O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 439 – A Mensagem

 

— Este não é o Victoriad e não estou apresentando um competidor lutando para ser um retentor, então vou pular os elogios flagrantes e a lista desnecessária de conquistas.

Seris parou por um momento, deixando o grupo de alto-sangues se olharem com desconfiança.

— Embora conhecido em Alacrya como Grey, a verdade é esta: apresento a vocês Arthur Leywin, Lança do país de Elenoir no continente de Dicathen.

A sala não explodiu em barulho nem ferveu, o senso de decoro dos alto-sangues quebrando apenas o suficiente para permitir algumas exclamações suprimidas e trocas meio sussurradas entre os que estavam lado a lado. A atitude estava em todo lugar, com algumas pessoas recostadas em suas cadeiras com os olhos arregalados e boquiabertas, enquanto outras usavam olhares presunçosos como se tivessem acabado de ganhar uma aposta. A reação da maioria, porém, indicava que eles pelo menos suspeitavam da possibilidade de eu ser Dicatheano.

Kayden estava sentado ao pé da escada do outro lado da sala, um copo na mão que restava. Lentamente, ergueu os olhos do copo e olhou para mim, nossos olhos se encontraram.

— Você só pode estar me sacaneando.

Soltou um grito alto, então riu alto e por bastante tempo, silenciando todos os outros.

— Então você estava… na academia… e os alunos…

Kayden começou a rir descuidadamente novamente enquanto os outros olhavam para ele com aborrecimento velado.

— Então nosso salvador é Dicatheano.

Um dos ascendentes, um homem chamado Djimon, disse com um toque de descrença.

Ao lado dele, Sulla balançava a cabeça.

— Ouvi os rumores, mas…

Me olhou nos olhos por um longo momento, então mudou para Seris, sua expressão enfraquecendo.

— Foice Seris… para que tudo isso realmente serve?

Vários outros participantes repetiram essa pergunta, alguns acenando com a cabeça, alguns batendo com os nós dos dedos na mesa para mostrar seu apoio.

— Basta.

Disse o Grão-lorde Frost. Sua voz não era alta, não havia comando áspero em seu tom e ainda assim a palavra soava como o som de um trovão distante, acalmando todos os outros.

Seris olhou em volta por alguns segundos, tomando um tempo para encontrar os olhos de cada alto-sangue.

— A questão não é para que serve tudo isso, porque cada um de vocês já sabe a resposta. Lutamos por nós mesmos e por nossos sangues, para moldar nosso mundo para que seja adequado para aqueles de nós com sangue “inferior” e não apenas para os Asura que o marcaram e o reivindicaram como deles.

Ela fez uma pausa por um momento para deixar essas palavras assentarem.

— Não, tenho certeza de que cada um de vocês entende muito bem por que está aqui. E por isso também sabem que não se trata de uma guerra entre dois continentes. Os Dicatheanos são tão vítimas da arrogância e da apoteose hipócrita do clã Vritra quanto nós. Eles são nossos aliados nesta luta, não nossos inimigos.

— Então, você é o líder do seu continente?

Matrona Tremblay, a mulher de sangue Vritra com cabelo preto azulado, me perguntou.

— O que lhe dá o direito de negociar com este corpo em nome de Dicathen?

Devolvi seu olhar inabalável.

— Não é por isso que estou aqui.

— Então por que exatamente você está aqui?

Perguntou o Grão-lorde Frost.

— Ouvi muito sobre você pela minha neta. E mais ainda de meus soldados em Dicathen que tiveram a infelicidade de cruzar com você. Um Dicatheano que ensina nossos filhos e poupa nossos soldados? Você terá que me perdoar, Lorde Leywin, se eu não entender completamente o que o conecta a Alacrya.

Vários outros murmuraram em concordância.

Senti Chul mudar de posição atrás de mim, sua mana crescendo enquanto a reunia instintivamente. Sylvie, sentindo minha atenção nele, deu um passo para trás para sussurrar em seu ouvido, pedindo-lhe que fosse paciente.

— Meu tempo como ascendente e professor não foi intencional.

Disse depois de tomar um momento para organizar meus pensamentos.

— Não vim aqui para espionar vocês, me infiltrar em suas instituições ou prejudicá-los, porém considerava-o meus inimigos. Seris e a Senhorita Caera do Alto-sangue Denoir fizeram o possível para me convencer do contrário, mas foram suas crianças, como Enola, que realmente me mostraram a verdade. Tenho inimigos neste continente, muitos, mas nem todos.

Uriel sorriu, uma expressão calculista.

— Perdoe-me, mas isso realmente não responde à minha pergunta. Por que você está aqui agora?

Eu balancei a cabeça, apreciando a atenção do homem aos detalhes.

— Seris me ajudou a proteger meu povo e, portanto, estou aqui agora para ajudar a proteger o dela.

O ascendente careca chamado Anvald grunhiu.

— Então por que você não atravessa esses portais e mata Dragoth e todos os seus soldados?

— Eu poderia.

Admiti,

— Mas mais iriam substituí-los e ainda mais depois disso. Você e eu sabemos que Agrona não se importa em trocar vidas. Além disso, vocês não podem sobreviver aqui para sempre. Não sei o que Seris planejou, mas duvido que inclua se esconder nas Relictombs até que todos vocês morram de fome.

— Não, realmente não.

Seris interrompeu com firmeza.

— Mas isso nos aproxima um pouco mais da questão que estamos aqui para discutir hoje. Que é, claro, o que vem a seguir.

Corbett Denoir pegou a mão da esposa e trocou um breve olhar com ela.

— Acho que essa é uma pergunta em todas as nossas mentes, Foice, Senhorita Seris. Muitos de nós sacrificamos tudo para chegar a este ponto. Cada vez que parecia que nossa situação havia se tornado inavegável, você nos ajudou, mas…

Ele fez uma pausa, seu olhar rastreando a mesa. Quando retomou, falou com muito cuidado.

— Acho que já passou da hora de entendermos o objetivo de tudo isso. Não grandes projetos de autogoverno e a expulsão do clã Vritra, mas resultados reais e tangíveis. Mesmo que entendamos por que Grey aqui pode nos ajudar, eu, pelo menos, não vejo como.

Adaenn do Alto-sangue Umburter, o jovem que poupei em Xyrus, cuspiu indignado.

— Vocês não viram o que ele fez no Victoriad? Eu nem estava lá e ainda assim ouvi isso ser contado dezenas de vezes. Ele sozinho retomou as cidades Dicatheanas de Vildorial, Blackbend, Xyrus e Etistin, derrotando exércitos inteiros. Até as Foices, segundo me disseram, curvaram-se diante de seu poder superior.

Limpei a garganta e gesticulei para Adaenn se acalmar.

— Mas não foram apenas as Foices.

Caera disse inesperadamente.

A atenção da sala aumentou. Todos sabiam que Caera estava viajando comigo e, pela mudança de atmosfera, era óbvio que esperavam que ela falasse. Além disso, seus chifres, agora exibidos com orgulho sem o pingente, rapidamente chamaram a atenção de quase todos os presentes. Quando falou, foi como se lhes houvesse dado permissão para olhar.

Ela ergueu o queixo e se sentou um pouco mais ereta.

— O Alto Soberano enviou um grupo de batalha de Assombrações para rastrear Arthur em Dicathen. Ele matou todos.

Kayden assobiou. A matrona Tremblay franziu o cenho para as próprias mãos.

— As Assombrações … pensei que eram um mito.

Sulla esfregou a mão no rosto. Abalado, ele olhou em minha direção.

— E você…?

Uma mulher mais velha, que havia sido apresentada como matrona Amelie do Alto-sangue Bellerose, zombou.

— Fantasias tolas. Senhorita Seris, certamente você não nos trouxe aqui apenas para nos insultar com contos de ninar.

Cylrit ficou rígido, mas Seris permaneceu passiva enquanto dizia:

— Matrona Bellerose, talvez meu atual estado de fraqueza tenha lhe dado a impressão errada. Na verdade, ainda não estou tão cansada para aceitar que se dirijam a mim dessa maneira.

A matrona Bellerose empalideceu, cruzando as mãos no colo e olhando apenas além de Seris para evitar encará-la.

— Peço desculpas, Senhorita Seris, você está certa, é claro. Meu tom foi impróprio para minha posição. Me perdoe.

Seris inclinou a cabeça ligeiramente em reconhecimento.

— Não os culpo por seu ceticismo, o que é saudável, mas é igualmente verdade que nenhum de vocês estaria aqui se não tivesse a capacidade de enxergar além da estrutura rígida de nossa sociedade e cultura. As Assombrações são bem reais e o que a Senhorita Caera disse é verdade. Digo isso para reforçar um ponto essencial: Arthur tem força para ajudar a nos libertar dessa prisão que construímos em torno de nós mesmos.

A sala ficou em silêncio por um longo momento após esta declaração. Peguei os Grão-lordes Frost e Ainsworth compartilhando um olhar incerto. Os olhos da matrona Tremblay nunca me deixaram, enquanto Kayden parecia perdido em pensamentos girando sua bebida. Todos os outros exibiram uma combinação semelhante de expressões externas, mas ninguém expressou seus pensamentos.

— Não era isso que eles esperavam.

Sylvie falou tensamente.

— Eles estão apavorados.

— Eles confiaram em Seris por toda a esperança de mudança durante esse levante.

Respondi, permitindo que o silêncio se prolongasse.

— Ser informados de que ela, por sua vez, está contando com outra pessoa, e um estrangeiro, será difícil para alguns deles aceitar.

— E assim passamos para nossos próximos passos.

Seris continuou após uma longa pausa.

— Temos em Arthur um aliado capaz de atacar as forças de Agrona de uma forma que ninguém mais consegue. Para construir o apoio público, é essencial que continuemos a corroer a fé do povo na infalibilidade divina de Agrona. Minha execução pública do Soberano Orlaeth foi o primeiro passo. Ao mostrar a este continente que os Asuras não são de fato imortais, também revelamos a eles um futuro potencial em que os Asuras desapareceram completamente. Mas uma imagem projetada rapidamente não é suficiente. Não, precisamos de uma vitória decisiva e à vista de todos.

— Você pretende enviar Arthur atrás dos Soberanos.

Sylvie disse, movendo-se para ficar atrás de mim mais uma vez, com as mãos nas costas da minha cadeira.

— Sim!

Chul explodiu, fazendo todos pularem. Ele ergueu o punho no ar e sorriu.

— Já não era sem tempo.

Ao meu lado, Ellie respirou fundo, tentando relaxar do susto que Chul lhe dera.

— Lutar contra Asuras…

Ela sussurrou, mexendo na beirada da mesa nervosamente.

— Estava esperando mais do que uma demonstração de força.

O Grão-lorde Ainsworth observou enquanto acariciava seu cavanhaque.

Lorde Lars Isenhaert, um homem louro e magro com um bigode caído, bateu com a palma da mão na mesa.

— De fato. Exatamente o que penso, Ector.

Seris olhou para os dois apaixonadamente.

— Destruir os Soberanos pode não enfraquecer o poder de Agrona, mas enfraquecerá sua imagem junto ao público. E, mais importante, um ataque tão ousado contra ele atrairá sua maior arma para o campo de batalha.

Seris estava encarando os alto-sangues enquanto falava, mas eu sabia que ela estava falando diretamente comigo quando disse:

— Toda a mente dele foi consumida pelo Legado por décadas. Sua remoção é agora nossa maior prioridade.

Meus punhos cerraram e minha mandíbula apertou. Apesar dessas reações físicas, porém, eu não tinha certeza do que estava sentindo.

Um dos alto-sangues falou, fez uma pergunta, mas meus pensamentos estavam mergulhando internamente e eu não processei as palavras.

Tessia…

— Ela está certa, Arthur.

Disse Sylvie, projetando seus pensamentos nos meus.

— Sinto muito, mas você está adiando isso há muito tempo. A situação de Cecilia precisa ser tratada.

— Mas como nós fazemos isso?

— Por que deixar a garota viver o suficiente para se tornar uma ameaça, então?

As palavras de Uriel levaram um momento para penetrar, mas assim que o fizeram, forcei minha mente a voltar para a conversa acontecendo ao meu redor.

— Teria sido mais prudente, ao que parece, matá-la meses atrás, mesmo que isso significasse perder a oportunidade de nosso atual ato de rebelião.

Acrescentou Corbett, falando com cautela.

Os olhos escuros de Seris se voltaram para mim por meio segundo antes de responder.

— Talvez, mas havia muitas razões para não o fazer também, entre as quais minha própria curiosidade. Eu tinha que saber se esse poder era real e do que ele era capaz. Além disso, o receptáculo em que reside o Legado é a princesa de Elenoir, Tessia Eralith. Eu não estava pronta para condená-la à morte.

— Mas você está agora?

Perguntei, tentando soar curioso e indiferente. As palavras saíram vazias.

Ela inclinou a cabeça ligeiramente para o lado, observando-me atentamente.

— O Legado precisa ser removido desta guerra. O controle dela sobre a mana tornou-se absoluto, e acredito que você é o único capaz de enfrentá-la de frente.

Antes que eu pudesse responder, Ellie se apoiou nos cotovelos e olhou fixamente para Seris.

— Não vamos matar Tessia.

Senti a pontada agridoce de orgulho e arrependimento ao olhar para a expressão feroz de Ellie.

Seris recostou-se na cadeira, despreocupada.

— Não pedi a sua presença para lhe dizer o que fazer. Isso não é uma ordem, mas um apelo. Falta-nos força, seja em magia ou números, para derrotar Agrona. Desde o início, isso tem a ver com corroer a base de seu poder. Sehz-Clar, Orlaeth, as Relictombs, cada um, uma nova rachadura naquela fundação. Sem trabalhar juntos, no entanto, nenhum de nós pode derrubá-lo completamente.

Eu sabia que havia outra camada nos planos de Seris. Lyra me disse que a rebelião de Seris era em parte para manter Agrona ocupado enquanto lutava para retomar meu continente. Ela perderia prestígio com seus seguidores se dissesse isso em voz alta aqui, mas não podia ignorar que nosso sucesso foi, pelo menos em parte, à custa de seu povo.

Maylis se levantou, com as mãos entrelaçadas no cabelo atrás da cabeça enquanto se afastava da mesa.

— Mas mesmo enfraquecendo suas fundações, Agrona é muito poderoso para atacar diretamente.

Ela se virou, as mãos abaixando e fechando em punhos.

— Sinto muito, mas não vejo como um Dicatheano pode ser páreo para ele.

— Sente-se.

Seris disse com o comando de quem sabe que será obedecida.

Maylis mordeu o lábio e obedeceu.

Dirigindo-se à mesa em geral, Seris disse:

— Como a matrona Tremblay bem observou, mesmo com seu domínio sobre este continente enfraquecido, Agrona não é alguém que alguém neste mundo possa derrotar. Mas meu objetivo nunca foi me envolver diretamente com ele.

Os olhos escuros de Seris varreram os nobres.

— O caminho para Epheotus está finalmente aberto e os dragões chegaram a Dicathen. Meu plano é e sempre foi simplesmente definir o campo de jogo adequadamente para que, quando Agrona e Kezess eventualmente batalharem, o resultado seja apenas a destruição mútua.

A sala ficou totalmente silenciosa com essa proclamação. Apenas Kayden não estava olhando abertamente para Seris, em vez disso estava olhando sombriamente para sua bebida.

— Você está errada.

Disse Chul, sua voz profunda quebrando o silêncio como vidro.

A carranca de Seris era quase caricaturalmente divertida enquanto observava meu companheiro meio-asura, claramente sem palavras.

— Agrona pode ser derrotado por alguém neste mundo. Meu irmão em vingança e eu provaremos isso quando o basilisco covarde finalmente deixar seu buraco nas montanhas.

— Preciso de tempo para pensar sobre isso.

Disse, me afastando da mesa e me levantando antes que a conversa avançasse. Ellie rapidamente seguiu meu exemplo.

Depois de vários segundos, Seris arrastou seu foco para longe de Chul e de volta para mim. Foi uma prova de seu cansaço que Seris não resistiu.

— Tenho uma série de outras coisas para discutir com meu conselho. Você encontrará muito espaço no andar de cima para acomodar seu grupo e minha equipe trará tudo o que você precisar.

Acenei com a cabeça e comecei a me afastar.

— Mas Arthur.

Seris disse, seu tom assumindo uma nova urgência.

— O tempo é apenas um dos muitos recursos que nos faltam.

Apenas acenei com a cabeça novamente antes de circular ao redor da mesa e ir para as escadas, os olhos atentos dos muitos alto-sangues Alacryanos queimando em minhas costas.

Kayden saiu do caminho, inclinando-se ligeiramente enquanto mantinha o peso da perna ruim.

— Um dicatheano. É estranho, Grey. Eu deveria te odiar, mas a razão de eu gostar de você é que você parecia imune à mania de sangue de nossa cultura. E agora eu sei porquê.

Ele estendeu a mão e eu a peguei.

— É um prazer conhecê-lo, Arthur Leywin.

— Estou surpreso em vê-lo aqui.

Admiti, meu olhar inadvertidamente passando por ele para as escadas, que eu desejava subir.

— Parece que você já teve o suficiente de guerra.

Seu sorriso vacilou e ele mordeu o lábio superior, franzindo a testa.

— Não sou muito bom em luta hoje em dia, mas meu sangue tem recursos que são úteis para Seris. Depois do que vi no Victoriad…

Procurou meus olhos por um longo momento.

— Eu sabia que as coisas nunca mais seriam as mesmas e sabia de que lado queria estar.

Sem saber o que mais dizer, dei um tapinha no ombro dele e subi as escadas, minha mente cheia de mil resultados possíveis para um confronto contra Cecilia, todos eles negativos. Um assistente nos encontrou no alto da escada e nos mostrou uma fileira de cômodos confortáveis. Todos se amontoaram no primeiro atrás de mim.

— Este é um bom plano.

Disse Chul quando a porta se fechou atrás de nós. Esticou os ombros e soltou um suspiro profundo.

— Eu gosto deste plano.

Me joguei em uma poltrona estofada no canto e passei minhas mãos pelo meu cabelo, olhando para Sylvie com crescente desespero.

— Não estou pronto para enfrentar isso.

Ela se sentou na cama, parecendo deslocada. A armadura de relíquia agora estava amplamente obscurecida sob um conjunto de mantos pretos esvoaçantes feitos de minúsculas escamas entrelaçadas, mas isso não escondia o feroz meio-elmo ou o segundo conjunto de chifres seguindo a linha de sua mandíbula.

— Alguma vez já estivemos prontos para as coisas que esta vida nos trouxe?

Fechei os olhos e deixei minha cabeça pender para trás, frustrado comigo mesmo.

Do outro lado da zona, a voz de Regis saltou em meus pensamentos.

— Você deveria ter previsto isso? Sim. Você deveria ter gastado mais do que um aceno mental passageiro aqui e ali, considerando como reverter o que quer que Agrona tenha feito com a sua namoradinha? Também sim. Não sempre basicamente tiramos a solução de nossas bundas coletivas quando nos deparamos com situações aparentemente impossíveis? Mais uma vez, sim.

Ellie se moveu para se sentar ao lado de Sylvie, descansando a cabeça no ombro do meu vínculo. Sylvie pegou a mão de Ellie, a que não estava presa ao braço quebrado, e deu um aperto familiar.

— Sabemos que a mente de Tessia ainda está em seu corpo.

Disse em voz alta para benefício de Ellie e Chul.

— Talvez o Requiem de Aroa possa ser usado para remover Cecilia…

— Talvez.

Disse Sylvie, com os olhos baixos.

— Mas seu insight sobre esse poder é incompleto, você disse. E, sendo uma técnica aevum, você não está naturalmente alinhado a ela. Eu não quero—

— Mas talvez você possa usá-la.

Disse, aproveitando uma ideia repentina.

— Se você pudesse tirar a runa de mim como Regis fez com a Destruição, talvez pudesse fazer pleno uso dela.

Ela olhou para cima lamentando.

— Mas como faríamos isso, Arthur? Regis era uma parte de você, capaz de se manifestar em seu corpo e transferir a runa enquanto ela ainda estava se formando…

O rosto de Chul estava marcado por uma carranca profunda.

— Se esse Legado é uma ameaça, não seria mais seguro apenas matá-la?

Ellie se levantou de um salto e se virou para Chul, apontando o dedo como uma adaga.

— O que há com você e sua necessidade incessante de lutar e matar? Há outros fatores a pesar, e nem tudo se resolve quebrando as coisas.

— Mas isso pode.

Chul respondeu com um encolher de ombros.

Gemendo, Ellie se jogou de volta na cama.

— Nós vamos encontrar um—

Mordi as palavras, incapaz de terminar a frase. Não importava o quanto eu quisesse tranquilizar Ellie, não conseguia dar a ela esse tipo de esperança.

— Por que não levá-la para Mordain?

Regis sugeriu.

— Ele é meio hippie, mas também é um dos Asura mais antigos e reservados que conhecemos.

Senti minhas sobrancelhas se juntarem.

— Isso… na verdade não é uma ideia terrível.

— Espere, era o Regis?

Ellie perguntou, sentando-se novamente.

— O que ele disse?

Sylvie explicou rapidamente a sugestão.

— Esse também é um bom plano.

Chul concordou.

— Mordain tem grandes insights sobre questões de reencarnação e trabalhou ao lado de djinns como meu pai por muitos anos. Então, se não houver solução, ainda podemos matá-la.

— Não devemos nos antecipar. Mesmo supondo que sejamos capazes de derrotar o Soberano, realmente não sabemos no que estaremos nos metendo em relação a uma luta contra Cecilia.

Me mexi desconfortavelmente na poltrona estofada.

— Mas uma maneira de descobrir é encará-la diretamente.

— Sim.

Disse Chul, martelando o punho cerrado no peito.

— A melhor maneira de entender alguém é lutar contra essa pessoa.

— Não deveríamos estar tão decididos a lutar contra ela.

Rebateu Sylvie.

— Que motivo Cecilia tem para lutar por Agrona, sério? Talvez possamos falar com ela, convencê-la a deixá-lo. Honestamente, é mais provável que queiramos ajudá-la do que ele. Não há como ele não estar usando os talentos dela como o Legado para algo terrível.

Ellie envolveu Sylvie em um grande abraço, apertando-a.

— Eu… não vou com você desta vez, vou?

Olhando para as feridas enfaixadas da minha irmã, senti um pouco da tensão diminuir em mim, percebendo que já havia me decidido sobre esse assunto.

— Lutar contra um Asura e o Legado? Não, irmã, desculpe. Você vai ficar aqui com Regis e se recuperar.

— Você realmente quer entrar nessa luta sem a runa da Destruição?

Ele perguntou de dentro do pote com a cabeça.

Imaginei as Assombrações sendo desfeitas uma a uma em minhas mãos, a Destruição devorando meus inimigos e a mim lado a lado. Não deixei que o pensamento chegasse a Regis, mas na verdade era um alívio deixar a runa divina da Destruição para trás. Era uma tentação muito grande e apenas aumentava a probabilidade de algo acontecer com Tessia durante a batalha.

— Eles precisam de você aqui por enquanto.

Enviei de volta, derramando meu apreço por seus esforços na conexão.

— Vamos descobrir como tirar você desse pote quando eu voltar.

Regis e os outros estavam todos quietos, o que combinava muito bem com meus pensamentos agitados.

Apesar do que eu disse, não tinha certeza se tentar capturar Cecilia e levá-la para Mordain era a melhor opção. Meu medo era que, ao contrário, fosse egoísta. Se ela era tão perigosa, eu poderia em sã consciência trazê-la para a casa das fênix? Não era totalmente diferente de carregar um explosivo instável e esperar que não explodisse e ferisse alguém.

Mas a outra opção era igualmente inaceitável.

Fiz mal em não matá-la no Victoriad? Me perguntei, tomando cuidado para manter meus pensamentos longe de Sylvie e Regis.

Eu teria que lidar com Nico de qualquer maneira. Pensando no ódio puro que ele exibiu quando lutamos, quando descobri quem realmente era Elijah o tempo todo que o conheci, não conseguia imaginar não ter que matá-lo para chegar até ela. Mas ele levou Tessia, lembrei a mim mesmo, tentando conjurar minha raiva em relação a Nico, mas há muito tempo esfriada em minhas entranhas.

Eu não conseguia odiar nenhum deles, não do jeito que eles me odiavam. Era muito complicado.

Uma visão do rosto de Virion distorcido com ódio e desespero surgiu em minha mente. Ele poderia me perdoar se eu matasse sua neta, não importa o motivo?

Eu poderia me perdoar?

Uma assinatura de mana se separou daqueles reunidos na taberna abaixo e subiu as escadas. Eu poderia dizer imediatamente que era Caera. A calmaria em nossa conversa durou até que ela chegou do lado de fora de nossa porta, onde hesitou um momento antes de bater de leve.

Levantei-me e fui até a porta, abrindo-a e ficando de lado. Seus olhos percorreram meu rosto antes de se fixarem nos outros atrás de mim.

— Sinto muito, não tinha certeza de onde seria mais necessária, mas a conversa no andar de baixo evoluiu para discussões sobre provisões e a divisão dos estoques de cada sangue, então…

Acenei para ela entrar, depois me concentrei nos outros.

— Escolham um quarto e tentem descansar um pouco.

Sylvie se levantou, puxando Ellie com ela.

— Beliche comigo?

Perguntou, com o braço em volta do ombro de Ellie.

— Na verdade, Senhorita Sylvie, eu esperava falar com você, assim como com Arthur.

Disse Caera, olhando para baixo e colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.

As sobrancelhas de Sylvie se ergueram, mas ela se recuperou rapidamente, soltando minha irmã e voltando a se sentar.

— Claro.

Ellie deu um high-five em Caera ao passar.

— Vou dormir tipo uma semana inteira, eu juro.

— Não preciso dormir.

Chul disse ao chegar à porta atrás de Ellie, sem olhar para mim.

— Acho que vou explorar este lugar.

— Isso provavelmente não é uma…

A porta se fechou atrás dele.

— … boa ideia…

Caera acomodou-se na cadeira que eu havia deixado.

— Pelos chifres de Vritra, mas tem sido um longo dia… dias? Tenho pena de qualquer um que fique preso em uma zona de convergência com vocês três. Ascendentes morrerão às dezenas.

Ela empalideceu, sentando-se ereta e corrigindo sua postura.

— Minhas desculpas, eu não quis dizer…

Eu dei a ela um sorriso irônico.

— Não vejo você tão estressada há algum tempo. Acho que você estava mais relaxada saindo da prisão de Vajrakor. Esse estilo de vida dos alto-sangue realmente não combina com você.

Caera ajeitou as roupas. O efeito foi mínimo considerando todas as manchas de sangue, rasgos e bandagens.

— Na verdade, nunca foi.

— O que você precisa nos dizer?

Sylvie perguntou, uma sugestão de carranca vincando suas sobrancelhas.

— Está tudo bem?

— Sim, obrigada. Isso… será mais fácil de mostrar a vocês, eu acho.

Caera desamarrou os cadarços da bota esquerda e puxou-a, depois a meia ensanguentada por baixo. Ela mexeu em algo em torno de seu dedo mindinho, lutando com ele momentaneamente antes de deslizar para fora. Em sua mão havia um anel fino e simples com uma aura sutil de mana ao redor.

Eu não pude deixar de rir.

— Você conseguiu manter um anel dimensional escondido de todos em Vildorial.

— Como aquele seu velho manto, ele tem runas para que em uma revista casual passe despercebido. Ninguém me inspecionou perto o suficiente para descobrir, felizmente. Afinal, eles já haviam encontrado meu anel dimensional normal.

Ela girou o pulso, deixando a faixa lisa pegar a luz para que eu pudesse ver apenas as marcas gravadas em sua superfície.

— Bastante caro, na verdade, especialmente considerando o tamanho do espaço extradimensional contido nele.

— E o que está armazenado dentro desse espaço?

Sylvie perguntou, seus olhos nunca deixando o anel.

— Só uma coisa.

Caera engoliu em seco e canalizou mana para o artefato.

— É uma mensagem. Da Foice Nico. Ele disse… bem, ele disse para te dizer que você tem que salvá-la. Que você… deve uma vida a ela.

Uma esfera áspera apareceu em sua outra mão. Era branca e grande demais para ela segurar confortavelmente com uma mão. A casca externa era levemente transparente, revelando um toque de roxo por dentro. Meu coração começou a bater rapidamente ao vê-la e minha garganta ficou seca.

Era o núcleo de um dragão. O núcleo de Sylvia.

Aceitei-o cuidadosamente de Caera, segurando-o como se fosse de vidro quebradiço. Estava vazio, nada mais que uma relíquia cheia de lembranças dolorosas. Nico devia saber disso, mas mesmo assim arriscou enviar de qualquer maneira e com aquela mensagem…

Não, não era apenas um órgão vazio. Trazia consigo memórias dolorosas, mas também trazia esperança.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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