Inclinei-me para frente e deixei minha testa bater contra a superfície áspera da mesa com um som abafado.
— Eu mesmo vou — resmunguei, com as palavras meio abafadas pela madeira. — Estamos mijando no escuro aqui.
— Isso é uma péssima ideia — respondeu Darrin com naturalidade. Os outros rapidamente ecoaram o sentimento. — Não sabemos o quão perto de Taegrin Caelum seus homens conseguiram chegar antes de desaparecerem.
Bati minha cabeça dolorida contra a mesa pela segunda vez.
— Devemos saber mais em breve, então eu vou. Sem contato com Dicathen, ver dentro de Taegrin Caelum pode ser a única maneira de termos certeza. — Sentei-me ereto, e o mundo girou de maneira desorientada, o que era incrivelmente irônico, considerando que eu estava completamente sóbrio.
Olhando ao redor, observei as quinze ou mais pessoas reunidas no escritório do segundo andar de uma elegante casa com vista para a avenida principal de Cargidan. Alguns fingiam estar ocupados e não prestavam atenção à minha conversa com Darrin, mas todos estavam convenientemente voltados em nossa direção. A maioria não se dava ao trabalho de esconder o interesse, esperando ansiosamente para se envolver, de uma maneira ou de outra.
Nenhum deles parecia particularmente entusiasmado com a ideia de eu me aventurar nas Montanhas Presas do Basilisco para descobrir por que nossos homens continuavam desaparecendo ao redor da fortaleza de Taegrin Caelum, sem deixar sequer um rastro de sangue para seguir.
— O que foi? Não acham que sou capaz? — bradei, encontrando os olhares, um por um, e depois sorrindo com uma satisfação sombria ao ver que todos desviavam ou abaixavam o olhar. Todos, exceto Darrin. Acenei para ele, alcancei o cantil no meu cinto, parei no meio do caminho e, em vez disso, bati os nós dos dedos na madeira diante de mim. — Bah. Vá para casa, Darrin. Não há nada para você fazer aqui, e aquele bando de órfãos deve estar sentindo sua falta.
O rosto de Darrin se abateu, e senti um arrepio de culpa e arrependimento subir pelo meu pescoço..
A maioria dos que estavam sob os cuidados de Darrin eram filhos de magos que já estavam em Dicathen ou foram enviados para lá no ataque mais recente. Para caçar Arthur Leywin. Sem comunicação de Dicathen, e com poucos soldados retornando, não tínhamos como saber quantos de seus pais haviam sobrevivido.
— Muitos ascendentes foram engolidos pelo ventre desta guerra — disse Darrin suavemente, olhando para o chão. — Entre aqueles que foram com Seris, os recrutados para lançar esse ataque fracassado e os que ainda sofrem os efeitos da onda de choque, a sociedade em Alacrya parou completamente. Os que restaram precisam de ajuda.
Um movimento nas sombras atrás dos outros chamou minha atenção. O espectro da minha antiga comandante estava com os braços cruzados, o rosto escondido pelas sombras e pelo cabelo dourado que caía parcialmente sobre sua face. Engoli em seco, respirei entrecortadamente e então me levantei de repente, quase derrubando minha cadeira. De costas para o espectro — e para todos os outros na sala —, fui até uma janela que dava para a rua.
A rua, normalmente movimentada, estava vazia. O Alto Sangue Kaenig havia declarado lei marcial em Cargidan nas horas seguintes à onda de choque, cortando todo o trânsito não oficial, fechando a Associação de Ascendentes e a Academia Central, e confinando os moradores em suas casas, exceto para trabalhadores essenciais. Havia rumores de uma pequena rebelião, mas a aparição da Foice Dragoth, acompanhado de um séquito de soldados, magos e Instiladores, silenciou qualquer disposição da população, composta principalmente por magos fracos ou não magos, de desafiar os Altos Sangues. Dragoth e seu séquito tomaram a Academia Central e, até agora, haviam sido muito agressivos ao não permitir que ninguém chegasse a menos de uma bola de fogo de distância do campus.
Porém, eles vão conseguir entrar. Tenho certeza disso.
Como se o pensamento o tivesse invocado, um homem magro e esquelético, afogado em vestes desalinhadas, apareceu no final da rua, correndo como se houvesse uma dupla de panteras sombrias em seus calcanhares.
Ele estava sozinho. Que merda.
Um de nossos agentes, um brutamontes robusto chamado Akron, correu até a janela e olhou para fora. Ele também xingou.
— Limpem o local! Há uma boa chance de que esse local tenha sido descoberto.
— Saelii, comece a esvaziar o prédio — ordenei, já me apressando em direção às escadas que levavam ao primeiro andar. — Akron, Vaalish, suas equipes comigo. — Percebendo o olhar de Darrin pelo canto do meu próprio, acrescentei: — E você, saia imediatamente deste domínio. Vá para casa, Darrin. Estou falando sério.
Se ele respondeu, eu não ouvi por causa do som de muitos pés descendo as escadas e do martelar na minha cabeça. Em instantes, eu já estava do outro lado da casa, arrombando a porta da frente e indo para a rua.
Ainda no meio do quarteirão, Edmon do Sangue Scriven, um homem sombrio que havia sido meu ponto de entrada nos círculos acadêmicos, gritou quando me viu aparecer. Alguns metros atrás dele, quatro soldados do Alto Sangue Kaenig o perseguiam. Mesmo enquanto ele se virava desesperadamente para olhar seus perseguidores, um deles levantou a mão, e mana brilhou.
As sombras na rua estavam se alongando à medida que o sol se movia para o oeste no céu, e, de repente, aquelas sombras brilharam com uma luz verde. Uma névoa radiante espirrou nas pedras da calçada, chiando e estalando enquanto corroía o chão e o escudo de mana que havia envolvido Edmon no último segundo. O Escudo ao meu lado estava com o rosto suado enquanto lutava para conter o ataque poderoso.
— Senhor? — perguntou Vaalish, sua voz chiando por entre seus lábios marcados por cicatrizes. Encontrei seu único olho bom e acenei com a cabeça.
Um estalo agudo soou entre os magos perseguidores, e todos caíram no chão, gritando de dor e cobrindo os ouvidos ensanguentados com as mãos. O ar ao redor deles distorceu quando a crista de Akron se ativou, pressionando fortemente seus peitos com uma combinação de ar denso e gravidade aumentada. Escudos conjurados os cercaram, bloqueando seus últimos feitiços fúteis até que, um por um, seus olhos reviraram e eles desmaiaram por falta de oxigênio.
Edmon parou ofegante na minha frente, as mãos nos quadris e a cabeça jogada para trás enquanto sugava desesperadamente o ar.
— O-Obrigado. — Ele conseguiu dizer depois de um momento.
Eu o encarei com um olhar de reprovação.
— Onde está o garoto Severin? Tristan? — questionei.
Ele empalideceu, dando meio passo para trás.
— Eles nos pegaram, Alaric. Nós fugimos. Por pouco não consegui pular o muro, mas o garoto… — Ele parou de falar, recusando-se a me olhar nos olhos.
Olhei para os prédios ao redor. Alguns rostos já estavam pressionados contra as janelas, observando a confusão. Virando-me para Akron e Vaalish, falei:
— Vocês sabem onde precisam estar. Vão. — Darrin estava parado na entrada da casa que acabáramos de evacuar. — Eu disse para ir para casa. Você tem um monte de órfãos em potencial que precisam de você. Entrarei em contato.
Agarrando Edmon pela gola da camisa, eu o empurrei rapidamente até o beco mais próximo.
— Se já não estiverem a caminho, os reforços do Alto Sangue Kaenig chegarão em breve. Ou coisa pior. Houve algum sinal da Foice? Seu retentor? Não importa. Vamos nos mexer. Podemos conversar quando for mais seguro. — Assim que terminei de falar, ouvi passos nos seguindo e me virei.
Darrin puxou o capuz para cobrir o rosto enquanto se enfiava no beco atrás de nós.
— Ainda tenho algumas coisas a fazer em Cargidan antes de voltar para casa — disse ele.
Mordi a parte interna da bochecha e passei os dedos pela garrafa no meu cinto.
— Não. Eu não serei responsável por contar para aquela criança adotada sua que você se deixou ser capturado ou morto por teimosia.
As sobrancelhas de Darrin se ergueram, e ele me deu um sorriso forçado.
— Você é especialista em ser teimoso, Al. Por que ainda carrega essa garrafa se não quer beber dela?
— Eu preciso ser eu mesmo — murmurei, tomando cuidado para não olhar para a sombra da mulher que estava ao lado de Darrin, com uma pequena trouxa se contorcendo em seus braços. — Eu preciso ser mais do que o ascendente bêbado que tenho sido nas últimas décadas…
Darrin abriu a boca para responder, mas as palavras não vieram.
Suspirando e flexionando minhas mãos trêmulas, considerei a melhor forma de me livrar de Darrin, mas precisava ser cuidadoso. Olhei pelas janelas e pelos cantos para garantir que não estávamos sendo seguidos por mais ninguém, depois me virei e entrei em outro beco. Após mais algumas curvas apressadas, sabia que qualquer curioso que tivesse nos visto sair da briga não seria mais capaz de nos enxergar, mesmo que tivesse corrido por um dos prédios desse lado da rua para tentar nos acompanhar e ganhar algum favor do Alto Lorde Kaenig ou da Foice Dragoth por seus esforços.
Tateando um dos botões afixados aos meus protetores de pulso de couro, ativei-o e invoquei um item de dentro do espaço dimensional anexado. Um colar de prata requintado apareceu em minha mão. Era feminino e delicado demais para parecer natural em qualquer um, exceto uma dama de alto sangue, mas eu não havia tido exatamente opção para escolher o design.
— Coloque isso. — Pressionei o colar nas mãos de Edmon. — Agora — rosnei quando ele começou a me questionar.
— De que adianta esconder meu rosto agora? — Ele reclamou. — Eu nunca deveria ter concordado com… — Ele se calou, e o pomo de Adão subiu e desceu enquanto ele engolia em seco, antes de atrapalhar-se para conseguir colocar a joia delicada ao redor do seu pescoço magricela.
— Ah, apresse-se! — resmunguei, olhando ao redor novamente. A mana bombeava em meus ouvidos, ampliando minha audição ao máximo que eu era capaz. Achei que podia ouvir passos de armaduras ecoando na rua, ainda a uma boa distância.
— Deixe-me ajudar — disse Darrin, lançando-me um olhar e ajudando Edmon a prender o colar.
Assim que o fecho do colar se prendeu ao redor do pescoço dele, houve uma pulsação imediata da mana contida dentro da peça, e os traços do rosto de Edmon pareceram se tornar meio borrados e indistintos. Dependendo do ângulo que eu olhava, ele podia parecer uma dúzia de pessoas diferentes. À primeira vista, ninguém seria capaz de reconhecê-lo ou descrevê-lo corretamente depois.
Retirando uma capa pesada de meu artefato dimensional, empurrei-a contra ele com força suficiente para jogá-lo contra a parede.
— Enrole-se, fique quieto e me siga — ordenei, virando-me e fixando o olhar nos olhos de Darrin.
— Precisamos nos separar. Você vai por aquele caminho, e nós seguiremos por este. — Gesticulei com o polegar.
Darrin balançou a cabeça, cruzando os braços sobre o peito.
— Pare de tentar ser tão malditamente disposto a se sacrificar, Al. Se nos enroscarmos com uma patrulha, você precisará de alguém que realmente saiba lutar. — Ele evitou cuidadosamente olhar para o borrado Edmon ao meu lado.
— Droga, garoto, você só vai chamar mais atenção para nós! — resmunguei, o pânico crescendo em minhas entranhas. — Vá por ali. Dê a volta e vá para a biblioteca. Ela está fechada, mas alguns dos guardas de plantão aceitam suborno. Continue tentando nos seguir e eu juro que vou te dar uma surra.
A mandíbula de Darrin caiu, e seus olhos se arregalaram como se ele tivesse acabado de ver um wogart jogando Disputa de Soberanos. Virei-lhe as costas e marchei rapidamente. Edmon hesitou por um momento, mas logo começou a me seguir. Mantivemos-nos principalmente nos becos, pelo menos no início, mas logo fomos forçados a seguir pelas ruas maiores. Embora as ruas vazias significassem muito menos olhos para evitar, também significava que não havia multidão para nos misturarmos. Mesmo se os guardas que passassem não conseguissem identificar Edmon, certamente perceberiam que algo estava errado ou nos notariam só por estarmos do lado de fora.
— Então? O que está acontecendo na Academia? — perguntei baixinho quando achei que fosse seguro falar.
Edmon, com seu rosto borrado mal visível sob o capuz profundo, olhou nervosamente ao redor antes de responder:
— Todos os Instiladores e funcionários que estão chegando à cidade vindos do Taegrin Caelum estão amontoados lá, como você pensou. Eu diria até que estão aprisionados, na verdade. Dragoth está trabalhando duro para garantir que as notícias do que está acontecendo não vazem para a população.
— E você conseguiu descobrir algo sobre o que está acontecendo? — perguntei.
— Aparentemente, parte da fortaleza desabou quando a onda de choque aconteceu. Depois disso, a própria fortaleza pareceu… virar contra seus habitantes. Amigo ou inimigo, não importava. Muitos, muitos mortos.
— E o Alto Soberano?
Houve uma longa pausa. Agarrei a manga da camisa de Edmon e o puxei para mais perto.
— Você conseguiu descobrir algo sobre Agrona? — Repeti a pergunta.
Edmon pigarreou nervosamente.
— É só um boato…
— Pelo traseiro inflamado do Alto Soberano, Edmon… — Minhas palavras foram interrompidas quando vi a silhueta esguia do fantasma da minha comandante meio oculta em uma porta próxima, o rosto na sombra, emoldurado pelo cabelo. Distraído, me perguntei quanto tempo havia passado, imaginando se o cabelo dela realmente caía assim no rosto ou se eu simplesmente havia inventado isso, enquanto minha mente cansada, sóbria e frágil manifestava a mulher morta como se ela estivesse realmente ali.
Edmon não percebeu para onde eu estava olhando.
— Aparentemente, alguns dos artefatos de gravação mecânica ao redor de Dicathen ainda estão funcionando. — Ele hesitou novamente, a expressão distorcida pelo artefato disfarçador. — Um deles foi recuperado por uma Assombração, que o trouxe de volta para Alacrya. Poucos viram o conteúdo.
Esperei, ficando cada vez mais irritado com o rodeio que Edmon estava fazendo.
Talvez ele tenha notado, pois se apressou.
— Quase todos que viram a gravação foram mortos.
— Então como alguém sabe o que estava nela?
— Porque um dos Instiladores responsáveis por revisar o artefato fugiu antes que Dragoth soubesse de tudo isso — respondeu Edmon, levantando as sobrancelhas e me lançando um olhar significativo.
— Esses rumores sugerem o que estava nessa gravação?
O sorriso de Edmon era estranho em seu rosto nebuloso.
— Apenas a prova de que o Alto Soberano se foi para sempre.
Minha mente estava a mil, refazendo meus planos no ato. Esse risco já era imprudente, mas se o Taegrin Caelum realmente estivesse inacessível, até mesmo para uma Foice, e houvesse provas de que Agrona estava morto ou capturado…
Isso tem que valer a pena.
Levei Edmon para fora da rua e contornei a parte de trás de uma loja fechada. Quando canalizei mana para a fechadura mágica, a porta se abriu por dentro. Tive apenas um momento para perceber um homem com armadura negra e carmesim. Um curto chifre de ônix surgia de seus cabelos desalinhados acima de um olho vermelho brilhante, enquanto nenhum chifre era visível do outro lado, onde o olho era de um marrom turvo.
De repente, o punho dele estava agarrado na frente da minha camisa, e eu fui lançado para frente. Tive tempo apenas de me proteger com mana antes de atravessar a janela da frente da loja e me espalhar pela rua.
Grunhindo, levantei a cabeça das pedras do pavimento e tirei vidro da minha barba. Um pequeno sino tocou, e a porta da frente da loja se abriu. O homem com sangue Vritra arrastava Edmon para fora. Ele parou na minha frente, olhando para mim com seu nariz pontudo.
Eu tremia de dor e raiva. Um olho escarlate, outro castanho…
Cuspi sangue aos pés dele. Wolfrum do Alto Sangue Redwater. Traidor e agente duplo. Eu já tinha ouvido falar da sua traição, de como quase capturou Lady Caera, mas nunca o vi nessa forma, apenas como o pequeno rato corcunda que era sua fachada, e não o reconheci imediatamente.
A visão fantasmagórica da minha ex-comandante, agora encostada na parede atrás dele, me deu um olhar triste e um aceno de cabeça apologético, quase como se lamentasse não ser de carne e osso para poder me ajudar.
O sol estava atrás de mim, apenas espreitando por cima dos telhados distantes. As condições não eram ideais para nenhum dos meus feitiços, mas eu não podia deixá-lo me capturar sem lutar.
Na mão de Wolfrum, Edmon começou a tremer e a chiar.
— P-por favor, ele me obrigou, eu não tive escolha! Posso te contar o que quiser saber, só não me machuq… hrk!
O colar de prata se apertou rapidamente, cortando as palavras de Edmon antes de rasgar sua garganta. O sangue quente e espesso escorria por seu peito enquanto seu rosto se tornava claramente visível. Ele me olhou, horrorizado e confuso, seus lábios pálidos movendo-se sem emitir som algum.
Desculpe, Ed, pensei, retirando minha mana do artefato, que garantia o anonimato de mais maneiras do que apenas ocultar o rosto. Enquanto Wolfrum observava o homem moribundo com surpresa e irritação, aproveitei a distração para começar a canalizar meu emblema, Explosão Solar.
O nascido Vritra soltou Edmon sem cerimônia na rua.
— E os plebeus pensam que nós somos cruéis — disse ele, voltando-se para mim com uma sobrancelha erguida.
A mana correu para a Explosão Solar, e o brilho do sol incendiou a rua, tornando o céu inteiro branco. Wolfrum chiou e levantou a mão sobre os olhos fechados.
Ativando Decadência Miópica, concentrei-a em meus próprios olhos em vez dos do inimigo, diminuindo minha visão contra o brilho enquanto me levantava rapidamente e começava a correr. Algo me atingiu por trás, me levantou e girou no ar, e então me jogou no chão novamente. Estava vagamente consciente de ter quicado algumas vezes antes de finalmente parar, imóvel. Sabia que, desta vez, não havia escapado ileso, mas enquanto eu não me mexesse, ainda não sentiria toda a dor.
— Que momento para parar de beber — comentou a sombra da minha comandante, inclinando-se ao meu lado.
— Que momento para estar morta — respondi sem fôlego.
Ambos os meus feitiços tinham se dissipado, e eu esperava que Wolfrum ficasse satisfeito com minha tentativa de fuga. Em vez de se aproximar de mim, no entanto, ele soltou um grunhido de esforço e houve um som abafado de ar deslocado.
Virei-me de lado, com o corpo inteiro dolorido e machucado, mas mal senti isso diante do tumulto interior e do aperto no coração.
Darrin voou pela rua atrás de Wolfrum, atacando o nascido Vritra com uma série rápida de socos e chutes que se alongavam com o vento.
Cheio de desespero, enviei uma pulsação aguda com Disrupção Aural, focada em Wolfrum. Ele se encolheu, errando por pouco um jato de chamas negras — Fogo da Alma — direcionado ao peito de Darrin.
— Maldito seja, garoto — grunhi, levantando-me com dificuldade. Cada junta do meu pescoço para baixo reclamou, e eu podia sentir uma costela quebrada perfurando o tecido macio das minhas entranhas. Forçando a dor a diminuir, alcancei o terceiro nível de Decadência Miópica.
Meu corpo se tornou uma série de borrões sombrios. Cambaleei para a frente, já não conseguindo correr ou mesmo fingir que podia. Todo o meu plano havia se desfeito de um momento para o outro.
— Vá embora, idiota! Eu… tenho tudo sob controle.
Darrin não deu nenhuma indicação de ter me ouvido enquanto dançava ao redor de uma série de bolas de fogo da alma, carregadas em linhas negras de vento do vazio.
Do meu artefato dimensional, retirei um punhado de cápsulas envoltas em papel. Jogando-as no ar, liberei uma rápida explosão de Disrupção Aural, destruindo-as. Uma fumaça espessa começou a encher a rua. Poeira muito fina e brilhante ficou suspensa na fumaça, e novamente canalizei mana em Explosão Solar. A poeira brilhava como dez mil estrelas, queimando através da fumaça e tornando impossível enxergar.
Abaixando-me, corri em direção ao local onde ainda podia sentir as explosões de mana e ouvir o chiado e o estouro dos feitiços se chocando. Darrin estava recuando para dentro da nuvem ofuscante, mas rajadas de vento do vazio estavam dissipando a cobertura tão rápido quanto ela se formava. Uma lâmina negra apareceu em minha mão, e imbuí a madeira enegrecida com tanta mana quanto pude poupar para me concentrar.
Com uma súbita explosão de Disrupção Aural, seguida de um lançamento menor de Decadência Miópica direcionado a Wolfrum, passei voando por Darrin enquanto ele desviava de uma série de caveiras de fogo giratórias e me lancei contra seu atacante. Os olhos desiguais de Wolfrum se estreitaram em intensa concentração, e um escudo de vento negro o envolveu. Minha lâmina se arrastou pela superfície do escudo, e nossa mana faiscou e crepitou enquanto lutavam uma contra a outra.
A dele provou ser mais forte, e minha arma não conseguiu penetrar seu escudo.
Puxei a espada curta para o lado e caí para frente em um rolamento, mal evitando uma lâmina cortante de vento vazio que cortava o ar atrás de mim.
— Alaric do Sangue Maer. — A voz do nascido Vritra era como água gelada no meu rosto. — Você tem sido realmente irritante nos últimos meses. Deveria ter parado enquanto estava na vantagem. Meter seu nariz bulboso e vermelho nos assuntos da Foice Dragoth será o seu fim.
Estava de pé mais uma vez, com a lâmina estendida na minha frente. Atrás de Wolfrum, a nuvem estava começando a se dissipar lentamente, mas não consegui ver Darrin. Um suspiro de alívio escapou de mim. Ele havia escapado.
— Vou te dizer uma coisa, garoto — falei, liberando a mana canalizada para Explosão Solar enquanto a poeira de pedra se assentava, já não fornecendo uma superfície para potencializar a luz. Uma caixa dura apareceu em minha mão esquerda, que mantive escondida atrás das costas. — A guerra acabou. Seu Alto Soberano provavelmente está morto, seu chefe, a Foice, foi mutilado e humilhado. Minha chefe, embora ela nunca tenha sido realmente isso, está desaparecida e não teve contato com Alacrya desde a onda de choque. Por que não concordamos em cada um seguir seu caminho, hein? — Levantei uma sobrancelha significativamente. — Este continente está sofrendo. Quantos magos ainda não se recuperaram? Cidades inteiras, como esta, estão fechadas. Tudo o que estamos tentando fazer é colocar as pessoas de volta aos trilhos.
O rosto de Wolfrum se contorceu em um sorriso desdenhoso enquanto eu falava.
— O Alto Soberano retornará — disse ele —, e quando o fizer, nós lhe ofereceremos uma montanha de cabeças, que é tudo o que restará da sua facção traidora.
Dando um passo para trás, meus olhos se moviam ao redor, procurando uma rota de fuga.
Wolfrum sorriu. Confiante, ele relaxou.
— Patético. Eu esperava mais de um homem treinado como um dos melhores espiões de Alacrya. — Seu semblante escureceu. — Sim, sabemos quem você é agora. É impressionante que você tenha conseguido sobreviver tanto tempo. Como qualquer cachorro velho e doente, porém, chega um momento em que precisa ser abatido.
Sua mão se fechou em um punho, e chamas escuras e vento começaram a se condensar ao redor dele.
Nas chamas de ambos os lados de Wolfrum, as figuras fantasmagóricas apareceram novamente. Minha antiga comandante, a mulher que me ajudou a escapar do serviço ao Alto Soberano, estava à direita de Wolfrum, sua forma piscando e dançando. À esquerda dele, a outra mulher. Aquela com o pacote escuro em seus braços. Minha esposa. Minha família.
— É o seu funeral — resmunguei, embora soubesse que as palavras eram apenas isso.
Uma caveira em chamas grande o suficiente para me engolir inteiro se formou ao redor de Wolfrum antes de avançar, sua mandíbula bem aberta. Joguei a gaiola de mana que estava segurando. A mana transparente se ergueu e se expandiu em uma parede plana e transparente entre mim e ele. A caveira bateu contra ela e a barreira tremeu.
Com uma explosão de Disrupção Aural e o máximo de mana que consegui canalizar no terceiro nível da minha crista, eu me virei e saí correndo.
A rua à minha frente explodiu quando uma parede de vento vazio rasgou os blocos de pedra. Eu caí de costas com força, com a respiração esmagada pelo golpe.
Com dores e sem fôlego, não conseguia me mover, apenas assistir, enquanto Darrin aparecia do alto de uma varanda próxima, seu corpo envolto em mana do atributo vento. No meio segundo que levou para ele cair, uma saraivada de golpes atingiu Wolfrum de trás e de cima, deixando-o atordoado. Darrin atingiu o nascido Vritra com uma joelhada entre as omoplatas, fazendo-o cair no chão. Os punhos envoltos em vento cortante caíram mais rápido do que minha visão vacilante e manchada de vermelho poderia acompanhar.
A caveira gigante de fogo da alma e vento do vazio irrompeu. Darrin foi levantado das costas de Wolfrum por uma chama negra, e a barreira de mana se estilhaçou com um som como pedra rachando. Como se tudo se movesse em câmera lenta, vi claramente como o fogo negro era absorvido pela boca aberta e olhos de Darrin, até mesmo em seus poros. Senti o fogo da alma se enraizar em seu núcleo, o calor espectral queimar dentro dele.
Ele caiu no chão como um saco de areia, seu corpo mole e seus olhos rolados para trás.
Com uma descarga de adrenalina, me levantei e passei por Wolfrum, que estava se levantando lentamente, como se não estivesse preocupado com a nossa batalha.
Mal percebi o grito dos meus joelhos quando caí ao lado de Darrin, agarrando sua mão mole na minha.
— Eu te disse para ir embora — grunhi, toda minha força saindo de mim.
A sombra da minha ex-comandante se ajoelhou em frente a ele. Seus dedos tocaram seu rosto, sem borrar a sujeira e o sangue que o manchavam.
— Perdoe-me, garoto — engasguei enquanto o fogo da alma queimava tudo que fazia Darrin ser ele mesmo. Senti Wolfrum se movendo atrás de mim, mas o perigo que ele representava já não importava mais.
Ao som da minha voz, algo de vida voltou a Darrin. Ele agarrou minha mão, e seus olhos encontraram os meus. Estavam cheios de fogo da alma dançante. Ele tentou falar, mas só saiu um gemido dolorido. Sua mandíbula se fechou e suas costas se contraíram. Sua mão foi arrancada da minha.
O fantasma da minha comandante se moveu repentinamente na minha frente. Suas mãos seguraram meu rosto, e seus penetrantes olhos castanhos se fixaram nos meus.
— Isso não é culpa sua, Alaric. Nada disso foi sua culpa.
Deixei minha cabeça cair.
— Nós dois sabemos que não é verdade, Cynthia.
Dedos fortes me pegaram pelos cabelos e me levantaram.
— Levante seu amigo. Contanto que você não resista mais, irei conter meu fogo. Teste-me, e ele morre em um instante. Caso pense que poderia acabar com o sofrimento dele dessa forma, acredite em mim, morrer com fogo na alma não é um destino que você desejaria para alguém com quem você se importa e, no final, só aumentaria seu próprio sofrimento muitas vezes.
Cuspi sangue no chão aos pés do meu captor, mas me abaixei para levantar Darrin como ele ordenou.
— Você não sabe nada sobre sofrimento, garoto. Nada do que você possa fazer agora pode ser pior do que o que vocês, cães de sangue Vritra, já fizeram.
Tradução: NERO_SL
Revisão: Crytteck
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