O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 471 – Encaixando

 

POV CECÍLIA

 

Tudo estava se encaixando.

Com geradores de escudo mantendo os dragões à distância, os Instiladores foram capazes de trabalhar livremente e estabelecer um anel de artefatos que trabalhavam para distorcer e interromper a fenda entre Epheotus e Dicathen. Enquanto os geradores de escudo nos protegiam dos dragões em Dicathen, esses artefatos de ruptura impediam Indrath de enviar apoio de Epheotus, efetivamente cortando a ligação entre os dois mundos.

A densa mana ambiente da própria fenda alimentava ambas as matrizes. Se Indrath fosse de alguma forma capaz de parar o fluxo de mana, teríamos energia suficiente em baterias para implementar a próxima etapa do plano. E se isso falhar, as próprias Assombrações se tornariam a fonte de mana.

Instintivamente, esperei a avaliação julgadora de Tessia, que pairava perto da superfície de minha consciência, sobre meus pensamentos.

— Você já considerou suas justificativas para porquê um ato tão cruel é necessário — disse Tessia em resposta aos holofotes de minha atenção. — Tudo o que vou dizer é que você percorreu um longo caminho, Cecília, se está sentindo culpa por sua crueldade com esses soldados, já que antes você só olhava para eles como ferramentas.

Eu me irritei, mas sabia que não adiantava argumentar contra o sentimento de culpa que passava pelas minhas entranhas. Não quando a pessoa com quem eu estava discutindo já estava na minha cabeça. Pode ser desagradável, mas isso não o torna menos necessário. Além disso, é o plano de Agrona, e eles são seus soldados para fazer o que ele quiser.

Suspirei mesmo quando as palavras se formaram em minha cabeça, sabendo como soavam. Independente disso, não preciso da sua anuência.

— E mesmo assim, recentemente, você tem cutucado dentro da minha mente para ver o que eu penso com mais frequência.

Sua visão sobre esses eventos é valiosa, admiti, enquanto empurrava com força a razão mais honesta, mas também mais embaraçosa, para meu comportamento.

— Fico feliz que reconheça esse fato. — A voz de Tessia, projetada em minha cabeça, era uniforme e sem sarcasmo.

Sacudindo a breve, mas frustrante conversa, voltei minha atenção para o meu entorno.

Os dragões continuaram seu bombardeio ao escudo externo por mais uma hora, mas pararam com a chegada de seu líder. Reconheci Charon do clã Indrath pela descrição: um enorme lagarto, branco como osso, com cicatrizes de batalha, olhos violeta e asas andrajosas. Ele passou algum tempo conversando com os outros dragões presentes, dos quais agora havia muitos.

É quase como se tivessem trazido todos os dragões em Dicathen, pensei.

Eventualmente, Charon se aproximou da barreira, voando em sua forma de dragão. Suas asas batiam lentamente e sua voz emitia dele como um estrondo profundo que reverberava nos ossos.

— O Legado, a principal esperança de um basilisco louco, que se convenceu de que é um deus.

Eu o olhei friamente, mas não cedi à sua isca.

— Direto ao ponto, então — bradou. — O que a Agrona quer? Ele capturou a fenda para Epheotus, mas não pode usá-la, nem você pode esperar mantê-la, o que significa que esta é uma tática de barganha. Diga-me a oferta do seu mestre e eu consultarei Lorde Indrath.

Levantei uma sobrancelha.

— Não minta para mim, dragão. Viajar entre mundos requer que esta fenda seja acessível, mesmo com seus artefatos de teletransporte. Você está preso aqui. O Alto Soberano não tem nenhuma mensagem para você, nenhum pedido. Você é irrelevante nisso e em todo o resto. — Pelo canto do olho, vi um dos Instiladores no chão revelando uma mensagem, seus olhos saltando para mim a cada duas linhas. — Sintam-se à vontade para se esgotarem contra os escudos, se precisarem. Ou não. O barulho é tão irritante quanto seus esforços são inúteis.

Virando as costas para Charon Indrath, voei em direção ao chão, me sentindo bem com a breve troca. Não me valeu nada ter ganhado a parcimônia verbal, mas já estava começando a me irritar com meu papel de guardiã fixa do escudo impenetrável, e liberar um pouco da frustração em forma de palavras farpadas me fez sentir um pouco melhor.

— O que é isso? — perguntei quando meus pés tocaram o chão.

O Instillador, que me observara aproximar-me pelo canto do olho, engoliu visivelmente.

— Um despacho da Foice Nico. — Ele estendeu o pergaminho mágico, que exibia as palavras escritas em um pergaminho correspondente em posse de Nico.

Li uma vez rapidamente, depois me forcei a passar novamente, mais devagar.

— Uma emanação… poderosa de mana, sustentada de alguma forma, enrolada em torno de um bolsão de magia ametista que só pode ser éter. — Eu me senti franzindo a testa, lutando para entender tudo o que Nico havia tentado explicar na curta mensagem.

Grey não estava na Muralha. Como esperado, ele escondeu cuidadosamente sua real localização, até mesmo de seu próprio povo. A emanação do éter era interessante, no entanto. A assinatura de mana que senti antes da batalha…

Era camuflagem. Um sinal falso que imitava a presença de seu vínculo e a distorção causada pelo éter só poderia ter a intenção de disfarçar sua real localização, é claro. E eu era a única pessoa em Dicathen que poderia ser capaz de senti-la. A menos que ele se esconda de seus próprios aliados dragões também…

O despacho então passou a detalhar os esforços em Vildorial e a nova arma dos dicathianos que havia sido revelada. Uma fusão de peças orgânicas de bestas de mana com componentes mágicos e mecânicos? Eu não conseguia imaginar o que Nico descrevia, mas tinha certeza de que nem mesmo Agrona contava com uma coisa assim.

A ex-foice, Seris, havia descoberto uma maneira de acabar com a luta em Vildorial e manter seu povo a salvo da maldição que Agrona havia escondido em seu sangue e suas runas, mas Nico expressou um forte sentimento de confiança de que Arthur não havia se escondido na cidade. Além disso, o objetivo ulterior, isto é, capturar a irmã ou a mãe, havia falhado, e Foice Melzri havia desaparecido.

Ao ler tudo pela segunda vez, meu foco voltou para a parte sobre a emanação etérea na Muralha.

Mordendo o interior do meu lábio, atormentei meu cérebro para o que mais poderia significar, mas não consegui pensar em outra maneira de interpretar isso a não ser meu primeiro impulso: Grey estava me chamando diretamente. Essa conjuração tinha o objetivo de me cegar para sua real localização, e ele pretendia que eu percebesse e entendesse esse fato também.

Peguei-me desejando que Nico estivesse aqui em vez de apenas sua nota. Pensei em enviar-lhe uma mensagem e esperar por uma resposta, mas não queria dar-lhe a impressão de que não conseguia pensar sozinha.

Além disso, eu já sabia exatamente quais eram os parâmetros da minha missão. A verdadeira questão era se eu continuaria ou não a segui-los cegamente. Afinal, a fenda estava selada. Estou sendo desperdiçada aqui.

Havia pouco espaço para se afastar de alguém dentro da área blindada. As Assombrações voavam pelo perímetro, olhando para os dragões, tão reprimidos quanto eu, enquanto as dezenas de Instiladores garantiam que o equipamento continuasse a funcionar perfeitamente. Fui para um canto isolado e afundei no chão entre dois dos geradores de escudo. Fechando os olhos, deixei meu foco se expandir para o meu entorno.

O fluxo equilibrado de mana dentro e fora da fenda não existia mais, deixando a atmosfera ao redor do escudo espessa com ele, embora fosse encoberta pela presença ofuscante de tantas assinaturas de mana asura. No entanto, como antes, continuei expandindo meu alcance cada vez mais, até que meus sentidos alcançaram a Muralha. Lá, senti novamente o indício da mana de seu vínculo, bem como aquela distorção reveladora de uma poderosa fonte de éter.

Porém, não parei por aí. Em vez disso, continuei empurrando, alcançando, sentindo até mesmo além das Grandes Montanhas e através dos escombros de Elenoir, ao norte.

Como se eu fosse Zeus olhando do alto do Monte Olimpo, vi a maré de mana se movendo em ondas por todo o continente espalhadas diante de mim. Sem fôlego diante de sua beleza, tranquilizei minha mente naquele oceano, deixando meu foco ser empurrado e puxado não pelo meu propósito, mas pela própria mana. Eu acreditava que já entendia a mana melhor do que qualquer outra pessoa nesse mundo, mas nunca a tinha experimentado assim. Não tinha palavras para descrever a maravilha dos fenômenos.

— Você ainda vê este mundo como… falso? — Tessia pensou, sua voz como uma pedra no mar calmo. — Algum tipo de limbo que deixará de existir quando você voltar ao seu velho mundo?

O quê?

— Esse dom que você tem… você pode ser a única em todo o mundo que pode ver isso. — Ela ficou quieta, refletindo, depois continuou. — Eu olho para isso e sinto meu coração partido, sabendo do turbilhão e do sofrimento que acontecem sob esta vista. Isso só me faz pensar se a visão afetou você… Mas que tipo de impacto isso pode ter em alguém que não acredita na realidade ao seu redor e, mais importante, no seu efeito sobre essa realidade?

Eu não respondi, porque a verdade é que eu não tinha resposta. Usei a ideia desta vida como uma espécie de purgatório temporário para acalmar minha própria culpa pelo que me pediram para fazer, mas não era uma criança que havia se convencido de que este mundo não era real.

O pensamento tirou-me do meu devaneio e trouxe-me firmemente ao meu propósito. Eu não estava mais flutuando na maré da superfície sempre em movimento daquele oceano de mana, ao invés disso, estava lutando contra ele, pressionando para fora, expandindo para cobrir cada vez mais o continente com meus sentidos. A sensação de paz desapareceu e eu estava mais uma vez ciente dos dragões se aglomerando ao redor do escudo, meus soldados e cientistas tensos preenchendo o pequeno espaço, e o despacho de Nico em minhas mãos.

Quando minha mente livre atravessou Sapin, Darv e Elenoir, senti aqueles lugares onde a mana estava distorcida por um borrão de éter contra a superfície dos meus sentidos. Em cada lugar, havia uma forte presença de éter misturado com a assinatura de mana do vínculo dragão de Grey. Com base no que Nico havia dito, cada um provavelmente era uma conjuração, uma concha de mana abrigando um núcleo de éter densamente embalado.

O mais próximo era a Muralha, depois, um lugar isolado nas profundezas dos escombros de Elenoir. Este, em comparação, era um pequeno ponto que mal podia ser sentido contra o vazio cinzento devido à falta de mana atmosférica. Os arredores do deserto eram como tempestades onde nova mana corria para o vazio, mas o interior de Elenoir ainda estava quase vazio.

O terceiro sinal a aparecer foi no centro de Darv, onde pensei que deveria ter sido o refúgio dos rebeldes dicathianos, descoberto após a fuga de Arthur do Victoriad. Era mais forte e brilhante que a Muralha. Não por uma margem significativa, mas a diferença era clara.

Outros se tornaram visíveis também, perto da cidade de Etistin e em uma ilha na costa sudeste da Clareira das Bestas, e ainda mais à medida que minha consciência se expandia para conter todo o continente.

Porém, a maioria se assemelhava à Muralha em intensidade, então rapidamente os considerei como chamarizes. Já tínhamos tropas se movendo nessas áreas, o que se alinhava perfeitamente com onde tínhamos visto o aumento da atividade militar, e eles verificariam se Grey estava realmente em cada local sem a minha ajuda.

As assinaturas nos escombros de Elenoir e em Darv, porém, eram diferentes. Um quase escondido, o outro ardendo mais brilhante e mais forte do que todos os outros. Nenhum dos dois tinha sido um foco de acúmulo de tropas dicathianas ou fortificação, como a Muralha tinha sido. Ambos estavam longe o suficiente da civilização para evitar danos colaterais se os locais fossem atacados.

E ambos, eu sabia pelas memórias compartilhadas de Tessia, eram importantes para ele.

A emanação que pude sentir de Elenoir era muito próxima de onde ficava a capital Zestier. Ele viveu lá — com Tessia — durante grande parte de sua infância. E a vila subterrânea em Darv foi para onde ele foi quando os dicathianos perderam a guerra, onde se reuniu com sua mãe e irmã depois que Agrona quase as capturou.

Ou Grey está tentando se esconder onde pensou que eu não seria capaz de senti-lo, em Elenoir, onde há pouca mana, ou ele não conseguiu replicar perfeitamente sua própria assinatura etérea, causando uma perturbação mais forte na mana do que esses falsos faróis que ele criou. De qualquer forma, ele cometeu um erro. Contudo, para qual direção esse erro se inclina?

Eu me esforcei para trazer à mente tudo o que eu sabia sobre Grey do nosso mundo e combiná-lo com o que tinha aprendido dele em sua vida como Arthur Leywin.

A vila dos antigos magos fazia sentido, se Arthur estava confiante em sua capacidade de disfarçar sua posição real, meus pensamentos continuaram. Fornecer tantos falsos positivos apenas para esconder onde sua verdadeira assinatura não poderia ser sentida dentro de Elenoir seria realmente o ato de um covarde.

Arthur não é covarde — pensou Tessia.

E mesmo assim, de qualquer forma, ele se esconde enquanto seus aliados lutam e morrem para esconder sua localização, respondi.

Tessia considerou sobriamente minhas palavras e não respondeu imediatamente.

Concordo com você, pensei para Tessia, decidindo. Ele não é um covarde, mas está confiante demais em suas próprias habilidades.

No momento em que decidi um curso de ação, me deparei com outro problema.

De pé, deixei a escassa cobertura dos artefatos de blindagem e inspecionei o escudo liso que envolvia nossa localização, estendendo-se para o alto no ar para conter a fenda. Um anel secundário de artefatos projetava a mana distorcida diretamente na fenda, impedindo que alguém viesse do outro lado.

Contudo, eu era mantida dentro do escudo com a mesma eficácia com que a horda de dragões era mantida fora. Eu poderia penetrar na barreira, é claro, mas isso me exporia ao exército de Charon, e até mesmo abriria o equipamento lá dentro para seus ataques por alguns instantes. Isso não era aceitável. Eu ignorei o fato de que Agrona definitivamente acharia inaceitável que eu abandonasse meu posto; porém, se eu trouxesse Grey, sabia que ele me perdoaria.

Eu sinalizei para Lorcan, a Assombração designada para me apoiar e entregar meus pedidos a todos os outros. Pálido e cheio de cicatrizes, com chifres irregulares e de forma não natural, Lorcan tinha um olhar desagradável, mas era um verdadeiro soldado. Ele não se dava a mesma importância de muitos das outras Assombrações e perseguia os objetivos de Agrona febrilmente e sem questionar.

— Legado? — perguntou, com os olhos rubi vazios de qualquer coisa, exceto expectativa.

— A situação mudou e sou necessária em campo — expliquei perfunctoriamente. — Deixo você no comando da fenda. Mantenha os Instiladores trabalhando e as matrizes de blindagem funcionais, não tenho dúvidas de que tudo continuará a se desenrolar como previsto.

Se Lorcan ficou surpreso, não deu nenhuma indicação.

— Claro, Legado. Como a vontade do Alto Soberano.

Acenei com a cabeça para dispensá-lo e ele voltou ao ar para avisar as Assombrações líderes de cada grupo de batalha.

Voltando à relativa solidão entre dois dos artefatos do escudo, sentei-me de pernas cruzadas e esperei. Tinham passado talvez trinta minutos desde que Charon tinha chegado e os ataques ocasionais contra o escudo cessaram. Não pensei que eles esperariam muito mais antes de tentar uma investida com seu líder presente.

Enquanto esperava, estendi meus sentidos pelo chão, sentindo onde o escudo emanava e se fechava sob nós, bem como onde o solo era mais macio. Se eu fosse embora, precisava fazer isso sem ser notada, já que planejava procurar por Grey sem ser perseguida pelos dragões.

Mais cinco minutos se passaram em relativo silêncio, então, de uma só vez, a atmosfera fora do escudo se transformou em uma tempestade de mana, o ar ficando branco como se estivéssemos presos no coração de um raio. Os pelos dos meus braços levantaram-se com a carga no ar, e senti calafrios contra minha pele. O chão e o céu se abriram quando dezenas de feitiços asura se chocaram contra o escudo.

Eu me apoderei da mana do atributo terra e o solo fluiu como água, permitindo que eu me afundasse nele. Ao mesmo tempo, segurei firmemente minha mana, evitando até mesmo o menor vazamento que poderia ser sentido como uma assinatura de mana em movimento. Para me camuflar completamente, suavizei qualquer movimento na mana atmosférica que pudesse fornecer alguma pista do meu paradeiro para os sentidos dos dragões.

O barulho da batalha mudou do estalo agudo do trovão para o estrondo profundo de uma avalanche. A mana do atributo terra me projetou para frente através do próprio chão, que se dobrou para fora do caminho antes de encher de volta atrás de mim como se eu estivesse nadando através da terra dura.

A força tangível que compunha a barreira pairava à minha frente. Alcançando-a, peguei um fio daquela mana e puxei. Como a costura em tecido, ela se desfez e eu passei. Esperei do outro lado por alguns instantes até que a barreira se curasse, alimentada pela pressão constante da matriz de artefatos acima, então continuei.

Mesmo com meu controle quase perfeito da mana, ainda era mais difícil e lento separar a terra e a rede de raízes tecida através dela do que voar pelo ar. Contudo, como os dragões podiam chegar muito rápido, e mais ainda estavam chegando de todo o continente, eu queria garantir que não seria detectada, por isso fluí profundamente sob o solo por um longo tempo. Masmorras e cavernas pontilhavam a paisagem da Clareira das Bestas, mas eu manobrava em torno delas em vez de retardar meu progresso ainda mais.

— Se Arthur é realmente incapaz de se defender, então ele não tem escolha a não ser se esconder. E seus amigos, e todas as pessoas que o amam, o defenderão de bom grado — disse Tessia do nada.

Levei um momento para conectar seus pensamentos à nossa conversa anterior. E você? Realmente o ama, quero dizer. Não achei que precisava perguntar, já que nossas mentes estavam conectadas, mas as emoções de Tessia em torno de Grey eram complexas e difíceis de analisar, mesmo quando ela não estava tentando me desconectar delas.

Desde que eu era uma garotinha — disse ela após uma longa pausa. — Ele foi meu primeiro amor, eu acho.

Mas agora você sabe o que ele é. Quem ele é. Que ele mentiu para você o tempo todo desde que o conheceu. Com tudo isso, você ainda consegue amá-lo de verdade?

— Acho que o Arthur nunca fingiu ser ninguém, exceto quem ele realmente era — respondeu ela lentamente, formando cada palavra com cuidado. — Eu só posso imaginar o quão difícil deve ter sido para ele, a solidão, a culpa de ter que manter um segredo como esse.

Ele mentiu para você porque precisava, continuei, minha voz mental amenizando.

— Que outra escolha ele teve? — perguntou. — Não vou fingir que entendo o que significa crescer emocionalmente em cima de tudo isso. O amor de uma criança é real? Talvez não. Mas sei que me importo com ele, o respeito e quero que ele tenha uma vida feliz depois de tudo isso. Se isso não é uma base para o amor de verdade, então não sei o que é.

Suas palavras me ajudaram a contextualizar minhas próprias emoções complexas. Eu sinto praticamente o mesmo sobre as mentiras que Nico ajudou Agrona a colocar na minha cabeça. Elas eram para um propósito, e Nico sentiu que precisava fazer isso. Foi para o meu próprio bem, como Grey para você.

Isso… não foi o que eu quis dizer — disse Tessia timidamente. Ela fez uma pausa por alguns segundos. — Arthur precisava se proteger com mentiras. Certo ou errado, não foi uma ação feita para me controlar.

Não foi difícil ler a implicação tácita de suas palavras, que considerei em silêncio por algum tempo. Você acha que é justificado perdoar as mentiras de Grey, mas que eu sou idiota em perdoar Nico e Agrona.

Como se estivesse antecipando o que eu diria, ela respondeu imediatamente.

— Acho que ainda está tentando descobrir quem você é, Cecília, e que luta para tomar decisões em que confia porque constantemente questiona a fonte de qualquer pensamento que tenha. É você ou Agrona? Ou mesmo eu? Eu não quero ser a voz no seu ouvido te guiando a fazer as coisas do meu jeito.

Novamente, eu não tinha resposta, então nós duas nos calamos, nossos pensamentos como duas nuvens turvas apenas se misturando nas bordas. Deixei que a visão do solo se desdobrando à minha frente me puxasse e enxugasse quaisquer pensamentos persistentes sobre Grey ou Nico… ou mesmo eu.

Eu levantei do solo somente depois de verificar que não havia dragões num largo raio, então voei sobre as Grandes Montanhas. O ar frio me fez sentir bem depois do tunelamento claustrofóbico do meu voo subterrâneo.

As montanhas e depois o deserto além passaram como um borrão, lembrando-me dos portais de teletransporte utilizados pelos dicathianos. Eram relíquias dos antigos magos, muito parecidos com a vila subterrânea que encontrei quando me abaixei por um buraco aberto no chão do deserto onde o teto da caverna havia desabado parcialmente. Enormes pilhas de areia se acumulavam abaixo, cobrindo metade da caverna. O que eu podia ver do resto foi completamente demolido.

De acordo com os rumores que nossos espiões haviam vasculhado, Grey lutou contra um asura de verdade aqui. Olhando para o estrago, pude acreditar.

Tão perto, agora eu podia sentir a emanação de éter e mana vindo de baixo, mesmo sem estender meus sentidos. Apesar da sinuosa rede de túneis que se espalhavam da vila destruída, a emanação era como uma bússola, apontando para onde eu precisava ir. Além de algumas enormes bestas de mana parecidas com roedores, não vi nada enquanto acelerava pelos túneis escuros, meus olhos sendo reforçados com mana para enxergar.

Eu estava quase no meu alvo quando o pavor de repente veio sobre mim, assoprando minha expectativa para longe como vento para a chama de uma vela. Meus pés tocaram o chão, então instintivamente se embaralharam para trás enquanto procurava no corredor quadrado a fonte do meu pavor. Era como um miasma pendendo no ar, uma coisa intangível com garras muito reais que queria mexer nos meus olhos, pulmões e coração, mas não havia feitiço, nem mana que eu pudesse…

Um efeito etéreo, percebi. Um pavor que não passa ou pode ser ignorado. A camada perfeita de proteção.

Embora tivesse continuado a oscilar de um lado para o outro, sobre minha decisão de vir para Darv em vez de Elenoir, eu sabia que tinha escolhido corretamente.

Rangendo os dentes, empurrei para fora com mana, tanto minha própria mana purificada que circulava pelo meu corpo sem núcleo, quanto a mana atmosférica que permanecia nos túneis bem abaixo do solo. Rachaduras correram pelas paredes e teias de aranha pelo chão, distorções visíveis de luz e calor cintilavam no ar. O gelo condensou-se sobre as paredes, em seguida, quebrou-se e correu como água para se acumular pelo chão antes de sibilar como vapor e circular de volta para o ar, onde foi novamente forçado para fora da pressão que eu exalava.

O pavor diminuiu, depois recuou, ainda presente, mas distante e sem poder. Eu não conseguia controlar o éter, nem quebrar o feitiço e acabar com seu efeito, mas movendo uma força forte o suficiente de mana, eu o havia interrompido momentaneamente. Não perdendo tempo, acelerei para frente, deixando rapidamente a zona de pavor para trás.

Quando dobrei a próxima esquina, parei abruptamente.

Uma parede de pedra viva cortava o túnel, movendo-se constantemente da esquerda para a direita através do caminho. Apesar das toneladas de pedra que moviam-se rapidamente, quase não fazia barulho.

— Que outro truque você tem na manga, Grey? — perguntei, minha voz soando alto contra a rapidez abafada do feitiço.

Ao vê-la se mover, notei os pequenos detalhes. Não era uma parede sólida de pedra, mas muitas placas menores que se encaixavam como peças de quebra-cabeça, todas fluindo perfeitamente dentro de um corte de sulco para se encaixar na maquinação. Irradiava um sabor poderoso e exótico de mana. Isso, mais do que tudo, sugeria uma origem que não era nem dicathiana nem alacryana.

Empurrei a mana com a minha e ela recuou com força suficiente para que eu tropeçasse um passo e fosse forçada a me equilibrar. Fechei a cara. Segurando uma das mãos para me ajudar a me concentrar, agarrei a pedra que se movia rapidamente com mana do atributo terra, tentando moê-la até parar.

As placas de pedra entrelaçadas tremiam enquanto o poder que as controlava lutava contra a minha. Sem soltar a pressão que estava exercendo, peguei esse poder e tentei me valer dele. Aquilo se sustentou, pesado e inexorável, tão imóvel quanto as raízes do mundo. Puxei com mais força, forçando contra o peso daquela força até que as placas que formavam a parede móvel se estilhaçaram, quebrando e moendo até parar, enchendo o corredor com pedaços de rocha quebrados. As paredes tremiam, e um terrível barulho ameaçava abalar os próprios alicerces de Dicathen em pedaços.

Então, tão repentinamente como tinha acontecido, o tremor e a moagem pararam.

Eu me inclinei para inspecionar um pedaço da pedra. Tinha um leve brilho, mais tênue que a obsidiana e sem as estrias suaves e reveladoras onde as quebras aconteciam. Na verdade, havia camadas e mais camadas de rochas compactadas prensadas, quase como os aneis de uma árvore.

Foi difícil colocar o dedo, mas havia quase uma espécie de vida na pedra. Quando passei um dedo pela superfície áspera da quebra, um calafrio percorreu minha pele e me afastei.

O corredor continuava além da parede de pedra móvel na escuridão. De pé, olhei para o vão.

— Eu sei que você está aqui, asura. Tenho certeza que você pode me ouvir. Suponho que ameaças ou promessas serão recebidas com igual silêncio, então não vou insultá-lo tentando influenciá-lo de seu curso, mas em dez minutos, quando você estiver dando seus últimos suspiros, lembre-se desse momento e de como você poderia ter escolhido diferente.

Uma risada sem graça ecoou da escuridão e um homem saiu das sombras, entrando no alcance da minha visão aprimorada de mana.  Suas costas tinha uma leve corcunda, realçando o aspecto frágil de seu físico. Olhos escuros e cansados me olhavam debaixo de uma cortina de cabelos negros gordurosos.

— Bravado. É o que acontece quando você dá a uma criança um poder infinito. Você gasta muito de sua energia se convencendo de que realmente é tão grande quanto as pessoas continuam lhe dizendo, apesar do fato de que você se sente como um impostor em sua própria pele. — Ele balançou a cabeça levemente, deixando a franja oleosa de cabelo pendendo. — Bem, exceto que você é uma impostora na pele de outra pessoa, mas esqueça isso.

Minha mandíbula apertou dolorosamente e eu ataquei com o estrondo de um trovão e um lança de relâmpagos. O ataque atingiu o asura no peito e ele explodiu, sua carne e ossos borrifando pelo chão liso. Exceto que não eram carne e ossos, mas apenas mais pedras estriadas.

— Eu não esperava que um asura fizesse joguinhos infantis — disse, tentando e, principalmente, conseguindo manter meu nível de voz. — Se eu não sou tão poderosa quanto dizem, por que correr e se esconder?

Nenhuma resposta voltou para mim, mas minha própria voz ressoou suavemente no espaço apertado.

Cautelosamente, atravessei o vão para o corredor além. O túnel quase imediatamente se dividiu em forma de “Y” antes de virar novamente em ambas as direções, limitando a distância que eu podia enxergar. As paredes eram feitas do mesmo tipo de pedra. Quando passei a mão pela parede, encontrei-a quente ao toque, depois me afastei quando ela pulsou como uma espécie de batimento, muito mais lento do que meus próprios batimentos cardíacos, mas não menos real.

A assinatura etérea de Grey ressoou da minha esquerda, não muito longe.

A tensão silenciosa de Tessia estava na parte de trás do meu crânio como uma enxaqueca iminente.

Fui para a esquerda e o túnel baixo e estreito virou à esquerda novamente depois de vinte metros ou mais, apenas para virar à direita pouco depois. Quando cheguei à próxima divisão, entendi. Um labirinto…

Fechando os olhos, aprimorei a distorção na mana que sabia ser Grey. Quando puxei a mana do atributo terra infundida na parede de pedra naquela direção, todo o labirinto tremeu. Bati com toda a minha vontade contra ele e a parede explodiu.

O labirinto tornou-se um agitado debulhador de placas de pedra movendo-se em todas as direções ao meu redor. Abaixando-me sob um pedaço afiado como uma guilhotina, envolvi-me em mana e observei sem fôlego.

Parecia um caos selvagem, mas não era. Não, a pedra agitada, na forma de toneladas e toneladas de placas interligadas, era tão controlada quanto o funcionamento de um relógio, encaixando-se e deslizando umas pelas outras com perfeita integridade. Era realmente uma obra de arte, um uso de mana tão inexplicavelmente belo que eu nunca poderia esperar recriá-la.

Como uma pedra no relógio, interrompi o mecanismo, e algumas placas racharam contra minha mana, outras, porém, se deslocaram perfeitamente para substituí-las.

Em poucos instantes, todo o labirinto se reformou ao meu redor, deixando-me em um beco sem saída, a parede quebrada substituída por uma inteiramente nova.

Fechando os olhos, senti ao meu redor, traçando as linhas de mana. O labirinto era espesso com mana atmosférica de atributo terra, como uma poeira pesada que se agarrava a tudo e sufocava o ar. A assinatura de Arthur irradiava do centro do labirinto, mas o brilho da mana era tanto que não conseguia seguir o labirinto apenas com meus sentidos.

Recuei e bati nas paredes novamente. Mais uma vez, elas explodiram, as placas que as formavam giraram pelo ar, reconectando-se e reformando novas paredes antes de deslizar suavemente de volta ao lugar.

Tentei ver através do buraco antes que fechasse, mas o caos me cegava até que o labirinto tivesse se reformado.

Dando-me tempo para pensar, me acalmar e absorver mais mana, procurando especificamente os pedaços da mana do asura que eu poderia arrancar da nuvem maior, comecei a seguir o labirinto em vez de tentar abrir caminho novamente.

Movendo-me cautelosamente enquanto manobrava através das reviravoltas, tentei ser paciente e metódica. Esse, infelizmente, não era o meu forte.

— Maldito lugar — amaldiçoei ao me deparar com mais um beco sem saída.

Ao longo do labirinto, pouco a pouco atraí notas de mana desse asura, minha percepção sobre seus atributos particulares cresceu. Não era o mesmo que drenar Dawn, a fênix, de toda a sua mana, mas eu podia sentir a balança pendendo a meu favor momento a momento.

— Seu controle realmente é notável! — Uma voz disse por trás de mim, eu girei para encontrar o asura de aparência frágil não a trinta metros de distância. — Ganhar uma visão sobre a mana de um titã atraindo-a diretamente dele, forçando-a a se afastar de mim? Esse é um tipo de maestria que eu não teria pensado ser possível.

Inspecionei a figura de perto, procurando qualquer coisa que pudesse me dizer se este era o verdadeiro asura ou apenas mais um golem. Eu não tinha notado isso antes, mas havia um padrão sutil em sua pele, uma nitidez de seus traços, que replicava a textura do labirinto de pedra.

— Da mesma forma, é incrível que você possa fazer uma réplica tão convincente de si mesmo.

Avancei com as duas mãos e uma tempestade de pedras de granizo, cada uma vibrando com um núcleo de mana desviante do atributo som condensado, assobiando pelo corredor. Uma parede das placas de pedra em movimento se deslocou para o lugar entre eu e o asura, e um som como balas da Terra irrompeu pelo corredor quando as pedras de granizo e a parede explodiram.

A parede conjurada desabou, revelando o asura, metade de seu rosto deslumbrado. A parte restante de sua boca sorriu, então o golem inclinou-se para trás, atingiu o chão e se desfez em mil cacos afiados.

Instantaneamente, virei a gravidade contra as pedras, fazendo-as cair no chão para mim. Mana ainda estava se afastando de sua superfície, como brasas esfumaçando suavemente. Atraí a mana, puxando o máximo possível.

Algo se encaixou.

Encarei a parede do labirinto que dava para a assinatura do Arthur. Aproveitei para reunir meu poder, deixando a mana purificada sair de mim, coletei através da superfície da parede de pedra e rastejei nas minúsculas rachaduras onde as placas de conexão se cruzavam.

Em vez de bater minha vontade na magia que mantém as paredes no lugar de uma só vez, eu firme, mas consistentemente, aumentei a pressão, começando com um pequeno empurrão e depois aplicando lentamente mais e mais força. Logo as paredes estavam tremendo novamente, as forças opostas agindo sobre a mana e comprimindo as partículas individuais como se estivessem presas em uma falha, as placas de pedra empenando para revelar as rachaduras entre elas.

Pressionando dedos de mana nas rachaduras, eu as descasquei, rasgando meu caminho através da parede. Desta vez, quando a onda de magia começou a reconstruir o labirinto comigo ainda dentro dele, agarrei o feitiço. Muitas milhares de placas de pedra se separaram, se deslocaram e depois congelaram no ar, pairando desconstruídas ao meu redor, como os motes individuais de neve com um globo de neve.

O pó e a pedra rodopiaram diante de mim, manifestando o asura mais uma vez. Ele avançou e um punho de pedra atingiu meu esterno, me levantando do chão e me mandando voando para trás. Quando minha concentração quebrou, meu domínio sobre seu feitiço se soltou, e as placas de pedra giraram e se torceram no lugar, reformando o labirinto.

Choquei contra uma parede sólida, que cedeu, depois passei voando por ela. Outra parede se ergueu ao meu encontro, depois outra, enquanto eu era conduzida através delas como um prego martelado.

Lutando para reter meus sentidos, forcei a gravidade a puxar para mim de todas as direções, forçando-me a me aquietar no centro de um poço de gravidade esmagador. Meus dentes cerraram enquanto eu lutava para ignorar a dor lancinante que se agarrava a todas as partes do meu corpo. Liberando toda aquela tensão, energia e dor como um grito selvagem, empurrei para fora.

O labirinto se despedaçou, uma parede de gravidade, vento e força nascida da mana pura carregando um arsenal de placas de pedra para longe de mim em uma maré de violência sangrenta.

Eu caí, apoiando as mãos nos joelhos, incapaz de me manter totalmente ereta. A resistência parecia diminuir, minguando. Olhando através da cortina de cabelos cinzentos, vi uma grande câmara plana se abrir ao meu redor. Era menor do que eu poderia imaginar e quase vazia, apesar dos escombros espalhados.

O asura estava em um joelho não muito longe. Cortes sangrentos cobriram seu corpo, o verdadeiro, eu tinha certeza. Ele virou a cabeça para o centro da câmara, onde uma segunda figura repousava em cima de uma almofada grossa, sentada com as pernas cruzadas sob ela e os braços apoiados sobre os joelhos, olhos fechados.

— Arthur, acorde! — grunhiu a asura, sem fôlego.

A adrenalina e o rubor da vitória afastaram minha dor e eu caminhei em direção a Grey. Com um movimento da minha mão, placas de pedra se espalharam pelo ar, derrubando o asura no chão. Garras de mana fluíram em direção a Arthur, acompanhadas por um pico de medo e descrença de Tessia.

Os olhos de Arthur se abriram e ele me deu um sorriso irônico.

Senti um aperto no estômago quando o chão abaixo de mim cedeu. Rajadas de mana explodiram como fogos de artifício na frente dos meus olhos e ecoaram pela câmara, batendo em meus sentidos de todos os lados. Mentalmente cambaleante, me enrolei em mana e tentei desesperadamente ofuscar meus sentidos e impedir minha queda.

Uma força externa me empurrou de cima para baixo.

Com um grito furioso, tirei o controle da gravidade e me tranquei no lugar. Meus olhos se abriram; a câmara escura estava praticamente perdida sob um mar de manchas brancas cintilando em minha visão, mas eu podia ver, logo abaixo de mim, uma superfície opaca, oleosa e fracamente brilhante dentro de uma moldura esculpida: um portal.

Outra bateria de mana colidiu contra mim de cima, forçando-me a descer em direção ao portal, que se abria abaixo de mim como a mandíbula de alguma grande besta de mana. Compreendendo, empurrei para baixo no próprio portal, deformando a superfície e empurrando-a para longe de mim enquanto afundava centímetro a centímetro em direção a ele. Minha mana enrolou em torno da moldura e a levantei, tentando rasgá-la e destruir o portal dentro dela.

Todavia, cada vez mais mana me pressionava, maremotos de mana. Aproximando-me, olhei para trás por cima do ombro.

Grey estava voando acima de mim. Onde ele estava, havia agora um pedestal de pedra coberto com um elipsoide brilhante feito de mana branca prateada e éter ametista. Seu rosto, emoldurado por cabelos ondulados e loiros como trigo, combinando com olhos dourados, era afiado, sua expressão irônica amarga e dura.

Com uma das mãos, agarrei-me ao portal. Com a outra, tentei alcançá-lo atrás para agarrá-lo. Se eu pudesse arrastá-lo comigo, para o portal…

As garras em pânico de Tessia afundaram no fundo da minha mente enquanto ela lutava para se manifestar.

— Sinto muito, Cecília, mas não posso deixar você fazer isso. — Cipós esmeralda se enrolaram em meus braços e minha garganta, mas depois do que aconteceu com Mordain, eu estava pronta.

Dentro de mim, trepadeiras de mana pura imitavam as suas, encontrando sua essência espiritual e envolvendo-a, amarrando-a, sufocando-a e esmagando-a.

Meu foco estava muito dividido. Eu não poderia lutar contra Grey, Tessia e o portal de uma só vez.

Encontrei aqueles olhos dourados e soltei meu controle sobre o portal. Girando meu corpo, arranquei as videiras do controle de Tessia e as mandei serpenteando. Elas envolveram os braços, pernas e pescoço de Grey e, com um puxão, o trouxeram em minha direção. As videiras se fecharam esmagadoramente em torno dos membros presos, os espinhos cavando em sua carne e conjurando pequenas gotículas de sangue que corriam por seu corpo.

Eu o peguei! E melhor ainda, eu havia interrompido seu foco da pedra-chave. Ele nunca controlaria o destino…

O alívio tomou conta de mim, mas não o meu. Distraída, olhei para dentro em direção a Tessia. Ela estava recuando, não lutando mais comigo.

Acima, rachaduras se espalharam onde as videiras se contraíam em torno dos membros de Grey. Onde as gotículas de sangue corriam, elas lavavam a cor de sua pele, revelando cinza plano por baixo.

Meus olhos se arregalaram, saltando de Grey para a conjuração elipsoide de mana e éter sentados no pedestal. Pensei na pesada mana de terra cobrindo toda aquela caverna, nos golens ligeiramente imperfeitos e no aparente desespero do asura enquanto ele me atacava quando eu controlava seu feitiço. Camada após camada de enganação, tudo executado perfeitamente.

Grey, que não projetava nada da tensão entre mana e éter que eu deveria ter sentido, piscou para mim com um olho dourado e, quando ele se abriu novamente, apenas a pedra cinza olhou para fora de um rosto cinza. Um braço se quebrou e, em vez de sangue e ossos, a pedra apareceu, revelando os mesmos anéis apertados de compactação que eu havia notado nas placas de pedra.

Quando minhas costas bateram no portal e senti ele me envolvendo e me puxando, Grey desmoronou em pó. Atrás de onde ele estava, o asura sentou-se em um trono de barro flutuante, uma sobrancelha fina erguida com desdém enquanto ele olhava para mim, uma mão pressionada sobre seu lado escurecido de sangue.

Então o mundo ficou violeta e cinza, e o portal me levou.

 


 

Tradução: NERO_SL

Revisão: Crytteck

 

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