O Paladino Viajante

O Paladino Viajante – Vol. 01 – Cap. 02.2

 

Magia para matar alguém.

No instante em que reconheci, virei-me e decidi correr. Não fazia ideia do que estava acontecendo. Mas podia sentir. Eu precisava correr o mais rápido possível! Enquanto desconfiava do que estava atrás de mim, corri o mais rápido que pude para a saída da sala.

Expergisci,— Gus disse, proferindo uma Palavra de seus lábios em um tom assustador.

Perto da saída que eu estava prestes a atravessar, uma pilha de escombros se deslocou e ficou de pé, tomando a forma de um gigante de quase três metros de altura que quase atingia o teto.

— O q…?! — Era um golem, feito com o poder da magia! Gus havia gravado um Sinal complexo nos escombros antes, e agora ativou a Palavra para despertá-lo.

O caractere que ele desenhou com o dedo era apenas para distração. Ele desenhou para me fazer escolher fugir. O que significava… que Gus já havia escolhido este lugar e transformado em sua própria zona de matança meticulosamente preparada.

No momento em que percebi isso, o punho do golem já estava se aproximando de mim. Não havia como bloquear totalmente a massa esmagadora daquele punho com meu escudo pequeno e circular.

Esperando até o último momento possível, pulei para o lado e me esquivei do golpe. Então, como se para contra-atacar, corri para frente com a lança mágica que acabei de obter. Eu estava apontando para o seu estômago, especificamente, para o Sinal que estava sustentando o golem.

A ponta da lança afundou no golem de escombros como um espeto em carne. Eu o arrastei para o lado e removi-a. O golem se transformou em pedaços individuais de escombros de pedra e caiu no chão, mas apenas um momento depois, algo roçou o lado do meu rosto e passou por ele, batendo forte contra a parede e quebrando-a.

Eu imediatamente pulei para o lado. A saída fechou.

Apenas um instante depois eu me perguntei o que tinha acabado de ser disparado contra mim, enquanto várias outras coisas estavam voando em minha direção. Pedras! Olhei de volta para Gus e vi uma grande Palavra desenhada no ar, em torno da circunferência da qual flutuavam incontáveis ​​pedacinhos de rocha.

Ele atirou em mim uma após a outra, como balas de um revólver. Essa magia se chamava Rajada de Pedras e, além disso, uma versão muito avançada!

— Uhh-wahh-ahh-?! — Eu rolei pelo chão, tentando evitá-las.

Eu não podia bloquear todos essas pedras com meu escudo. Elas me atingiram em alguns lugares e feriram como fogo. Lutando para controlar minha respiração, preparei-me para falar a Palavra de Negação para as próximas pedras que acabaram de ser lançadas contra mim, mas então…

Cadere Araneum.

Eu senti um calafrio de medo. Eu estava familiarizado com essa magia. Era a Palavra de criação de Teia. Eu havia usado ela em meu treinamento com o Sanguinário, então sabia em primeira mão como essa magia poderia ser terrível.

Eu rapidamente lancei uma Palavra de Negação para cima. A teia desapareceu. Coloquei meu escudo e tentei correr para a saída, mas deslizei para a direita sobre a graxa que tinha sob meus pés, sem qualquer aviso.

O que… O que estava acontecendo? Ele estava lançando essas magias muito rápido. Mesmo Gus não deveria ser capaz de encadear magias uma após a outra tão rápido quanto isso! Eu virei meus olhos para ele e percebi a verdade. Ele estava realizando encantamentos verbais e inscrições escritas em paralelo.

— Conjuração dupla! — Eu sabia que era possível em teoria, mas cometer o menor erro ao usar as Palavras poderia levar à própria destruição do conjurador. Falar e escrever Palavras diferentes ao mesmo tempo, enquanto também alocava corretamente a mana para cada uma, eu poderia dizer sem nem tentar. Não era simples.

— Khhh! — Eu rolei para o lado, evitando outra barragem de pedras. Tentei escapar da área com graxa, mas veio outra teia.

Paralisia. Enfraquecimento. Desaceleração. Nuvem de sono. Um número infindável de técnicas brutais de enfraquecimento me dominou.

Se eu parasse de me mover por um segundo sequer, seria vítima das pedras. Usando as Palavras de Negação e os movimentos do meu próprio corpo, de alguma forma evitei tomar algum golpe letal. Fiz uma série de tentativas feias de escapar, mas tudo sem sucesso. Eu estava desesperadamente tentando administrar, lenta, mas certamente, estava sendo encurralado…

Sem expressão, mas presumivelmente cansado da minha resistência, Gus abriu as mãos.

— O quê?

Os Sinais sendo desenhados no ar brilhavam com mana. Dois deles, diferentes para cada mão.

Ele ainda estava incitando Palavras sem abrir sua boca.

Conjuração tripla.

— Nem… fodendo…

Não havia mais esperança. Um cálculo mental simples me disse que isso provava que Gus era capaz de liberar poder de fogo de duas pessoas diferentes. Não havia possibilidade de fuga. Eu não conseguia fugir. Eu ia ser morto.

Gus estava me olhando impiedosamente, preparando-se para ativar sua magia sem a menor hesitação. Ele estava falando sério. Realmente ia me matar.

Por quê? Por quê?

— Gus… — Eu ia ser morto pela família que me criou, sem nem saber o porquê.

Não, pensei.

Não, não, não.

Eu não quero morrer. Não quero morrer! Meus olhos se encheram de lágrimas. Pensamentos passaram pela minha mente.

Eu não quero morrer. Tenho que correr. Mas não consigo correr. Nunca vou conseguir fugir.

Eu não quero morrer.

Eu não quero morrer.

Eu não quero morrer.

O que eu tenho que fazer para não morrer?

Esta lança tem Palavras gravadas nela. Ela funciona em espectros.

Use-a como uma azagaia. Jogue-a nele. Empale-o. Minha própria voz sussurrou calmamente para mim dentro da minha cabeça.

Eu posso ser um instante mais rápido agora. Se eu empalar Gus… Se acertar ele… Se eu matar ele, posso viver.

Foi ele quem tentou me matar. Ele está recebendo o que merece. Assim…

Empale ele. Apenas empale-o. Empale ele. Empale ele.

MATE-O!

Enquanto ouvia os gritos insanos ecoando dentro da minha cabeça, forcei um sorriso e, com as mãos tensas… joguei a lança de lado.

O som dela rolando ecoou terrivelmente alto. Surpreso, Gus parou de ativar sua magia.

— Gus? Ei, Gus? — O que eu pretendia dizer? Não sabia. Mas havia algo que eu sabia. — Se você está tentando me matar, isso significa… você deve ter algum bom motivo, certo?

Ele nunca faria isso de outra forma. Mesmo agora que as coisas chegaram a esse ponto, eu ainda podia acreditar nisso.

Eu o amava. Realmente o amava.

— Gus? Velho Gus? — Eu abro meus braços. Inclinei a cabeça para trás e expus minha garganta, para torná-la um alvo fácil. — Está bem. Você não precisa me dar uma chance de revidar.

Ele engoliu em seco e pareceu querer responder, mas engasgou com as palavras. Quando foi a última vez que vi Gus tão surpreso? Pode não ter sido desde que respondi a pergunta sobre Palavras quando era jovem.

— Eu entendo, — eu disse.

Se Gus estivesse falando sério, toda essa farsa seria completamente desnecessária. Eu era o único ser vivo neste espaço subterrâneo. Tudo o que ele precisava fazer era explodir Ignis o suficiente, e eu morreria, privando-me de oxigênio e me envenenando com monóxido de carbono. Ainda mais simples, ele poderia ter usado uma magia de choque para derrubar o teto desta grande sala. Como Gus era um espectro e podia atravessar paredes, ele também podia passar por um teto em colapso. Mais uma vez, eu seria a única fatalidade.

Ainda assim, Gus tentou me matar com um método prolongado como o Rajada de Pedra. Como se ele estivesse me dando a chance de revidar.

— Eu entendo… eu entendo o que você está fazendo, mas…

Eu poderia dizer que esse era o melhor método que Gus poderia me dar. Mas mesmo assim…

— Eu não quero te matar, Gus…

Lágrimas caíram dos meus olhos. Claro que não queria morrer. Eu estava com medo, muito assustado. A lembrança de ter morrido uma vez não mudou isso nem um pouco. Mas mesmo assim…

— Eu preferiria morrer do que machucar você, Gus…

Algo brotou dentro de mim, expandindo-se como um balão, e comecei a soluçar incontrolavelmente. Eu me senti tão mal.

Eu queria aceitar a morte. Não era como se eu não tivesse passado por isso antes.

— Se isso é importante para você, — soluço de novo, — é tudo com o que me importo.

Gus ainda estava ali parado em silêncio, sem fazer nada. Eu sorri desajeitadamente para ele.

— Você pode me matar. Não tenho medo de morrer. — Forçando meus lábios em um sorriso tenso, tentei agir de forma mais estoica que consegui. Eu não podia deixar minha morte ser desagradável. Eu era o aprendiz de Gus.

— P… pelo menos faça rápido para não doer… por favor…

Lentamente… Gus se aproximou de mim. Eu apertei forte minhas mãos trêmulas. Ele estendeu a mão e afagou minha cabeça. Fechei bem os olhos e a próxima coisa que ouvi foi:

— Ah, desculpe garoto! Eu fui um pouco longe demais, não fui?! Hah hah hah! — Gus falou e riu alto e exageradamente, e fingiu acariciar minha cabeça com sua mão translúcida.

— Ahn…? — Eu fiquei completamente chocado.

— Parece que ganhei! Mas, eu tinha a vantagem do terreno. Venha, levante-se. Eu sei, te assustei, mas não é ruim. Você tem alguma ideia de como que é uma batalha contra um mago, não é?

Isso não poderia ser uma lição, e não foi isso que me chocou. Não, foi porque Gus estava tentando fingir que tudo aquilo era uma lição.

Sua voz provava tudo. Ele nunca foi normalmente tão zoeiro ou volúvel. Por quê? A emoção o dominou? Isso era possível para alguém do calibre de Gus? De jeito nenhum. Mas então… por quê?

— Gus…

— Bem, podemos conversar mais tarde! Você derrotou um vraskus e até conseguiu uma lança. Sanguinário vai ficar muito feliz! Não vamos mais ficar neste lugar desagradável. Venha, Will! — Gus estava sendo incrivelmente comunicativo.

— Oh, eu sei! — Ele disse, muito entusiasmado. — Eu aposto que você ficou impressionado com a conjuração dupla e tripla! Agora, truques como esses são péssimos modos, mas no calor da batalha, é melhor conhecê-los. Eu vou te ensinar coisas assim também de agora em diante. O que acha? Vamos, anime-se, não? Por favor?

Meu rosto devia estar horrível naquele momento, mas Gus parecia estar prestes a chorar.

Definitivamente havia mistérios em torno desta cidade, dos três e do meu passado. Sanguinário provavelmente vai me contar tudo antes dos meus quinze anos.

O dia que a luz irá iluminar todos esses mistérios estava se aproximando rapidamente.

 

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Depois do incidente com Gus, os dias não foram diferentes de antes. Mesmo depois que eu cheguei na saída com Gus e me reuni com Sanguinário, não falei sequer uma única palavra para ele sobre a nossa luta. Confiei em Gus, e se ele não falar para Sanguinário, deve ter alguma razão.

Claro, isso significava que eu estava escondendo algo, então talvez eu possa ter agido um pouco estranhamente. Mas fui jogado em um covil de mortos-vivos, e tinha acabado de voltar daquele treinamento completamente louco, tendo passado meio dia lá. Sanguinário e Maria interpretaram meu comportamento estranho como efeitos de medo e tensão que senti.

Para adicionar mais coisa, como se viu, um esqueleto de vraskus na verdade me dava um pouco de dificuldade. Quando Gus relatou a Sanguinário como meu treinamento foi, e chegou à parte em que eu tive que lutar contra um vraskus, Sanguinário deu um aceno de compreensão e tentou me animar, dizendo que não era de admirar que Gus teve que me ajudar. Ele não parecia ter sequer considerado a possibilidade de eu ter ganho sozinho.

Gus disse a ele que eu o venci sozinho, o que deixou Sanguinário de queixo caído. Literalmente. Todo o maxilar inferior caiu no chão. Sanguinário tentando encaixar seu maxilar de volta foi bastante surreal e engraçado.

Era realmente grande coisa? Parecia várias vezes menos poderoso que Sanguinário para mim, mas talvez fosse fraco comparado ao que costumavam ser por alguma razão. No entanto, até onde eu aprendi, as habilidades e perícias dos mortos-vivos nunca mudavam.

— Hmm, quão difícil um vraskus é para você, Sanguinário?

― Hm? Para mim? — Ele respondeu, cruzando os braços atrás da cabeça. — Eu poderia simplesmente correr até ele e arrancar sua cabeça.

Hã. Então um vraskus não era tão forte assim. Sanguinário me subestimou um pouco, ou pensou que eu não seria capaz de alcançar todo o meu potencial em uma batalha real.

— Então ainda tenho um longo caminho a percorrer. Eu não posso ficar tranquilo só porque venci um vraskus. — Se você ficar cheio de si mesmo toda vez que ficar um pouco mais forte, você estará apenas se preparando para uma queda. Eu tinha que controlar as rédeas.

Sanguinário e Gus fizeram rostos estranhos depois de ouvir esse comentário, e murmuraram “Sim” e “Com certeza”, e outras coisas indistintas que eu não pude entender.

Hm. Eu senti como se estivesse acontecendo algum grande mal entendido.

Com a minha confusão não resolvida, a conversa seguiu para os espólios da batalha. Eu tinha visto moedas e ornamentos antigos no subsolo, mas devido ao incômodo em carregá-las, a única coisa que eu peguei foi aquela lança curta. Era meu primeiro troféu de batalha, e os três mostraram grande interesse por ela. Nós todos olhamos juntos e passamos algum tempo discutindo seus vários aspectos.

A lâmina da lança era reta, de dois gumes e razoavelmente longa. Juntamente com o eixo, ela fazia a lança ser mais comprida do que eu.

A ponta curva da lâmina era longa e havia uma linha reta de temperamento dividindo a lâmina do resto do metal. O aço brilhava com uma luz fria e brilhante. A base da lâmina, onde se juntava ao eixo, foi comprimida para os dois lados. Sanguinário gostou do que viu, chamando-a de encantadora.

A haste era de um marrom-escuro bem bonito. Segundo Maria, era de nogueira. Um anel de bronze com uma palavra gravada na base da lâmina.

No geral, era uma lança funcional, aparentemente foi feita por anões. Mas, o fato de que todos os elementos não essenciais foram separados deu-lhe uma beleza e um impacto próprios.

A cor escura do cabo contrastava de maneira impressionante com a lâmina de aço, brilhando como um branco refletindo a luz. Quando eu pensei que essa arma era minha, comecei a ficar um pouco animado, o que era incomum para mim. Tanto que não pude evitar agarrá-la e levá-la ao jardim para praticar balanços e posições.

É um fato da vida, por mais embaraçoso que seja admitir, que todos os homens anseiam por algo próprio que possam ser obcecados, seja uma arma, um carro ou qualquer outra coisa. Eu tinha certeza de que qualquer homem seria capaz de entender esse sentimento.

Gus olhou para a lança detalhadamente comigo, enquanto reexplicava o que devo procurar. Após cuidadosa inspeção, descobrimos que esta lança era conhecida como Lua Pálida. A lâmina e o cabo foram ambos preenchidos com efeitos mágicos através das Palavras da Criação.

Na lâmina, havia Palavras para aumentar sua capacidade de penetrar e cortar, e Palavras para protegê-la contra o desgaste e a destruição. Além disso, uma Palavra baseada em Lumen também foi gravada, fazendo com que a lâmina sirva também como fonte de iluminação com alcance ajustável e brilho. Não parecia que poderia brilhar o suficiente para cegar um inimigo, mas certamente era suficiente para iluminar meu caminho através da escuridão. Por conta disso, não haveria necessidade de uma tocha.

O cabo, por sua vez, além das mesmas Palavras de força e retenção de qualidade, estava gravado com Palavras referentes à contração e expansão da matéria. Parecia que seu comprimento poderia ser ajustado, até certo ponto, ao longo de alguns minutos, enquanto ainda preservava a dureza e a rigidez do material. Não poderia ser repentinamente estendido no meio de uma luta, mas poderia ser usado como um pique se fosse necessário. Como uma lança curta, poderia ser transportada em pequenos espaços.

Eles não eram efeitos chamativos como fogo ou ondas de choque, mas cada um era inegavelmente útil. Eu poderia pensar em maneiras infinitas de usar essa coisa.

Isso era incrível. Era realmente incrível. Era uma verdadeira arma mágica! E era minha! Eu fiquei ainda mais empolgado, testando um comprimento totalmente diferente, vendo como era ao balançar, e polindo a lança repetidamente, mesmo que não estivesse suja. Os três, Sanguinário e Gus em particular, observavam-me com olhos muito vívidos.

 

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Os dias passaram pacificamente.

Agora as lições de Sanguinário às vezes envolviam a cidade subterrânea, mas eu me acostumei. Ora, com Lua Pálida e ora com uma espada longa, experimentei batalha após batalha contra demônios mortos-vivos. Mesmo quando encontrei demônios no mesmo nível que um vraskus, eles ainda me causaram problemas, mas menos do que na minha primeira luta.

Eventualmente, eu não só acabei memorizando a estrutura da cidade subterrânea, mas nem um monstro sequer era difícil para mim, então Sanguinário começou a me dar desvantagens. Por exemplo: eu deveria entrar na cidade subterrânea com apenas roupas e uma adaga, eu podia adquirir armas e armaduras dos mortos-vivos, e só poderia retornar depois de derrotar um certo número. Isso era muito difícil, mas não demorou muito até que eu conseguisse pegar o jeito também.

Aliás, apesar de ter conseguido várias armas e ornamentos bem preservados, nenhum era melhor que a Lua Pálida. Mas, achei que seria uma experiência muito útil experimentar todos os tipos de equipamentos diferentes. Havia armas de baixa qualidade, onde eu favorecia a quantidade, equipamentos com nomes, armas longas, curtas e tudo mais.

Assim como Gus havia prometido, ele me ensinou os truques secretos de como usar conjuração dupla e tripla.

Mesmo no meu mundo anterior, escrever letras diferentes com as mãos esquerda e direita era um truque impressionante, e também me lembrava de ver performances de rua em que o artista tocava um instrumento enquanto fazia outra coisa ao mesmo tempo. A magia de multiconjuração era semelhante a esses truques. Assim como as artes marciais de Sanguinário, o truque era provavelmente treinar seu corpo para lembrar de combinações úteis para que você pudesse fazê-las sem pensar.

Gus e eu resolvemos por algumas combinações práticas. Eu pratiquei-as para construir minha memória muscular. Deixando a conjuração dupla de lado, a tripla era muito difícil, e eu não conseguia fazê-la 100% ainda. Gus deve ter demorado muitos anos para conseguir. Um dia vou alcançá-lo.

Suas aulas também mudaram. Não houve mais provas impossíveis.

— Isso será suficiente para a sua educação acadêmica. — Na nossa sala de aula habitual, Gus acenou para mim com um sorriso no rosto. — É hora de você aprender algo diferente.

— Algo diferente? — Eu perguntei, e Gus assentiu.

— Vá até a cidade subterrânea com Sanguinário e pegue algumas peças de ouro e prata, — ele disse seriamente. — Vou te ensinar algo importante. — Eu me endireitei e assenti.

Eu não tinha ideia em que Gus estava planejando usar as peças, mas se ele estivesse falando sério sobre esse assunto, não tinha dúvidas de que realmente era algo muito importante.

Depois de um tempo, Sanguinário e eu voltamos com as peças.

— Ah, muito bom. Eu estive esperando por você. — Gus estava carregando dados, uma tigela e… o que parecia ser cartas de baralho e uma mesa.

— Oh! Faz algum tempo. Um jogo, meu velho?! — Sanguinário disse, com uma voz muito alegre. — Ei, Will, você nunca jogou antes, certo?

Eu não respondi.

— Não é nada de mais, eu acho, só leva uma vez para entender… Will?

— Hmm. Gus? — Eu disse.

— Sim? — Gus respondeu.

— Isso não é… você sabe… jogo de azar?

— ‘Jogo de azar’ é um termo tão grosseiro. Tenha um pouco de elegância. Vamos chamá-lo de jogo intelectual.

— É o jogo!

— Tudo bem, tudo bem, não há necessidade de se exaltar.

— Sim, há necessidade sim! Eu pensei que você tinha algo realmente importante para me ensinar! Por que jogo de azar?!

— Oh, eu diria que você ficaria surpreso com o que os jogos intelectuais têm a oferecer. — E Gus deu início à sua sofisma. — Quando você se torna um feiticeiro de elite, uma modesta familiaridade com jogos intelectuais é esperada. Jogos desse tipo são usados ocasionalmente para duelos entre feiticeiros. Afinal de contas, a magia é perigosa em muitos aspectos. Se você entrar em uma briga com um feiticeiro que detesta e tiver uma batalha física, não é incomum que ambos os lados se destruam, o que é um resultado que não beneficia ninguém. É por isso que, no caso de uma briga, uma pessoa ocasionalmente elabora um contrato e resolve o conflito através de um jogo intelectual, de modo a…

Memórias de mangá de jogos de cartas da minha vida anterior passaram pela minha mente. Mas pensando melhor, jogos sendo usados como forma para resolver uma briga não eram apenas uma coisa de mangá. Havia exemplos históricos reais também. Então, talvez, mesmo neste mundo, fosse uma boa ideia aprender…

— Oh não, você não está me convencendo! — Eu neguei com a cabeça rapidamente. — Jogo de azar é jogo de azar! Maria ficaria tão brava!

— Oooh… Will, meu garoto… — Gus sorriu. — Você está com medo, eu entendo…

— O quê?

— Não, não, não. Não há necessidade de fingir. É natural que você se sinta intimidado pela perspectiva de competir diretamente contra mim, o exaltado Sábio Errante, em um jogo intelectual. — Seu sorriso era de zombaria. — Sim, e Maria ficará com raiva. Ninguém pode culpá-lo por fugir! Por arregar! Sim, corra, garoto, corra. Eu vou me divertir com Sanguinário. — Ele até adicionou uma risada sarcástica ao final.

— Oh, então é assim. — Eu não pude deixar de responder à sua provocação.

Então, continuei a responder à sua provocação.

Como você sabe, jogo de azar é viciante. Tanto é que o jogo patológico era um distúrbio real reconhecido no meu mundo anterior.

Jogo de azar estimula o cérebro. Pânico e raiva, se você perder, mas prazer e satisfação, se vencer. Eventualmente, o cérebro torna-se insensível a esses estímulos, e a pessoa procura uma estimulação mais forte, tornando-se cada vez mais viciada. Havia muita literatura escrita sobre isso no meu mundo anterior, e eu dificilmente precisava citá-lo para dizer que inúmeras pessoas caíram no fascínio desses jogos diabólicos.

Por que estou dizendo tudo isso? Para ilustrar um simples ponto:

— Duplo seis! Parece que eu ganhei essa, Velho Gus!

— Tch! Você sempre teve bons instintos…

— Beleza, próximo jogo! Vamos jogar de novo!

O diabo não era tão facilmente iludido.

O jogo envolvia mover peças através de uma mesa usando dados, de forma semelhante ao gamão.

— Tudo bem, vamos de novo. Espere, antes de começarmos. Will, há um truque aqui. Deixe-me te ensinar. Veja, existe uma coisa chamada infortúnio.

— Pura fantasia! — Gus zombou. — Existem apenas resultados e probabilidades. Jogue logicamente por tempo suficiente e, finalmente…

— Sim? E quem é aquele que está sendo lentamente destruído aqui?

Sanguinário atualmente tinha uma grande pilha de peças de ouro na frente dele. Ele sofreu apenas perdas pequenas, mas nunca perdia quando importava. Observá-lo me fez querer acreditar no instinto e nos sinais de sorte.

Permaneci em silêncio, meus olhos na grande montanha de peças de prata que eu acumulei tomando decisões seguras e evitando grandes confrontos com Sanguinário. Eu estava atualmente em segundo.

Gus fez um som gutural de frustração. Ele ficou, é claro, em último. Apesar de ter falado sobre a importância da teoria e da probabilidade, sempre que surgia um grande confronto entre ele e Sanguinário, sua personalidade obstinada levava-o a descartar tudo e a tentar superá-lo.

Eu queria jogar bem e manter o segundo lugar e, se possível, encontrar a oportunidade certa para ficar em primeiro. Então, estrategicamente falando, meu próximo passo deveria ser…

Um estrondo alto interrompeu meus pensamentos. A porta estava aberta e Maria estava parada ali.

Nós três abrimos nossas bocas e falamos “ah” ao mesmo tempo.

Por um momento, ela não disse nada. Ela tinha os olhos fechados e um sorriso gentil no rosto. Parecia ser a mesma expressão que ela sempre fazia, mas por algum motivo eu não conseguia parar de tremer.

— Vocês três, sentem-se aqui. — Sua voz calma me fez suar frio.

— Eu, ah, bem, — Gus começou.

— Maria, eu posso explicar…

— É tudo culpa do Gus…

Nós acenamos com nossas mãos enquanto tentávamos nos defender.

— Sentem aqui.

Nenhum dos três poderia desobedecer o sorriso de Maria. Seu sermão foi longo e severo, e me ensinou algo muito importante: ficar viciado em jogos de azar é uma má ideia!


 

Tradução: Erudhir

Revisão: Merciless

 

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