O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 491 – Para os dias que virão

 

POV CAERA DENOIR

 

Eu estava no alto da estrada sinuosa que percorria a muralha externa da principal caverna de Vildorial. A rodovia conectava os níveis mais baixos, de onde centenas de túneis interligados se ramificavam até o palácio de Lodenhold no topo da caverna. Dezenas de estradas e centenas de casas e comércios estavam embutidos nas paredes ao longo do caminho. O palácio estava às minhas costas, suas linhas afiadas projetando-se da rocha nua, enquanto três grandes molduras de portal ocupavam a maior parte da rodovia não muito à minha frente. 

As molduras tinham um design estranho se comparadas a qualquer coisa que eu já tivesse visto em Alacrya, mas sabia que haviam sido desenvolvidas pela Foice Nico nos últimos dias do reinado de Agrona. Com base nos portões de teletransporte dos antigos magos, esses portais poderiam criar uma conexão estável de um continente para o outro, detectando e conectando-se a um portal existente ou a um receptor tempus warp.

Era quase irônico que a própria tecnologia que permitiu o ataque final de Agrona a Dicathen agora fosse usada pelos dicathianos para enviar nosso povo de volta para casa.

A cena era tensa. Um pequeno grupo de alacryanos estava ao meu redor, incluindo Cylrit, Uriel Frost e Corbett. Os homens e mulheres, outrora poderosos, pareciam estranhos em suas túnicas e calças simples, sem os adereços de seus antigos cargos. 

Atrás de nós, bloqueando o caminho para o palácio, havia um pequeno exército de anões. Eles vestiam armaduras pesadas e empunhavam suas armas. Os senhores anões estavam atrás deles, em um palanque de pedra elevado, junto com a Lança Mica Earthborn e dois elfos. Esses dois se destacavam entre os anões tanto quanto eu.

Era estranho ver a imagem de Cecilia ali. Ou melhor, o rosto que eu conhecia como o de Cecilia. Eu me peguei observando-a mais de perto agora. Ela tinha estatura média, talvez um pouco mais baixa do que eu, e era bastante esbelta. Ela estava vestida com um simples vestido verde, mas uma coroa de flores azuis trançadas em seu cabelo cinza metálico elevava sua aparência à de uma princesa. O que, eu precisava me lembrar, ela era. Ela permaneceu em silêncio enquanto o Comandante Virion conversava com os Senhores Earthborn e Silvershale, seu olhar vagando pensativamente pela caverna.

Como teria sido o reencontro entre ela e Arthur? Me perguntei, apesar de tudo. Mesmo considerando meus próprios sentimentos complicados em relação a ele, era difícil imaginá-lo sendo romântico, inflamado de paixão, derramando seu coração para essa beldade de cabelos prateados…

Afastei a elfa da minha mente. Havia muito em jogo para me perder em tais pensamentos. Embora eu lamentasse a forma como as coisas tinham acontecido, o ciúme mesquinho estava abaixo de mim. Arthur era meu amigo, mas até isso era uma relação difícil de manter com alguém em sua posição. Eu não invejava ninguém que tentasse ser mais do que isso com Arthur, embora desejasse o melhor para ambos.

Dando a mim mesma um pequeno sacolejo, voltei a focar no que estava acontecendo. À nossa frente, dispostos em fileiras atrás dos portais, estavam aproximadamente trinta exoformas e seus pilotos. As bestas mecânicas estavam supostamente lá para garantir nosso teletransporte pacífico para Alacrya, mas, junto ao exército de soldados anões, pareciam mais uma ameaça do que uma promessa de proteção.

Não havia nenhuma parte de mim que culpava os dicathianos por isso. Nós os atacamos e, em vez de nos destruírem, Arthur nos deu um lar, do jeito que podia. Em agradecimento, os atacamos novamente para nos salvar da maldição de nossa própria magia. Se isso tivesse acontecido em Alacrya, os sangues ofensores teriam sido completamente exterminados, homens, mulheres e crianças. Embora eu estivesse grata pela misericórdia dos dicathianos, mal conseguia acreditar que eram capazes disso. Uma pequena parte de mim, a parte com sangue de Vritra, até os julgava por essa misericórdia, sabendo que poderia ser tomada como fraqueza.

Essa, no entanto, não era a parte de mim que eu abraçava, e deixei esses pensamentos permanecerem nos cantos escuros da minha mente.

A rodovia, normalmente movimentada, estava vazia de seu tráfego usual. Cada portão e estrada lateral estava bloqueado por guardas anões. O caminho próximo à parte inferior, abaixo da mais baixa das prisões recém-construídas, também estava fechado. Uma multidão havia se reunido lá, e mesmo do topo da caverna, eu podia ouvir seus gritos. Não as palavras, especificamente, mas o profundo rugido de seu barulho. Claramente, eles não estavam aplaudindo em comemoração.

Três figuras observavam tudo de cima. 

Seris havia vestido sua reluzente armadura de batalha negra, e sua mana estava enrolada firmemente ao seu redor, suprimindo sua aura, mas não a escondendo. Havia uma intencionalidade e proteção no ato, como uma soberana mãe-cobra enrolando-se em torno de seus ovos. Os tentáculos de seu poder pareciam se estender para envolver todos os alacryanos ainda presos nas prisões anãs.

Ao seu lado, à esquerda, a Lança Bairon Wykes brilhava em uma armadura de placas reluzentes. Uma longa lança carmesim estava confortavelmente em sua mão esquerda, com a ponta voltada para baixo. Exteriormente, ele parecia estoico — perfeitamente calmo — mas havia uma energia crepitante em sua assinatura de mana que parecia tensa e nervosa.

Arthur flutuava à direita de Seris. Ele estava em sua relíquia de armadura conjurada, mas ela havia mudado desde a última vez que a vi. As escamas negras agora estavam sob ombreiras, manoplas, grevas e botas brancas. As placas pesadas tinham uma aparência orgânica, como se tivessem sido esculpidas em ossos. Mesmo a uma distância tão grande, seus olhos brilhavam dourados.

Ele parece um asura, pensei, tendo ouvido os rumores que já circulavam por Vildorial. Não era difícil imaginá-lo gritando com dragões e basiliscos ao redor de uma mesa dourada no topo de alguma alta torre na terra distante dos deuses. No mínimo, ele se destaca tanto quanto eu com meus chifres.

Meu olhar foi para a princesa elfa e logo se desviou novamente, me perguntando o que ela pensava de tudo aquilo.

Não estou fazendo um bom trabalho em não pensar neles, me repreendi, redirecionando firmemente o foco da minha atenção.

 Seris fez um gesto. Muitos segundos se arrastaram, e então os alacryanos começaram a sair da prisão mais baixa. Levou bastante tempo para que subissem a rodovia. Enquanto caminhavam, formaram três colunas distintas, cada uma alinhada com uma das molduras do portal. 

Os portais foram ativados um de cada vez por vários magos humanos e anões, sob o olhar atento de Gideon. Cada portal vibrava com mana, e um painel opaco e oleoso de energia ondulava dentro das molduras.

— Isso não é o que queremos! — Alguém gritou, sua voz rouca ecoando pela caverna como pedras caindo.

Distraída da procissão, procurei ao redor pela fonte do grito.  Na entrada da rua lateral mais próxima, que descia para a primeira fileira de casas anãs abaixo do nível do palácio — a mesma rua, incidentalmente, na qual eu quase morri ao cair —, algumas dezenas de anões haviam se reunido. Empurravam furiosamente a linha de guardas que bloqueava o acesso à rodovia, e parecia que alguns até carregavam armas.

— Justiça para os mortos! — bradou um anão de rosto vermelho.

— Traidores! — Uma mulher gritava. — Mentirosos! Traidores! 

— Justiça! Justiça! — Vários outros agora gritavam, pegando a palavra como uma espécie de canto.

Corbett se mexeu nervosamente ao meu lado.

— Por que eles não estão calando essas pessoas? — Ele perguntou.

— Não é o jeito deles, governar com mão de ferro — apontei distraidamente.

As fileiras de alacryanos chegaram ao nível da multidão que gritava. Olhando mais para baixo, no entanto, percebi que todas as ruas laterais que conseguia ver estavam igualmente cheias de manifestantes. Os guardas anões na parte mais baixa, quase invisíveis, estavam sendo empurrados para trás, forçados a seguir lentamente as fileiras de alacryanos enquanto uma multidão furiosa os conduzia adiante. Outro esquadrão corria pela rodovia, aparentemente indo reforçá-los.

— Por Vritra, há centenas deles — disse Uriel Frost, franzindo a testa.

Entre as linhas de frente dos alacryanos, avistei Justus Denoir, tio de Corbett, e meu pulso acelerou. Quando o vi pela última vez, ele estava ativamente tentando matar Corbett e Lenora. Ele havia matado Taegan, meu guarda de longa data, e Arian também quase morreu durante a briga.

Eu entendia a raiva dos anões. Eles não eram os únicos que haviam sofrido e sido traídos. Só que… a raiva de Melitta era menos justificada? Seu marido, seus filhos, haviam sido massacrados em retaliação por nossa rebelião. Não, sua raiva era justificada… mas também estava mal direcionada. Justus e sua facção do sangue Denoir culparam Corbett e a mim por nos liderar nessa tolice, quando deveriam ter culpado Agrona; foi o Alto Soberano que massacrou seus doces Arlo e Colm como animais.

O ciclo de hostilidade e vingança seria interminável. Cada reação, cada morte em nome de “justiça”, apenas geraria outra em resposta. No final, porém, o verdadeiro autor desses crimes, o próprio Agrona, já havia desaparecido. Não parecia justiça, mas era o mais próximo que qualquer um de nós chegaria.

Eu sabia, porém, que os manifestantes não viam dessa maneira. Eu tinha vivido minha vida inteira à sombra dos Vritra, mas esses Dicathians nos viam como agressores, como traidores. Para eles, Agrona e seus semelhantes não eram nada além de uma sombra, distante e indistinta.

Eu sabia que seria necessário um líder forte para unir os dois lados.

Olhando para Seris, considerei o que viria a seguir, mas um movimento súbito chamou minha atenção de volta ao chão.

Duas das exoformas haviam deixado a formação. Antes que eu percebesse o que estava acontecendo, armas flamejantes e laranjas foram desembainhadas, e golpes rápidos caíram sobre a moldura do portal à esquerda.

A moldura se despedaçou com o terrível som de pedras quebrando e metal sendo cortado. A superfície opaca dentro dela se rasgou e derreteu em um redemoinho oleoso.

Fiquei congelada junto aos outros ex-alto sangues, sem acreditar no que via.

Quase ao mesmo tempo, explosões de pedra e fogo atingiram os cordões de segurança, e de repente feitiços começaram a chover sobre as linhas desarmadas de alacryanos. Alguns escudos cintilaram no ar para defendê-los, mas a maioria dos magos alacryanos ainda estavam fracos demais para usar magia após o choque da derrota de Agrona.

— Como ousam! — Uriel gritou, e sua voz me tirou do torpor.

Cylrit já estava em movimento. Eu me lancei para segui-lo, ignorando os gritos de Corbett atrás de mim.

Uma das exoformas rebeldes estava trazendo sua lâmina em direção ao segundo portal. Houve um flash roxo, e a lâmina parou quando Arthur a interceptou com a sua própria.

— Recuem — ordenou, sua voz vibrando com autoridade.

Bem à minha frente, Cylrit cortou a mão da segunda exoforma. A lâmina girou no ar antes de cravar-se na pedra aos seus pés. A máquina cambaleou um passo para trás.

O restante das exoformas parecia congelado enquanto procurava alguém para lhes dar ordens. Apenas um se moveu: a forma alta e esbelta de um grifo ereto saltou alto no ar, apenas para mergulhar sobre as costas do primeiro exoforma, arremessando-o ao chão e imobilizando-o aos pés de Arthur.

— Posições, malditos! — A voz distorcida de Claire Bladeheart se fez ouvir.

Atrás deles, mais abaixo na estrada, uma névoa negra de mana se condensou ao redor dos alacryanos, engolindo os feitiços antes que pudessem alcançá-los. Sob a nuvem, muitos corpos jaziam imóveis. Vários flashes iluminaram a caverna, e o estalo agudo de um trovão ao longe cortou todos os outros ruídos.

Enquanto eu corria pelas fileiras de pilotos de exoformas atordoados, os espinhos prateados liberados da minha relíquia bracelete voaram para o ar à minha frente. Raios de fogo de alma dispararam de suas pontas, formando uma barreira protetora ao redor dos alacryanos que lideravam o caminho.

Atrás de mim, os pilotos de exoforma finalmente começaram a se mover. Eles se apressaram para se posicionar ao longo da borda externa da estrada, usando seus corpos ou escudos para se defender de feitiços e armas arremessadas. 

Raios violetas atingiram grupo após grupo, e pulsos do que eu sabia ser a intenção etérea de Arthur fizeram com que os anões caíssem aos seus pés.

Meus orbitais acompanharam os alacryanos, protegendo-os de feitiços ou projéteis que a névoa não conseguia deter, até que alcançassem os portais. O processo deveria ser regulado por Gideon e sua equipe, não permitindo que muitos passassem de uma vez, mas todos haviam recuado após o primeiro ataque. Também deveria haver um teste, com indivíduos predeterminados indo e voltando para garantir que a conexão fosse estável e que a teletransportação não desse errado. Agora, não havia mais tempo. Os que lideravam a marcha — Justus, logo à frente — mergulharam nos portais sem hesitar nem por um segundo.

Não era assim que imaginava nosso retorno a Alacrya, nem o papel que assumiria nesse novo mundo, agora que a guerra havia acabado. 

Acabado? A palavra ecoou amargamente em minha mente enquanto eu procurava por Seris ou Arthur, os dois pilares de força e sanidade em meio ao caos. O que essas pessoas esperavam alcançar na presença desses grandes poderes? Eu não conseguia ver Arthur ou Seris, mas nenhum feitiço mais estava sendo lançado pelos manifestantes. O breve conflito já havia sido sufocado.

As linhas de anões que guardavam o palácio e seus senhores estavam desorganizadas, percebi tardiamente. Alguns estavam no chão, a maioria com as armas desembainhadas. Corbett, Uriel e alguns outros observavam os anões com desdém.

Não vendo mais necessidade de minha barreira protetora, a desfiz e comecei a voltar para junto dos outros. A voz de Gideon ecoava através de algum tipo de artefato de amplificação, exigindo ordem e calma ou “todos vocês provavelmente acabarão em Alacrya em pedaços, maldição.” Não achei que suas palavras tiveram o efeito desejado, pois um grito ecoou pelas fileiras dos alacryanos.

— Paz — falei a ninguém em particular. — Paz, amigos. A ameaça já passou.

Passei pelos portais, pausando apenas um momento para observar as pessoas desaparecerem neles antes de me reunir com Corbett, que havia permanecido atrás de um escudo conjurado até que a violência cessasse.

— Isso parece resolvido, então — disse Uriel quando me aproximei, com os braços cruzados sobre o peito, uma mão alisando distraidamente seu cavanhaque loiro. — Me parece que este ataque poderia ter sido encerrado mais cedo se nossos defensores tivessem agido com mais firmeza.

Levantei as sobrancelhas e o encarei com um desprezo mal disfarçado.

— Você fala como se sacrificar vidas dicathianas para defender alacryanos fosse a escolha óbvia aqui. Temos sorte que isso não foi muito pior. — Enquanto falava, olhei pela estrada, tentando ver quantos corpos haviam sido deixados para trás após o ataque, mas mais de uma centena de alacryanos aglomeravam-se ao redor dos portais, empurrando e se esbarrando para serem os próximos a atravessar. — Não, nosso povo não precisa de proteção dicathiana. Eles precisam de liderança alacryana.

— Muito bem dito, Caera. — Corbett deu um leve tapa em minhas costas, um toque suave e de apoio.

Senti meu rosto começar a corar e me virei sob o pretexto de observar os senhores anões. No passado, eu teria dado quase tudo por esse apoio de Corbett ou Lenora. Depois, por muito tempo, eu teria apenas sorrido educadamente a tais palavras, apenas para cuspir nelas pelas costas de meus pais adotivos. Agora, porém…

Perto dali, vinhas serpenteantes imobilizavam um grupo de soldados anões no chão. Mesmo quando percebi, as vinhas começaram a se desfazer, serpenteando de volta ao chão. Tessia Eralith aterrissou entre mim e os anões, seu cabelo balançando levemente com o vento de seu próprio movimento. Antes que qualquer um dos soldados pudesse se levantar, outros vinte os cercaram. Em instantes, suas armas foram retiradas e eles estavam sendo alinhados com o restante daqueles que haviam participado do protesto.

— Os soldados também fizeram parte disso? — perguntei, incapaz de suprimir minha surpresa.

Tessia me encarou. Eu podia sentir sua mana, torcendo ao redor dela como as vinhas que ela havia conjurado. Quase parecia brilhar por trás de seus olhos. Havia suor escorrendo de sua testa, e sua mandíbula estava tensa, como se ela estivesse tentando conter uma careta de dor ou concentração.

— Más escolhas feitas no calor do momento — respondeu, desviando o olhar para o lado.

Antes que eu pudesse pensar em algo para responder, o Comandante Virion apareceu correndo. Ele parou com as mãos estendidas, sem tocar o rosto dela.

— Tessia? Você está bem?

— Estou bem — disse ela, sorrindo fracamente. — Ainda me ajustando ao meu núcleo, só isso. — Seu olhar passou rapidamente para mim e voltou para Virion.

Atrás da dupla, Arthur desceu flutuando, pousando no meio das fileiras dos anões. Dois anões em trajes de batalha azuis passaram ao seu encontro, verificando cada um dos corpos deformados e administrando algum tipo de ajuda mágica.

Minha atenção foi atraída de volta para os dois elfos à minha frente. Virion havia acabado de me fazer uma pergunta. Demorei alguns segundos para entender suas palavras.

— Ah, sim, estamos todos bem, claro. Obrigada, Comandante Virion. E a senhora também, Lady Tessia. — Inclinei a cabeça profundamente, um gesto respeitoso, mas não exatamente uma reverência. — Sinto muito que nosso primeiro encontro não tenha sido mais… confortável.

— Talvez em outra ocasião, embora… — Arthur estava gritando com alguém ao fundo, e a boca de Tessia se apertou em uma linha fina, seus olhos se franzindo em um olhar desconfortável — possa demorar um pouco antes de nos encontrarmos novamente.

Ela se concentrou em algo atrás de mim, e eu me virei para ver Seris caminhando rapidamente em nossa direção, vindo dos portais restantes. Os alacryanos do primeiro grupo de prisioneiros já haviam ido embora.

Uriel liderava o caminho enquanto ele e os outros tentavam interceptar Seris. Ela não diminuiu o passo e os dispensou com um gesto.

— Vão para suas famílias. Se pretendiam viajar para Truacia, precisarão ir para o Domínio Central ou Sehz-Clar. Mas escolham rapidamente. Não vamos esperar para ver as consequências dessa tragédia.

Seris não lhes deu mais atenção enquanto se aproximava de mim. Seus olhos vermelhos percorreram meu ombro em direção ao local onde ainda podíamos ouvir Arthur gritando, mas voltaram para mim antes que ela falasse, com um pequeno sorriso que me surpreendeu.

— Estou feliz que você esteja a salvo, mas houve uma mudança de planos. Preciso que você vá imediatamente para o Domínio Central. Muitos dos que estão lá não deveriam estar, e, em vez de uma procissão formal, acabamos de despejar centenas de pessoas em pânico na cidade de Cargidan sem aviso prévio.

— E o portal para Sehz-Clar? — Corbett perguntou, tendo se posicionado ao meu lado de maneira solidária. 

— Cylrit já foi — respondeu ela, novamente olhando além de nós, em direção a Arthur. 

Não pude deixar de olhar também: ele estava pairando na frente dos senhores anões e da Lança Mica, envolto em luz ametista e gritando para eles. Pude entender apenas uma ou outra palavra, mas mesmo assim, os pelos da minha nuca se arrepiaram.

— Eu partirei imediatamente — respondi. Para Corbett, acrescentei: — Por favor, verifique Seth Milview e Mayla Fairweather. Convide ambos para se juntarem ao nosso sangue em Cargidan, se desejarem. Podemos ajudá-los a ir para onde quiserem quando a poeira baixar.

— Cuidado, filha. — Ele respondeu. Suas mãos se moveram como se quisesse segurar as minhas, mas ele se conteve.

— Pai. Seris. — Assenti firmemente, com a mandíbula cerrada.

Não havia necessidade de mais instruções. Eu sabia o que era preciso de mim. Marchei por entre os inventores, exoformas e anões, indo diretamente para o portal central, que ainda estava ativo. Bem mais adiante, o segundo grupo de prisioneiros havia sido libertado, e os primeiros entre eles começavam a sair. Diferente do procedimento organizado do primeiro grupo, essas pessoas estavam apressadas e desesperadas, esbarrando umas nas outras e falhando em formar filas adequadas.

Arthur passou voando por cima de mim, indo se juntar a Bairon, que já estava presente entre os alacryanos. Mica Earthborn passou logo atrás dele.

Fiz uma breve pausa para me recompor. Quando fugi de Alacrya, escapando por pouco da Foice Dragoth e seu agente duplo, Wolfrum da Casa Redwater, Agrona ainda estava no poder. O conflito à nossa frente parecia quase impossível de vencer. Cada etapa era um ato de desespero. Agora, eu estava voltando para um continente de onde Agrona havia desaparecido repentinamente. Os Vritra haviam sumido. Toda a estrutura de poder de nosso continente havia se dissolvido quase da noite para o dia.

Endireitando os ombros, ajustando minha expressão e acalmando as batidas rápidas do meu coração, atravessei o portal.

A luz fraca da caverna parecia quase brilhante em comparação com o prédio escuro em que me encontrei do outro lado. Gritos de dor e desespero ressoavam das sombras, sobrepondo-se aos gritos de ordem e atenção. A única luz dentro do imenso edifício vinha das portas da frente, que estavam escancaradas, cobertas por correntes quebradas e penduradas inutilmente em suas dobradiças; tinham sido arrombadas.

Houve mais gritos do lado de fora.

Atravessei o saguão da grande biblioteca de Cargidan, movendo-me da escuridão para a luz à medida que me aproximava das portas abertas. Embora o saguão estivesse cheio de pessoas ofegantes e chorosas, poucas me notaram.

Saindo para uma tarde ensolarada, vi a rua lá fora repleta de corpos apertados uns contra os outros. Magos vestidos de preto e carmesim haviam isolado a rua em ambos os lados. Suas armas estavam à mostra, e muitos já haviam ativado suas runas para canalizar feitiços.

Não fiquei surpresa ao ver Justus liderando o conflito; ele estava quase cara a cara com um jovem bem-apessoado que reconheci, gritando a plenos pulmões de forma que saliva respingava no rosto do jovem.

— …quase morri nas mãos de bárbaros dicathianos e voltei para casa para ser tratado com tanto desrespeito! Eu sou senhor do sangue Denoir, seu parasita imundo! Se você não me deixar passar imediatamente, vou enforcar todos vocês com suas próprias tripas, eu vou…

— Justus Denoir!

A multidão abriu caminho ao meu redor quando todos os olhares se voltaram para mim. Meu tio-avô, com o rosto vermelho de raiva, uma veia saltando em sua têmpora, virou-se para me fitar com um olhar mortal do outro lado da rua.

— Perdoe-nos, Lorde Kaenig — continuei, mantendo contato visual com Justus. A tensão dos últimos minutos se dissipou. Eu me impus, assumindo o comando e a autoridade que fui treinada para usar como uma arma. — Devo presumir que seu alto sangue está no controle da cidade?

O jovem, Walter do alto sangue Kaenig, sorriu com arrogância ao lado da cabeça de Justus antes de me olhar.

— Ah, Lady Caera. Uma voz de razão em meio a toda essa loucura.

Walter passou os dedos pelos cabelos loiros ondulados e saiu da linha de guardas, empurrando Justus ao passar. Meu tio-avô berrou e tentou acertar Walter por trás. O golpe covarde falhou quando um dos guardas avançou e o segurou pelo braço. Mais dois se juntaram, e Justus foi jogado de cara nas pedras da rua.

Perto dali, Melitta gritou, e uma dúzia ou mais de soldados do sangue Denoir, desarmados, canalizaram sua mana. A reação foi imediata, escudos surgiram e armas foram erguidas.

— Por favor, peça aos seus homens para pararem — falei firmemente, marchando até Walter, que havia se virado para olhar para Justus. Algumas das pessoas presas na rua já estavam recuando de volta para a biblioteca, tentando escapar de uma possível carnificina. — Já houve violência demais, especialmente entre alacryanos.

Walter examinou com calma as pessoas ao redor, que pareciam aterrorizadas.

— Pelo que consegui entender aqui, vocês são os remanescentes da última força de ataque contra Dicathen.

Demorei um pouco para explicar e, pelo modo como ele acenou com a cabeça, sem se surpreender, minha versão combinava com os detalhes que ele havia colhido daqueles que chegaram antes de mim.

— Como você já deve ter deduzido, desde a onda de choque, o alto sangue Kaenig assumiu a tutela de Cargidan até que novas ordens sejam recebidas do Alto Soberano — disse Walter suavemente em seu tom grave e rico. — Com a maioria das operações nas Relictombos interrompidas e muitos de nossos magos ainda lutando para se recuperar, a cidade está em um estado incerto no momento e precisa de uma mão firme. — Ele fez uma pausa, me olhando pensativamente. — Entendo sua situação, é claro, Lady Caera, mas não temos mão de obra ou recursos para lidar com essas pessoas. Elas simplesmente não são bem-vindas neste momento, e os dicathianos não tinham o direito de despejá-las em nossa cidade. Vocês vão permanecer aqui até…

— Seu povo foi autorizado a voltar para casa — cortei-o, com firmeza. — E posso garantir que não haverá mais ordens de Agrona. Ele foi derrotado em Dicathen… Essa foi a onda de choque que você descreveu…

— Mentiras… — Walter interrompeu, sua mão disparando em direção ao meu rosto.

Um pensamento passou rapidamente pela minha mente no instante que tive para reagir. Todos os alacryanos que acabaram de passar por aquele portal eram magos, mas a maioria ainda estava em choque devido à explosão que os atingiu. Alguns não conseguiam canalizar sua mana, e os restantes estavam fracos, sem condições de lutar. Provavelmente, a maioria dos magos de Alacrya estava em estado semelhante.

Walter assumiu casualmente que o mesmo aconteceu comigo.

Agarrei sua mão, a mana inundando meus braços para fortalecê-los. Com uma torção, acompanhada de um suspiro de dor, o coloquei de joelhos. Seus soldados começaram a se mover, mas levantei a mão em um gesto para que parassem. Eles hesitaram.

Abaixando-me ligeiramente, mantive meu olhar fixo no dele.

— Envie uma mensagem ao seu lorde. Reúna todos os nobres da cidade. Precisaremos de todos os soldados à disposição. Mais de mil alacryanos passarão por aquele portal hoje, e cabe a nós garantir que eles voltem para casa em segurança. Precisaremos organizar o máximo possível de tempus warps. Posso contar com sua ajuda neste assunto, Lorde Walter?

O homem engoliu em seco visivelmente.

— Claro, Lady Denoir — disse, incapaz de conter o tom de dor que infiltrou-se em suas palavras.

Soltei-o, e ele rapidamente se levantou, dando um passo para trás, massageando seu pulso torcido. Ele lançou um olhar para um de seus homens — o capitão de sua guarda, a julgar pelo uniforme — e pensei que talvez fosse gritar para que me prendessem.

Preparei minha magia, pronta para me defender, se necessário.

Em vez disso, ele disse:

— Envie uma mensagem ao meu pai. Temos… refugiados precisando de ajuda.

Ele olhou de volta para mim, seu rosto um pouco pálido, mas eu estava focada além dele.

— E, por favor, libertem meu tio-avô. Ele pode ser um velho insuportável, mas, como o restante dessas pessoas, passou por um inferno que não foi fruto de sua própria criação, e merece ao menos um mínimo de clemência.

Cerrei os punhos e mantive minha expressão fria e controlada, sem deixar meus verdadeiros sentimentos transparecerem, enquanto me virava de volta para o interior escuro da biblioteca. Mais pessoas apareciam nas plataformas de chegada, forçando outras a recuarem para o fundo do edifício ou a serem empurradas para fora das portas.

As linhas dos homens de Kaenig se romperam, e os refugiados começaram a se espalhar. Gritos pedindo calma ecoaram. Muitos caíram de joelhos, lágrimas escorrendo por seus rostos ao contemplarem a cidade alacryana ou as Montanhas Presas do Basilisco nas proximidades. Outros gritaram de alegria, e pela primeira vez notei os muitos rostos escondidos que nos observavam das janelas das casas ao longo da rua.

Por todo lado, via rostos expressando esperança, medo, cansaço e júbilo.

Absorvi todas essas emoções, exibidas tanto por aqueles recém-chegados à cidade quanto por todos que, sem dúvida, haviam sido obrigados a permanecer em suas casas enquanto os alto sangues tentavam descobrir o que estava acontecendo.

Quantos deles, me perguntei, aceitariam que Agrona realmente se foi?

 Mais importante, considerei o quanto de trabalho haveria para reconstruir nossa nação após a queda do clã Vritra. Cada passo seria ainda mais difícil com aqueles que se recusassem a enxergar a verdade… e a necessidade de mudança. 

Sem perceber completamente, comecei a planejar para as próximas horas, dias e semanas que viriam.

 


 

Tradução: NERO_SL

Revisão: Crytteck

 

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