O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 488 – A Promessa

 

POV TESSIA ERALITH

 

— É tão estranho, estar sempre no centro das atenções — disse Alice, enquanto enchia nossos copos com água gelada de uma jarra. — Somos pessoas tão simples, cercadas por verdadeiras divindades, ou pelo menos o que sempre achamos que fossem divindades, e mesmo assim, eles estão tão interessados em nós. — Ela olhou fixamente para a jarra, com os olhos distantes. — Parece que caí de paraquedas na vida de outra pessoa.

Eu enrolei uma mecha de cabelo no dedo enquanto pensava nos dragões com quem conversávamos.

— Acho que sempre fui o centro das atenções em Elenoir, mas eles parecem mais interessados no fato de eu ser uma elfa do que uma princesa. As coisas que eles perguntam…

Eu ri, e Ellie e Alice riram junto comigo.

— É, eles são meio esquisitos — disse Ellie, com um sorriso divertido. — Uma garotinha insistiu que eu não podia ser uma “menor” de verdade, porque tinham dito a ela que os “menores” mal conseguiam falar ou ficar em pé! 

— Bom, as coisas aqui vão ficar muito mais estranhas.

Todas nós nos viramos para a porta, onde Arthur acabava de afastar a cortina. Comecei a sorrir, mas minha expressão vacilou ao processar suas palavras e o olhar de dor em seu rosto.

— Não. — As mãos de Ellie voaram para o rosto, e ela se jogou de volta na cadeira em que estava se equilibrando. — Eles não fizeram isso! Você não pode estar falando sério.

A mão de Alice começou a tremer. Eu rapidamente peguei a jarra dela e a coloquei sobre a mesinha de azulejos antes que derramasse. 

— É melhor vocês se sentarem — disse Arthur, coçando a nuca daquele jeito bobo que fazia desde criança.

Suas palavras e seu comportamento só podiam significar uma coisa, como Ellie e Alice já pareciam ter adivinhado: os asuras tinham concordado com a proposta de Lorde Eccleiah.

Eu me peguei desejando que Arthur não tivesse passado tanto tempo fora nessas últimas semanas. Certamente ele seria puxado para outras responsabilidades, e provavelmente haveria pouco tempo para resolver tudo que precisávamos discutir. Ainda assim, disse a mim mesma, talvez fosse melhor assim. Talvez o que realmente precisássemos fosse de tempo.

Forçando-me a aparentar calma, sentei-me ao lado de Ellie, que agora tinha puxado as pernas para cima, abraçando-as contra o peito.

— Eu… fui oficialmente nomeado um asura — disse Arthur. Ele falava principalmente com sua mãe, mas seus olhos passaram duas vezes por mim, rápido demais para que se notasse. — Sou o primeiro de uma nova raça. Um arconte.

Senti meus olhos se perderem no vazio, enquanto minha mente tentava compreender o que aquilo significava. Tanta coisa tinha mudado desde que nos sentamos sobre a Muralha e fizemos nossa promessa um ao outro. Uma promessa de continuar vivos. De termos um futuro juntos. Um relacionamento. Uma família. Tinha sido um momento lindo. Era um plano maravilhoso. Porém, o vovô Virion me ensinou cedo…

Nenhum plano sobrevive ao contato com o inimigo.

Seria justo, agora, depois de tudo o que aconteceu, cobrar de Arthur uma promessa doce feita ingenuamente no meio de uma guerra cujo desfecho nenhum de nós podia controlar?

A sala ficou em silêncio. Eu me forcei a focar. Ellie estava ao meu lado, atônita. Pude ver as engrenagens de sua mente trabalhando, e sua boca se movia silenciosamente, mas ela parecia perdida em palavras. Alice, por outro lado, olhava para Arthur como se ele tivesse acabado de pedir para ela lutar contra um leão mundial com as próprias mãos. Eu compartilhava dos sentimentos delas, mas não podia deixar que minhas emoções me dominassem.

— O que acontece agora? — perguntei, quebrando o silêncio. — O que isso muda exatamente, e como isso vai afetar Dicathen e Alacrya?

Arthur hesitou, trocando um olhar com Sylvie.

— Embora uma nova raça tenha sido criada para mim, na verdade, serei um representante do nosso mundo entre os asuras. No fim das contas, acho que isso é necessário para garantir a proteção tanto de Dicathen quanto de Alacrya. — Sua cabeça abaixou um pouco. — Com essa autoridade, posso garantir que o que aconteceu em Elenoir nunca aconteça de novo.

Assenti, e a conversa continuou, com Ellie e Alice fazendo algumas perguntas. Apesar dos meus melhores esforços, quanto mais falávamos, mais cansada eu me sentia. Com medo de perder o controle e desviar a conversa, esperei por um momento de pausa e me despedi, voltando ao meu quarto e me jogando na cama. Fechando os olhos, respirei profundamente e pensei nas minhas lições.

Não posso controlar o mundo ao meu redor, mas posso controlar a mim mesma e a maneira como me movo dentro dele. Era uma lição que meu pai tentou me ensinar quando eu ainda era uma menina, mas acho que nunca havia realmente compreendido seu significado até perder esse controle.

Do lado de fora do quarto, Arthur continuava falando, embora eu pudesse jurar que sentia seu olhar fixo sobre a cortina que nos separava.

— Fomos “convidados”, acho que é mais uma expectativa, para ser honesto, a visitar alguns dos outros lordes em suas casas — revelou Arthur.

— Ah, isso é… — Alice começou, mas sua voz se esvaiu.

— Eu sei, mãe. — Arthur respondeu. O tom de sua voz mudou; ele devia ter se movido pela sala. — Eu sei o que estou pedindo para vocês fazerem, e sei o quão perigoso isso é para todos nós, mas…

Respirei fundo, forçando-me a permanecer calma.

A ideia de ser arrastada para outra cidade asura fazia meu estômago se apertar como um punho ensanguentado. Eu sentia falta da minha família. Sentia falta de casa. Estava pronta para voltar a Dicathen. Sabia que Elenoir estava destruída, que minha mãe e meu pai se foram, mas eu queria ver meu avô. Queria estar entre elfos, abraçá-los, chorar com eles, lamentar nossas perdas de uma maneira que ainda não pude fazer. Não enquanto estava presa sob a vontade de Cecília.

O farfalhar da cortina me fez virar a cabeça. Eu esperava — ou talvez apenas desejava — ver Arthur ali, mas não fiquei decepcionada quando Sylvie entrou no quarto, deixando a cortina cair atrás dela. Ela me olhou com uma compreensão tão profunda que o peso das lágrimas surgiu repentinamente por trás dos meus olhos, vindo do nada.

Sentei-me, jogando as pernas para fora da cama e piscando para conter a umidade nos meus olhos. Sylvie se acomodou ao meu lado. Em vez de falar, ela repousou a cabeça no meu ombro.

Ficamos assim por um bom tempo, só nós duas. Na presença dela, senti-me voltando ao eixo. Ela tinha uma maneira de me transportar para fora do momento e me levar de volta a dias mais simples. Era tão estranho que a pequena fera parecida com uma raposa, que costumava andar sobre a cabeça de Arthur, tivesse crescido e se tornado essa jovem poderosa e empática. Eu conseguia me lembrar tão claramente de quando ela eclodiu pela primeira vez em Zestier…

Afundei no momento, apreciando a paz e o silêncio. Em vez de me preocupar com o futuro, ouvi o farfalhar de nossas roupas contra os lençóis a cada pequeno movimento. Observei a luz do sol se refratando pela janela, cintilando nas paredes. Escutei nossa respiração se sincronizar, e senti o fluxo sutil da assinatura de mana de Sylvie ao meu lado, movendo-se com a mesma leve inquietação de olhos sob pálpebras fechadas.

Aos poucos, toda a tensão se dissipou.

— Obrigada — falei, por fim.

Ela estendeu a mão e segurou a minha, envolvendo-a com as duas mãos.

— Eu… queria te dizer — comecei, de repente me sentindo desajeitada. Eu sabia o que queria dizer, mas as palavras pareciam difíceis de segurar. — Boa sorte. Sabe, quando for visitar os outros asuras. Você vai protegê-lo? Deixa pra lá, eu sei que vai. Sinto muito não poder estar lá, mas… eu preciso ir pra casa.

As mãos dela apertaram as minhas. — Claro. Arthur disse a eles que teriam que esperar. — Ela me olhou com uma compreensão repentina e, em seguida, um sorriso cheio de simpatia. — Nós vamos te levar pra casa primeiro, Tessia.

 

 

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O ar mudou quando pisei para fora do portal na escuridão. Surgir tão de repente no subsolo fresco e úmido parecia quase como acordar depois da atmosfera quase perfeita de Chama Eterna. Como se Dicathen fosse mais real, de alguma forma.

Meus olhos começaram a se ajustar, e me vi no centro de um túnel largo e sem grandes características. Arthur já estava lá, tendo chegado primeiro pelo portal. 

Atrás de mim, Ellie e Boo apareceram, seguidos por Alice, e depois Sylvie. 

Nossa chegada foi recebida por um grito, e todos nos viramos para ver vários guardas anões, fortemente armados, correndo em nossa direção. Atrás deles, havia uma parede rudimentar com um pequeno portão.

Antes que pudessem nos alcançar, outra figura atravessou o portal. Vestido com o mesmo uniforme militaristicamente rico que eu sempre o via usando e seus olhos sobrenaturais indecifráveis, Windsom fez os anões pararem de imediato com um simples olhar.

Ao ver Windsom pela primeira vez, fui jogada de volta para a batalha entre Cecilia, Nico e ele. Esse dragão havia ajudado o General Aldir a reduzir Elenoir a cinzas. Eu estava praticamente catatônica na época, mas as memórias de Cecilia da luta eram suficientemente claras. Parecia absolutamente injusto que esse dragão ainda estivesse servindo felizmente a seu senhor, capaz de viajar entre nosso mundo e o dele a qualquer momento, enquanto os fragmentos destroçados do meu povo estavam dispersos e sem lar, sem ter para onde ir.

— Darv, conforme solicitado — disse Windsom de maneira precisa. — A cidade de Vildorial está além daquele portão. — Ele indicou os guardas. — Virion Eralith e uma procissão de elfos estão aqui, embora a maior parte dos refugiados tenha sido relocada antes do último ataque de Agrona.

Os anões, finalmente capazes de olhar além de Windsom para o restante de nós, reconheceram Arthur imediatamente.

— Regente Leywin! Você está vivo… — O anão no comando se virou para um de seus homens. — Vá para Lodenhold imediatamente. Informe aos Lordes Earthborn e Silvershale que…

— Espere um momento — disse Arthur, levantando a mão. — Tenho assuntos para resolver, depois irei ao conselho pessoalmente.

Os anões trocaram olhares desconcertados, mas nenhum deles se mexeu.

— Bem, Arthur, se não houver mais nada, receio que estou muito ocupado para levá-lo para outros lugares…

— Lorde Leywin — interrompeu Arthur.

Apesar da minha raiva em relação a Windsom, não pude deixar de me encolher diante da confrontação entre suas intenções opostas. Não era apenas eu; Alice e Ellie instintivamente recuaram no espaço confinado do túnel sombrio, e Boo se moveu para protegê-las do conflito.

— Claro… Lorde Leywin. Peço desculpas. — Windsom se curvou profundamente, escondendo sua expressão.

— Sem problemas, Windsom. — O olhar de Arthur era penetrante, seu tom gelado. — É uma grande mudança para você se acostumar, eu sei, mas tenho certeza de que conseguirá.

— Claro. — O asura fingiu uma atitude de servilidade, mas eu podia praticamente ver a irritação fervendo sob sua pele. — Retornarei em dois dias para abrir o caminho de volta para Epheotus.

— Está dispensado por enquanto — disse Arthur, virando-se para longe de Windsom.

Os guardas anões, que haviam assistido à troca como estátuas de olhos arregalados, se curvaram profundamente diante de Windsom quando ele se virou para o portal.

Vi Ellie e Alice trocarem um olhar, mas nenhuma delas se moveu para mostrar qualquer respeito a ele. Levantei o queixo e mantive-me ereta, mas ele não olhou para nenhum de nós antes de desaparecer no portal, que então se dissolveu.

Não expressei meus pensamentos em voz alta para Arthur, mas senti um frisson ao vê-lo colocar Windsom em seu lugar. Uma parte de mim desejava que Arthur tivesse sido ainda mais cruel.

O pensamento azedou assim que o tive. Não sou a Cecilia, para me deleitar com tais coisas. Quando Arthur se aproximou dos guardas e fez um gesto para que se levantassem, afastei os pensamentos, abrindo espaço para o nervosismo que sentia ao pensar em ver o vovô Virion.

Uma mão deslizou para a minha, e olhei para Ellie, que sorriu.

— Você está com aquela cara de novo. — Ela me disse.

Respondi com um sorriso envergonhado. Nas últimas duas semanas, ela começara a me chamar a atenção sempre que eu tinha a “cara preocupada”. — Desculpe, eu só…

— Por favor, não peça desculpas — disse Sylvie do meu outro lado, logo antes de pegar minha outra  mão, de modo que nós três caminhávamos em uma corrente como se fôssemos crianças. — Você passou por muita coisa, e teve apenas algumas semanas para se recuperar. Esse tipo de trauma pode levar anos apenas para começar a se desenrolar.

— Nossa, obrigada — falei brincando, puxando Sylvie mais perto para nossos ombros se esbarrarem. Nós três compartilhamos uma risada.

Os guardas abriram o portão, e Arthur trocou algumas palavras a mais com eles enquanto o resto de nós entrava na enorme caverna que abrigava a cidade de Vildorial.

— Uau. — Deixei escapar, virando-me para contemplar toda a caverna.

Vildorial não era diferente de uma colmeia que tivesse sido virada do avesso. Habitações de todas as formas e tamanhos eram esculpidas nas paredes externas, enquanto uma estrada curva girava em espiral descendente, conectando os vários níveis. Seu povo, predominantemente anões, movimentava-se ocupadamente, alguns usando grandes mochilas, outros arrastando carrinhos ou conduzindo bestas de mana para fazê-lo por eles.

O fluxo de tráfego ao nosso redor começou a desacelerar à medida que as pessoas perceberam que Arthur estava conosco. Ele começou a nos guiar pela estrada enquanto o primeiro grito de “Lança Arthur!” ressoava pela caverna. A multidão se reuniu atrás de nós, com muitos dos anões abandonando o que estavam fazendo para seguir e expressar seus agradecimentos ou mensagens de boas-vindas. Embora nem todos estivessem felizes com sua presença.

— Você nos abandonou! — gritou uma mulher. — Meu filho está morto. Os alacryanos o mataram quando atacaram, e onde você estava?! — Alguém tentou agarrá-la, mas ela a empurrou para longe. — Nosso regente? Nosso protetor? Olhem para ele! — Esta última parte foi dirigida à multidão reunida. — Ele não é melhor que os dragões ou os alacryanos!

— Cale a boca — gritou um anão de aparência rude.

— Eles estão apenas deixando todos irem embora! — gritou outro homem, olhando para Arthur desesperadamente. — Os alacryanos que nos atacaram. Estão deixando eles irem!

 — Chega de estrangeiros! — gritou a primeira mulher. — Darv para os anões! Enforquem todos por seus…

Alguém empurrou a mulher, e uma briga rapidamente se iniciou, interrompendo o discurso frenético. Boo começou a rosnar, se colocando entre Ellie e os agressores.

Arthur não havia prestado atenção aos gritos, mas agora ele parou e se virou. À medida que os golpes físicos começavam a voar, ele entrou na confusão, separando os anões apenas com sua presença. A briga terminou tão abruptamente quanto começou. Um grupo de guardas próximos, que haviam começado a se dirigir para nossa direção, hesitou e olhou nervosamente uns para os outros. 

— Sinto muito pela sua perda — disse Arthur, sua voz suave o suficiente para que os anões ao seu redor precisassem se esforçar para ouvir. — Sinto muito por todos que perderam entes queridos nesta guerra, seja na última batalha ou na primeira há anos — continuou ele, olhando ao redor. — Sei que muitos rumores devem ter se espalhado na ausência de informações factuais nas últimas semanas. Não caiam na armadilha daqueles que se alimentam de seus medos. Estou a caminho agora para explicar tudo aos seus líderes. Eles compartilharão a verdade em breve.

Anões suados e com os olhos arregalados observavam Arthur se movimentar entre eles. Alguns até chegaram a estender a mão, seus dedos roçando o braço ou a parte de trás da mão dele. Eles permaneceram ali enquanto avançávamos, a multidão toda parada na estrada, claramente incerta sobre o que fazer agora.

— Bem, era de se esperar, suponho — disse Ellie em voz baixa, quase como se estivesse falando para si mesma. — Espero que todos os outros estejam bem.

— Descobriremos em breve — respondeu Arthur, olhando por cima do ombro.

A estrada levava diretamente ao palácio dos anões, mas Arthur não nos levou para ver os senhores anões. Em vez disso, nos guiou por uma série de túneis menores e, eventualmente, até uma longa escadaria em espiral. Passamos por uma pequena caverna e…

Bem, para algo que eu não esperava de forma alguma.

Eu sabia que Arthur estava nos levando para o vovô Virion, e parecia que havíamos subido quase até a superfície para chegar a essa câmara, mas mesmo assim, eu esperava um deserto… não isso.

Um maravilhoso oásis de dentro das pedras se abriu diante de nós. A gruta era intensamente iluminada por pequenas luzes oscilantes que flutuavam e dançavam sobre musgo verdejante e vinhas esmeralda que cresciam para esconder as paredes.

O mais incrível de tudo, no entanto, era a grande árvore que ocupava o centro da gruta. Reconheci suas folhas largas e brotos rosa imediatamente.

— Esta árvore é da Floresta Elshire…

— E dá a este lugar seu nome — disse Arthur suavemente. — Este é o Bosque Elshire.

— É lindo — falei, olhando ao redor novamente. Desta vez, meu foco se fixou em uma área onde o musgo havia sido removido e substituído por solo escuro e fresco. 

Muitas mudas brotavam em fileiras organizadas. Foi entre as mudas que senti pela primeira vez a assinatura do meu avô, e minha cabeça se voltou para a árvore justo quando ele saiu da pequena casa construída em seus galhos.

— Arthur, é você? Eu… — A voz dele se apagou enquanto ele olhava para baixo a partir da varanda da pequena casa na árvore.

Um medo que eu vinha alimentando silenciosamente veio à tona.

Cecília fez coisas terríveis enquanto usava meu rosto, meu corpo. Um anão comum na rua talvez não me reconhecesse — ou a ela — pela aparência, mas eu estava aterrorizada de que meu avô visse não a mim, mas ela. Não achei que poderia suportar ver um olhar de horror no rosto dele ao me ver.

E ainda assim…

Enquanto sua mandíbula caía e seus olhos se arregalavam e brilhavam, parecia que uma luz irradiava de dentro dele. Não havia nada de apreensão ou horror em seu rosto, e em um instante, vi anos de medo e dificuldades se derreterem dele.

Ele saltou sobre a grade da varanda, caiu levemente no chão a mais de três metros abaixo e correu em minha direção.

— T-Tessia! — Ele engasgou, a garganta apertada com emoção.

Já sentindo que estava começando a desmoronar, corri para encontrá-lo. Colidimos, e o vovô me envolveu em seus braços. Eu desmoronei neles, um soluço desesperado sacudindo meu corpo. Todo o estresse, ansiedade, confusão e medo existencial que senti nas últimas duas semanas explodiram de mim como se eu tivesse lançado um feitiço do atributo água dos meus olhos.

Vovô caiu de joelhos e me segurou como fazia quando eu era criança. Ele fez sons de acalento e acariciou meu cabelo. Não tive coragem de sentir vergonha ou culpa por essa demonstração diante de Arthur e sua família.

— C-Como você sabia? — ofeguei entre soluços sufocados, desesperada para que ele entendesse.

— Você é minha neta… — Ele disse, sua voz rouca tão confortável quanto um cobertor pesado. — Um olhar para você é o suficiente.

Enquanto eu continuava a chorar, não foram apenas as últimas semanas que me fizeram chorar. Não consegui calcular facilmente o tempo exato que passei atrás de Cecilia, desde o momento em que Elijah — Nico — me capturou em Elenoir até as fatídicas últimas horas após ajudar Cecilia a escapar das Relictombs e retornar para Agrona. Um ano, provavelmente mais, mas pareceu uma vida inteira. Duas vidas. Eu havia morrido e renascido uma pessoa completamente diferente.

E tudo isso, cada momento agonizante de compartilhar espaço mental com a criança problemática e danificada que era Cecília, as memórias de todas as coisas horríveis que ela fez enquanto estava no meu corpo, todas as memórias da vida passada de Arthur que Cecília compartilhou, tanto as reais quanto as inventadas, cada coisa estranha que experimentei e descobri…

Tudo isso estava transbordando de mim.

Arthur estava falando. Ele disse algo sobre Agrona e os asura. Explicando onde estivemos nas últimas semanas e por que não me trouxe de volta antes.

— Sinto muito, gostaria de poder ficar, mas há várias outras pessoas com quem realmente preciso falar, e não tenho certeza de quanto tempo estarei em Vildorial. — Ele concluiu. — Vamos dar a vocês algum tempo… apenas para estarem na companhia um do outro.

Meu choro foi diminuindo, enxuguei os olhos e comecei a me desvencilhar do meu avô. Ele me segurava protetoramente, mas eu sorri para ele.

— Não precisa me segurar tão firme, vovô. Prometo que não vou a lugar nenhum, mas… preciso de um momento a sós com Arthur antes que ele vá embora. Só um momento.

— O pirralho já teve você por duas semanas, eu… — Olhando em meus olhos, ele parou. Seu rosto era uma confusão indecifrável de emoções conflitantes fundidas em uma única expressão, mas alegria e confiança brilhavam mais intensamente. Com um sorriso compreensivo, ele me ajudou a levantar e deu alguns passos para trás.

Sylvie, Ellie e Alice me abraçaram e garantiram que voltariam para me ajudar a me acomodar. Arthur então as mandou na frente, explicando que se encontraria com elas mais tarde antes de me levar para ficar perto do pequeno arboreto cheio de mudas.

Abaixei-me e passei os dedos pelo solo. Era o mais rico que já tinha visto, cheio de mana do atributo terra. — Há um toque de Epheotus nisso.

— Sim. Foi um presente. De… Aldir. Um símbolo, algo para ajudar a compensar o que ele fez — explicou Arthur. — Não que qualquer coisa possa.

Eu já tinha ouvido a verdade sobre o que aconteceu com Aldir, o asura que queimou minha casa. Essa informação não me trouxe paz, mas não pude evitar o lampejo de saudade e… esperança… que as árvores de Elshire me trouxeram.

— O que você queria dizer? — perguntou Arthur, se abaixando ao meu lado e fingindo examinar as folhas de uma árvore. Na verdade, toda a sua atenção estava em mim. Ele estava tenso como uma corda de arco.

— Não quero dizer a coisa errada ou prolongá-la, então vou tentar ser direta — falei, as palavras saindo rapidamente. — Muita coisa mudou, Arthur. Muita. Até demais. — Ele abriu a boca para falar, mas eu continuei, com medo de perder a coragem se não o fizesse. — Nós já dissemos isso antes: a promessa que fizemos, o momento e as palavras que compartilhamos, tudo foi tão lindo. E era real. E…era importante. Houve tantas vezes em que quis simplesmente desistir, deixar-me desaparecer ou sacrificar-me para destruir Cecília. No final, foi aquela promessa entre nós que me deu a força para sobreviver quando a morte parecia muito mais fácil. No entanto, a verdade é que eu não sou mais a pessoa com quem você fez essa promessa. E…e…

 — E eu não sou a pessoa que você pensava que eu era quando fez essa promessa — disse Arthur de forma direta. Ele estava calmo. Sério. Compreensivo.

 Balancei a cabeça e meu cabelo caiu diante dos meus olhos.

— Eu sei quem você é, Arthur. Eu realmente sei. E é por isso que estou te liberando da promessa que fizemos. Obrigada por tê-la feito. Guardarei aquele momento para sempre, mas não vou me apegar a ele em detrimento do futuro do mundo.

Fiquei de pé, afastando o cabelo. Arthur imediatamente levantou a mão para enxugar minhas lágrimas, mas não havia nenhuma. Ele hesitou. Peguei a mão dele com as minhas e a segurei entre nós enquanto me inclinava e pressionava meus lábios contra os dele. Meu coração se partiu com a suavidade de seus lábios e o ritmo instável de seu pulso, mas minha determinação não diminuiu. O coração quer o que o coração quer, mas meu espírito estava em paz com minha decisão.

Ao me afastar, mergulhei nos orbes dourados de seus olhos. Eles realmente eram os olhos mais lindos que já tinha visto.

— Cuide-se, Arthur… — Ouvi a mim mesma dizer, mal consciente das palavras. — Não se perca em tudo isso.

 Deixei a mão dele escorregar da minha e me virei, sabendo que ele precisava que eu fizesse isso. Eu podia sentir a intensidade do olhar dele em minhas costas como os raios do sol, e eu suportei.

 


 

Tradução: NERO_SL

Revisão: ***

 

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