintivo de policial. Os seus olhos eram frios. — Como já deve estar ciente, você foi reportado como desaparecido. Além disso, é suspeito de porte ilegal e arma de fogo e explosivos. Pode vir conosco até a delegacia?
Eu não conseguia responder. Não tinha para onde correr.
Justo naquele momento, o Mestre Nagi gritou:
— Me solte, ei, me solte!
— Está tudo bem, venha. Vamos juntos.
A moça policial tinha pegado Nagi enquanto ele tentava fugir dela na cama.
— Nagi!
Tentei correr para ajudá-lo, mas um choque de dor intensa percorreu o meu braço, e alguém enfiou a minha cara na cama.
— Comporte-se. — Uma voz irritada disse de cima de mim. O Topetudo havia dobrado o meu braço para trás das minhas costas.
Quando eles me retiraram do hotel, me senti cego.
Um sol brilhante iluminava a cidade em um contraste nítido. A luz do sol brilhava tão branca quanto em uma fotografia superexposta, e as sombras profundas e escuras eram como brechas na imagem. Sobre mim, o céu era um azul vívido e sem nuvens — azul demais, quase de aparência falsa. Este céu azul era uma imitação. O sol brilhante atingiu os meus olhos violentamente até que eles ardessem e lacrimejassem. Em todo lugar, cigarras cantavam em um frenesi maluco. Era como estar sendo assediado por uma multidão inteira de uma só vez.
— Vamos, ande. — disse o Topetudo, sobre o ombro. O policial fardado estava logo atrás de mim. Quando ele me empurrou para o asfalto, pisei em uma poça de água. Toda a rua estava coberta. Toda a cidade era uma poça gigante.
— Eles disseram que vai levar mais alguns dias para que toda a água seja drenada no centro da cidade. — disse o policial atrás de mim, havia um traço de gentileza na sua voz. — Nenhum dos trens está funcionando, e o centro de Tóquio está uma bagunça, mas não há dúvidas de que é bom ver o céu azul, não acha? Ouvi dizer que o sol apareceu em toda a região de Kanto pela primeira vez em três meses.
Piscando por causa da dor nos meus olhos, olhei para o céu. Procurei naquele azul perfeitamente limpo por algum traço dela. Não conseguia acreditar que era verdade, e, mesmo assim, eu sabia que isso aconteceria — os dois sentimentos começaram a girar ao redor da minha cabeça.
— Se apresse e ande! — O Topetudo vociferou de onde ele estava, ao lado do carro de patrulha.
— …!
Naquele momento, algo cintilou acima. Eu forcei os olhos e lá estava novamente. Algo pequeno caiu perto dos meus pés com um pequeno splash. Me agachei, colocando a mão na água.
— Ei, o que está fazendo? — O Topetudo soava irritado.
— Aaah…!
Minha pele se arrepiou — era um anel. A coisa que caiu do céu era um pequeno anel em forma de asa prateada, aquele que eu coloquei no dedo da Hina.
Hina, um sacrifício…?
— Hina! Não é verdade, né?!
Sem pensar, me endireitei.
— Ei! — O policial fardado agarrou o meu ombro. Eu não me importei; tentei correr. O oficial segurou os meus dois braços em um nelson hold, mas eu me debati e gritei com todas as minhas forças para o céu.
— Hina, volte! Hina, Hinaaa!
Mas o céu sequer tremeu. A minha voz simplesmente sumiu na vastidão transparente.
— Tudo bem…
No assento próximo ao meu, o Topetudo deu um grande suspiro, como se tudo isso fosse um incômodo para ele.
— Você decidiu se acalmar?
O carro de polícia estava andando lentamente pelas ruas inundadas.
— Vamos entrar em detalhes na delegacia, mas há algo que precisamos confirmar agora.
Eu estava olhando para baixo, e não respondi.
O Topetudo não se importava , por isso deu sequência:
— Hina Amano, a garota que fugiu com você na noite passada. Ela tem quinze anos, não é?
— Huh…? — Levantei a cabeça de repente.
O Topetudo me olhava com completo desinteresse.
— Alguma ideia de para onde ela possa ter ido?
— Hina tem quinze…? Não é dezoito?
As sobrancelhas do Topetudo se levantaram levemente.
— Ela mentiu sobre a idade nos currículos que enviou para os locais onde trabalhou por meio turno. Tenho certeza de que fez isso para manter as contas pagas, mas Hina Amano ainda está no último ano do fundamental. Ela não terminou o ensino obrigatório ainda… Você não sabia disso?
— Oh, qual é… — As palavras me escaparam — Então eu era o mais velho esse tempo todo.
Ouvi o Topetudo fazer um tsk, e percebi lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
— Tudo bem, garoto — disse o detetive, sem tentar esconder a sua impaciência. — Estou perguntando se você tem alguma ideia de aonde ela foi.
O interior do meu peito queimava como se estivesse em chamas. Isso… era raiva. Eu estava furioso.
— Onde está a Hina? — Olhei para o Topetudo — Ela se foi. É por isso que estamos com esse tempo. Mas ninguém sabe de nada; todos estão simplesmente aproveitando como um bando de idiotas…!
Lágrimas surgiram mais uma vez. Chorar era tudo o que eu andei fazendo ultimamente. Era patético, e eu puxei os joelhos até o peito.
— Não temos tempo para isso…
— Você acha que vamos precisar de acompanhamento médico?
Os detetives estavam sussurrando ente si. Do lado de fora da janela do carro de patrulha, a cidade banhada pelo sol passava, cintilando e brilhando.
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A minha cabeça doía com cada batida cardíaca.
Recentemente, nem mesmo uma noite boa de sono tem sido o suficiente para tirar toda a bebida do meu organismo. Eu acabei de acordar, mas já estou vacilante e acabado. Além disso, o mundo do lado de fora estava tão brilhante que eu não conseguia focar os meus olhos.
Mas não consegui parar de olhar para a TV. Esfregando os olhos, passei de canal em canal.
Os repórteres de jornais geralmente devem apenas, sabe, reportar, mas, neste exato momento, cada um deles estava morrendo de alegria.
“Pelo que parece ser a primeira vez em vários meses, o sol apareceu sobre toda a Planície de Kanto!”
Na TV, os arranha-céus da cidade quase pareciam lápides com linhas afiadas entre a luz e as sombras. Em outro canal, crianças corriam pela rua molhada.
“As chuvas fortes da noite passada parecem um sonho. Às oito da manhã, a temperatura está acima dos vinte e cinco graus…”
“Há inundação em diversas áreas centradas na região do Rio Arakawa. A profundidade da água varia de um centímetro até quase meio metro em áreas de baixa…
“Operações estão suspensas linhas urbanas JR e privadas, e esforços para restaurar o serviço já estão a caminho. Ainda não temos uma imagem completa da destruição causada na noite anterior, mas parece que levará alguns dias até que a infraestrutura de transporte seja restaurada…”
“Ainda assim, a animação está alta debaixo do primeiro céu azul há tempos!”
Verdade, todo mundo na rua estava sorrindo. O tempo muda tanto assim o humor das pessoas? Pensei, distraído, como se isso não tivesse nada a ver comigo. Quanto a mim, eu não estava feliz por algum motivo. Durante o pouco tempo que se passou, eu sentia um pequeno traço de arrependimento, do tipo que você sente quando pisa em um inseto e o mata sem ter a intenção de o fazer. Você também sente isso, não é? Eu queria perguntar a Natsumi, mas ela tinha saído.
Eu dei um grande suspiro. Não havia sentido em remoer sobre sentimentos sem um motivo, ou em ouvir estranhos celebrando. Eu desliguei a TV e me levantei, então andei até a janela. A água tinha se acumulado bem nela; parece um aquário do lado de fora. O escritório ficava em um meio-porão, e havia cerca de três pés de água da chuva entre o vidro e a parede de concreto do lado de fora. O fino painel da janela tinha rachaduras em vários lugares, e água estava vazando.
Sem dar muita atenção para isso, coloquei os meus dedos no painel. Graças à pressão da água, ele não se moveu, então coloquei um pouco mais de força nos meus dedos.
O vidro se estilhaçou de repente, e a água entrou no escritório. A correnteza derrubou uma pilha de livros ao lado da janela, arrastando documentos para longe dentro do recinto. Eu a encarava, perplexo. Quando a água parou de entrar, o escritório já estava inundado até a altura do calcanhar.
— Papai, você viu lá fora?!
Quando atendi ao telefone, a ligação era de Moka. A voz de uma criancinha é um suspiro de vida, pensei, da mesma forma sempre que a ouvia.
— Tem sol! Incrível, né?! Ei, eu quero ir para o parque hoje de novo!
Eu conseguia ouvir a alegria na voz dela. Crianças da sua idade eram tão sortudas — acreditando que tudo no mundo estava colocado lá só para você, certas de que, quando você sorri, o mundo inteiro sorri de volta para você; convencidas de que se você chorar, o mundo todo está lá fora para te segurar.
Quando foi que eu perdi isso? Me pergunto se o garoto… se Hodaka já superou.
— Sim… — Eu disse. — O papai amaria te levar ao parque hoje. Tente pedir à vovó, Moka.
— Tá bem! Ah, ei, Papai? Ontem eu tive um sonho incrível!
— Hmm? Sobre o quê? — Mesmo quando perguntei, um calafrio percorreu os meus braços. Droga, e eu estava tentando tanto ignorar aquilo.
— Sonhei que a Hina estava rezando para o sol!
Eu sabia. Finalmente desisti e me lembrei. Isso mesmo; eu também tinha sonhado. A garota sol estava subindo ao céu a partir do telhado de um prédio com um portão torii nele.
E, do nada, me perguntei: todo mundo em Tóquio teve o mesmo sonho? Em algum lugar no coração deles, todos sabiam que esse céu tinha custado a vida de alguém?
— Oh, é mesmo? Talvez ela tenha. — respondi, rouco.
Em minha mente, eu disse a mim mesmo que não podia ser verdade, pressionando as palavras na minha cabeça como os traços fortes de uma caneta esferográfica.
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O carro de patrulha parou do lado de fora da delegacia de polícia ao lado da Estação de Ikebukuro.
Eles me tiraram do carro, então me levaram pelo edifício com um policial na minha frente e outro atrás até um corredor escuro alinhado com portas próximas. As placas ao lado das portas diziam Sala de Interrogação.
— Hmm, Senhor Detetive? — perguntei, preparando-me.
— O quê? — O Topetudo se virou, olhando friamente para mim.
Eu respirei fundo e deliberadamente, então coloquei para fora o discurso que preparei dentro do carro de patrulha:
— Eu-Eu quero que você me deixe procurar pela Hina. Ela me ajudou esse tempo todo, e agora é a minha vez de ajudá-la. Quando eu a encontrar, voltarei para cá, eu juro, então…
— Vamos ouvir o que você tem a dizer… — À medida em que o Topetudo falava, a sua expressão não moveu nem um fio de cabelo. Ele abriu a porta à nossa frente. — … lá dentro. Mexa-se!
Uma mão empurrou as minhas costas, e os meus pés me levaram para dentro. Era uma sala de interrogação apertada, como aquelas que você vê nos programas de TV. Havia uma mesinha, um abajur e duas cadeiras de metal dobráveis de frente uma para a outra. Atrás de mim, o detetive e o policial conversavam em voz baixa.
— Onde está Yasui?
— Ele está verificando as redondezas do Yamabuki-cho.
— Diga a ele que estamos prestes a começar o interrogatório.
— Entendido, senhor.
Por impulso, tomei a minha decisão.
Baixei a cabeça, saí da sala ao me enfiar entre a porta e o policial, então corri de volta pelo caminho que viemos.
— O qu…?! Ei, pare!
Um segundo depois, ouvi um grito irritado atrás de mim, mas não olhei para trás e saltei as escadas. Coloquei as mãos para frente, amortecendo a minha queda, então corri até o primeiro andar.
— Peguem aquele garoto!
Várias pessoas olhavam para mim, surpresas. A delegacia não era grande, e se eu passasse pela recepção logo à minha frente, já estaria na saída.
— Pare!
Um guarda de segurança com um bastão de madeira saltou do lado da saída, e quando tentei me esquivar dele, o meu pé escorregou.
— Aaaaaaugh!
Caí, mas por puro acidente, escorreguei por debaixo das pernas do guarda. Me debatendo com os pés, corri para a rua, não dando atenção alguma ao tráfego. Diversas buzinas de carro soaram, e alguém gritou “Idiota de uma figa!” de um caminhão que estava fazendo uma curva. Eu os ignorei e corri por tudo que era mais sagrado, sem ao menos olhar sobre o meu ombro.
Fiquei tão chocado quanto qualquer um enquanto corria. Tá de sacanagem comigo?! Foi um milagre; eu escapei de uma delegacia de polícia. A este ritmo, no entanto, eles logo me alcançariam. Eu precisava de algum tipo de transporte.
Vi uma bicicleta em um canto que eu estava passando e pulei nela. Pisei fundo no pedal, mas quando tentei fugir, algo segurou com um puxão. A roda estava presa a um corrimão com um cadeado de bicicleta.
— Droga!
Eu estava começando a entrar em pânico. Quando olhei de volta para o caminho de onde vim, o Topetudo olhava para mim com um rosto que parecia um trovão. Eu encarei os arredores, frenético. Havia policiais fardados vindo das ruas em ambos os lados também, tentando me prender entre eles. E então…
— Hodaka!
Chocado, me virei na direção da voz. Uma mulher estava acelerando até mim em uma Cub rosa, e um cachecol amarelo se debatia atrás dela.
— O q—?!
Era Natsumi. Ela derrapou até parar bem na minha frente e gritou, confusa:
— Garoto, o que diabos está fazendo?!
— Estou indo para onde a Hina está…!
Os olhos de Natsumi se arregalaram de surpresa, então, a menos que eu estivesse vendo coisas, os seus lábios se transformaram em um sorriso.
— Sobe aí!
— Parem, vocês dois!
Bem na frente do detetive, a moto partiu comigo na garupa.
— Garoto maldito!
O grito do Topetudo retrocedeu atrás de nós. Natsumi acelerou em uma viela estreita. Havia água por toda a rua, e a Cub jorrava para os lados quando passávamos. Antes que eu percebesse, a claridade do sol não estava mais machucando os meus olhos.
— Senhorita Natsumi, por quê…?
Enquanto eu falava, me segurava a ela para que não fosse jogado para fora por causa da sua pilotagem violenta. Natsumi respondeu, sem olhar para trás:
— Eu recebi uma ligação do Nagi! Ele disse que Hina tinha desaparecido e que você foi preso!
— Onde ele está?!
— Em custódia no centro de assistência social infantil.
Naquele momento, ouvi sirenes da polícia vindo atrás de nós.
— Não me diga que eles estão nos perseguindo…
— Isso é hilário! — Natsumi deu uma risada bem histérica. Colocando os óculos que estavam em cima do capacete, ela disse: — Acho que somos fugitivos agora! — E puxou o acelerador — Tudo bem, garoto, para onde vamos? — Ela parecia estar tendo o melhor momento da sua vida.
A temperatura estava subindo rapidamente. O som agudo da sirene policial estava se aproximando, junto com o coro energético das cigarras. Na extremidade distante daquilo que eu conseguia ver, os arranha-céus de Shinjuku cintilavam como um reflexo na água.
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O prédio ficava perto de um parque grande. Eu estava esperando algo menos comum.
Quando eu disse na recepção o motivo para estar ali, o recepcionista falou:
— Por favor, escreva o seu endereço e nome completo aqui.
Então me entregou uma lista de visitantes. Eu vi que o nome Kana Sakura estava escrito no espaço acima. Que idiota! Pensei. Você não pode simplesmente roubar o último nome de alguém! Em retorno, escrevi Ayane Hanazawa e coloquei um endereço falso.
— Ele é um cara popular — comentou o velhinho de cabelos brancos na recepção. — Faz pouco tempo que chegou aqui, mas você já é a sua segunda visita.
— O quê? Sério?
Eu sorri e me curvei, empurrando o cabelo para trás da orelha quando ele caiu sobre as minhas bochechas. Cabelo longo é insanamente chato.
O velhinho parecia legal. Ele sorriu para mim e disse:
— Pode ir, está tudo okay aqui.
— Ayane! Você veio? — Nagi me cumprimentou com um sorriso quando abri a porta que dizia Sala de Entrevista.
Eu fiquei feliz por ver que ele estava animado como sempre. Sim, não importava o que estava rolando, Nagi sempre estava bem. Ele passou por muito mais coisa do que qualquer um, mas ainda é a pessoa mais gentil e inteligente. E eu sou aquela que melhor o conhece.
Kana estava sentada propriamente oposta a Nagi; ela me lançou um olhar sorrateiro, então me mostrou um sorriso falso. Eu levantei os lábios de volta para ela.
Nagi nos apresentou bruscamente, já que não tínhamos nos encontrado antes.
— Kana, esta é a Ayane. Ayane, esta é a Kana.
Eu sabia. Nós nos passamos uma pela outra na parada de ônibus diversas vezes. Kana Hanazawa, com o seu cabelo longo e liso, estava no quarto ano do ensino fundamental, um ano abaixo do meu. Irritantemente, ela era a atual namorada do Nagi. Ainda assim, eu era a mais velha, por isso tinha que ser madura quanto a isso.
— Prazer em conhecê-la. — Eu disse, cordial.
— O prazer é meu. — disse Kana, curvando-se modestamente.
Então Nagi fez um gesto para uma adulta que estava sentada ao lado da parede, inexpressiva o tempo todo. Ela era uma jovem mulher, muito mais jovem do que eu estava imaginando, mas tinha uma aparência muito teimosa e sobrancelhas grossas. Oh, então ela é…
— Esta é a Senhorita Sasaki, uma policial. Foi ela que me trouxe para cá. Ela disse que ficaria comigo o dia todo hoje!
— O quê?! Uou, Nagi, você é tipo um VIP! — Eu disse com uma voz aguda para esconder o quanto odiava aquela moça policial.
— Obrigada por toda a ajuda! — Kana e eu dissemos ao mesmo tempo e nos curvamos, e a policial assentiu de volta, sem dizer nada. Velhota má.
— Muito obrigado por virem! Eu sei que foi bem repentino. Vocês duas devem estar surpresas.
Nagi estava sentado em uma cadeira para criança. O local era pequeno; tinha uma estante com os tipos de livros ilustrados que se encontra em uma livraria, além de blocos de construção e outros brinquedos. Na parede havia um poster grande que dizia Protegendo o Futuro das Crianças Juntos.
— Pode ter certeza! — falamos juntas.
— Sim, quando eu fiquei sabendo que o governo estava com você, pensei que o meu coração iria parar! — Eu disse.
— Sério mesmo! O meu coração ainda está batendo de uma forma que você não acreditaria. Aqui, Nagi, sinta! — Kana inclinou-se para frente.
Ela está lhe pedindo para que ele toque o peito dela?! Ugh, essa garota está indo com tudo mesmo.
A policial que nos observava parecia surpresa.
— Ooooh, está mesmo! — Eu disse prontamente, agarrando o peito de Kana com força.
Kana olhou com raiva para mim, e Nagi deu uma risada charmosa. A policial nos observava, confusa com a nossa dança social. O coração de Kana estava mesmo acelerado. Ela também estava nervosa.
Foi então que Nagi deu uma piscada rápida para Kana, e ela assentiu de leve com a cabeça. Lentamente, caminhou até ficar na frente da policial.
— H-Hmm… — Ela mexia-se e gaguejava, e a policial olhava para ela com dúvidas.
— Qual é o problema?
— Bem, uh… Essa é a primeira vez que eu estive em uma visita que nem essa, e estou nervosa…
— Aham…?
— Hmm… Preciso ir ao…
— Oh! — O rosto da policial mostrou um sorriso aliviado. Então era disso que se tratava, era o que estava pensando, provavelmente. — Sim, sim, é por aqui.
A porta se fechou. Os únicos no quarto eram Nagi e eu. Até que enfim!
Nós dois nos levantamos das nossas cadeiras e começamos a tirar as roupas.
— Sinto muito, eu realmente te devo uma! — Nagi já tinha tirado a sua jaqueta. Ele não estava sorrindo como sempre, e eu pude ver que ele estava nervoso também.
— Credo, Nagi, o que você pensa que está fazendo? Não acredito que você ligou para pedir ajuda à sua ex-namorada! — reclamei, tirando o xaile ao redor dos meus ombros e a minha longa peruca. Meu cabelo é, na realidade, curto, quase do mesmo tamanho que o de Nagi.
— Sinto muito por te envolver nisso. Mas você era a única que eu podia contar, Ayane.
Eu sabia disso. Para ser honesta, fico feliz em ouvir dele.
— Aqui! — Escondi minha vergonha atrás de um beiço temperamental e entreguei a peruca para ele, então abri o cinto do meu vestido. — Vire-se. Vou tirar esse aqui também!
Por favor, faça com que o Projeto: Resgate Nagi dê certo. Eu esperava que os deuses ouvissem o meu desejo enquanto tirava o meu vestido.
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Quando foi que esse carinha ficou tão pesado?
Eu estava carregando o Chuva debaixo do braço; ele não mostrava resistência, estava largado e relaxado. Talvez não estivesse preocupado com nada. Eu tentei abrir a porta do escritório com uma mão. A pressão de toda a água no chão deixou a porta pesada, e eu tive que a empurrar com o ombro para abri-la. Fui recebido pela luz quente do sol e pela canção ensurdecedora das cigarras.
— Senhor Keisuke Suga. Obrigado pela ajuda na noite passada.
Quando eu estava na metade das escadas estreitas do lado de fora, alguém falou comigo de cima. Olhei para cima e vi o detetive que veio até o escritório ontem.
— De novo…? — Dei um grande suspiro dramático — Bem, parece que o verão enfim voltou ao normal.
A minha resposta sarcástica não teve efeito no detetive de meia-idade. Qual era mesmo o seu nome? Yasui? Ele usava um lenço para limpar o suor da testa debaixo do cabelo levemente grisalho. Um policial fardado jovem estava atrás dele, calado.
— Eu lhe disse tudo o que sei ontem à noite. — Eu disse enquanto colocava o Chuva no asfalto. O gato olhou para mim, confuso. O seu mestre não está mais aqui, então vá para onde quiser, disse para ele com os olhos.
— Você nos deixaria dar uma olhada no seu escritório? — O Detetive Yasui perguntou enquanto ele e o policial passavam por mim, descendo as escadas. — Bem, eu vou. Está inundado. Que dureza. — murmurou ele, sem nenhuma simpatia que eu pudesse ouvir.
— Ei, uou! Eu não disse sim, entendeu? Não tem ninguém aí!
O detetive e o policial ficaram na porta da frente.
— Bem, na verdade, estou bastante envergonhando em te dizer isso, mas… — O detetive Yasui começou, ele me observava. Estava me testando. — O fujão sobre o qual nós te perguntamos ontem foi encontrado nesta manhã. O apreendemos sob custódia e o levamos até a delegacia. Então, para ser honesto com você—
Eu deixei as minhas emoções escondidas, fingi desinteresse e mantive uma expressão neutra. Depois de uma longa pausa para me deixar em suspense, o detetive continuou estranhamente:
— Ele fugiu, sabe, da delegacia. Isso nunca aconteceu antes.
— …!
Eu não tinha mais confiança de que estava conseguindo manter o meu rosto inexpressivo. O Chuva deu um miado preocupado.
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— Um prédio abandonado em Yoyogi?! — gritei para Hodaka, que estava atrás de mim. Eu não conseguia os ver, mas conseguia ouvir as sirenes policiais constantemente, às vezes se aproximando, às vezes ficando mais distantes.
— Sim, Hina disse que foi onde ela se tornou uma garota sol! Ela contou que foi conectada com o céu lá!
— …!
Quando Hodaka disse isso, uma memória quase esquecida da noite passada apareceu na minha mente novamente. Parando para pensar, eu sonhei com Hina rezando e flutuando até o céu. Se era em Yoyogi, não era muito longe dali.
— Então, se eu for para lá, tenho certe—
— Se abaixe! — gritei, inclinando-me para frente de súbito.
— Waugh!
Um poste de telefone caído bloqueava a viela, e a Cub passou deslizando por pouco por baixo. A rua mostrava os sinais da chuva torrencial da noite passada: materiais de construção bloqueando o caminho, galhos espalhados, árvores e placas caídas, carros vazios abandonados. Enquanto eu pilotava pelos becos evitando os obstáculos, a avenida larga à nossa frente ficou mais próxima. Abruptamente, o barulho dos carros de polícia ficou mais alto.
— Oh, droga!
Eu saí de uma rua de quatro faixas logo em frente a um carro de polícia com a sirene ligada, e ele ficou na minha cola.
— Você da Cub! Pare! — Uma voz ameaçadora gritava para nós pelo megafone do carro, mas eu não importava com o que ele dizia. Não tinha como eu parar agora.
— É aquele detetive! — disse Hodaka. Nós estávamos chegando a uma grande intersecção. Aquela era a esquina da Estação de Mejiro. Bem aqui eu tenho quase certeza de que há uma—
— Se segura!
Quando gritei para o Hodaka atrás de mim, acelerei por tudo o que era mais sagrado. Eu fiz ziguezague na diagonal entre as faixas, e nós surgimos bem na frente de um caminhão que estava fazendo uma curva à direita na intersecção.
— Waaaaaaaugh! — Hodaga gritava. Nós passamos tirando tinta do caminhão, e a Cub entrou em uma escadaria estreita no espaço entre dois prédios. Por um momento, estávamos em pleno ar. Crash! A Cub pousou no chão, colocando a sua suspensão para funcionar, então desceu mais escadas. Os rostos surpresos dos pedestres quase raspavam na gente, e, então, saltamos em uma rua de mão única estreita que seguia ao lado dos trilhos.
— Minha nossa! Ei, eu sou incrível ou não?! — gritei, eufórica. Eu sentia como se tivesse acabado de saltar de um avião; adrenalina irrompia pelo meu corpo. Não conseguia mais parar de rir.
Hodaka, que ainda estava se segurando no meu estômago, parecia assustado:
— Uh, Senhorita Natsumi?! — As sirenes da polícia estavam desaparecendo rapidamente.
Eu apenas sorri.
— Oh, meu deus, isso foi tão maneiro! Droga, foi divertido! Eu acho que tenho jeito para a coisa!
Então, tive a ideia mais brilhante de todas.
— Oh, ei! — É isso aí! Este é o trabalho da minha vida! — Talvez eu vire uma policial de motocicleta!
Hodaka gritou comigo, com lágrimas:
— Eles nunca irão te contratar depois disso!
Oh. Ele tinha razão.
Bem, procurar emprego não importava agora.
Yoyogi, aqui vamos nós! Eu me recompus e apertei o guidão com força.
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— Até onde sei, o garoto fugiu para procurar pela garota que estava com ele.
Eu me inclinei ao lado do balcão de bar, olhando para o Detetive Yasui enquanto ele sondava o escritório. Eu esperava que ele tivesse ido mais rápido para casa se lhe mostrasse que ninguém estava ali, mas o cara não parecia estar muito a fim de ir embora tão cedo.
— É tão estranho. — O detetive olhou para a janela. — De acordo com ele, a garota desapareceu em troca deste tempo.
— Haha. — Forcei uma risada. — E o que isso quer dizer? Não me diga que os policiais estão acreditando nesta mer—
— Não, não, não acreditamos. — disse o detetive, rindo.
Ele colocou uma mão no pilar para dar uma olhada melhor em algo. Aquele pilar…
— Mas, sabe, ele sente falta o bastante dela a ponto de arruinar o próprio futuro por ela. — O detetive se agachou. Ele estava examinando o pilar enquanto sorria. — Quase me faz querer ter uma garota para me importar assim.
As alturas de Moka de cada um dos três anos que ela viveu aqui estavam marcadas naquele pilar. A letra da Asuka também estava ali. As letras e memórias estavam ali, tão vívidas como se tudo tivesse sido há apenas alguns dias.
— Não entendi por que está me contando isso. — Eu disse ao detetive, melancólico.
Alguém por quem ele iria tão longe para encontrar. Hodaka tem alguém assim? Eu tenho? Alguém por quem eu sacrificaria tudo apenas para ver novamente? Alguém que eu quisesse ver mesmo que o mundo inteiro risse de mim e me dissesse que eu estava errado?
— Senhor Suga… — murmurou o detetive.
Eu tive uma vez. Asuka, se isso significasse que eu poderia te ver de novo, o que eu faria? A mesma coisa, talvez—
— Você está bem? — perguntou ele, ficando reto. Ele me encarava, um tanto mistificado.
— Huh? O que quer dizer?
— Bem, hm, você está chorando.
Quando ele mencionou, eu finalmente percebi que lágrimas escorriam pelo meu rosto.
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As janelas de um trem parado e vazio passavam por nós, brilhando sob a luz do sol. Eu percebi que estava começando a ouvir os sons das sirenes da polícia de novo, embora ainda não visse os carros. Foi o primeiro dia de verão de verdade em algum tempo, e a parte interna do meu capacete estava úmida e quente. O corpo de Hodaka estava quente contra as minhas costas também. Dentro da minha cabeça, no entanto, estava frio como um vento alpino. Eu deixei um garoto que fugiu de uma delegacia de polícia subir na minha moto, me meti em uma perseguição idiota com os policiais e, agora, estava indo em direção a um prédio abandonado. Nós estávamos cometendo crimes para salvar Hina — sim, o que andamos fazendo era, sim, ilegal —, e a nossa única razão para fazer isso era um sonho. Até eu achava isso engraçado. Mas…
No momento, me sentia incrivelmente refrescada, como se tivesse tirando todas as minhas roupas úmidas e pesadas e as jogado de lado. Isso não tinha nada a ver com a procura de emprego ou com a lei. O que eu estava fazendo era a coisa certa, cem por cento. Não havia dúvidas na minha mente de que a justiça estava ao meu lado. Nesta história, eu era a protagonista. Quantos anos fazem desde que fui capaz de dizer isso com tanta certeza?
— Senhorita Natsumi… cuidado! — gritou Hodaka, atrás de mim.
— …!
Nós estávamos descendo um declive gradual, e água tinha se acumulado em uma grande poça no final. Eu observei os arredores. Esta rua ao lado dos trilhos não tinha desvios. Pelo que eu podia ver, a poça estava a menos de dez metros, e a estrada continuava depois dela. As sirenes estavam se aproximando cada vez mais.
Eu podia fazer isso. Eu precisava.
— Vamos passar por ela!
— Huh?!
Quando gritei, puxei o acelerador até o final. A superfície da água passou por nós. Logo antes de chegar na poça, levantei o guidão levemente. A resistência da estrada desapareceu no mesmo momento.
— Waaaaaaaugh?! — gritou Hodaka, e a Cub parecia rir dele enquanto passava pela poça, levantando água brilhante para todo o lado.
De repente, imaginei uma câmera rolando ao nosso lado. Todo mundo era um ator de suporte, menos a gente. O mundo inteiro estava ali apenas para mim; eu estava no centro dele, e, quando eu brilhava, ele brilhava também. Só mais um pouco até o asfalto do outro lado… Droga, o mundo é tão bonito…
No entanto, com um solavanco, a resistência da água parou os pneus. A Cub ainda estava deslizando pela água, mas também expelia bolhas e afundava.
— Esse é o máximo que eu consigo ir! — Eu disse a Hodaka, com clareza. O meu papel terminava agora. Eu já sabia antes de ter entrado ali.
Mas…
— Hodaka, vá!
— Tudo bem!
Usando o suporte de carga da moto como ponto de apoio, Hodaka colocou a mão no teto de um caminhão afundado. Ele saltou da moto para cima do teto do caminhão. A minha Cub afundou para baixo da superfície, e eu desci dela. A água ficou na altura da minha cintura.
Sem hesitação, Hodaka escalou uma cerca de arame farpado.
— Obrigado, Senhorita Natsumi!
Encontrando os meus olhos por apenas um momento, o garoto pulou nos trajetos do trilho de trem e começou a correr, sempre em frente. Eu respirei fundo e gritei em alto e bom som:
— Hodaka! Cooorra!
Ele sequer olhou para mim, ficando cada vez mais longe. Havia um sorriso nos meus lábios. As sirenes da polícia estavam logo ali na esquina.
Esse é o máximo que eu consigo ir, garoto. Silenciosamente, eu disse mais uma vez.
O meu tempo de menina, a minha adolescência, a minha moratória— tudo termina aqui.
Garoto, vou crescer um pouquinho mais cedo do que você. Me tornarei uma modelo de inspiração para você e Hina, gostem ou não. Serei o tipo de adulta que faz você ter vontade de crescer mais rápido para conseguir ser igual a mim. Não serei igual ao Kei — Serei fantástica, incrível, uma super-adulta, como ninguém nunca viu antes.
Ao observar a minha adolescência sumir na distância, rezei para o céu ensolarado em meu coração.
Então é melhor vocês dois voltarem a salvo para casa.
Tradução: Taiyo
Revisão: Taiyo
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