Enquanto o sol de Epheotus nascia, juntei-me aos muitos dragões que se reuniam para meditar ao redor da fonte que dava a Chama Eterna seu nome. Nos primeiros dias, observei os dragões, encantado pela sua variedade. Estar nessa cidade me fez perceber o quão pouco do mundo asura eu havia visto. Agora, no entanto, com o Gambito do Rei ardendo na base das minhas costas, eu prestava atenção ao meu entorno com apenas uma parte da minha consciência, e isso era mais para garantir minha segurança do que para admirar os asura.
A maior parte do meu esforço consciente era direcionada à fonte. Dentro de um círculo de pedras com nove metros de largura, havia éter tão denso que se acumulava como água borbulhando de um poço profundo. Segundo os locais, o poço realmente perfurava as fronteiras do mundo, permitindo que o éter infiltrasse de fora das fronteiras de Epheotus; o reino etéreo. Era sacrilégio entrar na Fonte de Chama Eterna, mas isso não me impediu de verificar se a mitologia era baseada em fatos.
Do pseudo-líquido borbulhante, finos jatos de fogo púrpura surgiam como gêiseres. Esses jatos subiam a mais de três metros de altura, depois enfraqueciam até ficarem com apenas alguns metros, e então voltavam a subir. Havia um padrão complexo para os surtos, juntamente com um gêiser singular no centro da fonte etérea ardente, que regularmente jorrava até seis metros ou mais acima de nossas cabeças. Cada chama era acompanhada por uma efusão de éter, e era nessa emissão que os dragões se reuniam para meditar.
Os dragões não podiam absorver éter como eu, mas ainda assim usavam o intenso acúmulo de energia atmosférica para meditar em suas artes de vivum, aevum e spatium. A densidade na Fonte de Chama Eterna tornava essa prática muito mais fácil, assim como ajudava meu próprio processo de reabastecer meu núcleo de três camadas após drená-lo a ponto de causar uma reação adversa.
— Vejo que está de volta, humano.
Olhei de relance para a direção da voz, era uma mulher de cabelo rosa que, se fosse humana, pareceria ter meia-idade. Escamas brilhantes, ligeiramente mais claras do que sua pele clara, cercavam seus olhos e se estendiam por suas bochechas, mesmo em sua forma humanoide. Eu a via na fonte todas as manhãs, mas ela nunca havia falado comigo antes.
Ajoelhei-me a alguns metros fora do círculo de pedras antes de me dirigir a ela.
— Minha meditação deve ser concluída esta manhã, depois não perturbarei mais sua cidade. — Não disse que só estava lá porque Kezess ainda não havia achado por bem me buscar ainda. Myre apenas disse que eu deveria descansar e me recuperar, e que quando estivesse pronto, seu marido se encontraria comigo.
Fechei os olhos e alcancei o éter, puxando-o para meu núcleo. A sensação trouxe energia revigorante e uma nítida sensação de alerta.
Pés calejados esfregaram contra os ladrilhos, e uma presença potente se acomodou ao meu lado.
— Sua absorção do éter aqui tem sido motivo de muita consideração entre nós. Há aqueles que o veem como profano.
O ramo principal dos meus pensamentos estava voltado para dentro, focado na absorção e purificação do éter. Ainda assim, mesmo com apenas alguns fios do Gambito do Rei, consegui prestar atenção suficiente na asura para ouvir a pergunta implícita em suas palavras.
— Você quer entender como é para mim.
— Eu gostaria, sim — disse ela, com um leve sorriso na voz. — Não podemos julgar suas ações se não as entendemos, e o seu tipo de magia é algo que nem os mais velhos entre nós já viram antes.
Algo na curiosidade dela me chamou a atenção.
— Você não teme irritar seu senhor fazendo essas perguntas?
— Eu não fiz perguntas — respondeu ela. O som de tecido roçando na pele indicava que ela tinha dado de ombros. — Estamos apenas conversando, buscando um meio-termo. Compartilhe apenas o que desejar.
Considerei suas palavras. Distraído, a principal ramificação do meu foco se voltou para ela, e abri os olhos para encontrar seu olhar prateado me estudando cuidadosamente.
— Quem é você? — perguntei.
Os olhos dela se enrugaram nos cantos com diversão.
— Há dias você descansa na minha vila, recupera suas forças na minha fonte, e ainda assim não sabe quem eu sou? Eu ficaria insultada, se não soubesse que você foi protegido desse conhecimento de propósito. Lady Indrath teve suas razões, sem dúvida, mas também não me proibiu de falar com você. Meu nome é Preah, do Clã Inthirah, e Chama Eterna é meu domínio.
Eu me curvei em uma leve reverência.
— Lady Inthirah. Perdoe-me, não sabia que estava falando com uma nobre.
Ela bufou levemente e se virou para olhar a fonte, as chamas roxas refletidas na superfície de seus olhos prateados.
— Talvez antes, quando o Clã Inthirah era como um irmão para o Clã Indrath, meus antepassados teriam insistido no reconhecimento da nobreza, mas faz muito tempo que nenhum dragão fora do Clã Indrath é considerado nobre.
Ela falou sem amargura. Na verdade, senti mais orgulho do que qualquer outra coisa no inclinar de seu queixo e na inflexão de sua voz.
— Meu papel como Senhora de Chama Eterna não exige que eu seja nobre, mas que fale em nome do meu povo e assegure seu bem-estar contínuo. Neste momento, aprender sobre sua interação com o éter é a forma como estou fazendo isso. Agora, você sugeriu que quero entender como é para você absorver nosso éter, e admiti que gostaria.
Sua declaração ficou em aberto, convidando-me a retomar a conversa de onde havia sido interrompida pela revelação de sua identidade.
— Não é muito diferente de como é para você usar mana. Ou, pelo menos, como é para um humano usar mana — expliquei.
— Mas e quanto ao propósito inerente do éter? — Ela perguntou, inclinando-se levemente em minha direção. — Você não sente a atração da intenção do éter?
Considerei, perguntando-me quanto os dragões entendiam, se é que entendiam alguma coisa, sobre a verdadeira natureza do éter, como eu havia aprendido na pedra-chave.
— Lady Myre explicou longamente a experiência dos dragões com ele. Não sinto isso da mesma forma.
— Estranho — disse ela. Seus dedos traçaram a fenda entre duas pedras do pavimento, e seus olhos perderam o foco enquanto ela olhava para o curto horizonte. — E isso, claro, é o motivo pelo qual Lorde Indrath tem tanto interesse no seu mundo. Ele busca a verdadeira compreensão de suas habilidades. — Ela voltou a focar em mim, e suas sobrancelhas se uniram em uma leve expressão de preocupação. — Nossas lendas mais antigas falam de dragões que podiam fazer o que você descreve. Não… absorver o éter, mas manejá-lo tão facilmente quanto a mana.
— Foram esses asura que trouxeram Epheotus para cá do meu mundo — falei.
— Há algo errado? — Preah perguntou de repente. Ela tinha se afastado e estava me olhando como se eu fosse uma besta perigosa.
Percebi que fechei a cara. Estava pensando nos eventos que fizeram o éter se afastar dos dragões, diminuindo sua capacidade de manejá-lo livremente. Tentei suavizar minhas feições.
— Eu… peço desculpas. Ainda estou me recuperando de um infortúnio. Às vezes… minha mente divaga.
Preah pigarreou e afastou uma mecha de cabelo rosa do rosto.
— Bem… sim, é claro. Vou deixá-lo com sua meditação. Talvez possamos conversar novamente quando você se sentir melhor.
Apenas assenti em agradecimento antes de me virar de volta para a fonte. Meus olhos se fecharam novamente, e recomecei a me concentrar na absorção do éter. À distância, senti a Senhora do Clã Inthirah se afastar.
Dentro de uma hora, meu núcleo estava cheio. Algo como uma ressaca persistia devido à profundidade da reação, mas tinha certeza de que isso também desapareceria com o tempo. O mais gratificante era que a coceira do meu núcleo ferido não havia retornado. A cicatriz do ataque de Cecilia foi curada.
Enquanto caminhava pelas largas ruas de Chama Eterna, em direção ao casarão onde estávamos hospedados nos últimos dias, os olhos de cada asura por quem eu passava me seguiam. Eu me pegava estudando suas assinaturas de mana, comparando uma com a outra e depois com a de Tessia, cuja assinatura pairava nos limites da minha percepção.
Os asuras eram poderosos, é claro, mas a maioria deles era bem menos poderoso do que Kezess, Aldir ou mesmo Windsom. Os dragões que haviam defendido Dicathen —Vajrakor, Charon e seus soldados — também eram relativamente fortes em comparação com o dragão médio que seguia com seus afazeres diários em Chama Eterna. Estas pessoas são fazendeiros, comerciantes e criados. Uma vez, assumi que todos os asuras eram tão poderosos quanto Windsom, e embora soubesse melhor agora, ainda era interessante ver asuras que eram apenas um pouco mais poderosos do que um mago de núcleo branco.
— Isso coloca a situação deles em uma perspectiva diferente, não é? — perguntou Sylvie, sua voz como uma brisa fresca em minha mente. Entrelaçada em seus pensamentos estava a sua concentração em uma conversa que estava tendo com um punhado de outros dragões do outro lado de Chama Eterna.
— Assim como os alacryanos, eles são um povo à mercê de seu senhor — respondi, passando por uma jovem dragão que, pelos padrões humanos, aparentava ter no máximo doze ou treze anos. Seus olhos cor de âmbar se moviam entre mim e o chão a seus pés, enquanto tentava e não conseguia não me encarar. Levantei a mão para acenar, mas ela apenas se apressou em se afastar.
— O que acha da Lady Inthirah?
— Não sei ao certo — admiti. — Ela parece protetora. Curiosa. Não particularmente fã do seu avô. Por quê?
— Estava pensando sobre o que ela disse. Que o clã dela já foi como um “irmão” para os Indraths. É estranho que Myre tenha me apresentado a outros dragões aqui, mas não a ela.
Fiquei intrigado com isso em uma ramificação menor dos meus pensamentos alimentados pelo Gambito do Rei.
— Talvez você devesse conhecer melhor Preah.
Meu vínculo concordou silenciosamente.
Poucos minutos depois, encontrei minha mãe sentada à mesa no pequeno jardim da frente de nossa residência emprestada. Ela colocou uma caneca fumegante sobre a mesa e sorriu para mim. Embora a expressão fosse calorosa, a preocupação estava oculta nela como vermes em uma maçã.
— Arthur — disse ela, apontando para a cadeira oposta à pequena mesa. — Você se senta comigo?
— Claro. — Sentei-me na cadeira, feita de capim azul trançado preso a uma estrutura metálica. — Está tudo bem?
Mamãe apoiou os cotovelos na mesa, descansou o queixo nas mãos e me olhou com seriedade.
— Não.
Minha pulsação acelerou e cerrei os punhos ao meu lado.
— Aconteceu alguma coisa? Foram os dragões? Apenas me diga quem…
— Você, Arthur — disse ela.
Fiquei boquiaberto.
— O quê?
— Arthur. Art. — Ela soltou um suspiro trêmulo. — Tessia precisa de você, e você está fazendo de tudo para evitá-la. Isso não é certo. Não é justo.
Esfreguei a nuca, balançando a cadeira em suas pernas traseiras.
— Não estou…
As sobrancelhas da mamãe se ergueram.
— Eu… não sei como estar perto dela — admiti, incapaz de olhar minha mãe nos olhos. — Não sei o que dizer.
Ela estendeu as mãos sobre a mesa, com as palmas para cima. Coloquei as minhas sobre as dela, e ela apertou meus dedos.
— Aquela garota passou por algo indescritível. Seu corpo… sua magia… foram tirados dela. Ela se tornou uma prisioneira em sua própria carne. E quando finalmente a recuperou, seu núcleo havia desaparecido. Ela quase morreu.
— Eu a salvei — apontei suavemente.
Mamãe estalou a língua.
— Mas ao fazer isso, o corpo dela passou por uma mudança. Ela não sabe como usar seu novo núcleo, e está presa em um lugar estranho onde ninguém, exceto você, poderia sequer tentar entender ou ajudar, e você passou dias tentando estar em qualquer lugar, menos onde ela está. — Ela suspirou, deu um último aperto nas minhas mãos e se recostou na cadeira. Só depois de tomar um gole da caneca, ela continuou: — Você é a pessoa mais forte que já conheci, Arthur. Tenho certeza que pode lidar com um pouco de constrangimento.
O calor subiu ao meu rosto, e senti minhas bochechas corarem. Ela estava certa, é claro. Eu estava agindo como uma criança.
— Até mesmo cataclismos ambulantes precisam de conselhos da mamãe de vez em quando — interveio Regis.
Apesar de meus vários pensamentos simultâneos, equilibrando diferentes tópicos, eu tinha sido cuidadoso para manter todos eles longe da minha conexão com Regis. Ele tinha sido deixado para cuidar de Tessia, e eu não queria ver a luta dela através dos olhos dele.
Levantando-me, dei a volta na mesa e inclinei-me para descansar minha testa contra a da minha mãe.
— Obrigado — murmurei.
— Para que servem as mães? — Ela perguntou, fingindo exasperação, mas incapaz de esconder o sorriso. — Não posso dizer o que vai acontecer a longo prazo, Arthur. Talvez você e Tessia realmente tenham passado por coisas demais para ficarem… juntos, romanticamente. — Eu me afastei, estremecendo com o constrangimento de minha mãe. Ela me deu um tapa brincalhão no braço. — Mas ela é sua amiga mais antiga neste mundo, e ela precisa de você. — Seu sorriso se tornou travesso. — Sua presença, sua orientação. Não seus músculos torneados.
— Mãe — grunhi, apressando-me em direção à porta. — Retiro meus agradecimentos.
— Não, você não retira não! — Ela gritou, fingindo uma bronca.
Empurrando a cortina para o lado, marchei para dentro da casa apenas para parar imediatamente, ainda lidando com as provocações da minha mãe e sendo pego de surpresa quando me vi quase nariz a nariz com Tessia.
— Pensamos ter ouvido você lá fora — disse Ellie, passando por mim e segurando a cortina ainda balançando. — Íamos pegar algo para comer antes de treinar esta tarde. Você devia vir conosco!
Regis trotou para fora, abanando o rabo.
— Sei que não precisamos comer, princesa, mas eu, pelo menos, gosto muito, muito de comer!
Tessia relutantemente olhou de mim para Regis.
— Princesa? — perguntou ela.
— Não pergunte — disse, balançando a cabeça.
— Ah, tudo bem… — Ela disse, seu rosto caindo. — Hum, você não precisa vir com a gente, eu sei que está ocupado…
— Na verdade, eu estava, uh… — Fiquei sem palavras, minha mente em branco. Percebi que tinha esquecido de continuar canalizando o Gambito do Rei. Sem ele, meus pensamentos pareciam lentos e insubstanciais. Dei uma sacudida em mim mesmo, totalmente ciente dos olhos de Ellie nas minhas costas. — Minha intenção… ou melhor, quero dizer, eu esperava que pudéssemos… trabalhar juntos. No seu núcleo. Ajudar você a dominá-lo, quero dizer.
— Ah! — Os olhos de Tessia se arregalaram e ela deu um pequeno passo para trás. — Claro. Não estou com muita fome, posso treinar agora.
— Você acabou de dizer que estava morrendo de fome — disse Ellie. Olhei de relance para ela, que me olhou ferozmente. — Arthur Leywin, nem pense em forçá-la a treinar sem almoçar.
— Vou pegar algo rápido aqui mesmo — disse Tessia, já se virando e correndo para a cozinha. — Vá na frente, Ellie!
— Ah, tudo bem, eu vou almoçar sozinha então — resmungou Ellie em voz baixa, jogando as mãos para cima e deixando a cortina cair novamente na entrada.
— Ei, e quanto a mim, vão fingir que não existo? — Ouvi Regis dizer do lado de fora enquanto seguia minha irmã. — Ninguém quer passar tempo comigo?
A troca de palavras deles se perdeu para mim enquanto o martelar do meu pulso se intensificava até se tornar um tambor em meus ouvidos. Segui Tessia até a cozinha e fingi não observar enquanto ela devorava rapidamente alguns pedaços de pão cobertos com manteiga e mel. Ela estava de costas para mim e não acho que tenha notado minha presença. Quando ela começou a se virar, recuei para fora da cozinha e esperei.
Quando ela apareceu na esquina, não consegui conter uma risada.
Ela congelou, com as mãos a meio caminho de puxar o cabelo para trás.
— O quê? — Ela perguntou.
Dando um passo à frente, limpei algumas migalhas do canto da boca dela.
— Não é muito digno de uma princesa fazer tanta bagunça comendo — brinquei.
Uma de suas sobrancelhas afiadas se ergueu ligeiramente enquanto ela retirava um lenço e limpava os cantos da boca.
— Terei que ser mais cuidadosa, já que não sou mais a única princesa por aqui.
Soltei uma risada de surpresa, e a tensão se dissipou.
— Então, o que você tem em mente? — Sua sobrancelha se ergueu ainda mais. — A menos que essa conversa de treinamento seja apenas um pretexto para me deixar sozinha nesta casa…
Engasguei com a risada, e por um momento pensei que o peso da tensão retornando poderia me esmagar. Lembrando o que mamãe disse, fiz o possível para me livrar da tensão. Eu só preciso estar presente.
— Bem, pensei que, já que você agora tem um núcleo branco, deveria aprender a voar. É uma extensão natural do seu poder, proporcionada pela expansão do seu reservatório de mana e maior sintonia com o… movimento da mana… — Um sorriso constrangido se espalhou pelo meu rosto enquanto esfregava a nuca. — Desculpe. Pensando bem, você provavelmente não precisa de uma aula sobre por que pode voar agora.
Não consegui ler a expressão no rosto de Tessia. Seus olhos se fixaram em minhas mãos como se estivesse considerando pegar uma, mas depois de um momento ela passou por mim, indo em direção à porta.
— Entendo como as Lanças voam e entendo como Cecilia voava, mas talvez esse conhecimento teórico me ajude a entender como eu posso voar.
Desejando de repente poder voltar no tempo como fiz na pedra-chave, segui-a mais lentamente para fora, sob o sol. Mamãe, Ellie e Regis já tinham saído.
— Há um jardim tranquilo logo naquela rua ali — disse Tessia sem olhar para trás.
Caminhamos em silêncio, passando por uma propriedade de três andares que estava quase inteiramente aberta aos elementos, uma casa menor com um lago na frente cheio de peixes dourados reluzentes e a estrutura de uma casa que parecia ter sido demolida e estava sendo reconstruída por dois dragões. Seus movimentos conjuravam pedras brancas do chão como as costelas de uma grande besta.
Tessia parou para observar o trabalho deles por alguns segundos.
— É como… poesia em magia — disse ela.
— Sim, é bem impressionante — falei.
Ela me olhou novamente com aquela expressão indecifrável e então continuou. Passamos por uma abertura em uma cerca alta à direita e nos encontramos em um jardim murado. Dezenas de tipos diferentes de flores cresciam ali, todas desconhecidas para mim. Algumas se moviam, com a face das pétalas nos seguindo como um girassol voltado para a luz do sol. Vários aromas, tanto doces quanto amargos, se sobrepunham.
— Você sabe o que são essas flores? — perguntei, apenas para puxar papo.
— Não, mas são bonitas — respondeu ela de forma direta. — Eu esperava que alguém aparecesse e se oferecesse para me ensinar sobre a flora de Epheotus, mas até agora os dragões têm se afastado de mim.
Pensei na conversa que tive naquela manhã com a dama da cidade.
— Acho que é coisa da Myre. Ou de Kezess, mais precisamente. Não sei por que ainda estamos aqui. Ou ele está nos deixando à vontade, ou quer que tiremos algo do nosso tempo aqui. Caso contrário, estaríamos no castelo dele, ou talvez na cabana da Myre, onde fiquei quando ela me treinou antes da guerra.
— Parece outra vida — disse Tess. Ela fez uma pausa, como se tivesse se surpreendido com suas próprias palavras. — Bem, provavelmente não para você. Já que você viveu duas vidas.
— De certa forma, você também — respondi suavemente. Inclinei-me em frente a um bulbo roxo com caule grosso. Ele tinha uma aura etérea sutil. — Você viveu a vida de Cecilia ao lado dela.
— Estou na minha terceira vida, então? — Ela passou as mãos sobre uma flor dourada. Pólen cintilante se ergueu no ar, zumbindo ao redor de seu braço como um enxame de abelhas, e então se acomodou de volta na flor fofinha. — Estou ganhando de você.
— Se considerar a pedra-chave, eu vivi dezenas de vidas e vi o curso de um número incontável de outras. — As palavras saíram sem consideração, e senti o impacto imediato.
Olhei por cima do ombro e encontrei Tessia imóvel, com os olhos fixos em um ponto entre dois canteiros de flores.
Ela se sacudiu um pouco e se endireitou.
— Quantos anos isso faz você ter agora? Algumas centenas de anos? Milhares? Você parece mais asura do que humano agora.
— Talvez. Se a idade combinada da minha vida na Terra e a minha vida aqui representa a verdadeira idade da minha mente, talvez o tempo que passei na pedra-chave também deva ser considerado.
Tessia me lançou um olhar triste, com as sobrancelhas caídas, os lábios pálidos e inchados.
— Sinto muito, Arthur. Sei que fizemos uma promessa, mas não acho que posso estar com alguém que tem vários milhares de anos a mais do que eu.
Eu ri, e ela me presenteou com um sorriso genuíno.
— Só peço que não tome decisões apressadas, Princesa Eralith.
Ela revirou os olhos.
— Lá vem você com a história de princesa de novo. Me chame de Tess, ou Tessia ou… meu amor, talvez. Qualquer coisa menos princesa, ou eu vou adotar o nome do Regis para você em troca.
Levantei ambas as mãos.
— Por favor, minha… ah, Tessia — falei, tropeçando nas palavras —, qualquer coisa menos isso.
Ela brincou com seu cabelo argêntico, que brilhava quase prateado na luz suave do jardim.
— Certo, então. Com isso resolvido, vamos começar minha aula de voo?
Fui para um pequeno espaço de grama entre as flores, caminhos e fontes de água. Abaixei-me na posição de pernas cruzadas, acalmei a mente e concentrei-me no meu núcleo e no éter atmosférico, que estava denso no ar. Tessia sentou-se de frente para mim, imitando minha postura.
— Voar não é exatamente a mesma coisa que lançar um feitiço — comecei, mantendo o olhar de Tessia. — Você não molda a mana na sua mente, dando-lhe propósito e destino. Em vez disso, o seu sentido aprimorado e a capacidade de manipular a mana atmosférica ao seu redor quase subconscientemente, conseguida através do salto de poder do núcleo prata para o branco, permite que você crie impulso, enquanto a mana apoia fisicamente seu corpo. Isso é possível antes de alcançar o núcleo branco com treinamento e paciência, mas até mesmo um mago de núcleo prata claro drenaria seu núcleo em poucos segundos.
— É estranho. Cecilia passava muito tempo voando, mas é difícil equiparar seu uso da habilidade ao meu. — Tessia olhou para o céu. — Ela simplesmente… voava. Nico, por outro lado, lançava um feitiço de vento que o carregava como uma carruagem invisível.
Eu conhecia as habilidades de Nico, concedidas por um cajado que ele aparentemente havia projetado. Era uma pena que o cajado tivesse sido destruído durante a batalha. Gideon e Emily teriam adorado estudá-lo, sem dúvidas.
— Não tente controlar a mana e moldá-la ao seu redor dessa maneira — avisei-a gentilmente. — Em vez disso, pense apenas em subir pelo ar. Faça isso, como Cecilia fez. Você não terá a habilidade inata dela, mas tem um pouco de sua visão. Então use-a.
Ficamos parados e em silêncio por vários e longos momentos. A mana girava ao redor de Tessia, mas ela não se movia, não subia. Considerei tanto minha primeira vez aprendendo a voar após minha ascensão ao núcleo branco quanto meu reaprendizado depois de ganhar insight sobre o Gambito do Rei. Pensei em ativar a runa divina para refletir melhor sobre o caminho que Tessia precisava seguir, mas algo me impediu.
Em vez disso, permaneci em silêncio. Esta era a jornada dela. Eu… precisava apenas estar presente.
Passou-se um minuto, depois cinco. Após quase dez minutos, ela abriu os olhos. — Não entendo por que não consigo fazer isso. Eu já voei antes.
Fiquei de pé e estendi a mão para ela.
— Posso tentar uma coisa?
Ela segurou minha mão e se puxou para cima, sua palma quente contra a minha.
— Claro.
— Levante os braços para os lados — instrui enquanto me posicionava atrás dela.
Tessia me lançou um olhar sobre o ombro enquanto seguia minhas instruções. Levantando-a pelos braços, começamos a flutuar no ar. Seus braços se tencionaram à medida que todo o peso de seu corpo se erguia do chão.
— Não se concentre. Sinta. Sinta o vento fresco, o ar morno, a mana sempre presente. — Subimos mais alto. Eu podia sentir a mana se agitar com o esforço dela, mas ainda não estava funcionando. Liberando um pouco do meu próprio éter, encorajei a mana a se mover ao redor de Tessia, empurrando contra ela e fornecendo sustentação.
— Assim.
De repente, o peso dela em meus braços diminuiu. Soltei meu aperto, dando-lhe apoio, mas sem mais carregar seu peso.
Um arrepio tenso a percorreu.
— Não solte — disse ela ofegante, com a voz trêmula de excitação e nervosismo.
— Ainda estou bem aqui — assegurei enquanto ela se afastava do meu toque. Lentamente, fui me acomodando de volta ao chão.
Uma brisa fez seu cabelo balançar e a inclinou um pouco para trás. Ela soltou uma risada nervosa.
— Acho que… Acho que estou pronta para tentar sozinha.
— Vire-se — falei, escondendo o sorriso.
Ela se virou lentamente. Uma carranca surgiu em sua testa enquanto ela olhava para frente e depois para baixo para me ver. Um suspiro escapou de seus lábios, e a mana que a sustentava se dissipou. Ela caiu.
Dei um passo à frente e a peguei suavemente antes que ela atingisse o chão. Meus lábios tremiam com o divertimento contido.
— Você foi ótima, Tess. É sério. Aquilo foi…
— Sim, muito bem, Princesa Tessia — disse uma voz próxima.
Os olhos de Tessia se arregalaram ao olhar para algo sobre meu ombro. Ela deu um rápido passo para trás e endireitou a saia. Não precisei me virar para saber quem havia falado.
— Venha, Arthur. É hora de discutirmos os eventos recentes.
O éter correu do meu núcleo para o Gambito do Rei. Não o suficiente para ativar totalmente a runa divina e convocar a coroa de luz, mas o bastante para permitir que meus pensamentos se dividissem em vários fios individuais. Calculei rapidamente a melhor maneira de lidar com a situação.
Colocando uma mecha solta de cabelo prateado atrás da orelha, afastei-me de Tessia. — Parece que teremos que continuar esta lição mais tarde. Talvez Sylvie possa lhe dar mais instruções na minha ausência.
Do outro lado da cidade, a voz do meu vínculo entrou em minha mente:
— Tenha cuidado, Arthur.
— Esperava que minha neta estivesse com você — disse Kezess por trás de mim. O espaço começou a se dobrar ao meu redor, e por um momento pude ver tanto o jardim quanto o interior da torre de Kezess contendo o Caminho da Percepção. — Mas, deixe pra lá. Haverá tempo suficiente para isso depois.
O feitiço etéreo parou bruscamente a meu comando, e a sala de pedra nua desapareceu enquanto eu me afastava do poder de Kezess, firmando-me no jardim de Chama Eterna. Só então me virei para encarar o senhor dos dragões, observando o ligeiro tremor de suas sobrancelhas.
— Que tal voarmos? — sugeri. — O Monte Geolus está perto o suficiente, e gostaria de ver mais desta sua terra.
Tradução: NERO_SL
Revisão: Crytteck
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