O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 468 – Sem Mana

 

POV CAERA DENOIR

O palácio estava repleto de atividades, o que não era nenhuma surpresa. Um pouco mais surpreendente era o fato de que ninguém havia me dito para sair ou tentado me colocar atrás das grades ainda, mas fiquei grata por não terem feito isso. Eles precisavam das informações que eu podia fornecer porque eu sabia o que estava por vir.

Na ausência não planejada do Guardião Vajrakor e de seu grupo de dragões, eu recorri a Virion Eralith, líder de fato dos elfos, para dar a notícia do ataque de Agrona. Arthur o havia deixado como comandante militar de Vildorial, para grande desgosto coletivo dos senhores anões. Em menos de uma hora, ele reuniu seu conselho de guerra e começou a se preparar para um possível ataque à cidade.

Durgar Silvershale, filho de Daglan, senhor de seu clã, apresentou-se diante de Bairon e Virion, enquanto seu pai o observava com orgulho.

— A cidade está bem fechada — disse quando Virion o reconheceu. — Cada entrada foi coberta com vários metros de pedra sólida, como você disse.

— Com os novos bunkers instalados e qualquer ataque canalizado através de tão poucos pontos de ataque possíveis, as pessoas estarão seguras — acrescentou Hornfels Earthborn, sorrindo como se essa fosse a melhor notícia possível.

Daglan Silvershale limpou a garganta.

— Sim, bem, vocês, Earthborn, tiveram duas semanas inteiras para fazer isso acontecer, não tiveram?

Lança Bairon entrou no meio da conversa, silenciando uma possível discussão antes que ela pudesse se agravar.

— Ainda estamos esperando a confirmação de que todos os portões de teletransporte em Vildorial estão desativados — disse ele, sem fazer nenhum esforço para disfarçar sua frustração enquanto olhava dos Silvershales para os Earthborns. — Deveria ter sido concluído há horas.

Daglan Silvershale limpou a garganta.

— Desativamos o novo portal de teletransporte de longo alcance trazido do oeste de Darv, bem como todos os portais de curto alcance nos níveis mais baixos e nos arredores. Os… é… senhores, acreditam que manter o portão aqui no palácio ativo é essencial, e alguns de nós têm artefatos particulares em nossas propriedades, alguns dos quais devem ser mantidos em funcionamento para que a nobreza possa escapar, se necessário. Desativar todos os portais, além de selar a grande caverna, nos prenderia dentro da cidade, não é mesmo? Se o que a garota alacryana disse for verdade e se estivermos sem os dragões e sem Arthur Leywin, então não quero que nosso amado lar se torne um matadouro, não quando podemos salvar alguns, em vez de nenhum.

Mordi meu lábio inferior quando o anão me colocou no meio da conversa.

Hornfels parecia envergonhado.

— Neste caso, Lorde Earthborn compartilha a opinião do clã Silvershale. Afinal de contas, Comandante Virion, o senhor mesmo enviou seu povo para fora da cidade para a segurança deles. Seria apropriado nos deixar uma rota de fuga em potencial, caso isso seja necessário.

Lança Bairon esfregou a ponta do nariz, com sua mana fervilhando ao nosso redor. Ele deu uma rápida olhada em Virion e depois disse:

— Nenhum portal deve permanecer acessível por qualquer motivo, Lorde Silvershale. Desative-os imediatamente.

O lorde anão cruzou os braços e respondeu com um olhar de reprovação.

— Isso deve ser decidido pelo comitê, general. Gostaria de lembrá-lo de que o Comandante Eralith e você não têm capacidade oficial para dar ordens em Vildorial. Arthur Leywin, embora seja um grande herói, não é o rei de toda Dicathen.

Virion deu um sorriso amigável para Silvershale, e fiquei com os cabelos da nuca arrepiados.

— Você está certo, é claro. Não posso obrigá-lo a fazer nada. Contudo, se você não os desativar, Bairon as transformará em escombros. Bairon.

A Lança, de aparência séria, acenou com a cabeça e seus pés levantaram do chão enquanto voava em direção às portas do salão de guerra. Daglun empalideceu e gaguejou incoerentemente enquanto corria atrás de Bairon.

— Espera aí, olha, um desses portais está em minha propriedade. Você não… — Suas palavras se perderam no barulho geral enquanto ele corria pelo corredor atrás da Lança, seguido por Durgar, vários assistentes e membros de seu clã, e até mesmo Hornfels Earthborn.

Virion se voltou para a próxima pessoa que aguardava sua atenção, uma mulher elfa de aparência gentil, cujos cabelos castanhos estavam começando a ficar grisalhos.

— Quais são as notícias de nosso povo, Saria?

A mulher deu a Virion um sorriso suave e melancólico.

— Eles montaram um acampamento temporário nas terras florestais a oeste do Lago Espelhado. Fora alguns atritos com fazendeiros, a jornada parece ter sido abençoadamente anticlimática.

— Bom — respondeu Virion, com a voz rouca. — Então gostaria que você se juntasse a eles. Bairon levará você e alguns outros membros do pequeno conselho, depois ficará para cuidar das pessoas lá.

As sobrancelhas de Saria se ergueram e ela deu meio passo para trás. Outras pessoas no salão de guerra estavam fingindo não observar atentamente a troca de informações.

— Perdoe-me, Virion. Você sempre foi gentil com minha família. Em muitos aspectos, os Triscans e os Eraliths são como parentes, mas não quero que você me trate como uma criança. Posso não ser meu primo, mas também não sou inútil. Por favor, eu vou ficar.

Virion suspirou e se voltou para uma pilha de pergaminhos, desenrolando um deles e começando a examiná-lo.

— Você é pior do que Bairon. Não, Saria. Nosso povo também precisa de liderança e proteção. Gostaria de poder estar em dois lugares ao mesmo tempo, mas confio em você e em Bairon para me substituírem.

A mulher engoliu a contragosto sua resposta, fez uma reverência superficial a Virion e, em seguida, virou-se, afastando-se rapidamente.

Virion levantou os olhos de seu pergaminho, olhando pelo salão. Ninguém mais estava esperando por ele, então ele voltou sua atenção para mim.

— E quanto a você, Caera? Tem certeza de que quer arriscar a longa jornada até a Clareira das Bestas depois do que aconteceu?

— Eu preciso — respondi com sinceridade, pensando no que devia estar acontecendo nos acampamentos alacryanos.

O que seria pior? Se Corbett, Lenora, Lauden ou os outros tivessem hesitado em entrar nas fileiras… ou se estivessem preparando suas armas para ir à guerra em busca de Arthur…?

— Lady Seris precisa saber o que descobri. Se eu puder ajudar os outros…

— Uma última coisa que devo perguntar, e espero que me perdoe, mas… você tem certeza de que o que aconteceu, essa combustão de sua mana, não continuará a ser uma ameaça? Não posso colocar outras pessoas em perigo se Agrona puder usá-la como arma.

Mordi o lábio, considerando minhas palavras com cuidado.

— Não posso ter certeza, Comandante Virion. Até hoje, eu nem sabia que essa armadilha havia sido colocada em minha própria carne. Ninguém sabia, tenho certeza disso. Porém, posso sentir como isso me afetou… como se tivesse me esvaziado de alguma forma. Minhas próprias runas… a minha magia… parecem distantes, menos minhas. Então, não, não posso ter certeza, mas sinto que o que estava dentro de mim foi… queimado. Eu deveria ter queimado junto, então talvez não tenham previsto a necessidade de acioná-lo mais de uma vez.

Virion estendeu sua mão e eu a peguei com firmeza.

— Arthur confiava em você, então eu também confiarei. Posso não conhecê-la bem, mas vejo que você tem um bom coração — disse ele, surpreendendo-me. — Isso, acima de tudo, me dá um pouco de esperança para o futuro dos nossos dois povos. Vou avisar que o portal de teletransporte de longo alcance pode ser ativado brevemente, apenas para permitir sua passagem. Podemos levá-la até a cidade de Xyrus, embora de lá ainda seja uma longa jornada até a Muralha. Se você não se importar em aceitar uma sugestão, veja se consegue contratar um grupo de aventureiros da guilda, já que eles são…

O ronco áspero de uma explosão sacudiu o palácio e fez com que a poeira caísse do teto. Uma onda de tensão tomou conta dos rostos de todos os presentes quando eles se voltaram para Virion.

Ele fechou os olhos e pareceu estar procurando a fonte com sua mana.

— É só Bairon — confirmou um momento depois. — Parece que Silvershale e os outros lordes anões não se mostraram muito receptivos em relação aos portais — acrescentou, um tanto severo.

Houve alguns resmungos dos anões na sala, criando uma tensão palpável, e Virion se acalmou.

— Perdoem-me, amigos. Seu povo merece uma liderança melhor do que a que teve desde os Greysunders, mas todos vocês tiveram um desempenho admirável.

Esse simples comentário pareceu dissipar a tensão e, finalmente, Virion voltou sua atenção para mim.

— De qualquer forma, já divaguei bastante. Boa sorte, Lady Denoir.

— Você também, Comandante Virion — respondi, sentindo-me um pouco constrangida quando me virei e caminhei rapidamente em direção à porta.

Atrás de mim, ouvi um dos anões dizer:

— Comandante, uma mensagem de Etistin. Eles… avistaram forças alacryanas perto da cidade.

Diminuí a velocidade, virando-me ligeiramente para trás para ouvir mais.

— Droga. Envie uma mensagem para Gideon e para aquele asura. Não há mais tempo para esperar. Se tiverem alguma arma preparada, precisam mobilizá-la agora.

Naquele momento, uma poderosa assinatura de mana apareceu como se viesse do nada, atravessando a cidade como uma sombra gigante.

Eu ofeguei, girando sobre meus calcanhares para encontrar os olhos arregalados de Virion.

— Seris!

Os sons da batalha se seguiram quase que imediatamente.

Não esperei pelos dicathianos, ao invés disso, saí correndo o mais rápido que pude. Meu corpo doía e meu núcleo estava esgotado, mas deixei a dor de lado. Se a própria Seris estava aqui, com Cylrit e Lyra do Alto Sangue Dreide, pelo que pude perceber, então eles não sabiam como evitar que os refugiados alacryanos se tornassem bombas ambulantes.

Entreanto, Arthur não estava em Vildorial. Ele era o objetivo. Talvez, se eu conseguisse convencê-los desse fato, eles possam ir embora sem a retaliação de Agrona, pensei com esperança.

Quando saí do palácio, os soldados alacryanos já estavam saindo de um túnel parcialmente desmoronado para uma das residências pessoais do clã anão. Os soldados dicathianos estavam saindo apressadamente do palácio à minha frente e se formando ao longo da estrada acima da brecha, impedindo que os alacryanos viessem por lá.

A resposta de baixo para cima foi mais lenta. A maioria dos soldados de Vildorial foi disposta em apoio aos portões fechados de entrada e saída da cidade, bem como em posições defensivas estratégicas para proteger a infraestrutura e os civis.

O fluxo de alacryanos não era exatamente rápido, pois o túnel pelo qual estavam saindo estava meio desmoronado, mas Seris e os dois retentores devem ter chegado primeiro, abrindo caminho para os outros.

Agora, Seris e Cylrit estavam enfrentando Bairon pela cidade. Enquanto observava, Bairon desferiu ataques contra a parede da caverna, tentando fechar o túnel de onde saíam os soldados alacryanos, mas nuvens de névoa escura, a técnica do vazio de Seris, absorveram cada um de seus relâmpagos antes que pudessem atingir.

Fiquei congelada, sem saber o que fazer em seguida.

Meu sangue estava lá embaixo, lutando por Agrona? Ou será que resistiram e tiveram o destino que teria me levado se não fosse por minha nova forma de feitiço e por Ellie?

Não consegui falar com Seris enquanto ela estava lutando contra a Lança. Mesmo se tivesse energia para lutar, não poderia me voltar contra os alacryanos sob o comando de Seris, a maioria dos quais serviu comigo durante a curta rebelião, ou contra os dicathianos que me permitiram viver entre eles.

Ondas de magia, desenhadas no ar como linhas de ruído negro, se espalharam pelo campo de batalha abaixo. Retentora Lyra. Enquanto os alicerces de uma ideia ganhavam vida lentamente em minha cabeça, comecei a correr pela estrada com as forças que ainda estavam saindo do palácio dos anões.

Eu não havia dado cinco passos antes que outro problema se apresentasse.

Diminuí a velocidade bem antes da briga, não querendo me envolver nela. O cabelo vermelho flamejante de Lyra era visível como uma bandeira de batalha perto do centro das forças alacryanas. Os soldados vildorianos estavam lançando feitiços e ataques mundanos de ambos os lados, mas Lyra rebateu muitos deles sozinha. Os atacantes alacryanos estavam avançando sobre os dicathianos, tentando romper as linhas.

— Lyra! — gritei, mas ela não deu nenhuma indicação de estar me ouvindo. Os sons da batalha, fogo dos feitiços, ordens gritadas e os gritos dos feridos, engoliram minha voz antes que pudesse chegar até ela.

No entanto, era um risco muito grande tentar passar pelas linhas de frente, onde eu poderia ser confundida com um combatente inimigo pelos soldados de ambos os lados.

Com o pouco de mana que havia absorvido e purificado desde a detonação das minhas runas, ativei o emblema que dava poder aos meus feitiços de atributo vento. Em resposta, a fadiga queimou em minhas têmporas, mas a magia apenas cintilou.

Uma corrente de água fervente passou por cima da linha de frente dos dicathianos e caiu entre os magos, chiando contra a pedra a apenas alguns metros de mim. Ao mesmo tempo, a estrada tremeu sob meus pés enquanto, abaixo, uma enorme pedra de gelo se chocava contra as forças que tentavam bloquear o caminho.

Antes que pudesse reunir forças para tentar outro lançamento, uma onda de choque de ruído quase inaudível atingiu as linhas dicathianas, jogando dezenas de anões e seus aliados, humanos e elfos, no chão. Os magos alacryanos subiram a estrada em minha direção, passando correndo pelos soldados deitados.

— Para o palácio! — A voz de Lyra soou, saindo do próprio ar como se ela estivesse bem ao meu lado. — Procurem em todos os cômodos, em todos os andares. Precisamos encontrar Arthur Leywin.

Atrás de mim, a guarda de elite do palácio, todos magos, se posicionou na entrada do palácio. Ergueram escudos gravados com runas e trabalharam juntos para conjurar uma barreira mágica sobre as pesadas portas, que estavam sendo fechadas atrás deles.

Tomando uma decisão, corri para a frente, passando entre os dicathianos que estavam recuando e sendo empurrados para trás pela onda repentina. Se ao menos eu pudesse alcançar Lyra, eu poderia…

— Caera!

Meu olhar se deslocou, procurando nas linhas de ataque dos alacryanos. Foi com uma mistura de alívio e horror que encontrei os olhos de minha mãe adotiva, Lenora. Corbett estava com ela, assim como Taegen e Arian, meus protetores. Reconheci soldados e guardas do sangue Denoir espalhados pelos grupos de batalha ao redor também.

Fortalecendo-me com uma respiração profunda, segui em frente, esquivando-me de feitiços ocasionais e evitando os dicathianos o melhor que pude. Meu sangue adotivo estava se movendo devagar, outros grupos de batalha avançavam, fluindo ao redor deles em uma maré de magia e aço. Atrás, porém, os soldados de Dicathen derrubados pela explosão sônica estavam lentamente se levantando.

— Arthur não está aqui! — gritei assim que estava perto o suficiente para me fazer ouvir claramente. — Recuem! Ele não está em Vildorial!

— Pelos Chifres de Vritra, Caera, você está viva — disse Lenora, envolvendo-me em seus braços. Percebi que ela estava soluçando e senti um pavor frio em meu peito.

— Onde está Lauden?

Corbett, parecendo deslocado em sua armadura de couro mal ajustada e empunhando um escudo e uma lança, piscou várias vezes e não olhou diretamente para mim.

— Parece que você e Foice Seris, digo, Lady Seris… inspiraram em seu irmão uma coragem imprudente, Caera. Ele…

Corbett hesitou, mas eu já sabia o que ele ia dizer. Engoli as emoções conflitantes que o sacrifício de Lauden provocou em mim. Haveria tempo para enfrentá-las mais tarde, se sobrevivêssemos.

— Vocês têm que recuar — continuei. — Retirem-se da cidade, se puderem. Levem seus homens, todos os que o seguirem.

A máscara de dor no rosto de Corbett se rompeu.

— Você não me ouviu? Seu irmão já está morto, e você quer que tenhamos o mesmo destino? Não há como recusar isso, Caera. — De repente, ele me olhou com desconfiança. — Embora isso não pareça verdadeiro para todos igualmente.

Lenora se colocou na frente dele, fazendo uma careta cruel.

— Por Vritra, Corbett, use esse intelecto brilhante que me fez amá-lo.

Ele a encarou, afrontado.

Mais adiante na estrada, a linha de frente dos dicathianos havia sido encurralada em um nó, agora cercada por nosso povo. Os alacryanos que saíram do túnel desmoronado estavam se dispersando pela cidade com apenas uma oposição simbólica.

— Por favor, me escutem — implorei, algo que não me lembrava de ter feito em minha vida adulta. — Eu ouvi a mensagem. E sua missão aqui já está completa, pai. Arthur não está aqui, juro por minha vida.

Quando a palavra “pai” saiu de meus lábios, a expressão de Corbett se suavizou.

— Eu… é claro. Entendi. — Ele olhou em volta para o perímetro dos grupos de batalha que hesitaram em avançar sem ele, todos membros e servos do sangue Denoir. — Homens! Voltem para o portal. Recuem! Nosso alvo não está na cidade.

Reprimi um sorriso surpreso quando Lenora entrelaçou seu braço no meu. Arian me deu um pequeno aceno de cabeça e uma piscadela rápida, enquanto Taegan olhava para a batalha que ainda se desenrolava acima e abaixo de nós na estrada, com um grande martelo agarrado em duas soqueiras brancas.

— Se eu conseguir falar com Lyra Dreide, eu posso…

Um raio de chamas pretas e azuis se espalhou entre nós, explodindo contra um escudo rapidamente conjurado a poucos centímetros de distância. Senti-me levantar do chão e aterrissar com força antes de rolar. Com quase nenhuma mana para me proteger, o impacto com a pedra dura foi como ser pisoteada por uma manada de wogarts.

Corbett ficou de joelhos, enquanto Arian conseguiu pegar Lenora. Taegen correu para frente, colocando-se entre meu sangue e o agressor, mas depois hesitou.

Houve um brilho de fio de prata tremeluzente, rápido demais para que um escudo se formasse, e o sangue jorrou da garganta de Taegen. O grande guerreiro olhou confuso para o sangue que jorrava em seu peito e, em seguida, pressionou o pescoço com uma das mãos. Ele percebeu tarde demais e seu martelo bateu no chão, seguido rapidamente por seus joelhos quando ele caiu.

— Não… — expirei, o esforço provocou uma dor aguda em minhas costelas e peito.

Ainda no chão, segui a linha do olhar morto de Taegen até meu tio-avô, Justus. Seu cabelo e seu cavanhaque grosso tinham ficado um pouco mais grisalhos desde a última vez que o vi. Seus olhos escuros se arregalaram de raiva. Ao contrário de Corbett, Justus usava uma armadura ornamentada e carregava uma bela espada no quadril. Um filamento fino de fio de prata orbitava em torno dele.

— Que diabos você pensa que está fazendo? — Lenora estalou, fazendo com que Arian a puxasse para trás e mudasse de posição para garantir que ele estivesse na frente dela. — Explique-se, Justus! Dê-nos um motivo para não…

Outra bola de fogo azul-escuro saltou sobre eles, mas dessa vez vários escudos apareceram, absorvendo tudo. Meu foco parecia desaparecer enquanto eu procurava o Conjurador e, quando a encontrei, mal pude acreditar no que estava vendo.

A tia Melitta estava segurando outra chama em sua mão. A expressão de mais puro ódio em seu rosto teria sido suficiente para me tirar o fôlego, se fosse direcionado a mim.

— Melitta? — disse Corbett, incrédulo. Ele examinou os magos que haviam se reunido em torno de Justus, fazendo com que eu fizesse o mesmo. Eram soldados Denoir e vários membros de nosso sangue.

— Não ouse falar comigo, Alto Lorde Denoir! — Ela rosnou, sua voz como uma foice em meio ao barulho do combate. Olhando Corbett nos olhos, ela cuspiu no chão. — Você nos destruiu, você e aquela bruxa, Seris.

— O que aconteceu? — perguntou Corbett, com a voz escura de pavor.

Lágrimas escorreram dos olhos de Melitta, e todo o seu corpo se fechou como um punho. Pensei que ela fosse lançar outra bola de fogo, mas, em vez disso, a tensão saiu dela em um grito sufocado.

— Arden está morto, seu desgraçado! E Colm… Arlo… meu marido e filhos, mortos. Por sua causa. Porque você escolheu lutar contra um deus.

Corbett empalideceu. O sangue Denoir sempre foi agressivamente político e as relações entre os membros do sangue eram repletas de tensão, mas Corbett e Arden sempre permaneceram firmemente leais um ao outro.

E os pequenos. Colm… Arlo…

— Quem faria mal às crianças? perguntei, mas minha voz se perdeu sob as ondas de som que vinham da batalha acima e abaixo de nós.

— No momento em que você ficou do lado de Seris, você condenou o Alto Sangue Denoir — disse Justus, enrolando o fio de prata com força. — Mas eu vou recuperar nossa honra. Primeiro, matando você e todos os seus traidores sem nome, depois encontrando e entregando Arthur Leywin ao Alto Soberano. — Ele cortou com as mãos, e o filamento de prata brilhou.

Os escudos se ergueram e feitiços explodiram de ambos os lados. Os dois lados atacaram e, de repente, surgiu uma terceira frente de batalha, só que esta era de alacryanos contra alacryanos, sangue contra sangue.

Uma onda de choque me jogou para trás novamente, me senti rolar várias vezes antes de parar. Ativei minha nova forma de feitiço e as chamas dançaram em minha pele, mas o efeito foi fraco, e o esforço evocou uma dor gritante em meu núcleo.

Desesperadamente, procurei por Lyra na estrada. Se ela entrasse em cena, a luta teria que parar, mas havia uma onda de tropas anãs vindas do centro da cidade, e estavam subindo a estrada. Eles estavam quase chegando ao túnel que ainda liberava soldados alacryanos, e ela estava ocupada se defendendo deles.

A luta entre Seris, Cylrit e Bairon havia desaparecido de vista. Embora eu ainda pudesse sentir as ondas de seu poder se chocando umas contra as outras à distância, Seris ou Cylrit também não podiam me ajudar.

Lentamente, fiquei de pé. Corbett estava travando uma batalha com Justus, enquanto Lenora se defendia dos feitiços de Melitta. Arian estava enfrentando dois Atacantes Denoir, e os soldados de ambos os lados lutavam e morriam ao redor deles. A lâmina carmesim da minha espada ressoou ao deslizar de sua bainha, dois dos fragmentos de prata foram ejetados de meu bracelete e começaram a orbitar ao meu redor, e avancei com uma calma que não sentia.

Uma mulher que reconheci como uma das guardas pessoais de Justus avançou contra mim, com um machado de aço fosco segurado firmemente em ambas as mãos. Novamente, imbuí mana em minha nova forma de feitiço, empurrando com mais força dessa vez, e as chamas saíram de mim, correndo pelo chão em direção à mulher. A fumaça e o fogo se contorceram e dançaram ao meu redor, formando várias silhuetas em chamas idênticas a mim.

A Atacante hesitou, seu foco mudando rapidamente entre as diferentes aparições. Minha lâmina sibilou ao cortar o ar, e ela girou e ergueu seu machado, pegando o golpe. Ao mesmo tempo, uma lança de fogo negro queimou a panturrilha da mulher a partir de um dos meus orbitais. Ela gritou e se ajoelhou, então eu lhe dei um chute no peito, fazendo-a se esparramar.

— Parem com isso! — gritei, tentando imbuir minha voz de comando. — Abaixem as armas e ouçam.

— Já ouvimos você demais! — Melitta gritou, voltando suas chamas para mim, mesmo quando meu próprio fogo ilusório estava se apagando. Quando sua bola de fogo foi lançada em minha direção, um escudo de mana negra girando rapidamente apareceu para desviá-la de volta para ela. Ela teve que se esquivar, e um de seus próprios soldados foi engolido inesperadamente.

Em seguida, o sangue espirrou no chão e Corbett caiu, com um longo e serpenteante corte em sua perna.

Justus não esperou para saborear sua vitória, mas voltou sua atenção para mim.

— Você é tão culpada quanto seu pai adotivo, sua garota egoísta e traidora. — Mesmo enquanto ele falava, seu fio de prata estava piscando em minha direção.

Eu o afastei, mas a força do golpe me fez tropeçar. Lenora havia se curvado sobre Corbett, envolvendo os dois em uma barreira protetora, e nenhum outro escudo estava por perto para me proteger. Quando houve o próximo ataque, meu bloqueio ficou ainda mais desesperado e fui rapidamente forçada a atravessar a estrada.

A borda inclinada apareceu em minha visão periférica e, de repente, percebi que estava de costas para uma queda de 30 metros até o próximo nível de casas.

Bloqueei várias vezes e, de repente, o fio de prata envolveu minha espada carmesim. Com um puxão forte, a lâmina voou, batendo na pedra que estava longe demais para eu alcançar.

Lenora já havia percebido o que estava acontecendo e se esforçou para me ajudar, mas Melitta mais uma vez a prendeu, era tudo o que ela podia fazer para evitar que ela e Corbett fossem reduzidos a cinzas.

Os olhos frios e cheios de ódio de Justus se fixaram nos meus.

— Pelo Alto Sangue Denoir — disse ele com orgulho, e seu feitiço brilhou.

Um fino florete o pegou, desviando o fio e impedindo-o de cortar minha garganta. Arian brandiu sua arma, aparecendo como que do nada para se colocar totalmente à minha frente.

— Peço desculpas pela demora, minha senhora. Eu deveria ter vindo em seu auxílio antes.

O arame se enroscou e estalou em Arian como uma cobra soberana, mas o florete do meu protetor brilhou em uma velocidade ofuscante enquanto bloqueava repetidas vezes, parecendo mais do que um adversário à altura para Justus.

Uma bola de fogo explodiu diretamente à nossa frente. Um escudo lançado rapidamente absorveu parte do golpe e evitou que o calor nos incinerasse, mas Arian foi levantado e jogado contra mim. Caí para trás, sentindo meus pés deixarem o solo sólido. A borda da estrada se ergueu e se afastou de mim enquanto eu despencava por baixo dela.

Em puro desespero, tentei me segurar em Arian, que estava caindo comigo. Apesar do vento forte de nossa queda, ele se contorceu com a graça de um gato, envolvendo-me com os braços e girando nossos corpos. Percebi tarde demais o que ele pretendia fazer, mas ele havia esmagado meu corpo contra o dele e estava apoiando minha cabeça e meu pescoço contra seu peito. A mana envolveu-o e infundiu-se em seus músculos, estendendo-se ligeiramente até mim.

Fechei meus olhos.

A escuridão ficou vermelha, e percebi apenas a dor quando todo o ar saiu de meus pulmões. Tudo estava zumbindo e se movendo, e senti o conteúdo do meu estômago entrando em erupção pelo esôfago. Essa sensação física chamou minha atenção para meu corpo, especificamente para suas partes individuais, que agora estavam todas em agonia.

No entanto, o fato de eu sentir dor significava que ainda não havia terminado.

Eu me esforcei para abrir os olhos. Estava deitada de lado, e a primeira coisa que vi foi Arian. O sangue vazava de sua boca e se acumulava ao redor de sua cabeça. Seus olhos estavam fechados, mas havia uma subida e descida irregular de seu peito.

Não tive noção do tempo enquanto estava deitada ali, imóvel, pensando apenas que precisava me levantar, que precisava ajudá-lo, mas não tinha capacidade para isso. Estava lutando para respirar e, apesar de toda a dor, quase podia sentir meu pulso enfraquecer.

Meu corpo está em choque, deduzi com o ar de quem está descobrindo um novo aspecto da magia.

Comecei a aprimorar meus sentidos em meus membros, um de cada vez. Primeiro, mexi os dedos dos pés e depois movi os tornozelos. Quando movi as pernas, senti dor nos quadris e nas costas. Em seguida, movi meus braços e, por fim, rolei de barriga para baixo.

Garras ardentes de agonia entraram no meu abdômen e no meu peito, fiquei enjoada de novo.

Tremendo, levantei-me, primeiro com as mãos e os joelhos e depois, cambaleando, fiquei de pé.

Era um pequeno milagre minhas pernas aguentarem meu peso, mas aguentaram. Tropecei e tive que me apoiar na parede de uma casa de pedra esculpida, mas não caí.

O movimento mais adiante na rua em que eu havia aterrissado puxou minha cabeça, o que fez com que ela nadasse perigosamente e meu equilíbrio vacilasse. Encostei minhas costas na parede e fechei os olhos, esperando que tudo parasse de girar. Quando consegui abri-los novamente, vi uma figura familiar com cabelo castanho-acinzentado saltar sobre um telhado e uma flecha branca de puro mana ser lançada de seu arco.

Respirando fundo, cada respirada fazendo meu peito vibrar com uma dor profunda, limpei a cabeça e me afastei da parede. Meu único pensamento era chegar até ela. Ellie me ajudaria. Alice poderia curar Arian. Ela não poderia?

A caminhada pela rua parecia demorar uma eternidade. O barulho da batalha estava por toda parte, mas não havia nenhum combate diretamente ao meu redor. A estrada se abriu na parede da caverna e eu perdi Ellie de vista. Foi só quando dobrei a esquina, passando por uma fileira de casas anãs, que a vi novamente.

Parei, cambaleando novamente enquanto tentava entender o que estava vendo.

— Crianças? — Eu disse em voz alta, certa de que era uma alucinação ou algum truque da minha lesão.

Porque pareceu que Ellie havia levado um punhado de alunos da Academia Central como prisioneiros. Todavia, por que eles estariam em Vildorial?

Tudo se encaixou no lugar.

— Eleanor! — ofeguei, cambaleando em sua direção.

Ela desviou o olhar de seus prisioneiros e soltou um suspiro horrorizado, dando alguns passos hesitantes em minha direção antes de se lembrar de manter sua flecha apontada para os alunos.

— Caera… mas o que aconteceu? Você está… — Ela saiu de seu estupor. — Precisamos levá-la à minha mãe. — Para os alunos, ela disse: — Peguem seu amigo. Vamos, vocês são prisioneiros de guerra agora. Minha mãe é uma emissora, uma curandeira.

Os alunos pareciam confusos e incertos, mas quando Ellie soltou o arco e correu até mim, pegando um pouco do meu peso, eles obedeceram.

— Arian… meu guardião, ele precisa…

A mana entrou em mim quando Ellie ativou sua forma de feitiço, aliviando a dor em meu núcleo. Sem esforço consciente, a mana então se infiltrou em meu corpo, ajudando a aliviar a dor.

Apaguei enquanto caía sobre Ellie aliviada, consciente apenas de colocar um pé na frente do outro. Os alunos e Ellie trocaram algumas palavras, mas não as compreendi. Cruzamos com outros alacryanos, mas eles olharam para mim e passaram por nós. Em seguida, encontramos dicathianos nos perseguindo, mas quando viram Ellie, nos deixaram em paz também.

Seguimos por um caminho sinuoso e difícil para baixo, evitando a estrada principal, que estava repleta de combates.

Eu podia ver o Instituto Earthborn e, além dele, os níveis inferiores da caverna, quando o tremor começou. Como um terremoto, percorreu toda a caverna de uma só vez. Bem abaixo, um buraco perfeitamente circular se abriu no piso do nível mais baixo, pouco visível para mim. Apertei os olhos, pensando que talvez o buraco estivesse em minha visão, mas algo estava saindo dele.

Novamente, pensei que devia ser o choque ou talvez uma concussão, mas então os outros começaram a falar também.

— Pelos chifres de Vritra, o que é isso?

— É algum tipo de animal?

— Mas aquilo não é uma pessoa?

— Veja, há mais deles.

— Veja quantos…

Sabendo que não estava vendo coisas, olhei mais de perto. A primeira criatura a rastejar para fora do buraco era semelhante a um lagarto, embora andasse sobre as duas patas traseiras, com a metade da altura de um homem. Exceto que… a besta de mana parecia ser apenas um componente orgânico de outra coisa. Veias brilhantes traçavam suas escamas cinza pálido, como se tivessem sido descoloridas. O peito estava coberto por uma placa grossa de metal cinza-azulado gravada com runas, mas o estômago estava aberto, revelando uma subestrutura mecânica sob a superfície orgânica, protegida por uma camada de mana transparente que brilhava suavemente.

A mandíbula inferior foi removida, revelando mais da mana translúcida. Através dela, mal conseguia ver o rosto concentrado de um jovem, com os olhos escondidos atrás de uma faixa gravada com runas.

Seus braços também eram ligeiramente visíveis através de lacunas na carne orgânica da besta de mana e na subestrutura subjacente de metal cinza-azulado, onde mais mana translúcida protegia os braços internos da besta de mana, do qual não tinha certeza de como chamar. Armadura? Algum tipo de exoesqueleto? Em um punho enorme e com garras, havia uma espada grande demais para ser empunhada confortavelmente por uma pessoa não mago, mas que se encaixava perfeitamente na grande besta de mana.

— Aquilo é uma pessoa? — Ellie perguntou com um calafrio. — Não há mana vindo deles, mas estão liberando uma aura tão forte. Como…?

Minha língua pareceu engrossar em minha boca enquanto eu falava.

— Então, esse é o projeto secreto de Gideon.

 


 

Tradução: NERO_SL

Revisão: Crytteck

 

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