— Ela vai ser incrível — falei, sorrindo. Meus dedos deslizaram pelas folhas macias de uma muda quase tão alta quanto eu. — Varay já era poderosa, mas agora, vendo como ela alcança a mana… — Virei-me para meu avô. Sabia que estava me empolgando, mas não conseguia evitar. — Ela dominou sua Integração com tanta dignidade.
Vovô Virion riu enquanto despejava água de um regador em uma muda recém-plantada.
— Fico feliz em saber que ela está bem de saúde. A primeira pessoa a experimentar a Integração na memória de nossa era moderna…
Como ele evitou mencionar Cecilia, segui seu exemplo.
— Varay se recuperou bem, sim — continuou ele. Parece que a experiência quebrou um pouco o gelo da personalidade dela também. Ela parece ter descoberto um certo gosto por doces durante a recuperação. — Soltei uma risada ao me lembrar de ver a estóica Lança com açúcar de confeiteiro nos lábios. — Ela te dá esperança.
Senti um aperto, como uma lâmina entalhada sendo puxada de sua bainha.
— Acho que não tinha pensado nisso assim, mas sim. — Meu olhar voltou-se para as plantas. Peguei meu próprio regador e continuei a umedecer a terra arada onde elas cresciam. — Agora, parece que Art é tudo o que se coloca entre nós e a crueldade dos asura. Sei que Varay não é tão poderosa quanto, mas vê-la se esforçar tanto para melhorar, mesmo no nível dela, me faz sentir mais confiante sobre nossas chances.
Virion pousou seu regador e podou alguns galhos fracos das mudas maiores. Quando terminou, ficou de pé, com as mãos nos quadris, e olhou para o arboreto com orgulho.
— O solo é tão potente quanto Arthur descreveu. Imagine o crescimento dessas árvores com uma ventilação e luz solar adequadas. — Sorrindo, ele fixou sua atenção em mim. — Sabe que eu não estava falando do futuro, Tessia. Estava falando sobre o seu futuro.
Mordi o lábio enquanto ele se aproximava de mim. Suas mãos pousaram levemente em meus ombros, e ele olhou fundo em meus olhos.
— Está tudo bem, pequena. Você não precisa se sentir culpada. Você experimentou o poder, um verdadeiro poder, e o quer de volta para estar ao lado de Arthur e não atrás dele. Não há vergonha nisso.
Minha garganta apertou. Inclinei-me para frente e envolvi meus braços ao redor de Vovô Virion, descansando a cabeça em seu peito.
— Como você sabe o que estou pensando quando nem eu sei?
Ele riu.
— Você nunca conseguiu esconder nada de mim. Assim como essas mudas, eu te vi crescer a partir de uma pequena semente. Estive lá para cada sucesso e cada erro. Você é o melhor de sua mãe e de seu pai, e o coração que bate dentro do meu peito. Como eu não saberia o que você pensa?
— Eu te amo, Vovô — disse, sem fôlego, com as bochechas molhadas de lágrimas.
Ele acariciou minha cabeça, como fazia quando eu era criança.
— E eu te amo, Tessia. — Limpando a garganta, ele segurou meus braços e nos afastou um passo. — Agora, já caminhamos por entre esses espinhos emocionais o suficiente. Temos trabalho a fazer. Precisamos…
Ele se calou, virando-se para a entrada. Alguns segundos depois, Bairon entrou voando na caverna e pousou logo além da borda do arboreto. A Lança humana não diminuiu a velocidade para nos cumprimentar.
— Há notícias de Alacrya. Os lordes anões convocaram um conselho, e eles querem que você compareça.
Virion deu um meio sorriso sério para a Lança.
— Quer dizer que exigem minha presença. Com a guerra aparentemente acabada de vez, os anões estão mais audaciosos… e inquietos… com os elfos que restaram.
Bairon assentiu, passando a mão pelos cabelos loiros e sedosos.
— O sentimento que levou ao ataque aos alacryanos não desapareceu completamente. Mesmo que você não fosse requisitado no conselho, Virion, temo que é necessário. Como uma voz da razão.
Suspirando, Virion sacudiu a poeira de suas roupas e começou a caminhar em direção a Bairon. Ele parou após apenas alguns passos e olhou de volta para mim.
— Poderia escolher alguns espécimes para nossa próxima transferência para Elenoir? Saria Triscan está ansiosa para começar outro bosque.
— Na verdade, prefiro ir com você — respondi. — Depois da minha recente visita a Etistin, bem, eu gostaria de estar mais envolvida. — Tirando minhas luvas de couro, as joguei ao lado das outras ferramentas, conjurei uma rajada de vento para limpar a poeira que ainda cobria a mim e o vovô, e olhei para ele, esperando.
Eu sabia que ele não recusaria meu pedido. Ele vinha me incentivando gentilmente a sair da caverna e me envolver mais, o que foi em grande parte o motivo pelo qual eu tinha ido a Etistin.
Meu avô sorriu e fez sinal para Bairon nos guiar.
Virion já estava me atualizando sobre as políticas de Vildorial, Darv e Dicathen como um todo. Os anões respeitavam meu avô, mas ressentem-se da insistência de Arthur para que Virion atuasse como comandante das defesas de Darv nas semanas finais da guerra. A nação anã ainda estava gravemente fragmentada após a traição dos Greysunder e o subsequente conflito civil, e tanto os lordes anões quanto o povo ansiavam por uma liderança de dentro de sua própria raça.
O problema de como lidar com os elfos e alacryanos — um “problema” que só existia na câmara do conselho, pois quase todos os refugiados elfos haviam deixado Vildorial antes do ataque final de Alacrya, e os próprios alacryanos tinham sido mandados de volta para casa — continuava dividindo os anões.
Encontramos a câmara do conselho já ressoando com vozes elevadas. Durgar Silvershale, que havia assumido o lugar de seu pai enquanto Daglun se recuperava dos ferimentos, estava de pé e apontava o dedo para o rosto de Lorde Earthborn.
— …acima e além por esses assassinos! Isso não é da nossa conta.
Skarn Earthborn, o primo carrancudo de Mica, estava guardando a porta. Ele deu um passo à frente com a mão sobre sua arma.
Eu não conhecia os Silvershale, mas tinha lutado ao lado de Skarn e seu irmão, Hornfels, em Elenoir antes de ser capturada. Coloquei minha mão sobre a dele. Ele lançou um olhar ameaçador para Durgar, mas manteve sua posição.
— Amigos — disse Virion, alto o suficiente para cortar a discussão.
A câmara, o interior de um geodo maciço que refletia um caleidoscópio de cores, ficou em silêncio. Durgar endireitou sua túnica e voltou ao seu assento. Carnelian Earthborn observou Durgar cuidadosamente, então fez um gesto de boas-vindas para o vovô e para mim.
Uma mulher estava de pé na cabeceira da mesa onde os outros se sentavam. Vendo de costas, ela tinha longos cabelos vermelhos como fogo. Estava vestida de maneira simples, com trajes de viagem. Ao som da voz de Virion, ela se virou.
Meu coração parou.
Estava comprimida entre corpos. Tão apertada que me mantinham de pé mesmo enquanto eu lutava para respirar. Uma voz melosa, ressoando pela praça da cidade. Pilares de pedra erguidos bem alto. Cabelos vermelhos esvoaçando como chamas dançantes enquanto aquele mesmo rosto olhava para nós…
Ao redor dela, corpos. Corpos em pontas de metal preto.
Blaine e Priscilla Glayder e…meus pais.
Olhei nos olhos da mulher que havia desfilado os corpos dos meus pais por Dicathen enquanto proclamava a divindade de Agrona.
Virion estava falando. Ele deu um passo à frente, pegou a mão da mulher. Ela respondeu, o tom meloso de sua voz tornando-se fino, quase desesperado.
Ele não sabia? Eu queria afastar suas mãos das dela, para… para…
Claro que ele sabe, respondi a mim mesmo.
Eu conhecia o papel de Lyra Dreide na guerra, tanto antes quanto depois de ceder a regência de Dicathen a Arthur. Ela havia feito muito bem a Dicathen, por todos os relatos.
As palavras que eles trocaram finalmente ganharam significado em meus ouvidos.
— Lyra Dreide. Você percorreu um longo caminho, e tão pouco tempo após partir. Do que se trata tudo isso?
— Virion. Fico feliz que esteja aqui. Por favor, Seris precisa da sua ajuda.
Carnelian Earthborn grunhiu.
— Estávamos justamente discutindo nossa resposta antes de você chegar, Virion.
— O que está pedindo para que façamos? — Vovô perguntou à mulher.
Lyra balançava a cabeça, os cabelos vermelhos como uma bandeira em chamas.
— A explosão quase matou Seris e Cylrit, mas não foi direcionada a eles. Pelo que sabemos, matou a Foice Dragoth Vritra e muitos outros.
Lança Mica estalou a língua, de braços cruzados ao lado do pai, com o rosto franzido em descontentamento. Ela estava parada ao lado do pai, com os braços cruzados e o rosto franzido.
— Nós deixamos seu povo voltar para casa contra nosso melhor julgamento — interveio Durgar, meio que se levantando novamente. — Agora eles imploram por ajuda porque acham seu lar inóspito. Têm sorte de não marcharmos direto por aqueles portais e…
— Você não tem esse tipo de autoridade, garoto — gritou uma anã, batendo a mão na mesa.
— Por favor, senhores. — A voz do Vovô ecoou nos cristais coloridos, e os lordes anões silenciaram. Ele fez sinal para Lyra continuar.
— Lady Caera Denoir esperava que sua mensagem chegasse a Vildorial antes que Arthur partisse — disse Lyra, com um tom de amargura. — Ele precisa saber o que está acontecendo.
— Perfeito, que o regente cuide disso — disse Daymor, o mais jovem do clã Silvershale, fingindo limpar as mãos da sujeira.
Carnelian ponderou em um murmúrio.
— Estou inclinado a concordar. — Virando-se para Virion, ele acrescentou: — Sabe como podemos enviar uma mensagem ao Regente Leywin?
— Temos um asura aqui na cidade — disse a Lança Mica, apontando para o chão. Ela falava de Wren Kain, é claro. — Se alguém pode ir a Epheotus para entregar uma mensagem, é ele.
Com permissão, Durgar enviou um mensageiro para buscar o asura, e duas cadeiras foram colocadas à mesa para Vovô e para mim. Bairon permaneceu atrás de Virion, enquanto Lyra ficou de pé na cabeceira da mesa.
O choque de vê-la diminuiu lentamente enquanto os lordes, Virion e Lyra conversavam. Acompanhei o diálogo em um estado quase automático, ouvindo sem absorver. No silêncio desconfortável que se instalou no Salão dos Lordes, minha mente girava em um turbilhão lento de pensamentos confusos.
O asura chegou mais rápido do que eu esperava. Embora eu tivesse ouvido que ele preferia flutuar em um assento conjurado, como um trono, ele entrou no Salão dos Lordes caminhando, cruzando sem hesitar as pedras flutuantes que levavam até a grande mesa.
Sem rodeios, ele colocou as mãos sobre a mesa, inclinou-se para frente e disse simplesmente:
— O quê?
— Precisamos enviar uma mensagem para Arthur — respondeu meu avô. — Pode nos ajudar?
— Não. — Wren Kain endireitou-se, girou nos calcanhares e marchou para sair.
— Por favor, Lorde Kain — implorou Lyra, dando alguns passos incertos atrás do asura. — É literalmente uma questão de vida ou morte.
Wren Kain parou e olhou para trás por sobre o ombro.
Se não fosse pela pressão incrível da assinatura de mana dele, eu não pensaria muito do homem só de olhar para ele. Desleixado e encurvado, ele dificilmente era a imagem de um poder inimaginável. No entanto, quando seu olhar passou por mim, senti os pelos do meu pescoço ficarem de pé e arrepios tomarem minha pele.
— Aldir tinha os recursos para viajar entre Epheotus e o seu mundo. Eu não. — As palavras de Wren Kain foram ditas claramente, mas prenderam a sala como se estivessem sufocando.
Engoli seco, considerando se deveria fazer a pergunta que surgiu em minha mente. Afinal, eu era uma das poucas pessoas que sabia que Wren Kain não era o único asura em Dicathen. Embora Cecilia estivesse desaparecida, eu ainda me lembrava de ter seguido Mordain Asclepius até o Santuário.
— E quanto a… Chul? — perguntei, evitando mencionar o nome de Mordain na frente de tantos. Todos ali conheciam Chul, mesmo que não soubessem de sua verdadeira identidade como uma fênix, mas não estavam cientes do conclave secreto de asuras sob a Clareira das Bestas
As sobrancelhas espessas de Wren se ergueram.
— Talvez. Não posso dizer com certeza. Você teria que perguntar…a Chul.
Os anões, Bairon e Vovô olhavam para mim, esperando. Mesmo os anões que não eram hostis aos alacryanos pareciam ansiosos para ver alguém assumir a responsabilidade pela situação. Virion mantinha uma expressão neutra, mas eu o conhecia bem o suficiente para ver seu incentivo.
Lyra Dreide olhava de um para o outro, confusa.
— Chul? Mas por que… — Seus olhos se arregalaram, e vi a compreensão nascer neles. Para Wren, ela disse: — Não pode enviar uma mensagem ou procurá-lo em nosso nome? Não temos para onde mais recorrer, Mestre Kain.
O asura se virou totalmente para nós. Seus olhos, intensamente brilhantes, e os dentes cerrados faziam com que os músculos de seu rosto se contraíssem e relaxassem.
— Tudo bem. Não prometo que vá adiantar alguma coisa. — Seus olhos estreitaram ao mirar Durgar Silvershale. — Se vocês interferirem no programa das Armaduras Quimera, haverá um preço a pagar quando eu voltar.
Os Silvershale e seus aliados no conselho empalideceram com a ameaça, oscilando entre raiva e medo.
— Embora este conselho continue a acreditar que temos o direito de opinar no uso das armaduras, é uma conversa para outro dia — disse Carnelian, com a voz ainda mais rouca que o habitual.
Wren Kain assentiu, e havia uma finalidade terrível naquele pequeno gesto.
— Então me dê sua mensagem.
— Eu vou lhe contar tudo no caminho — disse Lyra, sua postura mais firme, parte do nervosismo dissipado. Ela virou-se brevemente para o conselho e fez uma reverência leve. — Obrigada pela assistência — disse, dando ênfase mordaz à última palavra.
Wren Kain deu de ombros para as palavras de Lyra e fez um gesto de despedida com a mão antes de começar a sair novamente.
Levantei-me de repente e disse:
— Gostaria de ir com vocês. Se vamos pedir… — Hesitei, ciente de que ainda tínhamos um público. — Se vamos pedir ajuda, é importante que um representante de Dicathen esteja presente.
— Mas o que esse tal de Chul tem a ver com a história? — perguntou Daymor Silversale, e outros anões ecoaram a pergunta.
Voltando-se para mim, Wren acrescentou:
— E então? Venha, não temos o dia todo.
Apertei a mão do vovô.
— Voltarei logo.
— Talvez dê uma olhada em Saria e nas nossas plantações de teste enquanto estiver por lá — respondeu ele, piscando.
Houve uma breve discussão sobre enviar um representante dos anões, motivada por Durgar questionando minha autoridade para representar Dicathen de forma oficial. Apenas Lança Mica se voluntariou, mas o conselho rapidamente a proibiu de partir, e a discussão se encerrou.
Wren Kain e Lyra Dreide me deram tempo suficiente para buscar meus pertences, e logo partimos em direção à superfície. O asura voava em seu assento conjurado, enquanto Lyra e eu nos esforçávamos para acompanhá-lo.
Sob o sol escaldante do deserto, a areia sob nossos pés se transformou no convés de um pequeno navio de pedra. Abaixei-me, tocando a superfície e fiquei impressionada ao perceber que era indistinguível da madeira que imitava. Lyra segurou o mastro enquanto o navio subia no ar, e então estávamos voando pelo deserto em uma velocidade que até mesmo as Lanças teriam dificuldade em acompanhar.
Wren ficou na proa, observando a paisagem desaparecer abaixo de nós.
— Parece que ele nem precisa se concentrar — disse Lyra em voz baixa, quase inaudível sobre o barulho do vento. Ela soltou o mastro e foi até a borda, na qual se agarrou com força enquanto olhava para o chão do deserto lá embaixo.
Não respondi. Quando ela falou, tudo o que ouvi foi sua voz untuosa anunciando a morte de meus pais…
— Eu… sei quem você é — disse ela após uma pausa desconfortavelmente longa.
Encostei-me na amurada e respirei fundo, vendo as montanhas se aproximarem rapidamente.
— Você deve me odiar, e não te culpo por isso. Sob Agrona, eu fui avidamente cruel. Sinceramente, nunca considerei outro modo de ser. Mas o medo e a esperança são motivadores poderosos, e o Regente Leywin me deu muitos motivos para sentir ambos.
Ao ouvir o nome de Arthur, finalmente olhei para ela. Olhei de verdade para ela. Embora fosse o mesmo rosto que nos olhava de cima ao lado dos corpos dos meus pais — os mesmos olhos vermelho-claros e os cabelos flamejantes —, não era a mesma mulher.
E, para minha surpresa, percebi que não a odiava.
Eu havia experimentado exatamente o que Agrona era capaz de fazer. Só quem já estivera sob o efeito de sua magia manipuladora poderia realmente entender. Mesmo que ele nunca tivesse arrastado suas garras venenosas pela mente de Lyra Dreide, a influência que ele exercia sobre cada alacryano não poderia ser subestimada. Isso só tornava as pessoas que lutaram contra ele ainda mais corajosas…
Afastei o cabelo do rosto e forcei um sorriso.
— Arthur é bom nisso. Eu ainda estou… tentando seguir seu exemplo. Não vou guardar rancor de você.
As sobrancelhas de Lyra subiram até desaparecerem sob o cabelo, que se agitava ao vento.
— Sério? Desculpe, não quero questionar. É só que… às vezes me esqueço.
Inclinei a cabeça, sem entender direito o que ela quis dizer.
Um sorriso irônico apareceu em seus lábios.
— O quão…gentis vocês, Dicathianos, podem ser. — Endireitando-se, ela entrelaçou seu braço no meu e me puxou em direção à porta da cabine. — Vamos. Por que não saímos desse vento? Quero saber mais sobre você, Tessia Eralith.
Confusa, deixei que ela me guiasse.
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A jornada até as Clareiras das Bestas foi incrivelmente curta. Duas vezes, Wren Kain defendeu nosso navio de feras mágicas voadoras, mas a maioria das criaturas se mantinha afastada apenas com sua aura. Quando chegamos ao nosso destino, ele não pousou o navio. Em vez disso, ele se dissolveu sob nossos pés. Ficamos sobre pequenos discos de pedra, flutuando suavemente até o chão, enquanto Wren descia em seu trono flutuante.
Memórias de Cecilia rastreando Mordain e Chul até o Santuário passaram rapidamente pela minha mente, e a culpa me apertou o estômago.
Isso não fui eu, lembrei a mim mesma.
Wren nos conduziu por um desfiladeiro profundo que levava a uma das muitas masmorras espalhadas pelas Clareiras das Bestas. Lá dentro, encontramos as bestas mortas. Wren nos envolveu em uma barreira de mana e avançou à frente, enquanto Lyra e eu corríamos para acompanhá-lo. Tecnicamente, eu poderia voar, mas meu controle ainda era imperfeito; não queria ficar ricocheteando nas paredes como um pássaro frenético tentando seguir o asura.
Embora eu, ou melhor, Cecilia, não tivesse entrado nesta masmorra, ainda reconheci sua estrutura. Quando chegamos às grandes portas negras que levavam ao Santuário, Wren finalmente reduziu a velocidade.
As portas, esculpidas em madeira negra e imbuídas de mana, tinham a imagem de uma fênix de asas abertas gravada e eram adornadas com metal que brilhava em um tom laranja sob qualquer luz. Wren bateu impacientemente.
As portas se abriram sem demora, revelando um homem musculoso com mais de dois metros de altura. Ao seu lado, uma fera mágica semelhante a um urso — que me lembrou Boo, só que muito maior — nos observava com olhos escuros e penetrantes, emitindo um rosnado baixo.
— Wren Kain IV — disse o gigante, sua voz profunda reverberando em meus ossos. Ele era claramente um asura, mas não tinha certeza de sua raça. Havia um toque metálico em sua assinatura de mana que me lembrava a de Wren, o que me levou a pensar que ele talvez fosse um titã. — Esta é uma visita inesperada.
Wren bufou.
— Poderia ter me enganado. O tapete vermelho estava praticamente estendido. Por que a masmorra está limpa, Evascir?
O outro asura inclinou a cabeça careca ligeiramente.
— Mordain está mais atento que o usual ao mundo exterior. Os batedores precisam de passagem livre.
Wren franziu o cenho, mas não comentou sobre o que Evascir disse.
— Bah. Vai nos convidar para entrar ou devemos esperar que essa masmorra devore a mana dos flagelos e os ressuscite novamente?
O gigante nos examinou atentamente.
— Essas duas têm o cheiro do clã Vritra.
— Lyra Dreide, outrora escrava de Agrona, agora líder de seu povo nas Clareiras das Bestas. Ela é praticamente sua vizinha, Evascir. E Tessia Eralith, princesa dos elfos. — Wren nos apresentou em um tom preguiçoso.
Evascir mostrou os dentes.
— O Legado. Eu sei quem você é.
— Não mais — respondi, contornando o trono flutuante de Wren. — Cecilia, o Legado, foi banida de nosso mundo, e eu recuperei meu corpo. Estou aqui para pedir a ajuda de Mordain em nome de toda Dicathen.
A mandíbula de Evascir moveu-se enquanto ele ponderava minhas palavras.
— Que assim seja. Entrem. Mordain saberá de sua chegada.
Passamos pelo salão de guardas e adentramos um corredor aquecido, esculpido em granito e iluminado por candelabros de prata. As paredes eram verdes com vinhas, e por um momento, esqueci que estávamos no subsolo. Algo no aroma desse lugar me lembrou da minha casa de infância em Zestier.
Esse corredor nos levou a uma varanda que dava vista para um jardim maravilhoso. Apesar de estarmos dentro e no subterrâneo, várias árvores altas cresciam do chão até o teto. Inspirei profundamente, absorvendo o cheiro das flores doces e da terra úmida e rica. As árvores, com casca prateada e folhas laranja brilhantes, emanavam uma fragrância picante, semelhante à canela.
Wren, no entanto, não parou para admirar as flores. Ele voou da varanda e atravessou o jardim direto, deixando Lyra e eu para descermos as escadas às pressas atrás dele. Um grupo de pessoas de olhos e cabelos flamejantes, os fênix, nos observava enquanto passávamos pelo jardim, todos com expressões de preocupação reservada.
Wren olhou para trás e viu que estávamos ficando para trás. O chão ergueu-se sob nossos pés, e um disco de pedra nos levou rapidamente ao seu encontro. Ajoelhei-me e agarrei a borda do disco, com o estômago revirando. Ao meu lado, Lyra fez o mesmo.
Túneis largos passaram num piscar de olhos até sairmos em um ponto elevado em outra sala enorme. Como em um teatro, várias camadas de varandas circundavam um palco onde havia uma grande mesa circular.
Apenas uma figura estava sentada à mesa. Ele se levantou assim que Wren se aproximou. O trono flutuante de Wren se dissolveu, e seus pés tocaram suavemente o chão. Lyra e eu pousamos logo atrás dele, cambaleando ao pisar na plataforma.
Algo se mexeu no parapeito da varanda mais próxima: uma coruja verde com chifres. Reconheci a criatura dos meus dias na Academia de Xyrus.
— Olá, Tessia Eralith — disse suavemente, enquanto Mordain e Wren se cumprimentavam. — Bem-vinda ao Santuário.
— Bem-vinda, de fato — repetiu Mordain, contornando Wren e estendendo os braços amplamente.
Eu havia visto Mordain através dos olhos de Cecilia quando ela atacou Chul, mas essa era a primeira vez que o encontrava pessoalmente como eu mesma. Marcas brilhantes percorriam os lados de seu rosto surpreendentemente jovem, mas o brilho de seus olhos que reluziam como o sol ofuscava essas marcas. Sua túnica dourada, bordada com penas, fluía ao seu redor enquanto se movia, assim como sua selvagem cabeleira flamejante.
— Esta aqui quase parece pertencer a este lugar — disse ele animadamente, olhando para o cabelo de Lyra. — Lady Lyra do Alto Sangue Dreide, se não me engano. — Ele envolveu ambas as mãos dela nas suas, enquanto Lyra o olhava com surpresa.
Quando ele voltou o olhar para mim, sua expressão suavizou em um sorriso complexo.
— Ah, Lady Eralith. É tanto um prazer quanto uma honra tê-la aqui.
Minhas bochechas coraram. A forma como o lorde fênix falava e nos olhava era como se fôssemos as únicas pessoas importantes no mundo.
— Venham, sentem-se. Contem-me por que estão aqui.
Todos nos acomodamos ao redor de sua mesa, e Lyra relatou a mensagem que recebera de Alacrya, assim como a discussão com os anões em Vildorial.
Mordain ouviu pacientemente atento, sem interromper nem para fazer perguntas, absorvendo cada palavra. Quando ela terminou, ele soltou um longo hmmmm. — Sentimos essa perturbação mesmo aqui. Uma grande liberação de mana, e um fluxo ainda maior retornando à origem.
Minha boca se abriu enquanto o encarava, chocada.
— O quê? — Wren foi rápido em dizer, descruzando as pernas e inclinando-se sobre a mesa. — Eu não senti nada!
Mordain lhe deu um olhar compreensivo. — Seu foco está para dentro, Wren. Nós estávamos observando para fora.
— Como algo pode ser tão poderoso a ponto de ser sentido do outro lado do oceano? — Lyra perguntou, ofegante. — O que era aquilo?
Mordain balançou a cabeça, seu semblante assumindo uma expressão de pesar.
— Não sei, minha querida, mas admito que isso desperta medo em meu coração.
— Então você nos ajudará? — perguntei rápido demais. Engoli minha ansiedade e endireitei minha postura. — Por favor, pode nos ajudar a enviar uma mensagem para Arthur?
Mordain abriu a boca para falar, mas uma onda de poder encheu a câmara, caindo sobre nós como um cometa. Instintivamente, envolvi-me em mana enquanto me levantava de um salto.
Um homem de ombros e peito largos aterrissou com tanta força que a grande mesa tremeu, fazendo um castiçal rolar. A coruja verde bateu as asas, agitada.
O homem apontou sua arma para mim: uma grande esfera de ferro na ponta de uma longa haste. Fissuras no metal brilharam com luz laranja.
— Você! Voltou para terminar o trabalho, não foi? Acho que vai me encontrar mais preparado desta vez!
— Chul! — Wren, Lyra e Mordain falaram seu nome ao mesmo tempo.
Como alguém acordando de um sonho, Chul piscou, olhando ao redor para os outros. Seus olhos, um azul congelante e outro laranja flamejante, se arregalaram.
— Eu… eu senti…
Mordain sorriu com ironia, uma sobrancelha arqueada.
— E você achou que eu simplesmente permitiria que o Legado vagasse livre pelo coração de nosso lar?
Chul engoliu em seco e abaixou sua arma.
— Não estou entendendo.
O sorriso sempre presente de Mordain assumiu um tom mais gentil e suave.
— Chul Asclepius, conheça Tessia Eralith, princesa de Elenoir e amiga e aliada próxima de Arthur Leywin.
Os olhos de Chul se arregalaram ainda mais até que ele pareceu uma caricatura infantil.
— Tessia! O amor apaixonado de Arthur, por quem ele passou tantas noites sem dormir agonizando? — Com uma risada estrondosa, ele avançou e me ergueu em um abraço esmagador, quase derrubando Lyra no processo.
— Chul… — Mordain o repreendeu, mas o meio-asura parecia ignorá-lo completamente.
Só consegui prender a respiração até que Chul me colocasse de volta no chão. Ele deu um passo para trás e olhou para mim com as mãos nos quadris.
— Você está muito mais bela e menos terrível agora do que quando era o Legado! — Ele disse. — Talvez não seja tão bonita quanto Lady Caera do Clã Denoir, que também disputa o coração do meu irmão em vingança, mas agora posso ver por que apenas pensar em você fazia o coração dele vacilar.
Senti meus olhos vidrarem enquanto minha mente ficava completamente em branco, incapaz de conceber qualquer resposta para esse comentário, que parecia surgir do nada.
— O-obrigada? — Consegui gaguejar.
Mordain soltou um novo murmúrio, seus lábios comprimidos em uma linha fina.
— Chul, esses representantes de Dicathen e Alacrya vieram porque precisam enviar uma mensagem para Arthur em Epheotus. Eles buscam nossa ajuda.
Chul apoiou o pé no assento da cadeira mais próxima, que por acaso era a mesma que Lyra tinha acabado de desocupar. Ele se inclinou com um cotovelo apoiado no joelho.
— É hora, então. Estou pronto. Levarei essa mensagem para Epheotus.
Tradução: NERO_SL
Revisão: ***
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