O Paladino Viajante

O Paladino Viajante – Vol. 01 – Cap. 03.2

 

— Felizmente… foi bem sucedido. Um milagre de Mater dividiu o chão e, com o Rei Supremo preso pelas artes de Gus, ele foi engolido por um gigantesco abismo. Nós o selamos nas profundezas da terra.

Esse foi o fim do Rei Supremo dos demônios, que havia conquistado a maior parte deste continente.

— Sabíamos que não passava de uma jogada pelo tempo. Entre os demônios, havia muitos feiticeiros proficientes no uso das Palavras e poderosos sacerdotes que serviam ao deus das dimensões. As pessoas que tínhamos encarregado da muralha externa já haviam recuado, e era apenas uma questão de tempo até que os demônios se aproximassem de nós.

E uma vez que os três foram derrotados, o que aconteceu?

— Então todos os demônios se reuniriam e teriam todo o tempo do mundo para quebrar o selo do Rei Supremo. Nossa desesperada tentativa de última hora não daria em nada. — O tom dela era cheio de desespero e profundo pesar. — Quando chegou a hora, no final, não fomos capazes de confiar em Sanguinário.

Não importa quão baixa a probabilidade, eles deveriam ter acreditado na chance de que a espada de Sanguinário encontraria seu objetivo, até o último segundo possível. A voz de Maria passava claramente isso.

— E então…

Um vento gelado passou. Nós estávamos conversando há tanto tempo que eu estava gelado até os ossos.

— E então, como se fosse zombar de nós…

Um arrepio percorreu meu corpo.

— Um Eco do deus da morte, Stagnate, apareceu diante de nós.

Um Eco. Uma encarnação de um deus…

— Os deuses do mal não são uma entidade monolítica. Todos eles operam sob filosofias diferentes e cooperarão se for do seu interesse fazê-lo… e vice-versa.

— O Rei Supremo provavelmente não foi uma boa coisa para o deus da morte. — Sanguinário parecia pronto para falar novamente. — Esse cara era muito forte. Eco Divino ou não, o Rei Supremo com a Devoradora na mão poderia tê-lo derrubado e o matado, e rindo enquanto fazia.

O Rei Supremo conquistaria todo o continente de Southmark como servo de Dyrhygma, e seus dedos gananciosos se estenderiam ao seguinte. Seu exército, que só aumentaria com o passar do tempo, provavelmente conseguiria conquistar um segundo continente, e talvez o mundo inteiro. E o demônio, o monstro capaz disso, era aquele que até mesmo os deuses lutavam por uma maneira de matar.

— Se alguma coisa, foi uma boa notícia para o deus da morte que o Rei Supremo foi selado. Então ele veio até nós com um acordo.

— Qual seria o acordo?

— Ele disse que nós éramos habilidosos e nos pediu para nos tornarmos mortos-vivos e unirmos forças. Em troca, ele acabaria com a horda de demônios por toda a cidade. E então poderíamos vigiar o selo como mortos-vivos pelo tempo que quiséssemos.

— O deus da morte, Stagnate, já foi aliado das forças do bem. Ele se desviou desse caminho quando não aguentava mais ver as tragédias da vida e da morte. Seu desejo é criar um mundo eternamente estagnado sem tragédia, transformando almas talentosas de todos os tipos em imortais. Ele nos vigiou — Maria disse, com voz positiva.

— Nós fomos escolhidos —, Sanguinário corrigiu ela, dando de ombros. — Nós fomos basicamente forçados. Ele nos disse para escolher, mas como o inferno, tivemos uma escolha. Nós aceitamos a sua ‘oferta’.

Maria havia me dito uma vez que eles eram “traidores das forças do bem” e que havia traído Mater, a Mãe-Terra, o próprio deus em quem ela confiava. Isso se referia ao contrato feito naquele exato momento.

— E assim nos tornamos mortos-vivos. Eu tive minha carne cortada pelo Rei Supremo, e me tornei um esqueleto, nada além de ossos. Maria se tornou uma múmia, provavelmente porque ela foi assada pelas chamas de Mater quando se tornou morta-viva. E Gus se tornou um fantasma. Eu acho que ele não tinha mais apego ao corpo velho. Todos nós conseguimos manter nossa inteligência de quando estávamos vivos. Mortos-vivos top de linha, nós somos —, Sanguinário disse, não parecendo nem um pouco feliz com isso. — Então ele limpou a cidade. Não havia como os demônios inferiores resistirem à autoridade de um deus. Seus corpos foram reformulados e todos eles se transformaram em mortos-vivos. Não é o jeito que eles normalmente viram, com certeza.

Isso explicava porque os demônios mortos-vivos estavam vagando pela cidade até agora. Tudo estava ligado. As razões por trás de tudo o que eu tinha visto até agora estavam se tornando entendíveis, finalmente.

— E quanto a nós, nos tornamos os protetores do selo do Rei Supremo, com esses corpos imortais.

Eles me explicaram que, durante algum tempo, a cidade foi periodicamente visitada por subordinados do Rei Supremo tentando quebrar o selo, mas os três repeliram esses demônios em todas as ocasiões. Os três nunca se cansavam, nunca dormiam e, a menos que fossem completamente destruídos, até suas feridas se curariam por conta própria. Agora que eles eram seres imortais perfeitos, que nem precisavam temer a luz do sol, ninguém era páreo para eles.

— E isso começou há duzentos anos —, Maria disse. — Enterramos nossos aliados, que haviam ido contra o Rei Supremo conosco. Gus montou uma rede mágica de alerta antecipado cobrindo a cidade. E então, simplesmente ficamos aqui, protegendo continuamente o selo.

— Não era como se tivéssemos muito o que fazer. Nós fomos ligados a este lugar por contrato. Nós só podíamos sair um pouco da cidade, e nem conseguíamos verificar o que estava acontecendo lá fora usando magia. Todos os habitats humanos de Southmark foram aniquilados? O que aconteceu com a pastagem ao norte? Nós estávamos presos aqui sem saber o que fazer. Algumas vezes, até dissemos que a humanidade poderia ter sido extinta. E então um dia…

— Um dia…?

— Você veio, Will. Ou, propriamente falando, um bando de demônios veio e trouxe você com eles.

Ah, então foi isso.

— Eu entendi agora. — Toda a informação se conectou na minha cabeça. — Então, eu era um sacrifício humano, destinado a quebrar o selo do Rei Supremo.

 Foi por isso que um bebê apareceu aqui, nessas ruínas distantes, a quilômetros da civilização humana.

Eu ri brilhantemente.

— Não admira que vocês não podiam me dizer! Deve ter sido muito difícil dizer que eu originalmente deveria ser um sacrifício quando eu era apenas uma criança.

A atmosfera ao redor de Sanguinário e Maria suavizou quando eles viram como eu estava.

— Sim. Sanguinário pode ser grosseiro, mas até ele sabia se conter sobre esse assunto.

— Oh, grosseiro, eu sou? — Eles estavam de volta ao seu eu normal.

— Depois de despacharmos os demônios, tivemos um pequeno debate com Gus sobre o que fazer com você, Will. No final, decidimos cuidar e criar você.

Talvez a razão pela qual Gus me tratou bruscamente foi por causa do argumento que tiveram então.

— E o fato de que os demônios foram capazes de trazer você aqui significa…

— Que em algum lugar, em algum lugar muito perto, deve existir um lugar onde os seres humanos estão vivendo.

Os bebês eram fracos e frágeis. Mesmo que os demônios pudessem usar magia, ainda havia um limite de quão longe eles poderiam ter me transportado.

— Não sabemos como são as coisas lá fora. A situação pode ser bastante sombria…

— Mas nós pensamos, beleza, então vamos te dar a força que você precisa para passar por uma situação como essa. Acho que nos saímos muito bem.

E isso me trouxe até o momento presente. Finalmente entendi como eu tinha chegado onde estava. Os mistérios foram resolvidos, e o passado e o presente foram conectados com um único fio reto.

A partir de agora, eu iria para terras povoadas que provavelmente haviam sofrido e sobrevivido a uma época de reviravoltas tempestuosas. Eu usaria a força que os três haviam me confiado para embarcar em minha nova vida. E um dia, eu decidi, voltaria para esta cidade. Eu traria minha nova família e amigos comigo e os apresentaria a Maria, Sanguinário e Gus.

Talvez possamos reconstruir a cidade novamente. Um dia…

— Esqueça-se de nós e divirta-se vivendo com os vivos, ok?

— Seja feliz e não esqueça de orar e ser bom.

Quê?

— Eu não poderia ter desejado um discípulo melhor. Mesmo no exame de hoje… quero dizer, em termos de conteúdo, você me derrotou. Você é um garoto esperto, e eu amo você, meu filho. Continue ficando forte. — Sanguinário bagunçou meu cabelo asperamente.

— Eu estou feliz que pudemos ser uma família de verdade, mesmo que por pouco tempo. Will, minha querida criança. Nunca se esqueça de que sua mãe ama você. — Maria me segurou gentilmente.

— Hã? Espera… Por quê? Vocês…

Vocês estão… falando como se nunca mais fossemos nos ver de novo…

Nesse momento, o céu foi subitamente coberto por nuvens escuras e espessas. A maneira como elas se moviam era diferente de qualquer nuvem que eu já tinha visto. O vento começou a fazer barulhos ruidosamente acima da colina.

Uma risada ecoou pelo ar. Era uma risada perturbadora, obscurecida pelo ruído, ecoando e se sobrepondo muitas vezes. Algo negro, como pura escuridão, expelido do ar. Aquela fumaça negra inquietante, como você poderia esperar de um vulcão, começou a aderir em uma forma humana.

Era a forma de um jovem. Ele era magro, suas proporções anormalmente perfeitas. Sua pele estava pálida, como se não houvesse sangue, e seus olhos estavam escuros e sem vida.

— Satisfeitos com suas despedidas, heróis?

A mera visão dele, o mero som de sua voz, me fez congelar como se algo estivesse segurando minha alma em um aperto forte.

— Sim.

— Por favor, vá em frente. Estamos prontos. — Sanguinário e Maria baixaram os olhares, nenhum deles parecendo oferecer qualquer resistência.

Eu senti como se todo o meu corpo tivesse se tornado gelo. Eu não pude fazer nada. Minha alma entendeu que o ser na minha frente era um ser de poder absoluto que os humanos eram incapazes de resistir.

— Finalmente, vocês dois perderam os seus apegos.

Eu não tinha ideia do que estava acontecendo. Mas eu tinha que me mexer.

— De acordo com nosso contrato…

Eu precisava tentar.

— Eu afirmo aqui…

Sanguinário e Maria… eu tinha que…

— …suas almas…

Por que eu não conseguia me mover? Mexa-se! Mexa-se! Por favor… me…

— …como minhas.

Meu cérebro congelou. Eu assisti com horror.

— Vastare!

 

Houve um estrondo profundo. Uma onda de choque dirigida ao homem pálido enviou terra e areia voando.

— Hmph.

Toda aquela área da colina foi devastada. Rapidamente choveu terra e areia.

Mas isso não o atingiu. O homem havia mudado de lugar espontaneamente, e agora estava de pé a dez metros de seu ponto anterior, aquele único e desdenhoso grunhido foi seu único comentário.

Não foi eu. Não consegui me mover. Eu ainda estava congelado lá, tremendo.

— Will, pegue Sanguinário e Maria e saia daqui. — As costas semi-translúcidas e espectrais de uma pessoa estavam na minha frente. Era uma visão que eu tinha visto tantas vezes antes.

Excêntrico, avarento, ofensivo… E ele quase me matou uma vez também.

— Não se preocupe. — Mana rodou em um vórtice espesso em torno dele. Suas mãos estavam abertas e afastadas, preparando-se para lançar uma magia pesada. Ele falou decisivamente. — Eu vou derrubá-lo.

Meu amado avô, Gus, o sábio Augusto havia chegado.

 

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Uma lembrança nostálgica apareceu em minha mente.

Era uma lembrança fraca da minha vida anterior… infância, pensei. Eu estava lendo uma história infantil na biblioteca.

Eu aprendia rápido quando criança. Eu lia livros um após o outro, mesmo aqueles com vocabulário difícil, destinados a adolescentes. Meus pais devem ter ficado satisfeitos com isso, pois muitas vezes me levaram para a biblioteca.

A biblioteca era um lugar muito grande para mim quando criança e coberta de livros em todos os lugares que eu olhava. Foi uma experiência vertiginosa. Procurei todos os tipos de livros nas prateleiras do canto de leitura de crianças. E os devorei o mais rápido que pude.

Entre eles estava meu livro favorito. Era uma novel de fantasia velha e esfarrapada. Havia feiticeiros nele. Neste ponto, eu não conseguia mais lembrar o nome do livro. Mas o velho feiticeiro com os braços bem abertos… dele lembrei-me, e ele era muito legal.

Ligatur, nodus, obligatio… — Uma quantidade colossal de mana convergiu e disparou em alta velocidade. Palavras voaram para o homem pálido como estrelas cadentes.

— Ha ha ha! Você não era um homem sábio? Sabendo tudo, você ainda resiste?

O homem, emitindo uma aura imprudente e sobrenatural, zombou de Gus. Então, em um piscar de olhos, ele desmoronou em uma névoa negra.

… conciliat, sequitur! — Gus estava alerta.

Enquanto a espessa nuvem de névoa se dispersava para evitar ser presa, deixando numerosos rastros de escuridão atrás dela, as Palavras se espalharam em todas as direções, como se tivessem sido puxadas para trás. Não parecia nada especial, mas Gus acabara de realizar uma técnica extremamente de alto nível, acrescentando de maneira fluida as Palavras apropriadas para reagir à mudança repentina do oponente. Isso era muito difícil de fazer no meio da batalha sem errar.

Mesmo em linguagem comum, a impressão de uma frase pode ser completamente alterada às vezes, adicionando uma ou duas palavras ao final. Como um poema trabalhado com habilidade técnica, ou um romance repleto de prenúncios e reviravoltas na história, as Palavras, quando conjuradas juntas, às vezes mudam como uma flor desabrochando.

O homem, que mais uma vez recuperarou sua forma de névoa negra, agora estava cercado por camadas e camadas de gaiolas e correntes feitas de mana flutuante. Era uma formação mágica forte e de múltiplas camadas de amarração e vedação.

— Hmm…

Parecia que o homem agora contido não sentia nada em particular sobre estar preso. Sem a menor perda de compostura, ele olhou para as massas em forma de gaiola de mana que o rodeavam e, de maneira cansativa, lançou uma Palavra para elas.

— Vastare!

A Palavra da Destruição criou um vórtice de devastação violenta ainda maior do que o que Gus lançara. Parecia certo destruir as gaiolas em pedaços, mas, àquela altura, Gus acabara de inscrever seus Sinais.

A Palavra de Proteção da sua direita obstruiu o vórtice. A Palavra de Apagar da sua esquerda apagou-a. E a essa altura, a cadeia de Palavras que ele havia empregado estava escrevendo outra Palavra. O poder de restrição das gaiolas foi reforçado ainda mais.

— …!

Conjuração quádrupla.

Eu estava de pé ao lado de Sanguinário e Maria, ainda congelados, meus olhos saltando. Os dois foram derrubados no chão, quase inteiramente drenados de força.

Gus abriu as mãos de um jeito que eu poderia chamar de elegante, e encarou fixamente o homem pálido, com determinação.

Pallida mors aequo pulsat pede…

Ao reconhecer a longa palavra sendo recitada, o rosto do homem se torceu pela primeira vez.

— Você se atreve…!

O homem proferiu Palavras em rápida sucessão. O ar estremeceu. O terreno ao redor rachava e inchava para cima. Uma enxurrada de magia foi lançada contra as restrições, cada impacto explodindo contra eles com a força de uma bomba. Mas as Palavras seguraram rápido.

Este encantamento…

— … pauperum tabernas regumque turres!

Este encantamento, sendo reforçado por Sinais em ambos os lados, era um feitiço ritual destinado a ser lançado por uma equipe de várias pessoas trabalhando em conjunto. Era uma das maiores magias, virtualmente impossível de se realizar sozinho.

Damnatio memoriae!

Era uma pulsação de destruição invisível e incolor. Enquanto voava, rasgou as conexões entre todas as Palavras da Criação, dividindo-as. Matéria, fenômenos, almas, isso os tornava todos sem sentido e os devolviam a mana. A derradeira magia destrutiva, a Palavra da Obliteração de Entidade, escavada por uma grande parte da colina.

Um espaço em branco evidente foi deixado onde aquela parte da colina ficava, como se uma criatura enorme tivesse a mordido completamente. Ventos fortes sopravam sobre a colina, como se para preencher o vazio que se formou de repente.

Ninguém falou nada. Mesmo depois de se conectar perfeitamente com a Palavra da Obliteração de Entidade, Gus não tinha baixado a guarda. Ele permaneceu alerta ao seu redor, e realizou verificações com um número de Palavras.

Depois de um tempo, talvez ele finalmente tivesse satisfeito com a obliteração de seu oponente, Gus relaxou sua postura.

— Sanguinário, Maria, suas almas não foram tomadas, certo?

— Sim… Ainda está aqui.

— E… Estamos bem, de alguma forma.

Gus soltou um suspiro.

— Então façam algo por Will, vocês fariam? Eu não posso tocá-lo.

Gus olhou para mim. Eu nunca o vi me olhar tão gentilmente.

— Sinto muito que você teve que passar por isso, — ele disse suavemente. — Você deve ter ficado aterrorizado.

Eu não tinha percebido até que ele disse que meu corpo ainda estava rígido de tensão. Maria gentilmente segurou minha mão. Sanguinário esfregou minhas costas desajeitadamente.

Um pequeno som escapou da minha garganta. De repente, percebi que mal respirava e, mesmo agora, minha respiração estava ruim. Eu ofeguei, e deixei meus pulmões terem o oxigênio que precisavam, minhas respirações ficaram rápidas e profundas.

Um suor frio começou a cobrir todo o meu corpo. Em seguida, veio um violento tremor. Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu estava tão assustado. Muito assustado! Eu nunca vi nada tão assustador.

Eu me senti como se tivesse ficado razoavelmente forte. Mesmo que eu não fosse um lutador tão bom quanto Sanguinário, um  feiticeiro tão bom quanto Gus, tão forte em espírito quanto Maria, ainda me sentia orgulhoso por trabalhar duro e pelos resultados que tinha conseguido. Mas quando aquele homem de névoa negra estava na minha frente, não conseguia nem me mexer. Fiquei absolutamente convencido de que não havia como vencê-lo.

— Então você estava certo o tempo todo, — Sanguinário disse a Gus. — Desculpe, eu continuei te zoando quando você falava sobre isso.

— Eu estava esperando que pudéssemos ficar até que Will partisse, — Maria concordou em um murmúrio arrependido.

— Foi o que vocês decidiram, — Gus deu de ombros. — Não sou tão irracional, não vou criticar a mentalidade por trás de suas escolhas. — Era uma voz gentil e atenciosa.

— Além do que, — ele continuou, — foi surpreendentemente bom, não foi?

— Sim, — Sanguinário disse. — Tenho que dizer que você ficou muito maneiro.

— Muito obrigada, — Maria disse. — Honestamente. Você faz muito…

— Não mais do que você. — Gus trocou sorrisos agradáveis com os dois. Parecia que algum tipo de rachadura havia sido fechada entre eles.

Então Gus se virou para mim.

— Will. Oh, Will. Que bagunça você se meteu. Mas, não se preocupe, — ele riu. Sua expressão era brilhante, como se tivesse sido libertado de uma preocupação que o sobrecarregou por anos. — Assim. Eu diria que devemos uma explicação. Não que isso exija muito.

— Sim. Agora que isso aconteceu, acho que não podemos mais mantê-lo em segredo.

— Eu acho que seria melhor dizer a ele. Ah… Vamos entrar primeiro? Will deve estar com frio. Eu vou fazer um chá de ervas.

— Parece bom, — Sanguinário disse com uma risada. Ele se dirigiu para o templo à frente do resto de nós.

Gus balançou a cabeça e se virou para mim enquanto o seguíamos.

— Tudo certo. Vamos conversar em volta da lareira. É hora de esquecermos a nossa preocupação e relaxarmos.

Depois de ver Gus com um sorriso tão atípico no rosto, comecei a me sentir feliz também. Finalmente, o nó da tensão desatou. Pensei em sentar em frente à lareira quente, com uma xícara de chá de ervas aquecendo minhas mãos, ouvindo-os falar. Sim, isso soava bem. Passar tempo com toda a minha família ao meu redor era algo que eu gostava com todo meu coração.

— De alguma forma, tudo deu certo, — Gus disse. Eu me virei para sorrir de volta para ele.

— Fora…

Meu sorriso congelou. Um braço feito de névoa negra estava saindo do peito de Gus. Um gemido de dor mal escapou de sua garganta. E antes que eu pudesse fazer qualquer coisa… o corpo de Gus foi rasgado sem esforço em dois, nas metades superior e inferior.

— Vo…

— Sanguinário! — Ao contrário de mim, de pé ali inexpressivamente, Sanguinário e Maria agiram imediatamente. Tão rápido quanto Maria podia falar, Sanguinário estava na frente dela como seu guarda, e Maria começou a invocar a bênção.

— Ghahaha.

Em um instante, os dois foram esmagados contra o chão. Um longo gemido sem palavras de dor veio de Sanguinário. Eu podia ouvir os sons de todos os seus ossos quebrando e esmagados em pedaços. Ele estava sendo esmagado pela névoa negra. Um fragmento de osso voou com um estalo alto e me atingiu na bochecha.

De Maria veio o som do ar escapando. A névoa negra tinha arrancado sua traquéia e ambos os braços se quebraram como galhos. Ela não podia mais rezar para o seu deus.

— Surpreendente. Eu não esperava que você destruísse meu estilhaço…

A névoa negra mais uma vez tomou a forma de uma pessoa.

Uma voz obscurecida pelo barulho. Um corpo esbelto, suas proporções anormalmente perfeitas. Pele tão pálida como poderia ser, como se não houvesse sangue. Olhos escuros e sem vida.

— Se eu não tivesse dividido as minhas forças e estilhaço em dois antes, isso teria me causado uma interferência duradoura.

O homem virou-se para a metade de cima de Gus, que ele ainda segurava em uma das mãos.

— Eu te louvo, sábio errante. Você é realmente um Grande Feiticeiro excepional.

Seu corpo foi arrancado abaixo do peito, os olhos de Gus estavam fixados no homem e estavam vermelhos de fúria.

O homem riu friamente.

— Sta…g…nate!

Stag…nate. Stagnate. O deus da morte. Um Eco!

— Destruir você seria um desperdício. Vou esperar até você perder a sua ligação.

Tendo dito sua frase, o Eco de Stagnate jogou a metade superior de Gus para o lado.

— E você…

Seu olhar se virou para mim. Meu coração pulou na minha garganta. Minhas pernas começaram a tremer. Eu queria desviar o olhar, mas não conseguia nem fazer isso.

Eu vi, claramente, seus lábios lentamente subindo pelos cantos. Ele caminhou em minha direção. Eu não conseguia me mexer.

Maria e Sanguinário podem ter notado ele vindo em minha direção. Ainda meio destruídos, tentaram agarrar-se a seus pés, mas foram pressionados ainda mais fortemente. Mais uma vez, ouvi o som de ossos quebrando de uma só vez, muitos para contar ou até mesmo entender.

Ele estava bem na minha frente agora. Naquele instante, senti minha própria morte. Mas as palavras que ele falou em seguida com um sorriso no rosto eram, inequivocamente, palavras de elogio.

— Bem feito. Você ajudou imensamente. Você tem minha gratidão.

— Pelo… o quê? — Eu de alguma forma consegui amarrar algumas palavras junto com meus lábios trêmulos e língua emaranhada.

— Esses heróis que você vê diante de você…

O deus da morte estendeu os braços enquanto falava, como se estivesse gostando muito do que estava fazendo.

— Eles se tornaram os mais bem classificados entre os mortos-vivos ao entrar em um contrato comigo, com a condição de que, quando a ligação com o Rei Supremo fosse perdida, eles se encontrariam comigo novamente e se tornariam meus servos.

Este homem, que emanava uma aura profana, era ele… dizendo isso…

— Eu…

— Sim.

O homem riu. De mim?

— Graças a você, a ligação do Sábio diminuiu, e o Ogro de Guerra e a Filha Amada perderam completamente sua ligação com o Rei Supremo.

As palavras não se registravam. Eu não conseguia processá-las. Eu… a razão pela qual eu…

— Graças a você, esses grandes heróis finalmente se tornarão meus.

Ele parecia emocionado.

— Graças à boa vida que você levou como filho deles.

Mas eu…

Quando renasci, eu…

Eu falei para mim mesmo.

Eu ia viver… dessa vez…

Viver bem, desta vez…

— Ha ha ha! Muito chocado para falar? Compreensível.

Eu não conseguia pensar.

— Mas minha gratidão não era uma mentira…

Sua voz entrou pelos meus ouvidos.

— E apesar de inexperiente, você é um aprendiz de três grandes heróis…

Eu não conseguia entender.

— O que você diria… sobre se juntar às minhas forças e me servir?

Eu não conseguia entender.

Permitirei que você permaneça em harmonia com esses três para sempre.

— !

— Hah hah hah. Interessado? Eu suponho que sim… Mas forçar uma resposta imediata seria chato.

Uma pausa.

— Eu vou te dar tempo para considerar com sua preciosa família.

Ele riu.

— Apropriadamente, amanhã é o solstício de inverno. Quando aquele maldito sol estiver no seu ponto mais fraco…

Sua forma desmoronou em uma névoa negra.

— Depois do anoitecer, vou ouvir sua resposta.

Houve uma onda de vento. Ele desapareceu.

Parado ali como um idiota, eu só pude vê-lo partir.


 

Tradução: Erudhir

Revisão: Merciless

 

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