O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 505 – Vantagem

POV ARTHUR LEYWIN

 

Eu cerrei e abri minha recém-regenerada mão esquerda enquanto aguardávamos que o grande salão fosse aberto. Todos os vinte participantes da caçada estavam reunidos, além de Boo e Regis. Os jovens asuras estavam quietos e quase reverentes. Ao meu lado, Chul carregava os pequenos restos brancos da fera sobre uma almofada púrpura. Eles haviam sido cuidadosamente dispostos para parecer que o animal poderia estar dormindo, com seu focinho parecido com o de uma raposa escondido sob a cauda branca e fofa.

A energia era de nervosismo, mas, sob a tensão, havia uma familiaridade confortável.

Na descida da montanha — que foi muito mais fácil que a subida, já que nos permitiram voar — Naesia, Riven e os outros garantiram repetidamente que nossa batalha seria lembrada na história, contada em grandes tapeçarias e afrescos nas paredes das casas de seus respectivos clãs.

As portas se abriram, e nossa procissão avançou. Naesia, como líder da caçada, entrou primeiro, com seus fênix atrás dela. Ela usava um vestido vermelho e cinza bordado em dourado e estava adornada com correntes e joias. Cada um de seus seguidores fênix estava igualmente enfeitado.

Os dragões vieram em seguida, liderados por Vireah. Seu longo cabelo rosa estava cuidadosamente arrumado no alto da cabeça, expondo o pescoço e os ombros. Escamas azul-petróleo formavam um vestido de armadura que descia até os tornozelos, intercaladas ocasionalmente por brilhantes gemas.

Atrás dos dragões, Riven caminhava lado a lado com sua irmã, Romii. Os dois eram marcantes com seus cabelos negros idênticos e olhos vermelhos. Os chifres de Riven se curvavam para trás e depois para cima, levemente para os lados, enquanto os de Romii se enrolavam para trás e para baixo, apontando para frente novamente, como os de um carneiro. Ambos vestiam trajes cinza-escuros e verdes, combinando com os dois membros de seu clã que vinham atrás. O basilisco que havia perdido o braço exibia orgulhosamente o toco cicatrizado com a manga cortada no ombro.

Zelyna liderava seus leviatãs em uma posição de destaque, logo antes do meu clã. A filha de Veruhn usava sua armadura de couro entalhada, complementada por escamas trançadas que desciam pelos ombros e pernas, usadas como um xale e uma saia. Invertendo a norma dos outros clãs, seus compatriotas estavam vestidos de forma mais chamativa, fazendo-a se destacar com sua vestimenta utilitária.

Finalmente, meu clã e eu adentramos o grande salão. Imediatamente avistei minha mãe. Ela estava em um pequeno espaço aberto, como se hesitasse em se aproximar demais dos poderosos asuras ao seu redor. 

Em seguida, localizei cada um dos outros grandes lordes, espalhados em meio às suas delegações. As outras raças estavam significativamente em menor número em relação aos dragões presentes. A plateia aplaudia educadamente conforme cada quarteto entrava, com Vireah e seus acompanhantes Indrath recebendo a maior atenção. Meu clã e eu recebemos uma resposta mais discreta, mas reconheci isso com apenas um pequeno fio de pensamento.

Ao meu lado, Ellie vestia um longo vestido prateado adornado com garnets e ametistas nos ombros, enquanto bordados púrpura desciam ao longo do tecido lembrando redemoinhos de éter. Era um presente dos alfaiates de Veruhn, e pude perceber o quanto Ellie adorou pela forma como continuava a olhar para si mesma, observando o movimento do tecido e os bordados brilhantes.

Sylvie usava um vestido de escamas similar ao de Vireah, mas em tons de prata e ametista. Ao lado dela, Chul parecia desconfortável em um gibão de couro dourado emprestado, fabricado com a pele de alguma besta de mana Epheotan, com bordados em fio vermelho.

Ainda acho injusto que eu não tenha ganhado uma roupa chique para a grande festa — reclamou Regis do fundo, onde caminhava ao lado de Boo.

Talvez quando você se tornar um garoto de verdade — provocou Sylvie, mantendo uma expressão séria enquanto a plateia aplaudia educadamente nossa entrada.

Minha própria vestimenta também tinha sido cuidadosamente confeccionada pelos leviatãs, um presente à minha espera após meu retorno da caçada. Agradeci que Veruhn me conhecia o suficiente para mantê-la simples: calças escuras e ajustadas contrastavam com um surpreendente gibão branco de mangas abertas, revelando um toque de cinza por baixo. Um cinto dourado grosso prendia-se à minha cintura, e um manto azul cobria meus ombros, quase tocando o chão.

Meu conjunto era completo pelo Gambito do Rei e por Realmheart, conjurando uma coroa na minha testa, em volta da qual flutuavam mechas claras do meu cabelo, e runas violetas brilhando sob meus olhos.

Vários outros fragmentos da minha consciência estavam atentos ao ambiente, principalmente às pessoas presentes e suas ações.

Charon chamou minha atenção primeiro, sua aparência rústica destacando-se contra o pano de fundo de asuras brilhantes e coloridos. Ele estava sozinho e me observava como um falcão. Vi Vajrakor também, profundamente engajado em uma conversa com Sarvash, do clã Matali, o dragão de cabelos escuros e barba que eu havia atingido após a batalha para recuperar Oludari Vritra das Assombrações.

Veruhn permanecia em uma conversa distraída com Morwenna, líder das hamadríades. Como sempre, ela estava rígida como uma estátua, parecendo esculpida em madeira. Os lordes Rai e Novis flanqueavam Radix, do Clã Grandus, que assistia aos basílicos e fênix marcharem pelo salão com uma expressão amarga.

Os clãs Aerind e Thyestes estavam notavelmente ausentes. Eu sabia que as sílfides não gostavam de se reunir em locais fechados e faziam de tudo para evitar esse tipo de encontro. Ademir, do Thyestes, por outro lado, estava profundamente em conflito com Kezess. Ficou claro que o desentendimento não havia sido resolvido durante minha ausência.

Naesia parou a cerca de seis metros do trono de Kezess, onde ele estava sentado, observando os festejos com seu olhar afiado de sempre. Seus olhos tinham um tom lavanda claro hoje, mas, fora isso, estava como sempre.

Os outros caçadores asuras se posicionaram ao lado das fênix, deixando um caminho aberto no centro para mim e meus companheiros. Preenchemos o espaço, então Chul e eu demos um passo à frente.

— Lorde Indrath — anunciei simplesmente. — Apresento-lhe o troféu de nossa caçada: uma besta lendária, cuja existência jamais foi registrada em Epheotus e jamais será vista novamente.

Kezess se levantou, com os olhos fixos no corpo cuidadosamente posicionado da pequena criatura. Chul avançou, aparentemente alheio à sua posição improvável naquela cerimônia, enquanto Kezess deu alguns passos lentos e calculados para longe do trono. Quando se encontraram, ambos pararam. A essa altura, Chul deveria se ajoelhar. Ele não o fez.

Depois de uma breve pausa, Kezess pareceu perceber essa pequena desobediência. Estendeu a mão, passando os dedos pela cauda semelhante ao de uma raposa. — Uma caçada gloriosa que será recontada inúmeras vezes, tenho certeza — declarou, sua voz ressoando em todos os cantos do vasto salão.

— Disseram-me que minha esposa prometeu um favor aos vencedores dessa caçada.

— Foi uma batalha que nenhum asura ou clã poderia ter vencido sozinho — respondi, igualando meu tom e volume ao de Kezess. — A vitória pertence a todos nós.

Naesia deu meio passo à frente, saindo da formação dos caçadores.

— O clã Avignis faz questão de garantir que a verdade seja conhecida. Essa vitória pertence ao Clã Leywin. Lorde Arthur derrotou essa fera quase sozinho, quando nossos esforços se mostraram inúteis.

Vireah foi a próxima a avançar.

— Qualquer favor que o Lorde do Clã Indrath decidir conceder deve ser dado aos arcontes, nossos recém-elevados irmãos e irmãs. Suas palavras foram ecoadas pelos demais asuras.

Kezess sorriu, parecendo incomumente animado.

— Uma grande caçada, orquestrada e realizada por alguns dos nossos jovens mais brilhantes, reunindo membros de cinco dos nossos grandes clãs. É com muito orgulho e respeito que os recebo, juntamente com seus clãs, em minha casa. Vocês demonstraram grande humildade, coragem e habilidade. Posso ver em seus rostos e na maneira como interagem que essa provação os aproximou ainda mais.

“Além disso, esta foi uma oportunidade para o Clã Leywin mostrar exatamente porquê foram elevados à sua nova posição, e está claro que eles tiveram sucesso. — Kezess fez uma pausa, e um murmúrio foi brevemente audível nas fileiras mais distantes da multidão. As vozes se calaram imediatamente, e, embora Kezess não tenha reagido externamente, não tive dúvida de que ele havia pausado apenas para permitir que essas vozes se destacassem, chamando indiretamente a atenção de qualquer detrator. — Por favor, comam, bebam e socializem. Caçadores, aproveitem a companhia uns dos outros nesses últimos momentos antes de retornarem às Casas de seus clãs.”

A atenção da multidão se dispersou, e os asuras, que por um momento pareceram homogêneos, dissolveram-se novamente em indivíduos e pequenos grupos. Riven deu um forte tapa nas minhas costas, enquanto Naesia apertava meu pulso antes de liderar as outras fênix até onde seu pai, Novis, a esperava com uma grande comitiva do Ninho Passo de Pluma.

Vireah abraçou minha irmã antes de fazer uma reverência respeitosa a Sylvie. Ela me lançou um olhar demorado e depois foi procurar sua mãe e companheiros de clã. Riven se inclinou contra mim e a observou partir. Em tom conspiratório, disse:

— Uma guerreira admirável, aquela. Acho que seria uma boa esposa. — Ele me cutucou. — Sabe, minha própria irmã, Romii, tem falado bastante de você ultimamente. Ela…

— Está ouvindo você — interrompeu Romii, empurrando Riven por trás. O basilisco riu, ergueu as mãos, me lançou uma piscadela e começou a se afastar.

O basilisco que havia perdido o braço, Ishan, juntou-se às risadas e segurou Romii com seu único braço. Seus olhos vermelhos brilhantes saltavam de um lado para o outro, evitando encontrar os meus.

— Vamos lá — dizia Ishan. — Vamos comer, beber e sair daqui. Mal posso esperar para passar os próximos dias relaxando com os curandeiros enquanto meu braço cresce de novo.

Os dois seguiram Riven na direção da delegação basilisco.

— A comida realmente parece incrível — resmungou Chul, dando um tapa no próprio estômago. — Venha, Regis. Banqueteie-se comigo.

O rabo de Regis balançou animado.

— Não precisa me dizer duas vezes. Fiquei com bastante apetite salvando sua bunda daquela fera.

Chul deu uma risada retumbante e chutou uma das patas dianteiras de Regis, fazendo-o tropeçar desajeitadamente. Regis respondeu mordiscando os tornozelos de Chul, atraindo olhares desconfiados de alguns dragões próximos.

— Seus companheiros parecem cada vez mais à vontade aqui — disse Zelyna. Ela foi a última de nosso grupo de caça a permanecer por perto. Lançando um olhar a Kezess, que agora conversava com um pequeno círculo de asuras de alto escalão, acrescentou em voz baixa: — Não se deixe enganar por uma falsa sensação de segurança. Inclinando levemente a cabeça, ela lançou um sorriso irônico à minha irmã e saiu do grande salão.

— Meu avô está com um humor estranhamente agradável hoje — pensou Sylvie. Ela apertou as mãos de Ellie, que olhava ao redor maravilhada. Minha irmã sorriu para meu vínculo. Em voz alta, Sylvie disse: — Venha, vamos ver sua mãe. Acho que nunca a vi parecer tão desconfortável.

Como se esperassem que eu ficasse sozinho, vários asuras — dragões, hamadríades e titãs — se aproximaram, inundando-me com elogios e perguntas sobre nossa caçada. Retirei a maior parte da minha mente fortalecida pelo Gambito do Rei para outras tarefas, respondendo aos asuras de forma educada, mas prática.

Nos dias que se seguiram à caçada, tive muito tempo para pensar. Tempo demais, segundo Sylvie e Regis. A própria caçada havia esclarecido vários detalhes importantes para mim, mas também aberto muitas outras perguntas sobre o futuro de Epheotus e de seu povo. Comecei a me sentir como o centro gravitacional de uma vasta galáxia de decisões a serem tomadas, cada uma girando ao meu redor e entrando e saindo do meu foco.

Depois de várias rodadas de cumprimentos e asuras curiosos vindo me observar, um rosto familiar se aproximou.

— Sarvash, do clã Matali — anunciei, estendendo a mão em um gesto de boa vontade. Não havíamos nos separado nas melhores condições da última vez.

O dragão me lançou um olhar severo enquanto apertava minha mão.

— Lorde Arconte, eu… — Ele hesitou. Depois de retirar a mão, cruzou os braços e bufou. — Não disse que você nunca seria um asura, por mais que fingisse? Que tolo fui, não é mesmo?!. O clã Intharah há muito mantém laços estreitos com o clã Matali, e o relato da jovem Vireah sobre sua caçada já circula entre nós. Fui desdenhoso de suas habilidades após nossa batalha contra as Assombrações. Peço desculpas por isso.

— Não é necessário — respondi com sinceridade. Pensei em pedir desculpas por tê-lo golpeado, mas, dada a diferença em nossas posições atuais, optei por não fazê-lo. — Foi um momento tenso. Você perdeu um membro da sua família. Eu conheço essa dor.

Ficamos ambos em silêncio, pensativos. Após vários segundos, Sarvash pigarreou.

— Não tomarei mais seu tempo, Lorde Arconte. — Com um aceno, ele se retirou para a multidão, retornando ao seu povo.

— É bom ver que vocês estão se dando bem.

Ao olhar de soslaio, vi Kezess parado bem ao meu lado.

— Não há razão para fazer inimigos onde aliados podem ser facilmente encontrados — respondi, deixando meu olhar saltar para Morwenna, Radix, Charon e Myre. Meu olhar se fixou em Myre, que circulava pela borda externa do salão, falando com todos que encontrava. Em sua forma mais jovem, ela era encantadora, e fui desfavoravelmente lembrado de histórias da minha juventude, aquelas sobre bruxas enfeitiçando aldeões e crianças de mente fraca.

Um lampejo de aborrecimento passou pelo rosto de Kezess.

— Então, você conquistou um favor. — Ele começou a andar, claramente esperando que eu o acompanhasse. Eu já havia pensado em como essa conversa se desenrolaria e estava ansioso por ela, então me pus a caminhar ao seu lado. — O que Arthur Leywin, lorde da raça arconte, pediria a mim? Garantias para o destino de Dicathen, talvez, ou quem sabe uma promessa de não ferir seu amigo Chul ou qualquer um de seus parentes traidores.

Ele me lançou um olhar, mas se esperava me chocar, passou longe disso. Eu sabia que ele reconheceria Chul pelo que ele era imediatamente, mas o fato de Chul não ter sido capturado ao entrar em Epheotus significava que isso era improvável agora. Além disso, o Caminho da Percepção já havia revelado a sobrevivência de Mordain e seu clã em Dicathen.

Seja qual fosse seu propósito, Kezess ao menos teve a decência de não parecer desapontado.

— Ou talvez você queira minha permissão para propor casamento a alguma das jovens e adoráveis asuras que participaram desta caçada. Tenho certeza de que Novis e Rai têm pressionado bastante para que você veja o sentido de uma aliança assim.

Eu ri.

— Você não foi exatamente sutil ao enviar Vireah na minha direção.

Kezess me lançou um sorriso raro, seus olhos lavanda se enrugando nos cantos.

— Temos que manter as aparências, não é mesmo

Eu parei e olhei ao redor, avaliando meu momento. Os outros lordes dos grandes clãs haviam se sentado a uma mesa afastada, parecendo imersos em alguma conversa privada. O restante dos asuras presentes mantinha uma distância respeitosa daquela mesa.

— A verdade é que… — comecei, desviando levemente nosso curso para nos aproximarmos dos outros grandes lordes — não preciso pedir nenhuma dessas coisas a você. Eu sou minha própria garantia de que os… eventos do passado não se repetirão em Dicathen. O mesmo pode ser dito sobre a segurança de Chul. — Falei em um volume normal, mas projetei minha voz de forma que sabia que Veruhn e os outros ouviriam. — Não preciso do seu favor, Kezess.

Parei de andar, estrategicamente posicionando uma coluna entre Kezess e os outros lordes. Radix me observava abertamente, enquanto Morwenna lançava olhares nervosos para a coluna que escondia seu lorde. Os demais fingiam não estar ouvindo.

— Entendo — respondeu Kezess suavemente. Seus olhos escureceram para um tom de ameixa, e o ar ao seu redor ficou pesado. — Que pena. Pensei que talvez nossos clãs estivessem se aproximando. Admito estar desapontado por ser provado o contrário.

— Você quer dizer que está desapontado por perder mais uma oportunidade de tentar me tornar dependente de você — retruquei. Não havia desrespeito ou rancor na minha voz, apenas a constatação de um fato. — Como se a marca que você deixou em mim não fosse suficiente para garantir minha adesão ao nosso acordo. — Isso era um risco, pois chamava a atenção de Kezess para o vínculo etéreo que ele havia colocado em mim quando concordei em seguir o Caminho da Percepção por ele, vínculo esse que quebrei e substituí com meu próprio éter. — Mas isso não significa que devamos perder uma oportunidade de construir confiança entre nós.

As sobrancelhas de Kezess se franziram, e ele ajustou o punho da manga de sua jaqueta.

— Um tom estranho para adotar se esse é seu objetivo declarado, Arthur.

Inclinei a cabeça levemente, tomando cuidado para não olhar para nossos ouvintes indiscretos.

— Só estou tentando ser claro, Kezess. Porque, se formos ser pares, a confiança deve ir nos dois sentidos. Recuso-me a aceitar mais de você agora, mas estou disposto a lhe dar algo.

Seus olhos se estreitaram suspeitosamente enquanto buscavam os meus, então se arregalaram de repente, num lampejo de compreensão. Ele se endireitou e ajustou o casaco.

— E o que você tem a me oferecer que teria algum valor? — perguntou, embora já soubesse a resposta.

Foi depois da nossa caçada, enquanto observava os outros se recuperarem e se curarem, que a decisão se formou em minha mente. Conversas com os jovens asuras haviam iniciado o raciocínio, e a visão compartilhada com Sylvie me forçou a uma nova perspectiva, mas, no fim, foi minha camaradagem com os caçadores e meu conhecimento sobre o que deveria acontecer com suas casas e seus povos, que me fez reconsiderar minha resposta inicial a Kezess.

— Eu lhe darei a Pérola de Luto para curar Agrona.

Veruhn tossiu e engasgou com a bebida.

Sorrindo com ironia, Kezess deu um passo à frente, forçando-me a recuar ou deixá-lo pisar no meu pé. Ele encarou os outros grandes lordes. Morwenna abaixou o olhar, parecendo quase desapontada consigo mesma. Rai e Novis fizeram questão de beber profundamente de seus elaborados cálices. Radix não olhava para Kezess, mas sim para Veruhn, que precisou cobrir a boca com um lenço enquanto lutava para recuperar o fôlego.

Kezess não fez nenhum esforço para disfarçar seu sorriso de escárnio.

— Bem jogado, Arthur — disse ele.

Se Kezess realmente pudesse curar Agrona, então ele não apenas faria o Alto Soberano enfrentar julgamento e punição, trazendo um desfecho para o povo de Epheotus, mas também ajudaria esses jovens asuras a entenderem seu próprio passado e como ele se conecta ao meu mundo. Com esse entendimento, eu esperava começar um caminho para que acreditassem no futuro que eu precisava que eles não apenas vissem, mas desejassem.

— Faremos isso imediatamente, enquanto tantos de nós ainda estamos em meu castelo — disse Kezess, após refletir um pouco. — Vá. Misture-se. Procure os aliados que você diz querer. Eu o chamarei quando for a hora.

Com isso, ele girou e saiu do salão, suas mangas esvoaçando e seus passos estrondosos. Houve uma pausa enquanto todos pararam para vê-lo partir. Muitos olhares que o seguiam se voltaram para mim assim que ele saiu.

— Então… nós vencemos? Parece que vencemos, mas não estamos dando ao Kezess exatamente o que ele quer? — Regis perguntou em minha mente.

Sylvie cruzou o olhar comigo do outro lado da sala.

Arthur não apenas se colocou em uma posição de recusar publicamente um favor de Kezess, como também virou a mesa, deixando claro para os outros lordes que Kezess depende de Arthur agora. — Ela pausou, erguendo uma sobrancelha significativamente. — Uma manobra que você disse que seria cuidadoso ao executar.

Fui extremamente cuidadoso — pensei, olhando para Veruhn e o resto de meus colegas. Morwenna estava de pé e se preparava para sair. Radix reclinou-se, com os braços cruzados sobre o peito largo, encarando um prato de comida pela metade. Rai e Novis estavam com as cabeças próximas, sussurrando apressadamente um para o outro.

Veruhn, após recuperar-se do ataque de tosse, afastou-se dos outros e ficou de pé. Esperei que ele se aproximasse, e ele o fez.

— Você se lembra do que eu disse? — A pergunta foi simples, direta.

— Sim — respondi.

O leviatã ancião assentiu, seus olhos vítreos vagando pela sala. Depois de pausar por vários segundos, ele se afastou sem dizer uma palavra, indo até sua filha e os outros leviatãs.

Localizei minha mãe e atravessei o salão em sua direção, evitando várias tentativas de iniciar conversas ao longo do caminho.

Ela sorriu para mim.

— Arthur. Art. Você se destaca bastante mesmo entre todos esses deuses. 

Minha irmã, ao lado de mamãe, se virou e disse:

— Com certeza somos os arcontes mais bonitos da festa!

Mamãe revirou os olhos, mas não conseguiu conter o sorriso.

— Estou orgulhosa de você, sabia? E, Rey… seu pai também estaria, se estivesse aqui.

Ellie fez um som entre uma risada, um soluço e um choro. — Ele não acreditaria em nada disso.

Mamãe balançou a cabeça.

— Na verdade, acho que ele não ficaria nem um pouco surpreso. Ele sempre acreditou que o filho dele poderia fazer qualquer coisa.

Cocei a nuca, compartilhando o sorriso melancólico delas.

— Ele diria algo como: “Sempre soube que você acabaria se tornando uma divindade, meu garoto.” E então me desafiaria para uma luta ou um duelo, bem aqui no meio do salão

Rimos juntos e começamos a conversar casualmente, relembrando histórias antigas e imaginando o estado das coisas em casa. Outras pessoas entravam e saíam da conversa, mas meu foco estava no que viria após o fim da celebração. Como se minha atenção acelerasse sua chegada, logo as pessoas começaram a se despedir e sair, e o salão foi ficando vazio.

Pareceu que mal tinha se passado tempo algum quando Morwenna do clã Mapellia retornou. Seus olhos amarelos como manteiga me encontraram do outro lado do grande salão, e ela se aproximou rigidamente.

— Lorde Indrath está pronto para você. — Os outros grandes lordes já haviam partido.

Mamãe e Ellie me olharam surpresas, mas afastei qualquer preocupação que pudessem ter com um gesto.

— Ficaremos no castelo por enquanto. Sylvie irá organizar tudo com a equipe. — Depois de dar um beijo rápido na bochecha de mamãe e bagunçar o cabelo de Ellie, fiz um gesto para que Morwenna me guiasse.

Regis apressou-se em me alcançar. Em vez de causar uma cena ao andar ao meu lado, ele se dissolveu em meu corpo. Sylvie e Chul ficaram para trás.

Morwenna nos levou para fora do grande salão, por uma série de corredores, descendo várias escadas, até chegar a um trecho vazio de parede árida. A alta hamadríade acenou com uma mão coberta de casca, e um portal apareceu na pedra. Ela se afastou, e eu passei por ele.

Estava de volta ao corredor de pedra simples que levava à cela de Agrona.

Morwenna apareceu ao meu lado e seguiu pelo corredor. Antes, havia paredes sólidas de ambos os lados. Agora, uma única porta marcava o local onde a cela de Agrona ficava. Morwenna deu uma batida firme, e a porta se abriu para dentro.

A cela havia se expandido bastante desde a última vez em que estive lá. Agora, ela era grande o suficiente para acomodar facilmente Novis, Rai, Radix e Kezess, enquanto ainda deixava espaço para Agrona, que flutuava em um feixe de luz de um lado da câmara. Morwenna se juntou aos outros, e todos me observavam com atenção. Cada um dos lordes asuras exibia uma expressão única, mas esses poderosos seres não conseguiam esconder completamente a preocupação que os ligava.

Veruhn estava notavelmente ausente. Enquanto olhava para Agrona, me lembrei das palavras de Veruhn, sua profecia, sobre as pérolas de luto que me deu.

“Três partes do seu ser. Três limites para sua transcendência. Três vidas ligadas a você por obrigação. Você é o coração do redemoinho. Ao seu redor, o caos. Em seu rastro, a destruição.”

Suas palavras não inspiravam exatamente confiança, mas mesmo com o Gambito do Rei, optei por não me sobrecarregar dissecando os significados dessa “profecia”. Não que eu duvidasse desses ecos que Veruhn viu nas ondas ricas em éter do mar da fronteira, mas eu tinha experiência mais do que suficiente com as tentações e perigos da previsão.

Kezess estendeu a mão. Alcancei o espaço extradimensional conectado às runas em meu braço e retirei a pequena pérola azul. Antes de entregá-la, girei-a nos dedos, observando o líquido dentro dela se mover. Vários segundos se passaram. As sobrancelhas de Kezess se franziram ligeiramente. Contendo qualquer arrependimento ou dúvida, coloquei a pérola em sua palma.

Kezess a pegou com firmeza, mas com cuidado, e não perdeu tempo. Aproximou-se de Agrona, que ainda flutuava deitado, e abriu sua camisa suja e rasgada com um movimento da mão. Kezess não se deu ao trabalho de usar uma faca, apenas passou o dedo pelo peito de Agrona, e a pele se abriu. Carne e osso se separaram, revelando o grosso caroço negro que era o núcleo de Agrona.

Habilmente, Kezess inseriu a pérola de luto e então se afastou.

Nada aconteceu de imediato. Morwenna se moveu um pouco, depois se forçou a ficar parada. Vi Rai, Radix e Novis trocando olhares.

A ferida começou a brilhar.

Assim como aconteceu com Chul e depois com Tessia, mana começou a jorrar, um verdadeiro mar dela. A cela foi banhada em luz, e a carne de Agrona se regenerou rapidamente. A mana brilhava através de sua pele, crescendo cada vez mais forte até ele se tornar praticamente uma silhueta branca.

Algo estava acontecendo. Isso parecia diferente das vezes anteriores.

Regis se arrepiou dentro de mim.

Os outros lordes deram um passo para trás. Até Kezess se mexeu, seus olhos púrpuras tempestuosos fixos em Agrona.

— Seus chifres… — Novis falou quase num sussurro.

Meu olhar se fixou nos chifres de basilisco, semelhantes a galhadas que se espalhavam no topo de sua cabeça. Eles estavam encolhendo, os espinhos se retraindo, os troncos centrais ficando mais grossos. Sua estrutura se alargou, e ele parecia crescer, ficando alguns centímetros mais alto. Suas feições estavam mudando, mas, através da luz, era difícil distinguir os detalhes.

— Isso não está curando, está transformando ele — disse Morwenna, lançando-me um olhar desconfiado.

A luz e a onda de mana começaram a desaparecer. Os detalhes começaram a se tornar mais claros.

O rosto antes afiado agora estava largo e achatado. Os olhos vermelhos, como coágulos de sangue, piscavam rapidamente. Um rosto desconhecido olhava ao redor da sala, sonolento e lutando para focar.

— Esse tipo de fusão das artes de mana… — O rosto de Radix se contorceu em uma mistura de interesse e descrença. — Quem… 

Kezess estava com os olhos fixos no Vritra, seus punhos cerrados, os nós dos dedos brancos.

— Quem é esse? — perguntei, sentindo-me de repente como o único que não sabia o segredo.

Rai me pegou pelo braço e me puxou um passo para trás.

— Este não é Agrona. É Khaernos Vritra.

 


 

Tradução: NERO_SL

Revisão: ***

 

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