O Mago da Morte

O Mago da Morte – Vol. 1 – Cap. 3 – Um Hikikomori Com Seis Meses de Idade

Lutando para permanecer acordado, Vandalieu voltou para sua casa na floresta acompanhado pelos mortos-vivos enquanto segurava o fragmento de osso que continha o espírito de sua mãe.

Ele parecia estar prestes a morrer de fome, mas felizmente um guaxinim foi capturado pela armadilha preparada por Darcia, então ele bebeu um pouco de sangue antes de desmaiar.

Quando acordou, o sol já brilhava alto no céu.

Bom dia, mãe. Pra vocês também, pessoal.

Ao abrir os olhos, Vandalieu silenciosamente cumprimentou seus novos companheiros na casa, embora ele só tenha conseguido soltar um ruído incompreensível que soou suspeitosamente como “Aueuh”.

E então, os caçadores vieram atrás de mim? 

Macaco Esqueleto, que estava parado próximo da cama, balançou a cabeça em negação. Parece que a sorte ainda não estava sorrindo para Vandalieu.

Primeiramente, se eu juntar toda a informação que obtive ontem…

Os cavaleiros de Baronete Bestero, que governa Evbejia, se juntariam ao Sumo Sacerdote Gordan e seus cavaleiros sagrados, devotos do Deus da Lei e do Destino, Alda, para vasculhar a floresta numa tentativa de encontrar Vandalieu.

Contudo, o caçador Orbie não lhes disse a localização da casa, então eles demorariam um pouco até encontrarem este lugar.

A questão é que o próprio caçador Orbie, junto de seus companheiros, pretendia vir até aqui de modo a capturar o raro bebê dampiro para si próprios.

Contra eles, minha capacidade de combate é… o suficiente para enfrentar os três, creio eu.

Ontem ele havia criado centenas de mortos-vivos. Contudo, a maioria deles eram pequenos animais, como ratos e insetos. Apenas cerca de trinta seriam úteis em uma luta, incluindo Macaco Esqueleto, mas todos eram fundamentalmente fracos.

Quando estava vivo, Macaco Esqueleto provavelmente tinha a força física de um orangotango, que era grande o bastante para arrancar facilmente o braço de um homem. Mas esse já não era mais o caso. Na verdade, quando Vandalieu testou a força do primata, descobriu que Macaco Esqueleto era ainda mais fraco do que ele mesmo. E no entanto há de convir que, dada a situação, a força de Vandalieu é que era algo anormal, não a fraqueza do macaco.

Macaco Esqueleto era ainda menos ágil do que um humano comum. Quanto a sua constituição, era o suficiente para torná-lo resistente contra flechas e facas, principalmente devido ao fato dele ser feito apenas de ossos e carne morta. Mas, caso fosse atingido algumas vezes por uma enxada, ele se quebraria em pedaços.

Além disso, quando Vandalieu de algum modo conseguiu olhar a tela de status de Macaco Esqueleto, notou que ele não tinha nenhuma habilidade passiva ou como morto-vivo.

Os servos que Vandalieu agora tinha em mãos eram todos de 1º grau. Afinal de contas, até mesmo um camponês inexperiente seria capaz de enfrentá-los num combate um contra um.

Entretanto, havia trinta deles. Sendo esse o caso, Vandalieu provavelmente conseguiria se virar usando um pouco de engenhosidade.

Por agora, usarei os insetos para encontrar o inimigo. Macaco Esqueleto, junto de outros quatro, pode me proteger de dentro da casa. Os outros… 

Vandalieu decidiu que era hora de virar o jogo de Orbie e dos outros caçadores ao seu favor. Ele queria ouvir diversas coisas de Darcia, incluindo informações sobre seu pai, mas seria problemático caso os caçadores chegassem enquanto fazia isso. Então, era melhor que ele os capturasse primeiro antes de ouvir o que sua mãe tinha a dizer.

****

Orbie prosseguiu através da floresta, liderando dois de seus companheiros caçadores com quem ele estava bebendo no dia anterior. Independentemente do quão bem treinados os cavaleiros sagrados fossem, nenhum seria capaz de encontrar o esconderijo que aquela elfa negra havia construído de imediato.

Ele estava certo de que seriam capazes de capturar o bebê primeiro.

— Ei, eu só quero deixar bem claro que-

— Eu sei. Não pretendo virar comida de urso ou de lobo antes de ficarmos ricos.

Sendo caçadores profissionais, eles estavam confiantes. Esta floresta não era um Ninho do Diabo, onde monstros eram uma visão frequente, mas ainda assim se tratava de um lugar habitado por bestas perigosas, como ursos e lobos, e até mesmo alguns monstros mais fracos, como goblins.

Permanecendo cautelosos na procura desse tipo de ameaça, eles continuaram a desbravar um caminho através da floresta.

— Isso é estranho. Estas não são as pegadas de um macaco grande? E estas aqui… as de um urso?

Felizmente, a precaução permitiu que eles notassem as pegadas deixadas pelos mortos-vivos que voltaram de Evbejia.

— Você acha? Elas não são um pouco superficiais demais para serem as pegadas de um macaco ou de um urso?

Entretanto, aos olhos de Orbie, as pegadas eram demasiadamente rasas. Quando deixadas na terra, era comum que a profundidade delas fosse proporcional ao peso de seu dono, mas estas pegadas pareciam pertencer à uma criatura bastante leve.

— O formato também é estranho. Elas são um pouco pequenas demais e as pegadas do urso estão faltando alguns dedos.

A razão para terem essa aparência é que a criatura que deixou as pegadas no solo era um morto-vivo, feita inteiramente de osso; seu peso corporal equivalia a menos da metade de quando ela ainda estava viva e, além disso, a almofada de sua pata estava faltando e alguns de seus dedos foram partidos.

Os aventureiros tomariam precauções caso estivessem enfrentando esse monstro estranho como seu principal inimigo, mas…

— Estou certo de que elas têm essa aparência porque as pegadas de inúmeras bestas estão se sobrepondo umas nas outras.

Orbie e seus companheiros caçavam monstros apenas ocasionalmente para ganhar um pouco de dinheiro extra, então eles não consideraram isso como algo digno de nota. E, sabendo que esta floresta não possuía uma quantidade particularmente grande de monstros, eles logo escolheram ignorar as discrepâncias nas pegadas, acreditando ser fruto de suas imaginações.

— Estamos quase lá. Há uma caverna escavada em um pequeno penhasco; era ali que ela se escondia.

— Muito bem, vamos capturar o pirralho enquanto ele ainda está vivo.

E então Orbie e seus companheiros chegaram na casa de Darcia.

As árvores eram esparsas na frente da residência, com pequenas lacunas entre elas. Vestígios do fogo usado para cozinhar ainda estavam presentes, junto de outros sinais que indicavam que uma pessoa estava vivendo ali.

— Hm? Há um monte de coisas jogadas por aí.

Enquanto olhavam em volta, os caçadores notaram diversos vestígios no solo escavado, bem como hera e alguns ossos de animais espalhados pelo chão.

— Merda, vamos entrar.

Estalando a língua, Orbie abriu a porta para verificar se o bebê ainda estava lá dentro.

Uooooon!

Naquele momento, a terra se ergueu ao som de um lamento ressentido.

— Que diabos é isso?! Um golem?!

— Sim, é um Golem de Terra!

O golem, cujo corpo era feito inteiramente de terra, ergueu-se do lugar onde estava aguardando para emboscar os invasores.

— Hã?! Há mortos-vivos escondidos embaixo do golem!

Sob seu corpo estavam os esqueletos mortos-vivos de um lobo e de um urso.

— C-corram!

— Pra onde?! Estamos cercados!

Orbie e seus companheiros haviam se aproximado da porta e agora estavam cercados pelo golem e pelos mortos-vivos.

As únicas armas que eles tinham à disposição eram suas espadas curtas e seus arcos e flechas. Ainda que o grau dos inimigos fosse o mais baixo possível, essas ainda eram as armas mais inapropriadas para enfrentá-los.

— A-ah?!

— Uma c-cobra! Não, espera… é uma hera. A hera está se mexendo!

E então a hera que devia estar morta no chão começou a se mover como uma cobra, enrolando-se ao redor dos caçadores.

— Merda! Me solta, me solta agora!

Mesmo enquanto eles desembainhavam suas espadas curtas para tentar cortar a hera, o golem e os mortos-vivos continuaram a oprimi-los através de ataques, enquanto diversos potes começaram a flutuar através do ar, arremessando-se contra as cabeças dos caçadores.

Eles não conseguiram escapar. Orbie e seus companheiros foram capturados vivos.

****

Acho que deu tudo certo.

Vendo os caçadores presos pela hera morta-viva, incapazes de falar, Vandalieu soltou um suspiro de alívio.

Ele fez com que alguns espíritos ocupassem o solo do lado de fora da casa para criar um golem e então enterrou os mortos-vivos embaixo dele. Desprovidos da necessidade de respirar e sendo camuflados pelo cheiro de terra que já era comum da própria floresta,  eles não foram notados pelos caçadores até que fosse tarde demais.

O mesmo vale para os potes e para a hora. Eles não suspeitariam que os objetos descartados e espalhados ao longo do chão fossem, na verdade, mortos-vivos disfarçados.

Muito bem, agora eu quero ouvir o que esses caras tem pra dizer.

Orbie e seus companheiros arregalaram os olhos em choque com a visão de Vandalieu montado nas costas de Macaco Esqueleto, observando-os. Eles nunca haviam imaginado que o bebê que pretendiam capturar estaria comandando mortos-vivos em uma idade tão jovem.

Esta era a diferença entre Vandalieu e o Sumo Sacerdote Gordan, que repreendia seus subordinados.

Mas primeiro eu preciso estabelecer uma maneira de conversar com eles.

Vandalieu, que ainda só conseguia murmurar alguns barulhos incompreensíveis, não tinha uma maneira de se comunicar com os caçadores.

E então Vandalieu criou um golem a partir do cascalho e da areia no chão.

Mogomoga~!

Os caçadores deixaram escapar gemidos cheios de medo com a visão de um golem de tamanho humano feito de cascalho e areia se erguendo diante deles. Eles provavelmente estavam pensando que seriam mortos em seguida.

Entretanto, o Golem de Areia não ergueu seu pesado punho na intenção de atacá-los. Ao invés disso, partes de seu corpo desmoronaram na frente deles, formando palavras na areia que o formava.

Não sejam tão barulhentos e fiquem quietos. Respondam minhas perguntas.

Legal, parece ter funcionado. 

Considerando que foi possível transformar uma parte da parede externa de Evbejia em um golem para alterar sua forma, Vandalieu havia pensado que também seria possível alterar o corpo do Golem de Areia para formar letras. A ideia parece ter sido muito bem-sucedida.

Bem, ele tinha que fornecer uma quantidade considerável de mana para o golem, então era algo feito ao custo de sua resistência mental.

Mas o problema era se os caçadores seriam capazes de entender caracteres japoneses.

De modo a checar isso, ele destapou a boca dos caçadores, que agora estavam em silêncio.

— O-o que você quer saber? Pode perguntar o que quiser. Mas, em troca, poupe nossas vidas…

— S-sim, nós vamos te contar tudo o que sabemos.

— Não vamos falar deste lugar pra ninguém, então nos deixe ir embora, por favor.

E então eles começaram a implorar por suas vidas. Ao que parece, a linguagem falada e escrita em Lambda era o japonês.

Bastante conveniente, mas por que este é o caso? Parando pra pensar, de acordo com o conhecimento que Rodcorte compartilhou comigo, campeões de outro mundo foram invocados para Lambda no passado. É por conta disso?

Bem, ele descobriria uma razão para isso mais tarde, quando tivesse tempo.

Vandalieu decidiu questionar os caçadores através da escrita e reunir algumas informações a partir disso. Embora fossem capazes de ler hiragana e katakana, parecia que kanji eram algo incompreensível para eles (quando suplicaram por suas vidas préviamente, estavam simplesmente adivinhando a situação, ao invés de serem capazes de ler o que Vandalieu havia escrito). Já que isso significava que Vandalieu teria de escrever uma quantidade maior de caracteres no golem, o custo de mana seria maior e o stress em sua mente também aumentaria.

Mas nem todas as suas perguntas receberiam respostas favoráveis.

O que é uma classe? 

— Hein? Você quer saber quais são as nossas classes? Somos caçadores, é claro.

O que são pontos de experiência?

— Er… pontos de experiência são pontos de experiência, certo?

Quem é Alda, o Deus da Lei e do Destino?

— Ah, ele é um deus.

O que era uma classe ou o que eram pontos de experiência, em Lambda? Vandalieu estava fazendo perguntas simples, mas os caçadores não estavam dando respostas realmente úteis.

Do ponto de vista dos caçadores, as perguntas de Vandalieu eram simples demais. Era o mesmo que perguntar para alguém na Terra “o que é o ar?” ou “o que é a água?”. Ainda assim, se eles fossem educados e tivessem um vocabulário amplo o bastante, seriam capazes de dar respostas úteis, mas Vandalieu sabia que não podia esperar esse tipo de coisa desses caçadores.

Vou perguntar pra Mãe sobre esse tipo de coisa mais tarde.

Darcia responderia quaisquer perguntas de Vandalieu com uma explicação fácil de entender. Afinal de contas, ela era uma mãe educando seu filho.

Me fale sobre o Baronete Bestero e seus cavaleiros.

Vandalieu decidiu mudar de tática, perguntando sobre coisas que eles certamente saberiam sobre seus outros inimigos.

— O lorde feudal que assumiu há mais ou menos dez anos é uma pessoa bastante ambiciosa. Ele não possui nenhuma outra característica extraordinária, sendo um nobre típico. Eu não ouvi de nada que possa distingui-lo de outros nobres.

— Há cinco cavaleiros que são utilizados como soldados por serem mais poderosos do que o resto de nós. Embora, ao que parece, eles estão em constante treinamento.

— É p-por isso que eles não são assim tão poderosos. Na verdade, que tal nos livrarmos deles, juntos? Se formarmos uma equipe com você isso seria algo fácil.

Vandalieu decidiu ignorar essa última parte. Parecia que Baronete Bestero não tinha muitos peões e os que estavam em sua posse também não eram particularmente habilidosos. Esta região era possivelmente considerada como um ambiente pacífico pela população.

Ao menos na opinião do povo, é claro.

Só responda as minhas perguntas. Diga-me tudo o que você sabe sobre o Sumo Sacerdote Gordan e seus cavaleiros sagrados.

— O sumo sacerdote e seus cavaleiros sagrados não passam muito tempo no vilarejo. Eles chegaram há aproximadamente quinze dias com cartazes de procurado exibindo um dampiro e a bruxa que o pariu… quer dizer, a sua honrosa mãe…. err, ele é um clérigo famoso por assassinar vampiros e, junto dos cavaleiros sagrados, faz parte de um grupo de indivíduos de elite.

— Mesmo sendo um clérigo, ele é uma aberração ridiculamente poderosa que usou de sua própria força para ascender na hierarquia da igreja até atingir o posto de Sumo Sacerdote. Ele já matou inúmeros vampiros e seus subordinados… quer dizer, lordes vampiros e seus servos dedicados. Ele já lidou com lordes vampiros que viveram por centenas de anos e, de acordo com os rumores, é tão poderoso quanto um aventureiro de classe B.

— M-mas se você se juntar conosco seria fácil enganá-lo, já que conhecemos muito bem o terreno desta região. Veja, você só sairia ganhando se nos aceitasse como seus subordinados!

Entendo. Então aquele clérigo é um caçador de vampiros competente… em seguida, eu quero saber mais sobre as Lâminas de Cinco Cores, mas antes disso… agora é um bom momento, então vamos comer.

Ele fez com que o morto-vivo trouxesse um dos três caçadores para frente.

— O que está a-acontecendo? Você vai me fazer seu subordinado? Nós certamente vamos ser muito úteis pra você, nossas habilidades com o arco são conhecidas em toda Evbejia… Hyiih! Nós vamos ser muito, muito úteis e vamos fazer de tudo por você, então por favor tenha piedade!

Macaco Esqueleto segurou a cabeça do homem de modo que ele não conseguisse mexer o pescoço. Implorando pela própria vida com gritos estridentes, ele foi completamente ignorado por Vandalieu.

Suas presas perfuraram o pescoço do caçador.

— AAAAAAAAH!

— Johann!

Ignorando os gritos do homem chamado Johann e dos outros caçadores, ele gananciosamente bebeu o sangue, preenchendo sua garganta com aquele líquido.

Parece ser mais gorduroso do que sangue de coelho e o gosto também é um pouco mais salgado.

É claro que ele teria preferido se aconchegar nos braços de Darcia enquanto bebia o leite dela. Mas esta era sua primeira refeição do dia, então Vandalieu simplesmente continuou a beber o sangue de Johann até os gritos pararem e o caçador tombar flácido no chão.

Fu… Oh, Macaco Esqueleto, me dê alguns tapinhas nas costas. Sim, bem aí… 

Vandalieu arrotou, mostrando o corpo mortalmente pálido de Johann para o resto dos caçadores.

E então ele lhes dirigiu a palavra através do golem de areia uma vez mais.

Eu não disse para vocês simplesmente responderem minhas perguntas?

Observando o cadáver inerte de Johann, cujo sangue fora completamente consumido, e a expressão de Vandalieu, que permaneceu inexpressiva mesmo após matá-lo, Orbie e o outro caçador remanescente simplesmente assentiram.

Eles estavam enfrentando um mero bebê, mas esta criança não continha traços de ingenuidade ou pena. Eles finalmente perceberam que Vandalieu não hesitaria em matá-los caso demonstrassem o menor indício de desobediência.

Pois então, o que vocês sabem sobre as Lâminas de Cinco Cores e Heinz da Espada de Chamas Azuladas?

Daquele momento em diante, o interrogatório de Orbie e do outro caçador transcorreu sem nenhum problema. O exemplo que havia sido feito de Johann era incrivelmente assustador.

As Lâminas de Cinco Cores eram um grupo composto por cinco aventureiros e Heinz era o seu líder, um aventureiro de classe B muito bem-sucedido, embora ainda estivesse na adolescência.

Os outros membros eram de classe C, formando um grupo de indivíduos claramente habilidosos.

Como eu pensava, tanto ele quanto o Sumo Sacerdote Gordan são inimigos que eu não posso derrotar no momento.

A próxima coisa que ele perguntou foi sobre a geografia desta região — mais especificamente a área circundante do território de Baronete Bestero e os lugares que o sumo sacerdote e seus cavaleiros estariam vasculhando no momento.

As respostas para essas perguntas foram bastante úteis. Ele também perguntou aos espíritos de animais habitando Macaco Esqueleto e os outros mortos-vivos, mas não conseguiu obter uma boa noção da situação como um todo através deles.

Os espíritos estavam mais falantes agora do que no dia anterior, mas eles originalmente não eram nada além de animais e insetos, afinal. Nenhum era dotado do senso de direção e distância que um humano conseguiria usar como referência.

Isso não era um problema aparente quando ele estava sendo guiado pelas informações fornecidas pelos espíritos, mas tentar montar um mapa a partir deles inevitavelmente resultaria em confusão.

Inclusive, eu deveria começar a estocar comida e água assim que possível.

Sumo Sacerdote Gordan estava procurando em um lugar diferente no momento, mas esta floresta não era particularmente grande. Eles seriam capazes de vasculhar toda a região dentro de, no máximo, dez dias.

Dito isso, arriscar uma fuga apressada seria uma péssima escolha.

Devido aos olhos de cores diferentes, que Vandalieu possuía como uma característica especial sendo um dampiro, ele não seria capaz de esconder sua verdadeira natureza e, portanto, não podia se aproximar de áreas habitadas por humanos. Além disso, sem um lugar seguro para se esconder como a casa na caverna, viver no mundo exterior seria muito perigoso.

E a razão para isso era-

Eu só tenho seis meses de idade, então preciso dormir bastante. Na verdade, eu já estou bastante sonolento.

Apesar do fato de que seu pai era um vampiro e independentemente do quão altos eram os valores de seus atributos ou de quantas habilidades ele havia adquirido, Vandalieu ainda era um bebê. Embora a situação atual fosse consideravelmente melhor do que na época que ele só tinha um mês de idade, Vandalieu ainda ficava sonolento frequentemente e lhe era difícil permanecer acordado por muito tempo.

Ele conseguia resistir aos efeitos da privação de sono através de sua habilidade [Resistência a Efeitos Negativos], mas isso traria consequências adversas ao desenvolvimento de seu corpo. Darcia não iria gostar disso.

Portanto, Vandalieu decidiu permanecer escondido até que o sumo sacerdote desistisse de procurá-lo. Ele jamais imaginou que uma dia estaria vivendo o estilo de vida de um hikikomori aos seis meses de idade, mas isso era necessário para sobreviver.

— E-ei, o que está errado? Você não tem mais pra perguntar?

— Nesse caso, nos deixe ir embora!

Orbie e os outros caçadores começaram a se agitar, mas o papel deles como fontes de informação já havia sido cumprido. A hera tampou suas bocas uma vez mais.

— E-espera! Por favor, nos deixe ir! Eu tenho um- mmhmf!

Ele tem o que? Uma noiva? Uma esposa? Uma filha ainda criança? Uma mãe idosa? Mas de que isso adianta, considerando que ele vendeu a mãe de um filho em troca de migalhas?

Ainda que isso fosse verdade e ele tivesse qualquer uma dessas coisas, o papel dos caçadores aos olhos de Vandalieu não mudaria.

Ele os informou desse ponto através de palavras na areia.

Vocês não passam de comida para mim.

Ambos os caçadores soltaram gritos abafados.

*****

No princípio, havia dois grandes deuses neste mundo.

O vasto deus negro, Diachmell.

O vasto deus branco, Arazan.

Não se sabe ao certo qual dos dois era bom e qual era mau. Entretanto, não existia nada além deles naquele momento, então eles lutaram.

O conflito entre as duas divindades parecia ser eterno. Eventualmente, no entanto, Diachmell e Arazan derrotaram um ao outro simultaneamente.

Os corpos dos dois grandes deuses tombaram e, de suas carcaças desprovidas de vida, novas divindades surgiram.

Vida, a deusa da vida e do amor.

Alda, o deus da luz e da lei.

Zantark, o deus guerreiro do fogo e da destruição.

Peria, a deusa da água e do conhecimento.

Shizarion, o deus do vento e das artes.

Botin, mãe da terra e a deusa do artesanato.

Ricklent, o espírito do tempo e da magia.

Zuruwan, o deus do espaço e da criação.

Esses oito deuses elementais, junto do deus-imperador dos dragões, Marduke, o deus colosso Zerno e o deus das bestas, Ganpaplio, ficaram conhecidos como os onze deuses fundadores.

Ao contrário das duas divindades originais, os onze deuses não usaram seus poderes para lutar um contra o outro; eles trabalharam em harmonia, criando o planeta conhecido como Lambda.

Os oito deuses elementais criaram os humanos, moldando-os à sua imagem, para então começarem a ensiná-los e guiá-los como seus seguidores. O deus-imperador Marduke originou a raça dos dragões, enquanto que Zerno criou os colossos.

De modo a prover comida aos novos seguidores dos deuses, Ganpaplio criou incontáveis pássaros e animais selvagens, além de soltar peixes nos oceanos.

O deus-guerreiro Zantark e a deusa Botin criaram a raça dos anões, enquanto que a deusa Peria e Shizarion criaram os elfos. Desse momento em diante, “pessoa” se tornou um termo generalizado usado para se referir aos povos sencientes do mundo. As criaturas que, até aquele momento, eram chamadas apenas de “pessoas”, tornaram-se os seres humanos.

O mundo criado através desses acontecimentos era pacífico. As pessoas acreditavam em seus deuses, os dragões e os colossos eram sábios, havia uma fartura de vida selvagem nas montanhas para que todos pudessem comer sem a necessidade de disputar territórios e os mares eram abençoados e generosos.

Entretanto, a paz foi destruída pelo surgimento do Rei Demônio Guduranis, vindo do abismo além das estrelas.

Ao descender em Lambda, Guduranis deu início à uma guerra com o propósito de dominar o mundo junto dos deuses malignos que eram seus servos.

O mana corrompido do rei demônio criou monstros que até então não existiam em Lambda, como os orcs e os goblins. Guduranis usou deles para lutar contra os deuses.

Ainda que as pessoas de Lambda tivessem aperfeiçoado suas habilidades de combate através de competições e da caça aos animais selvagens que serviam como alimento, elas foram mergulhadas num estado de completo caos por nunca terem experienciado uma verdadeira batalha até a morte, e os deuses se viram encurralados. O deus-guerreiro Zantark, o deus-imperador Marduke, o deus colosso Zerno e os outros lutaram bravamente junto de seus seguidores, enquanto que o espírito Ricklent abençoou os humanos com magia, comandando-os em batalha. Ainda assim, eles não conseguiram virar a maré da guerra. O deus-besta Ganpaplio se mostrou ser um oponente formidável, mas eventualmente foi destruído.

Para enfrentar o exército do rei demônio, Zuruwarn, o deus do espaço e da criação, invocou sete campeões vindos de outro mundo.

Os sete campeões ensinaram a arte da guerra para o povo de Lambda, presenteando-os com o conhecimento necessário para forjar poderosas armas e, eventualmente, lutaram de maneira corajosa nas linhas de frente.

E então, batalha após batalha, o Rei Demônio foi finalmente destruído e selado; nem mesmo um único pedaço de seu corpo permaneceu. Os deuses malignos que lhe eram subordinados foram destituídos de seus poderes; alguns foram destruídos e outros foram selados num estado de quase morte.

E, ainda assim, o resultado final não podia ser chamado de vitória.

O deus-guerreiro Zantark foi amaldiçoado pelos deuses malignos e caiu na escuridão; Peria afundou em um abismo nos oceanos e Shizarion retornou ao vento. Botin foi selada nas profundezas da terra enquanto que Ricklent e Zuruwan entraram em um longo sono para recuperarem suas forças.

Marduke foi rasgado em pedaços e o coração de Zerno foi destruído. Como resultado, a força de seus seguidores enfraqueceu; os dragões desapareceram aos poucos e os dracos, mais fracos do que seus antecessores, tornaram-se mais numerosos. Os colossos foram transformados em monstros que cultuavam deuses malignos.

No fim, restavam apenas três campeões e a população de pessoas diminuiu ao ponto de que mesmo se os elfos e o anões se juntassem aos humanos remanescentes, que tinham uma população considerável antes do conflito, sequer conseguiriam sustentar uma única cidade.

A população remanescente não era o suficiente para sustentar a civilização e a cultura. Mesmo após a derrota do Rei Demônio, a superfície de Lambda estava repleta de monstros que foram corrompidos durante o conflito e havia Ninhos do Diabo por toda a terra. Os monstros que sobreviveram começaram a procriar, multiplicando-se infinitamente.

Alda, um dos dois deuses que ainda retinha parte de suas forças, escolheu trabalhar em conjunto dos campeões para guiar os sobreviventes. Entretanto, a deusa Vida acreditava que criar novas raças de pessoas e fazê-las se juntarem aos outros seria a maneira mais fácil de restaurar Lambda.

Ela era a deusa da vida e do amor. Seus poderes eram mais adequados à criação de novas raças, ao invés do combate.

Primeiro ela acasalou com o Gigante do Sol Talos, que havia retido seu espírito nobre e suas virtudes e não tinha sido transformado em um monstro. Ela deu à luz a uma raça de titãs com físicos largos e robustos, mas que mal cabiam em cidades humanas.

Em seguida, ela acasalou com Tiamat, o mais poderoso dos dragões remanescentes que eram seguidores de Marduke, dando à luz aos draconianos, humanos com o poder e os chifres de um dragão.

E então, com o rei das bestas subordinado a Ganpaplio, ela deu à luz a uma grande variedade de povos bestiais. Com Tristan, o deus dos mares e mão-direita de Peria, ela criou os sereianos.

Após isso, ela acasalou com um elfo que estava sob seu comando na época, dando à luz aos elfos negros, que detinham o mesmo mana dos elfos, além de serem dotados de uma capacidade física extraordinária.

Alda criticou as ações da deusa, dizendo que ela só estava mergulhando o mundo já arruinado em um estado caótico ainda maior. Sendo o deus da lei, Alda não podia ficar parado enquanto Vida criava novas raças, uma após a outra.

Mas Vida acreditava que suas ações eram corretas, então eles nunca chegaram a um acordo em suas discussões.

Ela também acasalou com monstros, criando lâmias, cilas, aracnes, centauros, harpias, majins e outras raças monstruosas.

E então ela infundiu o poder do atributo da vida em um dos campeões que havia sido morto durante a batalha contra o Rei Demônio, um homem chamado Zakkart, transformando-o em um morto-vivo. Acasalando com ele, Vida deu à luz aos vampiros.

Os vampiros originais eram praticamente tão poderosos quanto os deuses em todos os aspectos. Além disso, eles eram capazes de compartilhar esse poder com outras raças. Dando-lhes seu sangue, eles podiam transformá-los em vampiros.

Mas Alda ficou furioso com o fato de que Vida havia acasalado com monstros e criado a raça dos vampiros.

Junto dos três campeões remanescentes, ele partiu para exterminar Vida, que havia criado uma raça capaz de destruir o equilíbrio do mundo, assim como suas crias.

É claro que, para proteger suas novas crianças, Vida e o campeão revivido Zakkart lutaram contra Alda e seus seguidores. Entretanto, por muito pouco, ela foi derrotada e sofreu uma ferida profunda. Ela perdeu sua autoridade como deusa e, junto de Zakkart, desapareceu em um Ninho do Diabo.

Alda saiu vitorioso, mas ele não tinha força o bastante para exterminar o resto dos vampiros. Além disso, a deusa do atributo da vida havia desaparecido e Alda tinha de assumir o posto dela, apesar do fato de que seu corpo estava exausto.

O agora autointitulado Alda, deus da luz, da lei e da vida começou a ser cultuado por seus seguidores como o Deus da Lei e do Destino. E mesmo após cem mil anos desde a luta contra Vida, o mundo ainda estava mergulhado no caos.

*****

— E esse é o mito de criação de Lambda.

Obrigado, Mãe. Isso foi bastante esclarecedor.

Depois que Vandalieu terminou os preparativos para se esconder em casa, ele perguntou para Darcia, cujo espírito estava residindo dentro do fragmento de osso, sobre como o mundo de Lambda foi criado.

Ele continuou a criar golens a partir da terra e da rocha presentes dentro da caverna, instruindo-os a permanecerem em guarda ali. De modo a prevenir que a casa fosse soterrada, ele fez com que os golens feitos da terra e da rocha das profundezas da caverna se deslocassem até a entrada, enquanto cavavam mais ao fundo. E então ele libertou os espíritos presos aos golens, de modo que eles fechassem a entrada.

Desde que tivesse mana, Vandalieu conseguiria alterar o formato dos golens, então ele pensou que seria útil caso pudesse usá-los para construir coisas. Ele estava certo.

Ele deixou alguns móveis e vasos destruídos na entrada ao selar a passagem, para dar a impressão de que a caverna havia colapsado. Mas ele estava rezando para que Sumo Sacerdote Gordan não desse uma ordem como “cave aquela caverna até encontrar o cadáver do dampiro!”.

Ele já havia soterrado mais de cinquenta metros a partir da entrada enquanto expandia a caverna, algo que normalmente seria impossível sem contratar uma construção de larga escala ou os serviços de um mago do atributo da terra.

Ele deixou um buraco do tamanho de um punho para permitir que o ar passasse, então respirar não seria um problema. Ele não necessitava de luz, graças a sua habilidade [Visão Noturna].

Vandalieu estava preparado para seu novo estilo de vida subterrâneo.

E agora ele estava conversando com Darcia para passar o tempo.

Então estamos em Mirg, uma nação situada na região noroeste do continente de Bahn Gaia e parte do Império Amid. O Império e suas nações veneram Alda, o Deus da Lei e do Destino, como sua religião oficial. É de se esperar que seja um lugar perigoso.

Alda era um deus que lutou contra Vida por causa das raças que ela havia criado, afirmando que elas destruiriam o equilíbrio do mundo. Não era surpreendente que um meio-vampiro seria alvo de perseguição… não, extermínio.

O Império Amid e a Guilda dos Aventureiros em suas nações, onde a Igreja de Alda detinha uma forte influência, exibiam solicitações de extermínio abertamente. Incidentalmente, a parte usada como prova do ato cometido… a prova de que a ameaça havia sido exterminada era um globo ocular carmesim.

Fazia sentido se esconder na floresta em uma situação como essa.

Parece que elfos negros como Darcia, bem como os povos bestiais, draconianos e outras raças que Vida criou após a batalha contra o Rei Demônio, também eram alvos de perseguição.

No Império Amid e suas nações, apenas humanos, elfos e anões eram aceitos como “pessoas”. Titãs, elfos negros e os povos bestiais eram discriminados, sendo considerados “semi-humanos”. A forma mais evidente de comportamento preconceituoso era que as “pessoas” só eram usadas como escravos caso fossem criminosos, enquanto que não havia restrições sobre a compra, venda, posse e uso de escravos “semi-humanos”.

Incluindo vampiros, as raças que Vida criou ao acasalar com monstros eram, claro, simplesmente exterminadas como monstros. Embora a realidade fosse que para cada vampiro ou lâmia mortos pelos aventureiros e soldados do Império Amid, um aventureiro ou soldado era morto em retaliação, e até mesmo os civis eram vítimas.

Os seguidores de Alda afirmavam que essa era a prova de que eles eram malignos, de que seu deus estava certo. Enquanto isso, os seguidores de Vida acreditavam que o motivo pelo qual eles se tornaram monstros que machucam humanos era o desaparecimento da deusa. Em outras palavras, Alda era o culpado.

Esse argumento aparentemente continuou ao longo de dezenas de milhares de anos.

Me diga mais sobre meu pai, vampiros e dampiros.

— Tudo bem. Mas está na hora de você tirar o seu cochilo da tarde, então podemos continuar depois que você acordar.

Tudo bem~ 

 [Você adquiriu a habilidade Transmutação de Golem!] 

Nome: Vandalieu

Raça: Dampiro (Elfo Negro)

Idade: 6 meses

Título: Nenhum

Classe: Pessoa comum

Nível: 0

Histórico de Classes: Nenhuma

Atributos:

  • Vitalidade: 18
  • Mana: 100.000.600
  • Força: 27
  • Agilidade: 2
  • Constituição: 33
  • Inteligência: 25

Habilidades Passivas:

  • Força Sobre-humana: Nível 1
  • Cura Rápida: Nível 2
  • Magia do Atributo da Morte: Nível 3
  • Resistência a Efeitos Negativos: Nível 2
  • Resistência a Magia: Nível 1
  • Visão Noturna: Nível 1
  • Corrupção Mental: Nível 10
  • Enfeitiçar Mortos-vivos: Nível 1

Habilidades Ativas:

  • Beber Sangue: Nível 1
  • Exceder o Limite: Nível 1
  • Transmutação de Golem: Nível 1 [NOVO]

Maldições:

  • Experiência adquirida na vida anterior não será transferida.
  • Não pode obter nenhuma das classes já existentes.
  • Incapaz de adquirir pontos de experiência independentemente.


 

Tradução: Amon

Revisão: Amon

 

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Vinicius

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