— Olá, Arthur.
A voz fluiu para mim através de uma neblina — distante e etérea, mas familiar. Eu estava sonolento, aninhado profundamente em um aconchegante cobertor de fadiga sem pensamentos. Havia algo emocionante sobre a voz familiar, mas isso por si só não foi suficiente para me tirar do meu ninho metafórico. Enquanto esse pensamento perfurava a neblina do meu sono, algo mais se acendeu e uma ideia ardente irradiou através da névoa.
Essa fadiga parecia errada. Não natural, até. Como se o sono tivesse afundado suas garras em mim e não quisesse me soltar.
O éter floresceu do meu núcleo em resposta ao meu choque de desconforto, e a névoa se dissipou. Sentei-me subitamente e olhei ao redor, meio em pânico, sem lembrança de como havia chegado à minha localização atual. Estava cercado por pedras brancas brilhantes, moldadas suavemente em curvas e arcos.
— Acalme-se, Arthur, fique calmo.
Ao desviar minha atenção da arquitetura incomum do prédio ao meu redor, concentrei-me na mulher idosa sentada junto à minha cama. Suas rugas se aprofundaram enquanto me lançava um sorriso caloroso, e por um momento, voltei a ter quinze anos de novo. O pânico desapareceu quase tão rapidamente quanto havia vindo. Eu estava na cama. Regis, em sua forma de filhote, estava deitado sobre o cobertor aos meus pés, dormindo profundamente. Eu estava seguro.
— Lady Myre. Já faz muito tempo…
— Para mim, pareceu um período curto de tempo — respondeu simplesmente.
Considerei a diferença em nossas perspectivas e me perguntei sobre a validade da minha própria percepção do tempo. Afinal, quanto tempo tinha passado na pedra-chave? Quantas vidas tinha vivido desde meu último encontro com Myre? Por uma interpretação, tinha sido uma eternidade. Por outra, foram apenas alguns anos. Pela primeira vez, vislumbrei verdadeiramente a perspectiva alienígena de asuras como Kezess e Agrona, e pensei ter entendido um pouco como eles viam a passagem do tempo.
— Onde estou?
— Epheotus — disse ela. Seus olhos se voltaram para uma das janelas arqueadas, e meu olhar seguiu o dela. — Mais especificamente, você está na cidade de Everburn.
Através da janela arqueada, pude ver os prédios do outro lado da rua. As paredes eram limpas, de pedra branca ou creme, arqueando até telhados em tons de turquesa e ciano. Janelas arqueadas, idênticas às que eu mesmo estava olhando, pontilhavam as fachadas, mas mal consegui distinguir o que havia atrás delas. Enquanto examinava os edifícios, um asura de cabelos verde-musgo passou apressado, as sobrancelhas franzidas em concentração, murmurando consigo mesmo aparentemente.
Por trás dos edifícios, a sombra de uma montanha enorme e distante, pouco mais que uma silhueta azulada contra o céu também azul, se erguia sobre a cidade. A montanha tinha uma forma dividida distinta.
— Uma das várias cidades dragão à sombra do Monte Geolus, sim — continuou Myre. — Pensei que isso seria mais… confortável, para sua família. Comparado ao castelo, quero dizer.
— Onde estão Ellie e minha mãe?
Embora o sorriso maternal nunca deixasse seu rosto, o olhar de Myre era intenso e vigilante. Eu não pude evitar a sensação de que ela estava me lendo como um livro.
— Senti você acordando e as enviei em uma pequena tarefa. Perdoe-me, Arthur, mas eu queria um momento para falar com você a sós.
Franzindo a testa, ergui-me até ficar sentado e coloquei as pernas para fora da cama. Estava vestido com roupas de dormir de seda que não reconhecia, seu branco brilhante contrastando com o verde florestal profundo da cama.
— Falar comigo? Como convidado, ou como prisioneiro?
— Não esqueça que foi você quem pediu a Windsom que trouxesse sua família para Epheotus — respondeu, mas seu tom permaneceu gentil. — Você é, como antes, meu convidado muito bem-vindo, Arthur.
Refleti sobre isso enquanto os fragmentos quebrados da minha memória continuavam se encaixando de volta ao lugar.
— E Agrona?
Myre assentiu, seus cabelos grisalhos prateados balançando ao redor de seu rosto.
— Aprisionado dentro do Castelo Indrath. Ele e seu parente, Oludari Vritra. Porém…
Sua hesitação e sua expressão nervosa fizeram meu estômago se contorcer.
— O que é, Myre?
Olhando pela janela em direção ao Monte Geolus, ela se inclinou ligeiramente para a frente.
— Agrona está mudo. Nem mesmo Kezess conseguiu fazê-lo falar. Até seus pensamentos estão envoltos, se é que existem. Mas ele parece… errado. Vazio. Arthur, preciso saber o que aconteceu naquela caverna.
Rapidamente considerei o que Kezess poderia já saber. Será que conseguiram tirar algo da minha mente sem o meu conhecimento? Perguntei-me sombriamente. Por mais que quisesse confiar em Myre, não podia confiar em Kezess, e ela era sua esposa. Eles apareceram juntos na caverna, logo antes de eu desmaiar, e ela poderia estar agindo em nome dele naquele exato momento.
Ativando cuidadosamente o Gambito do Rei, dividi minha mente em múltiplos ramos, cada um focando em uma camada diferente de verdade, potencial verdade e mentira descarada. Em voz alta, disse:
— Usando um poder que os antigos djinn chamavam de Destino, um aspecto do éter, fui capaz de destruir o potencial do Legado ao separá-lo tanto da versão reencarnada de Cecília, minha antiga amiga da Terra, quanto de Agrona, tornando impossível para ele utilizar seu poder para si próprio. Houve algum tipo de… onda de choque com o ato. Talvez tenha feito algo com a mente dele.
Novamente aquele olhar penetrante.
— Você aprendeu a controlar esse… Destino, então?
— Não — falei, deixando meus olhos caírem e minha voz se encher de arrependimento. Os ramos dispersos dos meus pensamentos se sobrepondo uns aos outros, todos pensando a mesma coisa. — Não era algo que eu pudesse usar, apenas… influenciar. E mesmo assim, apenas nos momentos após eu resolver a pedra-chave. Aquele poder não é algo que possa ser controlado.
Eu não sabia se falava a verdade ou não, realmente, mas mantive o fio desse pensamento enterrado sob vários outros. Com a presença e assistência do Destino, eu havia sido capaz de alterar diretamente esses fios de uma maneira que não entendia completamente, mas não havia tempo para examinar meu acordo com o Destino ou as consequências da pedra-chave. Eu ainda não sabia o que esses eventos poderiam ter desbloqueado dentro de mim. Minha única preocupação agora era que Kezess não descobrisse tudo o que eu sabia; nem sobre o Destino e tampouco sobre o genocídio repetido dos dragões.
— Ah… bem, talvez seja melhor assim — disse Myre, sem mostrar qualquer dúvida sobre o que eu disse ou mesmo se podia ler os vários ramos entrelaçados dos meus pensamentos. — Em certas coisas é melhor não mexer. — Com um pequeno balançar de cabeça, ela se concentrou novamente em mim, e seu sorriso voltou. — Você vai querer saber mais sobre o que aconteceu, é claro. Todos os dragões foram convocados para Epheotus e a fenda foi fechada novamente. Seja o que for que Agrona esperasse alcançar assumindo a fenda, ele falhou.
Franzi a testa, focando em um pequeno detalhe.
— Minha compreensão era de que Epheotus morreria se a fenda fosse fechada.
— A conexão permanece — explicou pacientemente Myre —, mas o portal está fechado. Seria necessário conhecimento etéreo além de qualquer um vivo até agora, até mesmo você, Arthur, para cortar a amarra que une Epheotus ao seu mundo.
Para o que será que o djinn rebelde esperava usar o Destino? Eu tinha visto a possibilidade em minha própria busca, com o Destino ao meu lado, através de futuros potenciais, mas fazê-lo seria um ato de genocídio tão horrível quanto o que os dragões mesmos fizeram. Talvez eu fizesse se não houvesse outra maneira de evitar que Kezess repetisse a história, mas mesmo assim não sabia se poderia condenar todas as raças asura a morrerem lentamente enquanto Epheotus se dissolvia ao seu redor.
— Entendo — disse após um momento, desativando o Gambito do Rei. — Não devo ficar muito tempo, então. Não quero ser rude, Lady Myre, mas gostaria de falar com minha família.
— Não há grosseria nisso, Arthur. — Ela afastou minhas palavras amistosamente, mas seu tom rapidamente endureceu, tornando-se mais sério. — Você passou por uma experiência incrivelmente difícil. Ainda posso sentir os ecos fragmentados de tantas memórias falsas se chocando dentro da sua mente. Tire um tempo para descansar e falar com seus entes queridos. Você é bem-vindo aqui pelo tempo que precisar. Você fez um serviço indescritivelmente incrível para ambos os nossos mundos ao encerrar a longa rebelião de Agrona.
Ela se levantou assim que ouviu as vozes de Ellie e Mamãe do lado de fora.
— Vou deixar você com sua família. Tenho certeza de que têm muito o que contar um ao outro.
— Espere — falei, outra memória finalmente se encaixando. — E a Tessia?
Myre me deu um sorriso consciente, e disse:
— Não se preocupe, ela está aqui. E vai acordar em breve, imagino. Vocês dois precisavam se recuperar.
Ao se afastar, foi como se um véu se levantasse de trás dos meus olhos. Minha mente tocou tanto a de Regis quanto a de Sylvie, meus pensamentos se entrelaçando aos deles.
— Arthur, você está acordado! — pensou Sylvie, surpresa se espalhando através dos fios da nossa conexão mental. — Eu não senti você começando a se mexer.
A cabeça de Regis se ergueu do cobertor e ele virou para me olhar sonolento.
— Já era hora, Bela Adormecida — disse ele, seus pensamentos pesados com fadiga. Ele havia esgotado todo seu éter comigo, depois que queimei todo o meu procurando no futuro com o Destino, Gambito do Rei, e o poder da última pedra-chave.
Fora do meu quarto, Myre guiou minha irmã e minha mãe até mim. A cortina que acabara de se abrir para permitir a passagem de Myre foi aberta novamente quando Ellie correu para dentro do quarto, os olhos arregalados e a boca aberta. Vendo-me já sentado, ela começou a se aproximar como se pudesse se jogar em cima de mim, mas hesitou. Seu sorriso vacilou, tenso pela preocupação. Finalmente, ela deu um passo à frente e se curvou para me abraçar gentilmente.
Aceitei o abraço com gratidão, contente por vê-la ilesa pelas provações que deve ter enfrentado na minha ausência. Ilesa, mas não intacta. Atrás dela, Mamãe permanecia na porta, uma mão segurando a cortina.
— Windsom cumpriu sua parte do acordo, então? E vocês foram bem tratadas?
Ellie recuou, cruzando os braços e olhando séria.
— Na verdade, nós…
— Nós fomos muito bem tratadas aqui — disse Mamãe rapidamente, interrompendo Ellie. Minha irmã lançou um olhar para ela, ao qual Mamãe respondeu. Não consegui ler exatamente que sinal não verbal passou entre elas, mas estava claro que estavam escondendo algo. — É impressionante, Arthur. Como um mundo inteiramente novo.
Sentei-me mais ereto, de repente me sentindo desajeitado em minhas roupas de dormir de seda neste quarto estranho.
— Eu vi alguns dos ataques Alacryanos de dentro da pedra-chave. Eu… — Uma inundação de memórias confusas roubou as palavras de meus lábios enquanto elas me lavavam em ondas. Eu me lembrei de Varay, deitada imóvel no centro de um campo de batalha devastado. Lembrei dos Alacryanos desabando em suas celas. E também havia outras lembranças confundidas com tempo, distância e uma espécie de irrealidade. Nelas, vi as consequências de coisas que ainda não tinham acontecido, ou talvez nunca aconteceriam.
A presença de Sylvie me segurou como duas mãos fortes de ambos os lados do meu rosto, forçando minha atenção para frente.
— Respire, Arthur. Estamos aqui para apoiá-lo. Você não precisa carregar todo o peso sozinho.
Inclinando-me para sua presença dentro da minha mente, transferi parte do peso para ela. Regis se levantou com pernas trêmulas, uma ruga na sua face de filhote. Juntos, meus dois companheiros se inclinaram para mim, mas a súbita presença sufocante das ondas só se intensificou. Como um homem se afogando, eu estava puxando-os para baixo comigo.
— Arthur? — Minha mãe deu um passo à frente, mas seu rosto estava borrado, sua expressão nada mais do que uma sombra esfumaçada em seu rosto.
Sem intenção consciente, o éter saiu do meu núcleo e encheu meus membros, tentando me sustentar contra o peso mental de tantas memórias de vidas se desdobrando através da minha consciência de uma vez só. Regis tropeçou para frente, desmaterializou-se e flutuou para dentro do meu corpo, ancorando-se em mim. Mais distante, senti Sylvie ofegar contra a força de tantas memórias cruas.
Percebendo que Gambito do Rei tinha me ajudado a conter a maré, o reativei à força total. Vi-me refletido nos olhos brilhantes da minha mãe, a coroa de luz brilhando sobre meu cabelo loiro. Minha consciência se dividiu, depois se dividiu novamente, fragmentando-se para que cada pensamento e memória concorrentes fosse suportado por seu próprio ramo de consciência focada.
Diante de mim, Mamãe e Ellie trocaram um olhar.
— Você está bem? — Ellie perguntou, seu tom carregado de preocupação e uma corrente de decepção no fundo. Seus olhos estreitados piscaram repetidamente para a coroa brilhante.
Eu havia usado Gambito do Rei extensivamente na preparação para tentar a quarta pedra-chave. Embora tivesse aprendido a ativar a runa divina apenas parcialmente, resultando em um aumento de minhas faculdades sem a manifestação completa de uma coroa dourada brilhante em minha testa, não poderia deixar de notar a mudança em meu comportamento enquanto planejava com a ajuda dela.
Havia muitas razões possíveis para a antipatia de Ellie pelo Gambito do Rei, mas a mais provável era que ela não gostava da mudança que eu sofria enquanto canalizava a runa divina. Embora isso me permitisse dividir minha mente e pensar em várias sobreposições ao mesmo tempo, aumentando drasticamente a velocidade da minha cognição, também exigia uma visão mais puramente lógica dos eventos, abandonando as armadilhas de uma resposta emocional. Era natural que minha irmã, com quem eu tinha um relacionamento em grande parte emocional, achasse isso desagradável.
Enquanto esse pensamento flutuava por um ramo, minha mãe foi focada por outro. Em vez de preocupada ou hesitante como Ellie, as sombras ao redor de seus olhos, o aprofundamento de suas rugas, a palidez de sua pele e a postura caída sugeriam nada menos do que exaustão beirando a debilitação. Os acontecimentos que levaram e ocorreram durante minha ausência a tinham esgotado por completo. Ela tinha amolecido por apenas um momento, relaxando pela primeira vez em semanas, mas isso rapidamente se transformou em uma nova camada de fadiga quando fui atingido pela súbita onda de memórias nascidas da pedra-chave.
Minha mãe não queria nada mais do que eu estar presente, ser forte e tirar um pouco do fardo da preocupação dela.
Correndo em paralelo a esses pensamentos, havia ramos de foco que processavam e guardavam todas as memórias de minhas muitas vidas diferentes vividas dentro da pedra-chave. Contudo, as vidas constituíam apenas uma pequena parte das memórias, e meus esforços finais foram para convencer o aspecto consciente do Destino de que havia outro caminho além de romper completamente o reino etéreo e permitir que o éter concentrado ali se incorporasse ao mundo físico em uma explosão que destruiria Dicathen, Alacryan e Epheotus.
As linha do tempo e futuros que havia visto eram quase incontáveis. A capacidade da pedra-chave de simular realidades alternativas, combinada com o Gambito do Rei e a presença do Destino, havia agido como um caleidoscópio quase infinito, com cada padrão fractal sendo uma realidade e sequência de eventos inteira através da qual eu havia procurado simultaneamente a solução tanto para o meu próprio problema quanto para o do Destino. Este último, acabou se revelando o mais simples dos dois, enquanto mesmo meus — até aquele momento — recursos quase infinitos só revelaram o início do caminho que eu precisava tomar, não a resolução que estava procurando.
Entropia. Ao fundo, eu ainda dissecava a ideia. Uma pressão antinatural se acumulava por trás do véu da nossa dimensão conhecida, como água represada atrás de uma barragem.
O Destino, como se revelou, não era nem o construtor da barragem, querendo obstruir seu fluxo, nem a própria água, apenas fluindo como seus limites exigiam. Não, estava mais próximo de uma personificação consciente das ciências naturais e suas expectativas — um árbitro das leis da magia e da ciência. Enquanto a água não sentia o desejo de fluir além da barragem e não se importava com as margens do rio, o Destino — e por extensão, todo o éter — sentia o impulso de fluir. Mais precisamente, o éter era a névoa dissipadora, as partículas de umidade que formam a névoa se espalhando até que você não pudesse mais vê-las. Era…
— Arthur? — Mamãe repetiu.
Eu sorri, consciente da aparência mecânica da minha expressão.
— Estou bem. Fico feliz que vocês estejam bem. Quando eu encontrar Windsom, vou lhe dar uma boa bronca. — Voltando-me para Ellie, acrescentei: — E não se preocupe com aquela relíquia antiga dos djins. Tenho certeza de que pode ser consertada.
As duas trocaram aquele olhar novamente. Eu diminuí o efeito do Gambito do Rei até sentir a coroa desaparecer. Com as memórias processadas, não precisava mais do efeito completo da runa divina. Eu não bloqueei completamente o fluxo de mana novamente, no entanto, reconhecendo que tinha sido um erro fazê-lo na primeira vez. Em vez disso, permiti um gotejamento constante de éter para manter a runa ativa e apoiar minha mente lenta com fios adicionais para processar tudo o que estava acontecendo.
Mamãe deu um passo à frente e pressionou levemente uma mão em minha bochecha.
— Estou tão orgulhosa de você, Arthur. Você conseguiu. Salvou o mundo.
Na visão da minha mente, vi os dragões destruindo civilização após civilização, resetando o mundo repetidamente.
— Não tenho certeza se isso é verdade. Pelo menos não ainda. Não terminei minha luta.
Ellie sorriu de repente, saltitando nas pontas dos pés.
— E você salvou a Tess! — Ela exclamou. — Eu sempre soube que você voltaria, mas mal pude acreditar quando os dragões trouxeram você, Sylvie e Tessia aqui!
O ramo dos meus pensamentos considerando Tessia e o que havia acontecido com ela se moveu para o primeiro plano da minha consciência.
— Onde ela está? — perguntei.
Ellie vacilou com a seriedade do meu tom, mas indicou com gestos para trás, através da cortina que fechava este quarto.
— Gostaria de vê-la. — Sem esperar por uma resposta, eu me levantei e passei por Mamãe e Ellie, afastando a cortina e atravessando a porta em um único movimento.
A ampla área de estar além era arejada e cheia de luz. Os tetos altos e curvos, portas e janelas arqueadas eram distintos de qualquer estilo arquitetônico que vi em Dicathen ou Alacrya. As paredes eram de uma pedra branca lisa, sem marcas de ferramentas. Azuis, verdes e amarelos se destacavam contra o branco na forma de tapetes, pendurados nas paredes, cristais brilhantes que iluminavam os cantos mais escuros e flores em flor que enchiam o espaço não apenas com cores, mas também com um buquê de aromas doces.
Sentindo a assinatura de mana de Tessia brilhando intensamente de seu núcleo no estágio branco, contornei uma pequena mesa feita de uma única peça de madeira em direção a outro quarto, também separado do resto da casa por uma cortina. Pausando por um instante antes de afastar a cortina, considerei o que Tessia enfrentaria quando finalmente acordasse.
Ela havia sido prisioneira de seu próprio corpo desde antes da destruição de Elenoir. Assistiu Cecília se tornar uma arma para Agrona, incapaz de intervir. Descobriu a verdade sobre mim e minha vida passada, mas também certamente foi submetida a todo tipo de mentiras. Mesmo ainda estando em conflito sobre como qualquer tipo de relacionamento poderia parecer, o que Tessia sentiria?
A lembrança de nossa conversa na Muralha se repetia ao fundo nos meus pensamentos.
“Eu te amo”. Mesmo agora, eu quase não podia acreditar que havia dito isso a ela. Era muito complicado, com as memórias da minha vida anterior ainda sendo um segredo, e o medo de que ela reagisse como meus pais, ou até pior, era intenso.
“Eu também te amo, idiota. Mas estamos em guerra. Ambos temos responsabilidades e pessoas que precisam de nós”. Sua voz tinha sido um sussurro solene e seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas seus lábios se contorceram em um sorriso incerto enquanto brincávamos um com o outro para aliviar a tensão.
“Eu sei. E tenho coisas que quero te contar, então que tal fazermos uma promessa?”.
“Que tipo de promessa?”.
“Uma promessa de ficarmos vivos… para que possamos ter um futuro juntos, um relacionamento… uma família”.
“Eu prometo”.
Agora parecia inacreditável para mim que eu tivesse sido corajoso e esperançoso o suficiente para fazer uma promessa assim. Tinha experimentado tanto desde então, tantos perigos iminentes, visto a verdade do poder neste mundo…
Agora, parecia uma promessa de um tolo. Desesperada, cega e selvagem de esperança.
Minha mão pressionou o tecido brilhante da cortina, afastando-a.
Em um pequeno quarto quase idêntico ao que eu havia acordado, Tess jazia em uma cama semelhante, com os mesmos cobertores espessos verde-esmeralda, embora os dela estivessem meio desarrumados. Ela também estava vestida de maneira semelhante, com roupas de dormir brancas de seda bordadas com vinhas verdes que combinavam tão perfeitamente com ela que de repente me perguntei se Myre as havia mandado fazer especialmente para Tessia.
Ao dar um passo para dentro do quarto, ela se mexeu ligeiramente. Seus cabelos cinza-prateados se espalhavam pelo travesseiro ao redor dela, e por um instante a imagem dela que pude ver foi sobreposta por outra imagem, de outra vida, quando tínhamos acabado de nos casar e estávamos juntos pela primeira vez em nossa cama de casal…
Não é real, lembrei a mim mesmo, enquanto o sangue manchava a memória.
Dando mais um passo, ela abriu os olhos. Perdi-me naqueles orbes verde-azulados vítreos, movendo-me como se estivesse num sonho até a beira de sua cama. Meus dedos roçaram a superfície de seu cobertor, mas não a tocaram. Minha língua pareceu crescer várias vezes dentro da minha boca. Percebi distante que tinha esquecido de continuar canalizando éter para o Gambito do Rei.
Ellie estava ao meu lado de repente, se inclinando e esmagando Tessia num abraço feroz.
— Tess! — Ela exclamou.
— E-Ellie? — Por sobre o ombro de Ellie, pude ver Tess olhando ao redor, maravilhada e confusa. — O-o que aconteceu? Onde es… meu deus! — Ela soltou Ellie e ergueu as mãos atrás da minha irmã, encarando seus dedos esticados. — Meu corpo! Estou no controle do meu corpo!
Ellie engoliu um soluço enquanto recuava, uma mão sobre a boca. Mamãe pousou uma mão em seu ombro, exercendo uma leve pressão.
— Eleanor, deveríamos dar-lhes algum tempo.
A boca de Ellie se abriu, mas nenhuma palavra saiu. Depois de alguns segundos assim, ela apenas assentiu e virou-se. Mamãe me lançou um olhar que era metade súplica, metade advertência, sorriu para Tessia, e então saiu do quarto depois da minha irmã.
— Arthur… — Tessia respirou, ajeitando-se para sentar com as costas apoiadas na cabeceira da cama. — Claro. Perdoe-me, eu me lembro agora. Nós… estávamos nos despedindo. Eu pensei que… — Ela engoliu em seco e olhou para suas mãos entrelaçadas.
— Eu nunca permitiria que isso acontecesse — assegurei. As palavras pareciam vazias enquanto eu as pronunciava, moldadas contra o pano de fundo das minhas batalhas contra Cecília e minha indecisão sobre o que fazer com o Legado. Parecia certo que Tessia entenderia minha indecisão… e minhas falhas.
Um fantasma de sorriso perpassou suas feições. Ela estava pálida, especialmente em torno dos lábios, e uma melancolia havia se instalado em sua expressão que eu não lembrava. De resto, ela era exatamente como eu ainda a imaginava em minha mente: forte, bela e régia. Mesmo sem querer, olhei para seu pescoço, ciente da ausência do cordão que deveria carregar sua metade do pingente de folha-coração. Minha mão subiu para o meu peito, onde o meu deveria estar, mas tinha perdido-o na Cidade de Telmore após a batalha contra Nico e Cadell.
Ela pareceu entender.
— Era realmente bonito. O pingente, quero dizer. Bem, o momento. A promessa. Tudo foi lindo. Não do jeito que eu pensava que seria, é claro. Nem naquele momento, e certamente não depois, mas… pelo menos tivemos isso. Foi real.
— Foi — assegurei. Meu olhar estava fixo no chão. De repente, senti sua mão buscando a minha. Seus dedos se entrelaçaram nos meus. Lentamente, virei para olhá-la. — Eu quis dizer tudo o que disse naquele momento.
Ela estava olhando para nossos dedos entrelaçados. Sua mandíbula estava tensa, seus olhos se movendo sem foco, seus lábios pressionados com firmeza. Não era o olhar de alguém buscando consolo ou conforto físico no toque. Não, parecia mais que ela me segurava como uma âncora.
— Pelo menos agora entendo por que você nunca pôde retribuir meus afetos quando éramos mais jovens. — O fantasma de um sorriso voltou. — Para mim, você era essa… fascinação mística e linda. Eu estava apaixonada por você antes mesmo de chegarmos a Zestier. Ter você morando lá em nossa casa conosco – comigo – parecia algo saído de um conto de fadas. — A linha de seu olhar lentamente subiu pelo meu braço, pescoço, lábios, para finalmente se fixar nos meus próprios olhos. — Mas para você… eu era apenas uma criança. Uma garotinha boba.
— Sinto muito por não ter conseguido te contar — murmurei rapidamente, mantendo o contato visual. — Eu nunca quis mentir para você, eu só não poderia…
— Eu sei — disse ela no silêncio persistente após minha frase truncada, minhas palavras me faltando. — Não há nada que você tenha feito que eu já não tenha perdoado.
Busquei seus olhos, o acentuado franzir de suas sobrancelhas, a tensão em cada respiração, o batimento titubeante de seu coração. O que isso significa para nossa promessa? Eu queria perguntar, mas me contive. Seria demais colocar sobre ela naquele momento. Exigir uma resposta dela apenas para ajudar a mim mesmo a resolver minhas próprias emoções seria injusto.
Uma coisa estava clara, no entanto. As coisas entre nós estavam diferentes de quando fizemos nossa promessa, e eu não sabia se poderíamos recuperar o que perdemos.
Tradução: NERO_SL
Revisão: Crytteck
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