— Acho que ele está doente — disse minha mãe, balançando-me para frente e para trás em seus braços. — Ele não está comendo, Reynolds, e não deu um pio o dia todo.
Meu pai se aproximou para ficar ao lado da mãe. Ele me olhou nervosamente.
— Posso chamar o médico? — Ele transformou a afirmação em uma pergunta, sua voz subindo junto com suas sobrancelhas enquanto ele olhava para minha mãe, incerto.
As sobrancelhas da mamãe, por outro lado, desceram ameaçadoramente.
— Você pode, Rey? Isso seria adorável!
Meu pai se encolheu, esfregou a nuca sem jeito e murmurou:
— É claro que vou… — Qualquer outra coisa que ele pudesse ter dito sumiu enquanto ele saía correndo.
Mamãe revirou os olhos para as costas dele, depois voltou a focar sua atenção em mim.
— Aquele seu pai… — Ela tentou sorrir, mas a expressão não chegou aos olhos dela. Ela cutucou minha barriga gentilmente, mexendo o dedo para me fazer cócegas. — Com um pouco de sorte, você terá a aparência dele, mas a minha inteligência, pequeno Arthur.
Eu estava ciente dessa troca, mas não pensei sobre isso. Minha mente consciente estava aninhada dentro do meu corpo de bebê, no controle e vivendo com ele momento a momento em vez de permitir que a pedra-chave me puxasse pelo tempo como quando se puxa o tapete debaixo dos pés de alguém. Eu me agarrei a isso, desesperadamente determinado a permanecer eu mesmo, ser eu mesmo.
Não vou me perder novamente apenas para acordar com as memórias da vida de outro homem, eu me disse repetidamente, enquanto evitava pensar nos eventos dolorosos da minha tentativa anterior com a pedra-chave. E eu pretendia manter essa promessa para mim mesmo. Só que… eu ainda não entendia como.
Mas eu estava começando a entender uma parte da pedra-chave, pelo menos. Depois das minhas últimas duas vidas, senti confiança de que via a armadilha dela… a razão pela qual alguém não podia sair até que tivesse “completado” a pedra-chave… e por que isso era tão improvável. As vidas vividas eram punitivas de uma forma que eu não esperava. Já as minhas memórias dessas vidas estavam cheias de amargura, arrependimento e perda. Apesar de não ser realmente eu mesmo durante esses eventos, as memórias das minhas decisões, dos meus sentimentos… das minhas mortes… eram vívidas.
Eu ainda não tinha certeza se Sylvie e Regis, e suas respectivas habilidades, eram fundamentais para meu progresso contínuo, mas agora eu tinha certeza de que havia mais do que apenas isso. Apesar da capacidade de previsão dos djinn, parecia ser um passo além pensar que tinham previsto, esperado ou até mesmo exigido a presença de três mentes conectadas para entrar e alterar a pedra-chave de alguma forma que cumpriria seu propósito. O que tinham previsto, por outro lado, era a exigência de um mago que já conhecesse três artes etéreas muito específicas para chegar a este ponto.
As habilidades ensinadas pelas pedras-chave anteriores tinham agido como chaves para entrar neste quebra-cabeça, mas enquanto estava há dias e semanas em ruminação profunda, estava cada vez mais convencido de que elas tinham de ser mais do que apenas chaves.
Depois de chegar e experimentar o milagre do meu próprio nascimento pela segunda vez, eu não deveria ter sido capaz de ver o éter se reunindo para o meu despertar, mas eu tinha. A importância disso tinha se perdido para mim nas seguintes tentativas repetidas desta vida, mas em retrospecto, esse estranho fato parecia ser algum tipo de pista ou indício para a solução da pedra-chave.
Contudo, buscar qualquer pista era em si um problema que eu não tinha certeza de como resolver. Afinal, como eu poderia tentar fazer uma mudança para aprender mais sobre isso se o ato de fazer essa mudança significava que eu perdia todo o sentido do que estava fazendo, pelo menos até eu nascer novamente com as memórias de uma vida inteiramente nova entulhadas em meu cérebro exausto.
Deve haver uma maneira de navegar neste lugar com mais propósito, disse a mim mesmo, pensando nas Relictombs e na Bússola.
Um choro irrompeu de minha forma pequenina, e eu recuei, deixando o tempo passar enquanto minha mãe me limpava e me alimentava, uma experiência distintamente desconfortável para me concentrar. Antes que percebesse, era criança mais uma vez, já perto do meu despertar.
Eu retornei ao presente com um solavanco de medo. Não estou pronto para ir mais longe. Ainda não.
Talvez devido à proximidade temporal com o dia do meu despertar, eu tenha me lembrado novamente da estranha visão de partículas etéreas enxameando como se fossem espectadores daquele evento.
Eu não deveria ser capaz de ver o éter, mas há momentos em que posso. O que isso poderia significar?
Tentativamente, alcancei Realmheart. Meu corpo infantil não continha runas divinas, é claro, mas meu corpo físico real tinha. Se houvesse momentos em que eu pudesse ver o éter, só poderia ser porque alguma sensação dele estava vazando do mundo físico para o reino mental da pedra-chave.
Porém, se havia alguma conexão física, eu não consegui encontrá-la. Assim como minha busca por Sylvie, tentar ativar o Realmheart não revelou nada.
Sylvie…
— Estou aqui. — A aparição fantasmagórica do meu vínculo se manifestou diante de mim. Ela estava sentada com as pernas cruzadas e me observando cuidadosamente. — É fascinante. Eu posso ver tudo em sua mente, tudo o que já discutimos ao longo dessas múltiplas vidas que você viveu.
— Bom, isso pelo menos me poupa do trabalho de explicar tudo de novo e de novo — respondi, percebendo que não estava protegendo meus pensamentos, porque não havia necessidade.
— Para continuar nossa conversa anterior, acho que posso ter uma ideia.
Eu esperei, silenciosamente encorajando-a a continuar.
— Se precisamos de um catalisador para despertar a mente real de Sylvie e permitir que eu me ligue a ela, talvez possamos canalizar a energia do seu despertar.
— Como?
— Não faço ideia.
Eu me sentei com a ideia por um tempo, tentando usar o que sabia sobre magia para formar uma possível solução. Ao contrário do ovo da ressurreição de Sylvie, no entanto, não me foi entregue qualquer estranha resposta mística. Tudo o que eu fizesse dependeria de mim e, se não funcionasse, poderia alterar drasticamente a linha do tempo e acabar esquecendo tudo de novo.
Comecei a buscar Realmheart novamente, mais como uma prática meditativa do que qualquer expectativa de que eu realmente faria a conexão. Era como tentar enrolar os dedos de uma mão que não estava mais presa ao meu corpo. Sylvie e eu ficamos lá por horas, pelo menos para o meu cérebro e corpo desconectados, mas eu tinha certeza de que minha mãe teria vindo verificar se isso fosse o caso.
Dedinhos rechonchudos se ergueram para cavar em meu esterno nu.
Fiz uma careta e cocei com mais vigor. Havia uma coceira profunda dentro do meu peito que parecia inalcançável.
Minha visão piscou, e por um momento Sylvie se iluminou como uma árvore de Natal antiga da Terra, seu corpo feito de luz, tanto mana quanto éter.
A mudança repentina me fez recuar e ela piscou.
— O que foi isso? — perguntou Sylvie, olhando para mim com uma mistura de preocupação e entusiasmo. — Faça isso de novo.
Olhei para ela e tentei desfocar meus olhos, cruzá-los, olhar com tanta força que as luzes voltassem a aparecer. Quando elas não apareceram, fechei os olhos completamente, cerrando os punhos pequenos e me esforçando para alcançar aquela mentalidade que acabara de passar por mim como uma mariposa na escuridão.
Houve um estrondo súbito, e o quarto se encheu com um cheiro embaraçoso. Eu fiz uma careta, e minha mãe reapareceu para me limpar e trocar. Suportei a experiência, com medo de me libertar das amarras daquele momento. Quando ela terminou, em vez de me deixar fazer minhas coisas, ela me carregou para fora do quarto em seu quadril, me balançando e cantando suavemente.
— Eu estava tão perto… — resmunguei para Sylvie, que caminhava pacientemente ao lado da minha mãe. Meus dedos cavaram no meu esterno novamente.
— Você está com coceira, Art? — Mamãe perguntou de repente, me segurando para uma inspeção. Seus dedos tocaram o local com um leve zumbido. — Eu não vejo nada, mas… — Seus dedos brilharam com magia e eu senti a mana calmante passar através de mim. Embora aliviasse a dor nas minhas pernas e nádegas por ficar sentado por tanto tempo, só destacava a estranha coceira que eu sentia no meu…
Meu núcleo! Eu me contorci e minha fala saiu como um murmúrio.
— Art, o que… ah!
Eu me libertei da minha mãe e corri para longe no meu jeito infantil, fazendo minha melhor versão de uma corrida de volta para o quarto.
— Ok, então, já entendi — disse minha mãe com uma leve diversão sarcástica enquanto eu saía.
Sentando de novo, voltei meu foco para dentro o melhor que pude. Fechando os olhos, alcancei novamente o Realmheart.
A sensação de coceira ficou mais pronunciada.
Senti um sorriso torto tremer em meu rosto.
— Meu núcleo, Sylv. Eu posso sentir meu núcleo real. Essa maldita coceira… eu posso senti-la.
Seguindo a sensação desconfortável como um farol, minha consciência ligada à pedra-chave alcançou meu corpo físico.
Embora meus olhos estivessem fechados, o ar dentro do quarto ficou quente com o brilho repentino da mana e do éter atmosféricos.
Lentamente, abri os olhos e fiquei boquiaberto com os fragmentos de vermelho, amarelo, azul, verde e roxo que nadavam ao meu redor. Respirei fundo e um pequeno arrepio percorreu minha espinha. Com o Realmheart ativo, simplesmente sentei e olhei. Era lindo, e mudava tudo.
Rapidamente comecei a me sentir cansado, então soltei minha conexão com a runa divina. As partículas de mana flutuantes desapareceram, deixando apenas as partículas roxas do éter. Depois de mais alguns segundos, elas também desapareceram. Apesar desse cansaço, eu não desanimei. Na verdade, fiquei entusiasmado.
Eu tenho uma ideia.
Apesar de passar a maior parte do meu tempo consciente vivendo o momento presente, os próximos meses pareceram voar em um borrão. Com a versão fantasmagórica de Sylvie ao meu lado, pratiquei conectar e ativar o Realmheart, o Réquiem de Aroa e o Gambito do Rei. Enquanto o Realmheart parecia funcionar mais ou menos como esperado, eu não conseguia utilizar o Réquiem de Aroa para consertar um item quebrado como tinha feito na vida “real”, e o Gambito do Rei servia mais para confundir meus pensamentos do que para esclarecê-los, e ainda não tinha duplicado o efeito de dividir minha mente e considerar muitas possibilidades ao mesmo tempo. Eu suspeitava que isso se devia à minha incapacidade de realmente manipular o éter dentro da pedra-chave.
Ainda assim, Sylvie e eu tínhamos um plano no qual estávamos confiantes.
Finalmente chegou o dia do meu despertar. Comecei minha meditação como de costume, condensando lentamente toda a mana do meu corpo no meu esterno. Sylvie flutuava dentro de mim, pairando no centro daquele ponto como Regis costumava fazer. Ela estava em silêncio, mas seus pensamentos estavam hiperfocados na mente adormecida da verdadeira Sylvie. Apesar de estar dormindo, sua conexão comigo permanecia.
O que significava que havia duas metades do todo de Sylvie dentro de mim.
— Está começando — projetei para Sylvie. — Aguente firme, pode ficar um pouco agitado aí dentro.
Usando a coceira no meu núcleo como uma âncora de volta ao meu corpo, como eu já tinha feito antes, ativei o Réquiem de Aroa e me concentrei na Sylvie fantasma. Ao mesmo tempo, abri minha mente para a verdadeira Sylvie, alcançando através de nossa ligação para dar a ela uma forte sacudida mental. Ou pelo menos tentar. Não pude ter certeza se fui bem-sucedido.
Uma poderosa força impulsora irrompeu de mim quando meu núcleo se formou e eu despertei. Fechando os olhos, canalizei o Réquiem de Aroa para Sylvie, desejando que ela estivesse inteira e completa novamente. Projetei meu desejo e pedido para o éter que eu sabia estar se reunindo ao redor de nossa casa para assistir à explosão se desenrolar, atraída por alguma reviravolta desconhecida do Destino. Eu não conseguia manipulá-lo da mesma forma que fazia com meu próprio éter purificado, mas se eu estivesse certo…
Em uma espécie de eco da minha mana condensada, o éter atmosférico também gravitou em minha direção, através de mim. Dentro da força de impulso, dentro do meu corpo, dentro do núcleo que estava se formando rapidamente a partir da explosão que destruiu nossa casa, as partículas violetas brilharam e dançaram ao redor da manifestação fantasmagórica de Sylvie. A força do meu despertar se espalhou não apenas no espaço da pedra-chave, mas também vibrou através do meu corpo físico e das conexões que eu tinha com meus companheiros.
Em algum lugar fora de mim, senti os olhos de Sylvie se abrirem.
Sua forma fantasmagórica saiu de mim, com os olhos dourados transparentes arregalados enquanto girava. Momentaneamente livre da realidade e incerta do que estava acontecendo, seus pensamentos surgiram e brilharam pela superfície da minha mente como as escamas cintilantes de um dragão. Havia uma textura líquida em seu corpo transparente enquanto parecia se mover e se reformar, envelhecendo e então rejuvenescendo rapidamente enquanto oscilava entre a versão mais jovem, pré-renascimento de si mesma, e a Sylvie ligeiramente mais velha com a qual estava familiarizado ao longo desses últimos muitos meses.
— Sylvie, você está bem. Não se preocupe, você acabou de acordar.
Meu vínculo olhou para seu corpo incorpóreo, soltou um grito que só eu podia ouvir, e então se expandiu para fora, explodindo na forma de um dragão. Seu peito largo, com escamas pretas, subia e descia pesadamente, e seu longo pescoço se torcia para frente e para trás, examinando o ambiente. Se o medo muito real dela não estivesse se espalhando diretamente em mim, a visão desse enorme dragão transparente se agitando enquanto minha mãe e meu pai cuidavam de mim, teria sido quase cômica.
Foi só quando mamãe e papai começaram a me tirar dos escombros de nossa casa que Sylvie pareceu se concentrar, com a cabeça abaixada e os olhos fixos neles, como se fossem um farol visto em meio a uma longa tempestade.
Agarrando-se àquela atenção, tentei falar com ela novamente.
— Sylvie, vai ficar tudo bem. Sou eu, Arthur. Consegui te acordar e… te ligar ao fantasma do seu eu passado. — Lutei para colocar o pensamento estranho em palavras reais que eu sabia que ela entenderia. — Estamos na quarta pedra-chave. E eu preciso de você.
Apesar de poder ver através deles, mantive-me focado em seus olhos dourados. O ofegar e soprar de seu corpo maciço diminuiu. Um passo hesitante após o outro, ela seguiu para onde Mamãe e Papai me levavam, a conversa deles se tornando ruído de fundo sem sentido neste ponto. Seus membros enormes e com garras não deixaram pegadas nos destroços da casa enquanto ela passava.
— Arthur?
Soltei um suspiro que não percebi que estava segurando. Funcionou.
Sylvie abriu a boca para falar, mas segurei sua mente e me concentrei nas memórias de tudo que havia acontecido na pedra-chave até agora. Demorou algum tempo para Sylvie superar as visões compartilhadas, mas não a apressei. Em vez disso, sentamos com minha mãe à sombra de uma pequena árvore enquanto meu pai inspecionava as ruínas e falava com um vizinho, que veio correndo com o barulho.
Finalmente, o foco de Sylvie voltou ao presente. Ela havia se encolhido para sua forma humana e agora me olhava com incredulidade.
— Eu vi um pouco do que estava acontecendo, como se estivesse sonhando. Isso é tudo… — Ela se calou com um movimento de cabeça. Sylvie observou minha mãe escovando lentamente os dedos no meu cabelo por um ou dois minutos, depois continuou. — Desculpe, Arthur. Sinto muito. As coisas que você teve que suportar aqui… é doentio.
— Acho que você colhe o que planta — respondi, vendo meu pai vasculhar os escombros sem realmente ver. — As vidas que vivi aqui foram o resultado direto de minhas próprias escolhas. Desviar das experiências da minha vida real quase sempre acaba resultando em…
Parei, franzindo a testa, quando um novo pensamento me ocorreu. Tentando, mais uma vez, seguir a coceira distante de volta ao meu corpo físico e ativar o Realmheart. Embora não houvesse uma manifestação física da runa divina ativando em meu corpo de criança, éter e mana invadiram minha visão.
Uma garra ardente apertou meu coração, que começou a bater rapidamente.
Entre as cores familiares que eu esperava ver, algo mais se iluminou sob a influência do Realmheart.
— O que é isso? — perguntou Sylvie, compartilhando minha visão por meio de nossa conexão mental.
Havia um nimbo de luz dourada irradiando da casa. Finos fios dourados pareciam conectar a casa demolida, eu, meus pais e lugares que não eram lugares, mas tempos, tanto para o futuro quanto para o passado.
Destino, pensei sem fôlego. Isso tem que ser o destino.
As engrenagens da minha mente giraram enquanto eu tentava determinar o que havia mudado, qual catalisador havia permitido que eu de repente visse essa manifestação. Foi o Realmheart, ou o despertar de Sylvie em conjunto com o meu, ou algum insight mais sutil que ganhei que expandiu as propriedades de minhas habilidades?
Curioso, liberei o Realmheart. Novamente, as partículas de mana visíveis desapareceram instantaneamente, enquanto o éter permaneceu e desapareceu mais lentamente. Os fios dourados permaneceram por mais tempo… por tanto tempo que comecei a pensar se talvez não estivesse relacionado ao Realmheart afinal… antes que os fios finalmente começassem a diminuir e se apagar, deixando pequenas imagens fantasmagóricas em meus olhos. Eventualmente, até mesmo as imagens residuais desapareceram.
— Se isso é o Destino, então talvez você possa vê-lo agora porque ele decidiu que você pode? — Sylvie perguntou hesitante.
— Você acha que o Destino pode ser… consciente? Racional?
Sylvie piscou, perplexa.
— Eu não quis dizer exatamente isso, mas… é possível, não é? Afinal, o éter tem uma espécie de consciência. O Destino não teria também, se é um aspecto do éter? Até agora, parece que a lição que você aprendeu sobre sua vida… seu “destino”… é que você já viveu o melhor cenário possível. Afinal, você mesmo disse que cada vez que mudou algo, resultou em uma série de eventos piores.
— E você acha que a pedra-chave, o Destino, ou os djinn… seja lá o que ou quem estiver conduzindo essa sequência de eventos… está tentando me mostrar que as coisas se desenrolaram por uma razão?
Sylvie encolheu os ombros incorpóreos.
— Não ousaria esperar que seja tão simples, e parece ir contra o fato de você ter vivido a vida exatamente como já tinha vivido, já que isso resultou apenas em um tipo de loop temporal… mas quanto ao motivo de você poder ver de repente esses fios dourados conectando momento a momento de sua vida, se essa compreensão está te colocando no caminho certo, então você ganhou algum insight que o Destino quer que você tenha.
Concordei lentamente. O que ela disse fazia sentido, mas também estava muito desconectado de como eu pensava sobre mana, éter, insight e até mesmo as suposições anteriores que eu tinha feito sobre o aspecto do Destino em si, e achei difícil fixar esse novo paradigma na minha mente.
— Por que não continuamos em frente? — sugeriu Sylvie. — Também podemos verificar outros pontos de sua vida em busca dessas trilhas ou fios. Talvez possamos confirmar mais sobre isso ou desbloquear algum novo insight.
— Não sabemos se você pode viajar ao longo da linha do tempo comigo — apontei. — Se eu retrair minha mente e permitir que os eventos prossigam, você pode ser levada pelo caminho que originalmente tomou durante esse tempo.
— Então nos veremos no meu nascimento — respondeu Sylvie com um sorriso irônico.
Eu me contorci nos braços da mamãe e ela me deixou escapar. Com um último olhar preocupado, ela se levantou e voltou para meu pai.
Eu me sentei de joelhos ao lado de Sylvie.
— Entre no meu corpo. É apenas um palpite, mas talvez isso te proteja ou nos mantenha juntos.
Ela fez isso, e eu me afastei do mundo, deixando o tempo correr.
— Você ainda está comigo? — perguntei.
—Estou — confirmou Sylvie, e senti um alívio tomar conta de mim.
Progresso. Estávamos progredindo.
Mergulhei de volta na rápida passagem do tempo quando mais uma vez nos aproximamos do desfiladeiro onde o ataque aconteceu e fui separado da minha família. Eu me vi sentado na carroça com minha mãe, que observava a paisagem passar enquanto conversava com Angela Rose e não prestava atenção em mim.
Com a coceira no meu verdadeiro núcleo como guia, alcancei meu corpo físico e me concentrei na runa divina do Realmheart.
Como esperado, o mundo se iluminou com partículas de éter e mana. E correndo por entre elas, um fino fio de luz dourada, seguindo em direção ao local da emboscada e do penhasco. Fios mais finos e fracos voltavam da aura brilhante ao redor da montanha para cada um de nós, bem como para os bandidos escondidos. As peças estavam se encaixando.
— Parem! — Eu disse, com minha pequena voz comandando.
Durden puxou as rédeas, fazendo nossa carroça parar. Todos os adultos olharam para mim com surpresa.
— O que você está fazendo? — Sylvie perguntou, então: — Ah! — enquanto meus pensamentos passavam para ela.
— Há uma emboscada à frente — continuei, explicando aos Chifres Gêmeos e aos meus pais o que ia acontecer. Enquanto eles se apressavam para se posicionar contra os bandidos, eu liberei o Realmheart e ativei o Réquiem de Aroa.
Dessa vez, embora as partículas de mana e éter desaparecessem da vista, as linhas douradas permaneceram.
Alcancei o fio dourado que se afastava da batalha entre meus dedos e dei um pequeno puxão. O mundo ao meu redor passou voando, só que estava se movendo para trás. Aquele pequeno puxão me levou de volta alguns minutos. Quando o soltei, a carroça estava novamente avançando, minha mãe ainda sentada ao meu lado conversando com Angela Rose, sem me dar atenção. O ponto em que parei a carroça passou e avançamos em direção à luta que me separou da minha família.
Ativando o Réquiem de Aroa novamente, puxei o fio para frente.
A luta passou por mim como se o tempo estivesse acelerado, mas era diferente do que quando eu me dissociava do meu corpo e me afastava, deixando a vida se desenrolar como tinha acontecido sem esforço ou interferência consciente. Essa aceleração dos eventos pareceu mais intencional, com minha mente e localização permanecendo relevantes para o meu lugar no tempo. Os eventos ainda se desenrolavam da mesma maneira, mas não parecia haver risco de eu ser arrastado pela maré apressada do tempo e o efeito de vórtice que eu havia encontrado antes.
Mesmo quando caí do penhasco mais uma vez, eu sorri.
Tudo estava começando a fazer sentido.
Segui rapidamente para a caverna de Sylvia. Era outro ponto no tempo marcado com a aura dourada do Destino, o que não era surpresa.
— Eu posso sentir o ovo me puxando para dentro — disse Sylvie ao descermos para a caverna onde eu conheceria minha avó Sylvia… e Sylvie, sua mãe… pela primeira vez.
— Está tudo bem, vá até ele. Te vejo do outro lado.
Apesar da minha curiosidade sobre usar o Realmheart e o Réquiem de Aroa para explorar os diferentes resultados potenciais do meu tempo com Sylvia, havia algo mais imediato que eu queria tentar. Sylvie renasceu como ela mesma, e, como eu esperava, a mente real de Sylvie permaneceu acordada e consciente dentro de seu corpo recém-nascido.
Avançamos rapidamente, examinando cada grande momento decisivo da minha vida, sem nos surpreendermos ao descobrir que todos estavam marcados pelo Destino. Foi quando Windsom nos transportou para Epheotus pela primeira vez que uma reflexão inesperada e bastante desconfortável surgiu em minha mente.
Todos esses momentos marcados pelo Destino… estavam destinados a acontecer dessa forma? O Destino fez esses momentos acontecerem?
Ouvindo meus pensamentos e entendendo o contexto subjacente, o tom de Sylvie foi consolador quando ela respondeu.
— Você fez essas escolhas, Arthur. Sabe disso. Ninguém estava manipulando as coisas para que acontecessem.
Ainda assim, pude sentir sua falta de segurança, apenas parcialmente oculta em nossa conexão.
— Havia muitos lugares onde isso poderia dar errado. Mesmo quando fiz escolhas melhores na pedra-chave, o resultado sempre foi minha morte prematura. E se… o Destino estiver priorizando minha sobrevivência em detrimento do bem do mundo?
— Ou — começou Sylvie, com o tom de alguém explicando algo muito simples para alguém muito denso, — a sua sobrevivência é o melhor para este mundo. Mas acho que devo ressaltar que esta pedra-chave e os eventos que ela cria não são reais. Como ela poderia saber o que teria acontecido em cada cenário?
— Destino. — Eu a lembrei.
— Arthur, Lady Sylvie. Devo insistir em que continuemos — disse Windsom, voltando-se para nos olhar contra o pano de fundo da ponte multicolorida e do castelo de Kezess, os picos gêmeos do Monte Geolus engolidos por uma extensão infinita de neblina.
Ativando o Réquiem de Aroa, avancei rapidamente pela maior parte do meu treinamento até alcançar um ponto específico.
— O fato é que você é uma coleção ambulante de improbabilidades estatísticas — disse Wren, olhando para mim com clara exasperação. — Você tem uma habilidade inata para compreender o funcionamento dos quatro principais elementos, bem como algumas de suas formas elementares divergentes, coincidindo tão bem com o fato de que a compreensão de todos os quatro elementos é necessária para desvendar os mistérios do éter, que a própria princesa dos dragões, por acaso, gentilmente lhe concedeu. Tudo em você é estranho, garoto. Mesmo os asuras não têm tanto talento e sorte inatos.
— Se essa é a sua maneira de me animar, obrigado. — Eu ri, levantando-me. — Agora, o que vem a seguir em nossa lista de tarefas?
— Antes disso, dê-me sua mão dominante. — Wren se levantou de seu trono de terra conjurado e se aproximou de mim.
Estendendo minha mão direita, com a palma voltada para cima, olhei fixamente para o asura, esperando ansiosamente. O próximo passo era um sobre o qual eu estava menos certo do que as revelações anteriores sobre o Réquiem de Aroa e o Realmheart, ou até mesmo de combinar Sylvie com sua versão fantasma da pedra-chave.
Wren tirou uma pequena caixa preta do tamanho de um punho do bolso do casaco, depois a abriu e retirou um pequeno gema opaca em forma de pirâmide.
— Este é um mineral chamado aclorito. Sozinho, é uma rocha bastante rara, mas inútil. No entanto, com o processo correto de refinação e síntese… que guardarei até o túmulo, então não adianta perguntar… ele é capaz de fazer algo extraordinário.
— Como formar uma arma. Ou até mesmo, nas circunstâncias certas, um ser vivo — respondi.
As sobrancelhas de Wren se ergueram até sua linha de cabelo desalinhado, e ele me olhou com espanto não disfarçado.
— Então, pelo que vejo, alguém andou espalhando segredos antes do devido tempo — disse ele após um momento, se recuperando e olhando ao redor amargamente, como se fosse encontrar o culpado escondido atrás de uma pedra. — Que falta de profissionalismo.
— Vou te contar uma coisa, e você não tem escolha a não ser acreditar em mim — comecei, já tendo confirmado que esse foi um daqueles momentos marcados pelo Destino. Confiei no conhecimento de que poderia simplesmente voltar atrás e tentar novamente se falhasse.
Wren fez uma careta, mas eu continuei.
— Embora leve muito mais que um ano, este aclorito, de fato, se transformará em uma arma: um ser consciente combinando aspectos de Sylvia, Sylvie, eu mesmo e um retentor Vritra chamado Uto.
A boca de Wren se curvou em um sorriso irônico, como se achasse que eu estava brincando com ele.
— Escute, Wren. Esse ser nasceu em um lugar chamado Relictombs… o sistema de masmorras ou “capítulos” criado pelos djinn, e assim ele é capaz de se alimentar e utilizar o éter. Alguma parte da consciência desse ser… o nome dele é Regis… está dormindo dentro de mim… mais ou menos, exceto que meu corpo está… fora deste espaço e tempo… e eu preciso acordá-lo. Acho que esse aclorito é a chave para fazer isso.
O sorriso de Wren aos poucos desapareceu de seu rosto. Ele estava me olhando com uma expressão de desaprovação, como se eu estivesse delirando ou algo pior.
— Como você poderia saber tudo isso, garoto? A vidente elfa? Mesmo que ela tenha compartilhado algum tipo de visão com você, como…
— É mais complicado do que isso — interrompi, provocando uma carranca do meu tutor. — Basta dizer que sei com a maior certeza que a consciência que surgirá desse aclorito está aqui, agora, conosco. Dormindo. Quero que você me ajude a ligar a mente de volta à pedra e acordar o Regis mais cedo.
Algo se encaixou na expressão de Wren. Não era exatamente crença, mas mais como… intrigado, e uma vontade muito real de explorar essa possibilidade mais a fundo.
— O que você está sugerindo?
— Primeiro, coloque o aclorito debaixo da minha pele — respondi, estendendo minha mão novamente.
Wren soltou um longo suspiro, depois segurou minha mão e começou a pressionar a gema opaca na palma da minha mão. Eu mal senti a dor, e logo o aclorito desapareceu debaixo da minha pele.
Eu flexionei a mão algumas vezes, olhando para minha palma. Nada aconteceu.
— E agora? — perguntou Wren.
— Esta é sua área de especialização. Como essa rocha poderia se transformar em uma criatura viva e consciente?
— É raro — respondeu Wren. Ele também estava olhando para minha mão. — Com foco adequado, determinação e entrada de energia, uma arma feita de aclorito conterá algum grau de autodeterminação. Isso nasce do portador e liga completamente uma arma ao seu usuário, mas para que o aclorito se torne uma criatura completamente consciente, essa transferência de energia deve ser acompanhada por uma vontade incrível e, geralmente, uma dose significativa de desespero. Seu estado de ser quando a arma se manifesta desempenha um papel essencial, assim como a fonte e a variedade de insumos antes da manifestação.
Eu sorri, reconhecendo as palavras de Wren como um eco do que ele havia dito quando descobriu que Regis era uma manifestação consciente na minha vida real.
— E algo do aclorito permanece, não é? Você disse… bem, não importa, mas se Regis estivesse aqui em corpo, você seria capaz de sentir a energia do aclorito, certo?
Wren apoiou as mãos nos quadris e bateu os dedos rapidamente.
— Eu seria. Uma criatura nascida do aclorito é mutável por natureza, mas a assinatura de sua origem deve ser perceptível mesmo que esteja presente apenas em uma forma desencarnada. A menos que essa forma esteja escondida dentro do corpo de outro ser vivo, onde sua própria assinatura seria disfarçada pela mana e ritmo natural do hospedeiro… o batimento cardíaco, respiração, circulação do núcleo aos canais, e assim por diante. Isso pode ser ainda mais complicado se o ser estiver… como você disse? …fora do espaço e do tempo, seja lá o que isso signifique.
— Mas se você soubesse que ele está lá, e o hospedeiro em questão permitisse, você poderia encontrar essa mente adormecida?
Wren me considerou como se eu tivesse perdido completamente a cabeça.
— Não vou fingir que entendo completamente o que isso significa, mas… — Seus olhos estreitaram, e ele bagunçou ainda mais seus cabelos já emaranhados. Com um bufo, ele acenou com a mão e conjurou uma cama de pedra plana, indicando que eu deveria deitar. Fiz isso, e ele ficou sobre mim. — Feche os olhos e pare com as engrenagens barulhentas de seu cérebro sem sentido para que eu possa me concentrar.
Eu segurei uma resposta sarcástica e tentei fazer o que ele ordenou, deixando minha mente ficar quieta e em branco. Minha respiração diminuiu, assim como meu pulso. Recorrendo a múltiplas vidas de prática, mergulhei em um vazio meditativo.
As mãos de Wren passaram sobre mim. Eu podia senti-las, mas não me concentrei nelas. Ele murmurou pensativo, então soltou um suspiro irritado, seu hálito quente lavando meu rosto. Então, depois do que pareceu uma eternidade:
— Aha…
Dedos físicos pressionaram sobre meu esterno, e dedos mágicos sondaram mais profundamente, penetrando pela carne e até mais fundo do que meu núcleo, alcançando algo etéreo e intrínseco ao meu ser… o ponto onde minha consciência desperta na pedra-chave encontrava meu corpo físico fora dela. Eu me concentrei na vaga sensação que tinha da mente adormecida de Regis, que senti até mesmo naquele primeiro momento após aparecer dentro da pedra-chave, e esperava que o foco dos meus pensamentos levasse Wren na direção certa.
— Pare com isso, garoto. Apenas deite aí e finja ser o maluco desmiolado que você é. Retiro tudo de positivo que já disse sobre você. Não tem como você ser nada além de um maluco completo e absoluto… — Ele interrompeu com uma rápida inspiração, e senti os dedos incorpóreos se fecharem em torno de algo. — Pelos antigos, você está certo. Uma criatura nascida do aclorito… posso senti-la ligada a você… não, entrelaçada em e através de você, tão ligada a você quanto seu próprio sistema nervoso…
Uma energia quente e familiar subiu do meu esterno através do meu peito e para o meu braço, depois pelo braço até a minha mão, guiada pela magia de Wren. Ele bufou de alegria.
— Nunca coloquei uma consciência que já existe em um cristal de aclorito antes. Não deveria funcionar, mas se você está certo e este… Regis… realmente nasceu deste aclorito… — O aclorito queimava como ferro derretido na minha palma e eu ofegava de dor. Wren agarrou meu pulso, prendendo meu braço na pedra.
Uma luz roxa brilhava através da minha pele, que parecia queimar a qualquer momento.
— Arthur, o que está errado? O que está acontecendo? — A voz de Sylvie soava em minha mente de onde ela ainda treinava com seu avô no Castelo Indrath.
Meus olhos se reviraram para trás enquanto meu corpo se contorcia. Uma mão poderosa pressionou contra meu peito, me segurando e impedindo que eu me machucasse. Não que eu pudesse ter sentir qualquer coisa além da agonia do aclorito.
Uma esfera de luz negra do tamanho do meu punho cerrado flutuou para fora da minha carne e a dor desapareceu. Eu recuei, não mais lutando contra os braços de Wren, suor escorrendo do meu rosto e minha respiração vindo em suspiros desesperados. Mal consegui distinguir a bola de luz escura, dentro da qual dois pontos brilhantes cintilavam como olhos e uma linha negra abaixo deles que parecia um sorriso irônico.
Não tinha fôlego para falar, nem foco para gerar palavras. Até minha mente parecia turva e não conseguia sentir os pensamentos de Regis ou Sylvie.
O fogo fátuo negro se aproximou de mim e mergulhou.
— Contemple, mestre. Eu, Regis, a poderosa arma concedida a você pelos asuras há tanto tempo, finalmente me manifestei em toda a minha glória! — Os dois pontos brilhantes cintilaram como se estivessem piscando, e o fogo fátuo girou lentamente em um círculo. — Espere, que diabos está acontecendo?
Tradução: NERO_SL
Revisão: Crytteck
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