O anão de cabelos pretos, Al, se tornou meu escudeiro, e Grendir nos fez uma visita formal alguns dias depois. Bem, pelas suas palavras, Ghelreis parecia tê-lo persuadido.
— Uhh, então, Al, — eu disse. — Os escudeiros são frequentemente solicitados a cobrir suas próprias despesas, mas vou fornecer seu equipamento e também pagar-lhe um salário.
— T-Tem certeza de que não se importa?
— Não é uma questão de se importar ou não. Não posso pegar dinheiro dos anões que se mudaram para cá agora. Eles me veriam como um monstro sem coração. — Muitos deles ainda nem tinham uma maneira confiável de se sustentar. Não tinha como eu tirar dinheiro deles. — Então, vamos falar sobre quanto você irá receber.
— Huh? Uhm… Se eu puder servi-lo, isso é… o suficiente…
— Não.
— C-certo.
— Uma coisa que uma certa pessoa que conheço sempre me disse é que o dinheiro é importante. Hmm, vamos ver. Assumir um escudeiro não é exatamente como contratar um servo, por exemplo, mas…
— Aham.
— Se eu não lhe pagar ou você não aceitar o pagamento, isso pode acabar sendo visto como seu trabalho, sua “sinceridade”, não tendo qualquer valor.
Ele não respondeu.
— Pode não ser muito elegante colocar um preço em tudo, mas é o que todo mundo olha, então quero ter certeza de que não vou cortar nenhum caminho no que diz respeito ao dinheiro. — Falei com finalidade, pensando que Gus provavelmente diria a mesma coisa.
— Você é tão adulto.
— Só estou me esforçando para amadurecer.
Decidimos o salário e os outros detalhes do acordo. Ele moraria na minha mansão e trabalharia para mim, e se juntaria ao meu treinamento matinal. Depois disso, comecei a pensar no que ensinaria a ele primeiro, o que me causou hesitação.
— Tudo bem, mais uma vez!
Al seguiu atrás de mim, ofegante enquanto corríamos pela cidade.
Agora que pensei nisso, eu nunca tinha aceito um aluno antes e não tinha experiência em ensinar. Tentei me lembrar do que Sanguinário havia me ensinado, mas havia muitas diferenças entre mim, que havia começado a aprender quando criança, e Al, que já tinha um corpo adulto. De que maneira e em que ordem eu deveria ensiná-lo a lutar e a ser um guerreiro, e como poderia fazê-lo memorizar as lições?
Logo depois de começar a considerar essas coisas, senti um apreço renovado por Sanguinário, Maria e Gus. Eles me ensinaram suas próprias habilidades como se fosse algo fácil, mas agora me perguntava quanto planejamento havia sido feito nos bastidores para que eu absorvesse tantas coisas de forma tão eficiente. O que deveria ser ensinado primeiro, o trabalho de pés ou a postura? Aqui, no lugar de um professor, percebi que mesmo decisões aparentemente insignificantes como essas tinham lógica e planejamento por trás.
— Quase lá! Se esforce! — Corri um pouco à frente dele para incentivá-lo. Ele estava correndo com toda a força e quase desmaiando de exaustão, mas ainda estava lutando para manter o ritmo.
Ensinar fazia eu perceber o quanto ainda estava longe do lugar onde meus pais haviam chegado. Mas um dia, tinha certeza, os alcançaria.
— Bom trabalho! Caminhe um pouco para recuperar o fôlego e vamos passar para o treinamento muscular!
— S-Sim, senhor!
— Em uma batalha, a força muscular é o alicerce sobre o qual tudo mais repousa. Nas palavras do meu mentor, “Fique forte e você pode resolver praticamente tudo pela força!”
— S-Sim, senhor!
Para que eu pudesse estar lado a lado com aqueles três, para que pudesse dizer a eles com um sorriso o quanto havia progredido e para que pudesse fazer jus à sinceridade que Al havia me oferecido, prometi fazer o máximo possível.
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Agora, então. Vale a pena repetir que o que se esperava de mim era o poderio militar para garantir a segurança da região e que usasse meu título de paladino para estar diante de Sua Excelência e representar a área. Portanto, eu também estava dando ao meu escudeiro Al uma educação de guerreiro, esperando, antes de tudo, que ele se tornasse fisicamente forte. As florestas ao redor aqui eram perigosas, e eu regularmente adentrava as partes mais perigosas delas e lutava contra inúmeras ameaças. Se ele não pudesse se proteger, seria inútil.
Entretanto, em relação a Al, você poderia perguntar se eu não estava fazendo algo remotamente parecido com as atividades de um senhor feudal, o que é uma questão separada que vale a pena responder.
Houve uma pequena reunião naquele dia.
Devido à política de expansão do Reino Fértil em Southmark, pessoas de muitas áreas do continente norte do Prado estavam vindo para se estabelecer aqui.
Por exemplo, o cozinheiro naquele lugar de carne de carneiro em Veleiro Branco era de Clima Árido, no nordeste. Suspeitei que Reystov, com base em suas características externas e em seu porte imponente, porém calmo, provavelmente nasceu em algum lugar ainda mais ao norte do continente setentrional, provavelmente ao redor das Montanhas de Gelo. Ethel e o Bispo Bagley, é claro, vieram do Reino Fértil original e, especificamente, de sua capital, Lágrima de Ilia.
Muitos outros vieram dos Reinos Aliados, uma federação de reinos de pequeno e médio porte a oeste de Fértil, ou dos Cem Reinos Combatentes no sudeste, que ainda era uma zona de conflito onde os senhores da guerra lutavam pelo poder. Outros ainda vieram das ilhas espalhadas pelo Mar Médio, das grandes florestas que abrigavam os elfos, das montanhas dos anões e de lugares ainda mais distantes. Havia também andarilhos como Abelha, a trovadora, que não tinha nenhum lar específico de que falar e viajava de um lugar para outro.
O Porto da Tocha realmente era o lar de todos os tipos de pessoas, e elas tendiam a viver em áreas concentradas com outros do mesmo país ou esfera cultural, então cada rua e seção da cidade tinha sua própria personalidade.
Por outro lado, o fato de cada parte individual ter sua própria personalidade também era uma fonte de conflito. Gestos carregavam significados diferentes em culturas diferentes, certas expressões poderiam ser tomadas como insultos sérios, desacordos poderiam surgir em contratos e pagamentos como resultado de os dois lados terem costumes comerciais diferentes. E, em alguns casos, as coisas nem conseguiam chegar tão longe porque os grupos não conseguiam entender a linguagem um do outro para começar.
Então, sim, havia problemas, todos os tipos de problemas. No início era pior. Houve até mesmo uma ocasião em que uma discussão se amplificou e as pessoas que defendiam um lado levaram outras a defenderem o outro, e a situação quase se transformou em uma batalha entre vários grupos no meio da cidade, com suas famílias e amigos atrás deles. Menel, Reystov e eu resolvemos as coisas à força antes que ficassem sérias, mas isso só serviu para enfatizar como as diferenças culturais realmente eram assustadoras.
Se você deixar esse tipo de coisa passar, a agitação só pioraria, então, depois de consultar os sacerdotes, também criei uma variedade de regras e penalidades que se aplicariam apenas dentro da cidade. Estabeleci regras a serem observadas ao vender, regras a serem observadas ao usar os barcos e porto e uma regra para quando surgissem problemas; essa dizia para apresentar seu caso com lógica e razão ao senhor feudal ou a um dos sacerdotes que trabalhavam para ele e aguardar instruções. Também estabeleceram que tipo de punição você receberia se ignorasse esse processo e começasse uma perturbação ou se juntasse a uma e a escalasse, entre outras coisas.
A experiência me fez perceber que as leis antigas do meu mundo passado, que colocavam a mesma culpa em ambas as partes no caso de uma briga, tinham sido criadas por um bom motivo. Também me fez pensar nas lutas enfrentadas por Ethel, que governava a maior cidade de Veleiro Branco, e pelo bispo Bagley, que administrava o templo principal lá.
De qualquer forma, além da abordagem firme de regras e punições, alguns toques mais suaves também eram necessários. Um deles era organizar reuniões regulares onde os representantes de cada grupo se encontrassem e conversassem. Estava tentando aparecer o máximo possível e, naquele dia, deixei o treinamento de Al para Menel a fim de que pudesse participar. Ouvi todos os tipos de opiniões diferentes e as anotei. Conversamos do final da manhã até a tarde, com uma pausa para o almoço no meio.
Depois que terminamos, fui para uma certa taverna. Era a mesma onde eu havia conversado com Al. Eu só queria verificar se não houve nenhum problema em particular após o incidente e se a doença do proprietário não se agravou mais uma vez. Era apenas uma doença leve, então não esperava um problema, mas doenças que tinham suas raízes em problemas de estilo de vida ou nutrição às vezes se repetiam facilmente, mesmo depois que eu as curava com a bênção. Nem a oração, tampouco os milagres eram todo-poderosos.
— Okay, então…
O “incidente do senhor feudal entrando durante o horário comercial” não era algo que queria repetir, então me certifiquei de que a placa pendurada na porta dizia “Fechado.” Podia ouvir conversas acontecendo lá dentro, então fui bater na porta, mas antes que pudesse…
— Desculpe-me por ter que fazer isso com você. Muito obrigada!
— De jeito nenhum. Considere feito.
A porta se abriu na minha frente.
— Ah! — Meus olhos se arregalaram de espanto.
— Ah meu Deus! É você, senhor! — A garota da taverna estava com a mão sobre a boca e olhando para mim surpresa por trás do anão que abriu a porta.
— Boa tarde, — ele disse.
Na porta da taverna, corri direto para o anão com a cicatriz, Ghelreis.
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A doença do proprietário da taverna parecia ter desaparecido completamente e ele não mostrou sinais de outro surto. Convidaram-me para ficar um pouco, mas eu disse que não poderia incomodá-los enquanto estavam ocupados se preparando para abrir à noite e me despedi imediatamente, com Ghelreis descendo a rua ao meu lado. Estávamos indo na mesma direção.
Nenhum de nós estava dizendo uma palavra.
Ghelreis, como a maioria dos anões, não falava muito, e tinha um ar bastante severo sobre ele, o que tornava difícil iniciar uma conversa com ele, mas o silêncio era pior; eu não conseguia suportar. Então trouxe um tópico.
— O que o trouxe à taverna hoje, Ghelreis?
— Eles têm uma reserva para uma grande festa ou algo assim em cerca de dez dias. Me contrataram para obter uma quantidade decente de carne de besta.
— Então você caça para ganhar a vida?
— Não. Eu sou uma espécie de mercenário, músculo contratado. Porém, acontece que tenho um pouco de habilidade com bestas e armadilhas também, sabe…
— É algo como um trabalho secundário, então?
— Essa seria uma descrição justa.
Quando realmente tentei falar com ele, descobri que era um orador surpreendentemente eloquente. Então ele era um mercenário, um guerreiro contratado. Esse era o mesmo trabalho que Sanguinário tinha. A velha cicatriz em seu rosto tinha sido claramente feita por uma espada, então fazia muito sentido.
Caminhamos pela rua sob a luz brilhante do sol da tarde. O leve barulho de martelos chegou até nós de alguma oficina distante. Grupos diferentes de pessoas desfrutavam de suas próprias conversas enquanto passavam por nós. De vez em quando, um deles me notava e cumprimentava-me com um aceno ou uma reverência.
— É uma boa cidade — disse Ghelreis. — É quase inimaginável a rapidez com que se desenvolveu, considerando que só foi construída há alguns anos.
— Sim. Não teria sido possível sem toda a ajuda que recebemos de todos os tipos de pessoas.
Ghelreis assentiu. Então o silêncio retornou novamente. Desta vez, não era tão sufocante.
— Paladino. — Ghelreis começou.
— Sim?
— Já fui um guerreiro que serviu o País do Ferro. — Ele falou baixinho, com uma expressão calma enquanto caminhava ao meu lado. — Na época, eu ainda era inexperiente como guerreiro e não tinha permissão para morrer com nosso senhor. Segurei seus últimos desejos e protegi as pessoas que haviam sido deixadas para trás. Ganhei meu pão de cada dia pegando minha arma e lutando por quem me contratasse.
Permaneci quieto e escutei.
— Não é fácil encontrar um lugar para viver em paz. Vagamos por muitas terras para chegar até aqui. — Apesar do quão baixinho estava falando, muitas emoções diferentes transpareciam em sua voz. Pensei que podia senti-las se agitando dentro dele.
— Por favor, guie bem o jovem mestre.
— Eu vou. — Parei de andar, olhei para ele com uma expressão séria e coloquei meu punho contra meu coração. — Pela chama.
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Uma linha de suor escorria pelo meu pescoço. Al e eu estávamos presos em uma luta na grama do meu quintal. Menel estava nos observando do lado de fora.
Depois de pensar muito, decidi que a próxima coisa a ensinar Al depois dos fundamentos, era agarrar. Al tinha um físico naturalmente bom e parecia ter força muscular também, apesar do fato de não ter tido nenhum treinamento. Talvez essa fosse apenas a natureza dos anões. Minha ideia era começar ensinando-lhe movimentos de agarrar, onde a força muscular tinha uma influência especialmente grande, para que ele pudesse ganhar confiança em suas próprias habilidades.
Mas não esperava por isso. Eu era um pouco mais forte do que ele, mas mesmo que eu o estivesse puxando para mim com todas as minhas forças, estava começando a resistir a mim. Em um simples exercício de empurrar e puxar, ele estava se mantendo firme até certo ponto. Al estava mostrando força muscular e intuição surpreendentes, considerando que não havia recebido nenhum treinamento especializado. Não havia outra maneira de dizer isso: Al tinha um talento natural para isso.
Entendi o motivo pelo qual ele hesitava em bater ou agarrar alguém antes. Com esse nível extraordinário de força muscular natural, não era de surpreender que tivesse desenvolvido uma atitude assim. Na verdade, ele pode ter machucado alguém involuntariamente em algum momento de seu passado, ou pelo menos ter chegado perto disso.
— Al. — Falei casualmente, deliberadamente sem deixar transparecer qualquer tensão ou esforço em minha expressão. — Isso é o seu máximo?
Ele grunhiu e empurrou com mais força. Meu corpo inteiro gemeu sob seu tremendo poder, mas resisti e empurrei de volta. O corpo que Sanguinário e eu havíamos forjado juntos não era tão insignificante que não pudesse lidar com isso.
— Acho que você pode mais — provoquei.
Ele grunhiu.
Eu precisava que ele soubesse que estava tudo bem se soltar, ser mais selvagem. Isso provavelmente era o que tinha que vir primeiro para ele.
— Se isso é tudo o que você tem… — Baixei meus quadris e empurrei com toda a minha força.
— O-oo! — Al começou a deslizar para trás, seus pés deixando marcas na grama enquanto tentava pressionar seu peso no chão.
— Eu posso dominar você. Sou mais forte.
Então está tudo bem para você ficar um pouco mais descontrolado. Está tudo bem para você usar toda a força que tem. Enquanto falava essas palavras para ele dentro do meu coração, manobrei meu corpo e me aproximei dele, depois o levantei e o joguei no chão o mais forte que pude. Mantive meu aperto em seu colarinho para ter certeza de que pelo menos não batesse a cabeça. Ele fez um barulho como se tivesse perdido o fôlego.
— Desculpe, Al, — eu disse. — Você perdeu.
Minha regra geral era não me conter quando se tratava desse lado das coisas. Acostumar-se à dor fazia parte do treinamento, e eu precisava abordar isso preparado para que ele me odiasse. Embora não me senti bem com isso.
— Co…
— Hm?
— Como você fez o movimento que acabou de fazer?! — Al me perguntou com olhos brilhantes, levantando-se imediatamente. Mesmo que eu o estivesse forçando a correr por muito tempo, jogando-o por aí e fazendo-o passar por coisas que eram bastante dolorosas e difíceis de suportar, não mostrava absolutamente nenhum sinal de ceder. Ele realmente era persistente e ansioso.
— Esse? — murmurei pensativo. — Menel, venha aqui um segundo.
— O que eu sou, seu saco de pancadas?
— É mais fácil entender a ideia olhando de fora. Por favor.
— D-Desculpe por isso!
Menel deu um sermão.
— Tudo bem. É melhor você me dar um arremesso limpo, entendeu?! Um arremesso limpo!
Eu me perguntei se o dia em que Al se tornaria um guerreiro poderia vir mais cedo do que eu esperava.
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O treinamento em magia neste mundo era semelhante, às vezes, ao treinamento em atuação e caligrafia. Para falar as Palavras, era necessário enunciá-las com precisão tanto em termos de pronúncia quanto de volume, portanto, o treinamento vocal era obrigatório. Da mesma forma, para usar os caracteres — isto é, os Sinais — era necessário escrevê-los com precisão, então a prática da caligrafia era um requisito.
Como resultado, a caligrafia de um feiticeiro era naturalmente bonita. Ouvi dizer que os feiticeiros que trabalhavam para pessoas poderosas muitas vezes exerciam um segundo emprego como seus escribas. Eu não era exceção a essa regra; a educação rigorosa de Gus garantiu que eu pudesse escrever muito bem.
Eu estava em meu escritório.
Minha pena, feita de uma pena de besta, percorria lentamente o papel da esquerda para a direita enquanto escrevia cuidadosamente a mensagem concisa e formal que havia planejado com antecedência. Estava usando o papel da melhor qualidade que eu podia conseguir, assim como a tinta.
Terminei de escrever e usei um pouco de areia para absorver o excesso de tinta. Depois de dobrar o papel em três partes para esconder o texto, dobrei-o novamente em três partes na horizontal e me preparei para aplicar o selo.
Aqueci um pouco de cera escarlate sobre uma chama, pinguei no papel e selei, em seguida, pressionei o anel sinete que eu havia feito no ano passado sobre a cera. Deixou para trás um símbolo de uma chama brilhando em um anel do destino dentro de um escudo. Era minha insígnia de família, o brasão de Sanguimari. Tive várias ideias para ele, mas acabei optando por um símbolo de “anel e chama” para Gracefeel e um símbolo de “escudo” para representar um cavaleiro.
Por fim, certifiquei-me de que a frente contivesse minha assinatura e o nome do destinatário: Bispo Bart Bagley.
— Ótimo.
A carta continha um pedido para que o Bispo Bagley procurasse nas bibliotecas algumas informações para mim.
Lembrei-me das palavras que o Lorde de Azevinho havia falado em seu domínio na floresta.
— O fogo do desastre sombrio pegará nas montanhas ferrugem. Esse fogo se espalhará e esta terra poderá ser consumida. Aquela terra é agora um covil de demônios, onde o grande senhor do miasma e da chama perversa dorme sobre o ouro do povo da montanha.
E então havia o que ouvi dos anões.
— O dragão está chegando! O dragão está chegando! Valacirca! A foice da calamidade desce sobre você!
Com base no que sabia agora, precisava fazer algumas pesquisas nos templos e na Academia onde os feiticeiros se reuniam. Afinal, eu estaria enfrentando um adversário formidável.
Se “o fogo do desastre” e “o senhor do miasma e da chama perversa” nas Montanhas Ferrugem fosse um demônio de ranking General, eu estaria confiante de que poderia conseguir uma vitória. Mesmo que ele tivesse seguidores consigo, eu poderia conseguir algo. Eu tinha acumulado experiência suficiente nos últimos dois anos para poder dizer isso com certeza. E mesmo que o pior acontecesse e tudo parecesse sem esperança, ainda tinha meu trunfo, Devoradora. Desde que não cometesse um erro e fosse morto do nada, é claro que isso sempre era uma possibilidade em qualquer batalha, mas eu poderia vencer contra um General. No entanto…
— Valacirca.
Se bem me lembro, era uma palavra élfica que se referia à Foice do Norte, uma constelação composta de seis estrelas. Consistia em duas estrelas conectadas como uma alça e quatro curvas como uma lâmina. Cada uma dessas estrelas tinha o nome de um dos seis deuses principais: o deus do relâmpago, a Mãe-Terra e os deuses do fogo, fadas, vento e conhecimento.
— A foice da calamidade, a foice dos deuses…
E o nome de um dragão.
Este dragão era temido o suficiente para ganhar um nome tão grande da orgulhosa raça dos elfos. Eu tinha certeza de que tinha que ser um dragão no verdadeiro sentido da palavra, e deve ter existido desde tempos imemoriais.
Eu nunca lutei com um dragão. Eles nem apareceram nas histórias heróicas de Sanguinário. Portanto, para mim, era praticamente impossível adivinhar a força deles ou minhas chances de ganhar.
Nascidos na época em que o Progenitor criou o mundo, os dragões exerceram seu poder nas batalhas entre os deuses bons e maus, poder que se dizia inigualável por qualquer um, exceto os próprios deuses. Eles tinham corpos enormes e flexíveis cobertos de escamas duras, e possuíam a inteligência inata para manipular Palavras. Tinham asas fortes para pegar o vento, presas grossas como árvores e garras afiadas como as lâminas mais finas.
A maioria deles já havia desaparecido do mundo. Havia uma teoria de que isso se devia ao fato de as batalhas entre os deuses terem reduzido muito seu número, e outra de que eles haviam deixado os limites do mundo físico para trás e ascendido à dimensão dos deuses. Qualquer que seja a verdade dessas teorias, o fato é que quase não havia mais dragões neste mundo. Apenas as muitas lendas ornamentadas sobre eles e os vários semi-dragões que se dizia terem sido seus servos há muito tempo eram deixados como prova de que os dragões já existiram.
— Um dragão…
Repetindo: seu poder perdia apenas para os deuses. Até mesmo o Eco de Stagnate era irremediavelmente perigoso, e isso foi depois que Gus destruiu metade de seu corpo físico e provavelmente o colocou em um estado enfraquecido. Ele me levou à beira da morte. Se a deusa da chama não tivesse vindo em meu socorro, teria morrido ali mesmo. Lembrei-me do terror que o deus da morte me fez sentir. Um arrepio percorreu minha espinha.
— Um Eco e um dragão…
Qual era mais forte? Eu não sabia, mas tinha certeza de uma coisa: não havia chance de um dragão ser significativamente mais fraco do que Stagnate.
Eu queria ser extremamente cauteloso. Por isso que decidi enviar um pedido ao bispo para ver se ele poderia descobrir algo que pudesse me ajudar enquanto ainda tinha tempo de sobra. Todos os tipos de livros e muitas pessoas talentosas estavam reunidos no templo e na Academia à qual Gus havia pertencido. Aparentemente, o templo e a Academia até tinham o elfo ocasional que havia deixado a floresta em busca de conhecimento. Havia uma chance de que alguma antiga tradição oral aparecesse.
Respirei devagar para me acalmar.
Eu me orgulhava um pouco da minha força, afinal, era um homem e um guerreiro treinado por Sanguinário. Porém, ao mesmo tempo, havia algo que aprendi com todas as batalhas que lutei. As batalhas representavam a realidade em sua forma mais cruel, traiçoeira e implacável. Uma vez que se começasse, era quase inevitável que alguém morresse.
— Deus…
Minhas mãos estavam tremendo pela primeira vez em um bom tempo. Este era um oponente que era pelo menos meu igual e provavelmente mais forte. Havia uma grande probabilidade de eu perder. Era um adversário que provavelmente roubaria minha vida com brutalidade impiedosa.
— Ah, cara.
Eu me peguei pensando em Maria. Lembrei-me de seus abraços e do agradável cheiro de madeira queimando. Will. William. Ouvi a voz dela, a voz da minha mãe, chamando meu nome.
Murmurei baixinho.
— Estou com medo…
— Não seja tão covarde!
Eu dei um pulo. Tinha certeza de que alguém tinha me ouvido.
— Vamos, de novo!
A voz estava vindo de fora da janela. Olhei para fora. Menel e Al estavam tendo uma batalha simulada.
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— Hah! — Usando armadura e segurando a espada de treino que eu tinha feito em suas mãos, Menel chutou Al sem esforço. — O que você está fazendo hesitando em me bater quando estou com armadura? Você é mais mole do que Will. Um frouxo! — Menel provocou Al e franziu a testa para o anão enquanto ele estava deitado no chão grunhindo. — Vamos lá, o que há de errado? Já desistiu? Vai virar as costas e correr para casa, garoto rico?
— Eu… não vou desistir!
Al o atacou novamente com sua espada de treino. Menel nem se esquivou. Ele permitiu que a espada caísse diretamente sobre a testa e nem mesmo piscou quando o baque ressoou.
— Irmão, você está me acertando em cheio pela frente e é isso que tem? Esses braços grossos são apenas para decoração? Hein? — Com a espada ainda apoiada na cabeça, Menel se aproximou de Al e olhou para ele. Al estremeceu. — Oh? Oh? Se acovardando, hein? Vai chorar e fugir? Vá lá então.
— E-Eu não vou!
— Então bata mais forte! Coloque um pouco de força nisso, perdedor!
Al soltou um grito selvagem e balançou sua espada de treino com toda a sua força. Menel recebeu os golpes habilmente em sua armadura, mas esses impactos pareciam bastante pesados mesmo com a armadura para bloqueá-los. Eu fiquei impressionado como ele não mostrava nem um pingo de dor.
Recentemente, Menel estava assumindo o papel de treinador rigoroso do treinamento de Al.
Al era gentil demais. Ele tinha muita força muscular e mostrava boa intuição quando se tratava de aprender técnicas, mas quando se tratava de realmente acertar Menel com a espada de treino ou de lutar, ele seria derrotado e arremessado, mesmo sabendo que Menel tinha menos músculos.
Para uma pessoa, ter a bondade de sentir simpatia e hesitar em machucar alguém era uma virtude irrepreensível, mas para um guerreiro, isso não passava de uma fraqueza. Eu havia discutido isso com Menel e concluímos que a única maneira de avançar era transformar os movimentos em uma questão de memória muscular. E assim, Menel estava sendo ofensivo com Al, chutando-o e pressionando-o com um foco intenso em fazê-lo revidar. Assim como fui treinado para me acostumar a matar pássaros e outros animais selvagens, me acostumar com situações de batalha muito estressantes e atacar oponentes vivos com toda a sua força tinha que ser os primeiros passos para Al.
Al gritou novamente. Houve um tremendo estrondo, seguido de um breve som de engasgo. Al havia brandido sua espada de treino horizontalmente e a esmagou em Menel, derrubando-o para trás, apesar da armadura que usava. Isso deve ter doído. Deve ter doído muito.
— Heh. Você estava muito animado. — Menel não deixou a dor transparecer em seu rosto. Ele apenas franziu a testa um pouco e manteve uma expressão calma. — Esse é o caminho.
Menel estava fazendo um ótimo trabalho como professor. Na verdade, ele era uma pessoa atenciosa que tinha muita experiência de vida. Talvez fosse ainda mais adequado para ensinar do que eu.
— Mu-muito obrigado!
E Al era sincero. Mesmo que às vezes vacilasse ou se retraísse por preocupação com seu oponente, ele nunca permitiu que Menel quebrasse seu espírito, apesar de toda a gritaria, intimidação e pressão. Com os olhos cor de avelã brilhando, deu um grito de guerra e atacou Menel, um guerreiro avassaladoramente mais forte do que ele.
Al estava realmente me impressionando. Eu podia ver que estava ficando um pouco mais forte a cada batalha. O que ele não podia fazer um dia, seria capaz de fazer no dia seguinte. E o que não pudesse fazer no dia seguinte, seria capaz de fazer no dia posterior àquele. Eram todas pequenas mudanças. Às vezes, colocava seu esforço na coisa errada e perdia terreno por um tempo, mas e se ele continuasse fazendo essas pequenas melhorias por dez dias inteiros? Que tal vinte? Trinta? Cinquenta? Cem? Mil? E se nunca parasse?
Guerreiros não são guerreiros porque nasceram assim. Eles se tornam guerreiros cometendo erros, se machucando e aprendendo com isso, fazendo a menor das melhorias muitas vezes.
Abaixo da minha janela, Menel chutou Al novamente. Ele saiu rolando no chão, completamente coberto de terra. Para mim, no entanto, ele parecia estar brilhando como uma pedra preciosa. Tinha o brilho irregular de uma rocha que ainda estava para cair em mãos humanas. Ele seria cortado e polido, e eu tinha certeza de que brilharia ainda mais lindamente. A ideia de alguma forma acalmou minhas preocupações um pouco e me senti aquecido por dentro.
Sanguinário… Houve momentos em que você se sentiu assim?
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Quando chegou a hora do almoço, Al sentou-se na sala de jantar completamente sem forças. Menel o havia pressionado muito, o que deve ter parecido uma eternidade.
Menel realmente era algo para ter roubado toda a resistência de alguém tão persistente quanto Al. Dito isso, parecia ter tirado muito dele também. Aparentemente, não queria parecer fraco na frente da pessoa a quem estava ensinando; ele me disse que ia comer fora e me pediu para lidar com Al, depois cambaleou em direção à cidade. Ele me lembrou de um animal selvagem ou algo assim. Talvez fosse assim que ele sempre foi.
— A comida está pronta. — Na mesa, coloquei tigelas profundas cheias da sopa de legumes e carne defumada que minhas empregadas haviam feito durante a visita matinal, seguidas por um prato de ovos cozidos e pão que era mais duro do que fofo e leve. Certamente havia quantidade aqui. Isso era importante para fortalecer seu corpo.
— Eu… não tenho certeza se vou conseguir comer tudo.
— Force para baixo. Se não fizer isso, seu treinamento será em vão. Você tem que comer ainda mais do que se exercitou ou perderá o propósito do treinamento.
Comer muito depois do exercício – esse era um dos fundamentos que Sanguinário havia repetidamente martelado em mim. Se Al não pudesse fazer isso, o treinamento não serviria para nada. Era melhor não se exercitar do que enfraquecer os músculos se exercitando com o estômago vazio.
— Não há necessidade de pressa, mas coloque tudo no seu corpo.
— C-certo…
Depois de agradecer, despejei o chá de ervas que havia fervido em duas xícaras enquanto observava Al atacar lentamente a refeição. Eu estava treinando todos os dias assim como ele, então fiquei quieto enquanto mastigava e bebia. Não tinha a intenção de começar uma conversa com alguém que claramente estava desgastado e cansado ainda mais.
Mastiguei o distinto pão multigrãos e tentei me lembrar de onde, no meu mundo anterior, havia pão pesado e azedo como esse. Talvez fosse em algum lugar como a Alemanha? Enquanto pensava ociosamente sobre coisas assim, Al se endireitou e abriu a boca.
— Hum… eu gostaria de… te agradecer novamente.
— Hm? O que foi?
— Eu realmente sou muito grato por tudo o que você está fazendo por mim. Tomando-me como seu escudeiro, me dando treinamento e até comida e pagamento… — Seus olhos castanhos estavam fixos em mim. Larguei o pedaço de pão que havia prendido entre os dedos e encontrei seu olhar.
— Você… sabe sobre o nosso passado? — Ele perguntou.
— Sim.
— E-Então, você sabe sobre minha posição também?
— Acho que tenho uma boa ideia. Não vou me aprofundar no assunto. Você pode me contar a qualquer momento ou não contar nada.
— Sim, senhor… — Al baixou ligeiramente o olhar.
Até mesmo o nome pelo qual eu o chamava provavelmente era uma abreviação. Ainda não sabia o nome verdadeiro dele.
— Eu… era nobre dentro do clã.
— Certo.
— Meus pais faleceram por doença quando eu era jovem, então fui criado pelo clã, protegido de problemas.
— Certamente parecia ser assim.
Ele parecia estar sendo muito mimado, mas foi exatamente por isso que ele desenvolveu esse complexo.
— Mas uma parte de mim se perguntava se isso estava certo — ele disse. — Nós, anões, reverenciamos o deus do fogo como nosso criador. Nosso orgulho é o orgulho de um guerreiro. No entanto, eu, que tenho a responsabilidade com esse clã, sou tão fraco e covarde…
Ele também poderia estar sentindo um senso de dever e responsabilidade como alguém nascido na nobreza.
— Q-Quando ouvi falar de você, eu o admirei. Você tem mais ou menos a mesma idade que eu, e já tem muitos contos sobre você e é admirado como o senhor de uma região inteira. Eu queria ser como você. — A tensão em seu rosto relaxou e um sorriso cheio de dentes a substituiu. — Então… poder servir ao seu lado é como um sonho. Não posso dizer o quão feliz estou por poder aprender sobre guerreiros e bravura com você.
Seu sorriso era contagioso e me fazia sentir uma espécie de felicidade formigante.
— Obrigado. — Eu ri, constrangido. — Mesmo que este acordo seja apenas temporário, vou me esforçar para ser um mestre adequado para você.
Então, sorri um pouco nervosamente e acrescentei:
— Mas não estou muito confiante de que posso te ensinar sobre bravura.
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Al olhou para mim sem expressão. Era como se ele não entendesse o que eu estava dizendo a ele.
— Hum…
— O que quero dizer é que, na verdade, não sou muito corajoso.
Houve uma pausa antes que ele respondesse.
— Mesmo que você tenha enfrentado um wyvern e uma quimera?
Concordei com a cabeça.
— Escute, Al. O mundo em geral pode ver isso como as ações de um homem corajoso. Podem me ver como um campeão enfrentando monstros aterrorizantes, mas não tenho tanta certeza.
Eu realmente não conseguia ver dessa forma. Afinal…
— Você pode realmente chamar de “bravura” desafiar um oponente quando sabe que pode vencer?
Al olhou para mim com os olhos arregalados.
— Você sabia de fato que poderia vencer?
— Eu estou falando sério.
Era assim que as coisas eram. Se eu tivesse que enfrentar aquele wyvern novamente e lutar com ele desarmado mais cem vezes, tenho certeza de que venceria pelo menos noventa e nove. Mesmo se tivesse que enfrentar aquela quimera, contanto que tivesse as armas e a armadura certas, quase nunca seria derrotado.
— Sou esmagadoramente mais poderoso do que um wyvern ou uma quimera. Essa é a minha análise mais honesta. Eu posso matar essas coisas apenas confiando no meu treinamento para fazer os movimentos certos.
Al ficou sem palavras. Parecia que ele não sabia como deveria responder.
— Sou provavelmente muito mais forte do que vocês imaginam.
De fato, provavelmente os únicos que tinham uma noção concreta do quanto eu me diferenciava das pessoas comuns eram Menel, Reystov e talvez alguns outros com bons olhos.
— Eles não me assustam. Wyverns ou quimeras.
Apenas uma vez senti medo da força de um oponente em batalha: aquele ser envolto em névoa negra. Eu me desesperei, caí de joelhos e me enrolei no chão. E a razão pela qual fui capaz de me levantar novamente não tinha absolutamente nada a ver com ser corajoso. Se eu estivesse sozinho, tinha certeza de que teria ficado lá segurando a cabeça até que a tempestade passasse, esmagado pelo peso do meu medo e desespero.
— Uma pessoa que vence aqueles muito mais fracos do que ela não é um herói corajoso. Vencer contra algo que não te assusta não é bravura.
— Então… — Al hesitou por um momento antes de perguntar. — Então o que é bravura?
— Honestamente? Eu gostaria de saber também.
Só consegui me levantar porque Maria estava lá para me advertir. Eu forcei minhas pernas trêmulas para frente porque queria proteger aqueles três. Não era que eu estivesse especialmente cheio de coragem. Na verdade, não estava confiando muito na minha força mental. Eu tinha um corpo bem treinado e estava bem preparado. Estava ganhando porque tinha todo o direito de ganhar. Isso era tudo.
Talvez minha velha natureza tenha sido transportada para este mundo. Talvez eu realmente fosse um covarde.
— Como você pretende desafiar um oponente que é mais forte do que você? Irremediavelmente mais forte do que você?
A hora da batalha estava se aproximando, e duvidei se teria a chance de montar uma estratégia de vitória infalível. Quando esse momento chegasse, seria capaz de lutar? Será que eu tinha tanta bravura assim?
Tradução: Erudhir
Revisão: NERO_SL
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