O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 434 – Obscurecido

 

O grito de uma criança interrompeu nossa conversa, fazendo com que Lyra parasse antes de terminar de falar.

Todos nós ficamos tensos enquanto procurava a origem do barulho, esperando entrar em ação defensiva. Um momento depois, relaxei, soltando minha respiração.

Várias crianças, talvez de oito anos até o início da adolescência, perseguiam umas às outras entre os lotes de terras cultivadas. A garota da frente corria com uma pesada bola de couro nos braços enquanto os outros lutavam para roubá-la dela.

Um menino, um pouco maior, segurou seu braço e ela tentou jogar a bola para outra menina. No entanto, era muito pesada e caiu a vários metros de distância. Ela rolou no caminho de outra criança, que a chutou descontroladamente por acidente, enviando-a cambaleando em nossa direção.

— Por que há crianças aqui?

Ellie perguntou, confusa.

Lyra observou as crianças brincando com uma expressão distante.

— Muitas famílias Alacryanas fixaram residência em lugares como Xyrus e Etistin. Principalmente aquelas de soldados de patente superior. Eles não têm para onde ir.

A bola rolou para os meus pés. As crianças pararam de persegui-la, mantendo distância enquanto olhavam para mim nervosamente. Joguei a bola para o alto com o dedo do pé antes de chutá-la por cima de suas cabeças, fazendo-a voar. Um coro de gargalhadas irrompeu entre as crianças quando partiram atrás dela novamente.

Quando me virei, Lyra estava me inspecionando atentamente.

— Se você está indo para Alacrya.

Disse.

— Há algo que eu gostaria de pedir a você.

Uma pilha de pergaminhos enrolados e dobrados apareceu de seu anel dimensional.

— Algumas das pessoas aqui escreveram cartas para seus parentes em Alacrya, mas não tive outra oportunidade de enviá-las.

Chul bufou.

— Vamos ser carteiros agora? Carteiros para o inimigo?

— Claro que vamos levá-las.

Disse Caera, dando um passo à frente para aceitar a pilha de cartas de Lyra. Ela me lançou um olhar questionador.

— Não deve ser um problema levá-las para Alacrya, pelo menos.

Disse evasivamente, sentindo-me mais de acordo com Chul do que com Caera.

Lyra soltou uma risada clara e doce, não pude deixar de rir também.

— Não estou pedindo para você ir de porta em porta e entregá-las, regente. Mas obrigada. Sua ajuda nisso, embora possa parecer servil para você, é muito apreciada.

Caera agarrou as cartas com cuidado por um longo momento antes de enviá-las para seu anel dimensional.

— Temos um destino em mente, então?

— Existe algum lugar em Alacrya onde estaremos seguros?

Ellie perguntou em resposta, inquietando-se nervosamente. Sussurrando, acrescentou:

— Não acredito que estou indo para outro continente.

— Sim, eu sei por onde começar. Lyra, há algum lugar por perto que esteja fora da vista do vilarejo? Prefiro não perturbar seu povo ativando um portal para Alacrya bem na frente deles.

Lyra concordou antes de nos levar a um bosque pequeno, mas próspero, um pouco mais longe da aldeia. Era grosso o suficiente para nos proteger de olhos curiosos.

Retirando o tempus warp, coloquei-o no chão entre a grama amarela o ativei, usando éter para moldar a mana conforme necessário. O tempus warp brilhou nas sombras dos galhos das árvores e um portal apareceu próximo a ele.

Desta vez, Caera foi primeiro. Eu não tinha certeza do que estava esperando do outro lado e queria que um rosto familiar saísse do portal.

O resto seguiu rapidamente.

— Obrigado, Lyra.

Disse, estendendo a mão à retentora.

Ela pegou.

— As coisas estão chegando ao limite, regente. Não posso deixar de sentir que Agrona está ganhando tempo. Ele não faz nada sem um plano e mesmo que sua natureza Asura às vezes o deixe indiferente no momento, não acredito que nada do que aconteceu esteja fora de suas intenções. Até mesmo sua derrota aqui em Dicathen.

— Pelo nosso bem, espero que você esteja errada.

Disse, apertando a mão dela com firmeza mais uma vez antes de soltá-la.

Ao recuperar o tempus warp, senti meu olhar atraído para a meia distância. Além das árvores, ainda podia ouvir crianças brincando e trabalhadores gritando, seguidos pelo baixo e triste trombetar de um boi da lua. Pensei em soldados manipulando a natureza de seus feitiços de ataque para cultivar e regar plantações, em grupos de batalha organizados trabalhando em conjunto para construir casas em vez de destruí-las.

Percebi que as pessoas mais fracas poderiam morrer de fome ali, ou deixar sua situação ficar tão terrível que não encontrariam outro recurso, exceto atacar novamente, mas os Alacryanos prosperaram.

Quem poderia imaginar que a mulher responsável por espalhar as mentiras cruéis de Agrona para este continente seria a mesma pessoa que agora estava ao meu lado, dedicando sua vida a melhorar a qualidade de vida daqueles que Agrona via apenas como forragem?

Vendo a possibilidade de dias melhores no horizonte depois de tanto tempo em guerra, entrei no portal.

Fui envolvido por uma luz trêmula, que levou um momento para se fundir em formas sólidas quando cheguei ao meu destino. Vozes desencarnadas infiltraram-se em minha consciência antes que eu pudesse entender as formas, várias vozes diferentes, a maioria gritando.

À medida que as cores borradas ganhavam significado, percebi que estava enfrentando uma parede de feitiços defensivos. Obscurecida por vários escudos de vento, fogo, gelo e painéis translúcidos de mana, havia uma propriedade de tijolos de dois andares, que por sua vez era cercada por colinas verdes e campos dourados. O portal nos depositara bem no meio de um quintal bem cuidado e Chul estava com o pé em uma cama de bulbos cor de tangerina.

Ele também tinha sua arma em punho e estava carrancudo para os magos adversários. Regis saltou na frente dele, dissuadindo Chul de pular nos Alacryanos, enquanto Ellie, segurando a Cintilação Prateada como um cajado, se protegeu atrás de Boo. Caera deu um passo à frente com as mãos levantadas sobre a cabeça e agora tentava calmamente acalmar a situação.

— Não somos uma ameaça, apenas relaxem. Meu nome é Caera do Alto-Sangue Denoir. Por favor, apenas—

Um dos escudos derreteu e uma jovem saiu pela linha defensiva. Seu cabelo laranja desbotava para amarelo nas pontas, emoldurando seu rosto incrédulo e olhos castanhos brilhantes.

— Professor Gray?

— Por favor, não ataque meus amigos, Briar.

Disse, saindo lentamente na frente dos outros.

— Isso tornaria tudo muito estranho.

Um por um, os outros escudos piscaram, revelando vários jovens magos, todos em idade escolar. O único que reconheci imediatamente foi Adem, pupilo de Darrin. Os olhos escuros do garoto se arregalaram de forma caricatural ao me ver, seu rosto se abriu em um enorme sorriso. Ao redor dele, os outros jovens magos começaram a tagarelar animadamente, olhando para Adem em busca de confirmação do que Briar acabara de dizer.

A porta da frente da propriedade se abriu e Darrin saiu correndo para a luz do sol, o vento já girando em torno de seus punhos. Ao me ver, parou, sua expressão desmoronando em puro choque, depois alívio e, finalmente, em um sorriso quase tão largo quanto o de Adem.

— Gray! Seu idiota incorrigível, quase me sujei quando o alarme de perímetro disparou.

Disse ele, arrancando uma rodada de risadas inseguras da multidão de adolescentes.

— O que em nome do Vritra você está fazendo aqui?

— Eu poderia te perguntar a mesma coisa.

Respondi, deixando meu olhar varrer os defensores da propriedade.

— Seu programa se expandiu, aparentemente.

O sorriso vacilou e ele se virou para inspecioná-los.

— Muita coisa aconteceu desde que você partiu para a Academia Central. Por que você e seus amigos não entram? Você pode me dizer que tipo de problema trouxe à minha porta e eu farei o mesmo.

Os jovens magos se afastaram, permitindo que nos aproximássemos da mansão. Sylvie deu um passo à minha esquerda enquanto Ellie se moveu para a minha direita. Eu a ouvi sussurrar para Boo ficar no quintal. O urso guardião resmungou, mas fez o que ela pediu. Caera e Regis caminhavam logo à minha frente.

Olhando para trás, para Chul, que manteve um olhar atento sobre os Alacryanos da retaguarda, disse:

— Obrigado por mostrar moderação.

Ele encontrou meus olhos por apenas um único passo, então voltou a observar as crianças Alacryanas.

— O sinal para atacar não foi falado.

Dentro do corredor de entrada, mais rostos jovens espiavam pelas portas e pelo corrimão ao redor do patamar do segundo andar.

— Mestre Ordin, o que… Professor Gray!

Aphene, com o cabelo escuro mais comprido do que quando a vi pela última vez no Victoriad, bloqueava um dos corredores.

Atrás dela, várias crianças muito mais novas se esforçavam para se esconder atrás dela enquanto tentavam simultaneamente ver o que estava acontecendo, incluindo a menininha Penka que conheci da última vez que estive aqui.

— Você está com todas as crianças da minha turma aqui?

Perguntei, pego ainda mais de surpresa pela presença de Aphene.

Os lábios de Darrin se curvaram em um sorriso forçado que não chegou aos olhos.

— Marcus está por aqui em algum lugar.

Briar disse da porta atrás do meu grupo.

— Seu sangue foi inteligente o suficiente para tirá-lo da academia antes que as coisas realmente começassem a dar errado.

— Briar, boca.

Darrin disse, seu tom levemente repreendendo.

Eu queria fazer mais perguntas, mas achei que seria melhor fazê-las em particular, então segui Darrin mais para dentro da propriedade. Um rastro de crianças seguia à distância, esgueirando-se atrás de nós como se não fôssemos notar uma dúzia de pares de pés batendo. Briar seguiu mais descaradamente, agindo como se fosse uma de nós, totalmente decidida a se juntar a qualquer conversa que se seguisse à nossa chegada.

Sylvie observou atentamente cada arma ou obra de arte pendurada na parede.

— Alacrya não parece tão diferente de Dicathen.

Meditou.

Darrin nos levou para a mesma sala de estar onde ele e Alaric haviam revelado seu plano da Academia Central para mim. Meus companheiros e eu entramos na sala, mas Darrin parou Briar na porta.

Ela cruzou os braços e levantou o queixo desafiadoramente, ele só teve que erguer uma sobrancelha para ela. Murchou, sacudiu o cabelo com irritação e gritou para todas as outras crianças voltarem aos seus deveres, afastando-as.

A câmara pequena e bem decorada era um ajuste desajeitado para todos nós. Regis, sentindo isso, tornou-se imaterial e desapareceu em meu núcleo. Chul foi até a janela e olhou para fora, de costas para nós. Caera, ainda mostrando os sinais de desgaste de sua longa provação com Vajrakor, acomodou-se em uma cadeira estofada. Ellie fez o mesmo, embora se sentasse muito mais rígida, as mãos nos joelhos com o Cintilação Prateada brilhando nas pernas.

Sylvie ficou ao meu lado, seus olhos afiados observando Darrin cuidadosamente.

— Está bem. Podemos confiar nele.

— Talvez, mas você não consegue sentir como ele está estressado? As coisas não estão indo bem para ele.

De braços cruzados, encostei-me a um trecho vazio da parede, um dos poucos não coberto por estantes ou armários de bebidas.

— Então, qual é o problema com todas as crianças?

Darrin suspirou e caiu em uma cadeira. Sua cabeça girou lentamente pela sala enquanto observava cada um dos meus companheiros, não respondeu até que seus olhos encontraram os meus.

— Guerra civil, Gray. Alguns ficaram órfãos recentemente, outros estão escondidos para evitar serem enviados para o combate. Seu impacto também não pode ser subestimado. Disseram-me que muitos de seus alunos convenceram seus sangues a não participar da guerra por sua causa.

— É por isso, de certa forma, que estamos aqui.

Interveio Caera, chamando a atenção de Darrin.

— Senhorita Caera, é um prazer vê-la novamente.

Disse Darrin, seu olhar demorado em seus chifres.

Em um movimento que parecia não intencional, a mão de Caera subiu até eles, quase como se tivesse esquecido que eram visíveis.

— Alguns de nós lutamos nesta guerra civil há muito tempo. Como a Foice Seris. Estamos procurando notícias dela. Há algo que você possa nos dizer?

A mandíbula de Darrin apertou, depois relaxou. Levantando-se de repente, foi até uma prateleira baixa contendo garrafas e copos e serviu-se de uma bebida, depois bebeu em um único gole rápido.

— Metade dos pais dessas crianças estão presos nas Relictombs com ela. As forças sob o comando da Foice Dragoth Vritra têm atacado os portais para o segundo nível sem parar por semanas.

“Alaric tem algumas pessoas incorporadas com aqueles soldados que nos fornecem informações, embora dificilmente seja necessário. A indústria do primeiro nível não diminuiu nada, mesmo com as ascensões basicamente encerradas. Tudo o que sei é que as forças de ataque estão ficando mais confiantes a cada dia que vão invadir o segundo nível em breve.

Caera olhou para mim, sua urgência aparente.

— Não devemos esperar então, Gray… desculpe, Arthur. Precisamos ir imediatamente.

As sobrancelhas de Darrin se ergueram quando ela disse meu nome.

— Então, é verdade. Você é Dicathiano, como dizem os rumores?

— O que há de errado com isso?

Ellie perguntou defensivamente, segurando o Cintilação Prateada enquanto olhava nervosamente para Darrin.

Darrin respondeu ao desconforto de Ellie com um sorriso caloroso.

— Nada, sério, eu só… sinto muito, Gray, Arthur, não nos apresentou. Sou Darrin, ex-ascendente e atual cuidador de crianças aterrorizadas. Eu o ajudei em mais de uma situação precária e espero que ele esteja aqui para retribuir o favor.

— Oh!

Disse Ellie, olhando timidamente para os joelhos.

Poupando-o de muitos detalhes, apresentei rapidamente a todos menos Caera, que já conhecia.

— Parece que precisamos sair imediatamente, mas… há um problema com esta próxima parte.

Admiti, afastando-me da parede e encontrando o olhar de meu vínculo.

— Eu não posso entrar nas Relictombs.

Disse com uma carranca franzida.

— Vou ficar com Sylvie, se é isso que você quer.

Ellie se ofereceu, me surpreendendo.

— Não quero deixar ninguém para trás, mas não temos escolha. Será mais rápido se Caera, Regis e eu formos sozinhos.

Para Darrin, perguntei:

— Os outros podem ficar aqui? Sylvie e Chul devem ser de grande ajuda para manter suas alas ocupadas.

Chul afastou-se da janela, carrancudo.

— Não troquei um esconderijo por outro.

Comecei a responder quando algo me chamou a atenção. O Realmheart banhou minha visão em um mar de cores, permitindo-me ver o feitiço do atributo vento com desvio sonoro alterando a proteção conjurada na porta.

Darrin, percebendo meu olhar, caminhou rapidamente até a porta e a abriu. Um punhado de alunos mais velhos caiu no chão. Atrás delas, Aphene e Briar tiveram a decência de pelo menos fingir que estavam arrependidas.

— Haah, sinceramente.

Darrin repreendeu, balançando a cabeça.

— O que vocês são, um bando de animais selvagens?

— Meus pais estão nas Relictombs.

Disse um jovem de joelhos.

— Quero saber o que está acontecendo.

— O Professor Gray vai precisar de ajuda se vai ajudar a Foice Seris Vritra.

Corajosa como sempre, Briar não vacilou sob o olhar combinado de todo o meu grupo.

— Nós podemos lutar…

— O que é exatamente o que vocês foram enviados aqui para não fazer, correto?

Darrin disse suavemente. Vi então o quanto ele se importava com seus muitos pupilos, já que sua bondade só crescia diante do desafio de Briar.

— Agora vão, todos vocês.

Com a porta fechada e protegida mais uma vez, nossa conversa continuou por algum tempo. Darrin estava mais do que disposto a permitir que meus companheiros ficassem com ele, embora eles próprios estivessem menos entusiasmados por serem deixados para trás, especialmente Chul.

No final, porém, foram as Relictombs que definiram nosso curso.

Retirando a Bússola, desloquei as duas metades e ativei a porção da ascensão. Como eu tinha visto acontecer muitas vezes, o cristal dentro se desintegrou e formou um portal opaco acima da meia esfera. Soube imediatamente que algo estava errado.

O portal em si estava distorcido, a luz saindo dele se curvando de forma não natural. Afastei-me rapidamente para evitar tocar os raios de luz viscosa, só então avistei meu vínculo.

Sylvie estava olhando para o portal como se estivesse em transe, quase parecia que o próprio portal estava se aproximando dela.

— Você está bem?

Perguntei, meus dedos se contraindo com o desejo de cancelar o portal.

Sylvie assentiu com a cabeça, erguendo a mão lentamente enquanto se estendia em direção à luz que simultaneamente a alcançava.

— Estou bem, é só que… há algum tipo de ressonância entre mim e o portal…

Percebi que estrias tênues ondulavam através do éter atmosférico, conectando Sylvie e o portal de ascensão.

— Sylvie.

Avisei, um pânico vago e desencarnado apertando meu peito.

Ela hesitou, olhando para mim como se pedisse permissão.

— Parece… confortável.

Meus punhos estavam cerrados ao meu lado enquanto resistia ao impulso de segurá-la. Tentei considerar a situação racionalmente, mas não tinha base para tomar uma decisão. O portal deveria simplesmente empurrá-la para trás, como aconteceu com Taci e Aldir, mas Sylvie poderia ser diferente. Como alternativa, a Bússola poderia funcionar de maneira diferente, mas eu não tinha como saber se isso era bom ou ruim.

Tudo o que pude fazer no final foi confiar nela. Balancei a cabeça. As pontas de seus dedos roçaram as bordas do oval opaco, ela atravessou, desaparecendo nas Relictombs.

— Ai, caramba

Falou Regis, saltando pelo portal atrás dela.

— Mudança de planos.

Falei rapidamente.

— Chul, vá com ela.

Ele sorriu, conjurou sua arma e saltou para dentro. Caera apertou sua mandíbula com determinação e o seguiu.

Ellie estava me observando cuidadosamente, claramente ainda sem saber se iria comigo ou não. Balancei a cabeça e acenei para ela em direção ao portal. Houve um leve estalo e Boo apareceu ao lado dela, seu corpanzil derrubando uma mesinha.

— Opa, desculpe.

Disse Ellie antes de entrar no portal, seguida de perto por Boo.

— Ninguém mais poderá entrar no portal depois que eu passar.

Expliquei a Darrin.

— Mas não deixe ninguém mexer no artefato.

— Vai ficar trancado neste quarto. Ninguém vai entrar, eu posso te prometer.

Darrin me assegurou enquanto endireitava a mesa virada.

— Você tem alguma ideia no que está se metendo?

— Nada agradável, tenho certeza.

Não desejando deixar meus companheiros dentro das Relictombs sem mim por mais tempo do que já havia feito, atravessei o portal.

E entrei em… algo indescritível.

Uma furiosa pressão violeta prendeu meu corpo no lugar. Uma tempestade invisível se abateu, e meu pulso parecia recomeçar e parar de novo, meu coração acelerava e depois parava. Não conseguia ver, ouvir ou pensar com clareza. Nem tinha certeza se havia chegado às Relictombs.

— É a Sylvie…

A voz de Regis veio até mim através da pressão do éter, distorcida e hesitante.

Junto com sua voz veio o clarão de uma memória: Regis, aparecendo do outro lado do portal. Sylvie, seu corpo rígido e caindo como se estivesse tendo algum tipo de convulsão. Movendo-se meio passo em direção a ela. Então, uma explosão de éter, comprimindo Regis em pouco mais que um fio preso dentro de breu etéreo viscoso.

Ativando o Realmheart, senti os outros. Eles estavam lá, imóveis, congelados, mas fora isso não pareciam ter sido feridos de forma alguma.

Reunindo o máximo de força que pude, me empurrei para fora, tentando forçar meu caminho através da obstrução enquanto manobrava cuidadosamente entre meus companheiros. Pouco a pouco, o éter oposto cedeu e fui capaz de avançar lentamente. Um passo, depois outro, mais fundo no pântano, até…

Meu pé direito esbarrou na origem do caos.

Curvando-me lentamente, já que eu tinha que ter cuidado agora para empurrar apenas o éter suficiente para não ficar preso no lugar novamente, estendi a mão para Sylvie.

O ar entre nós clareou, a névoa ametista afastada por minha força contrária.

Sylvie estava no chão, os olhos abertos, mas revirados tão para trás em sua cabeça que só o branco aparecia. Seu corpo estava rígido e imóvel. Agarrando seus ombros, a balancei suavemente. Quando não respondeu, balancei mais forte.

Ela não reagiu.

— Sylvie!

— Sylv, você pode me ouvir?

Ela não respondeu.

Minha mente disparou. Eu não tinha certeza se o éter estava sendo controlado por ela em algum tipo de feitiço ou emanação, ou se as próprias Relictombs estavam gerando o fenômeno. Ela estava inconsciente, mas o éter parecia com ela, nada disso fazia sentido. Um mecanismo de defesa, talvez? Me perguntei. Acionado por alguma reação das Relictombs.

Tentar expulsar a tempestade etérea era muito perigoso. Poderia rasgar Ellie ou Caera em pedaços entre as forças opostas. Poderia tentar cancelá-la, mas sem entender o que estava acontecendo ou o motivo, tive medo de inibir Sylvie de alguma forma.

Ainda assim, sabia que tinha que fazer alguma coisa.

Expandindo meus sentidos, o que exigia um grande esforço de minha parte enquanto exalava meu próprio éter para empurrar para fora através do efeito do feitiço como minhocas cavando no solo, tentei encontrar as bordas da nuvem.

Meu pulso acelerou com o que descobri.

A tempestade estava se expandindo para fora, acumulando-se com o éter atmosférico da zona. Sylvie não tinha um núcleo de éter e, portanto, não tinha seu próprio éter purificado para utilizar. Como todos os dragões, ela só podia influenciar o éter ao seu redor. Se eu pudesse forçar o éter de volta para dentro, contendo-o de alguma forma, poderia evitar que o feitiço dela afetasse o resto de nós sem interrompê-la.

Só que vi um problema com isso quase imediatamente.

Se eu gastasse toda a minha energia contendo o feitiço inconsciente de Sylvie, não seria capaz de ajudar os outros a limpar a zona. Mas Sylvie não tinha uma maneira natural de conter tanto éter, nenhuma habilidade de absorver e armazenar o éter como eu.

Exceto que eu, na verdade, tinha uma maneira de manipular o éter fora do meu corpo sem entrada consciente constante.

Alcançando a corda da minha armadura de relíquia, tentei manifestá-la sem conjurá-la em meu corpo. As escamas negras apareceram sobre minha pele. Cerrei os dentes e tentei removê-la fisicamente, mas ao contrário da armadura normal, não havia como fazer isso.

— Talvez eu pudesse ajudar, se pudesse me mexer.

Falou Regis.

— Se pudéssemos apenas… Sim, isso poderia funcionar. Deixa-me ver o que posso fazer.

Ajoelhado ao lado de Sylvie, abri as comportas do meu núcleo. Não tentei controlar o éter que começou a sair de mim, simplesmente deixei-o se expandir na atmosfera. Ele se espalhou pela nuvem, não fazendo nada para interromper o feitiço, mas se misturando com o éter atmosférico formando a emanação.

Podia sentir a borda em expansão da nuvem e a densidade do éter atmosférico, tentei combinar minha saída com o quanto o feitiço estava influenciando. Demorou um minuto. Quando pensei que as duas forças estavam quase em equilíbrio, assumi o controle.

Cada partícula roxa do meu éter purificado se prendeu a uma partícula do que compunha o feitiço de Sylvie. Não poderia controlar individualmente cada partícula, mas o éter respondeu à minha intenção e reagiu apropriadamente.

Encontrando Regis dentro da tempestade, acalmei o éter ao redor dele, então abri uma espécie de túnel entre nós. Ele estava comigo instantaneamente, voando para fora da nuvem e em meu núcleo.

— O que ela está fazendo?

Reclamou, sacudindo mentalmente os efeitos do feitiço.

— Sem tempo. Depois.

A base de nossa ideia era o mesmo conceito que Regis e eu utilizamos quando imbuímos uma espada conjurada com Destruição canalizando nosso poder combinado em meu éter. Primeiro, Regis fluiu para a própria armadura, mantendo seu estado incorpóreo. Então soltei a armadura. Regis ficou com ela, permitindo-se ser puxado entre estados etéreos.

A armadura desapareceu, tornando-se incorpórea também, mas não desapareceu totalmente. No entanto, o djinn havia criado a relíquia, eles nunca haviam considerado que ela teria outra forma etérea e, portanto, congelou entre os estados.

Quando Regis voou em direção a Sylvie, a armadura sombria foi arrastada com ele. Então desapareceu em Sylvie, puxei a corda entre mim e a armadura, tornando-a físico novamente. Ou melhor, tentando.

Em vez disso, a essência sombria da armadura semi invocada rasgou como uma camisa de seda. Xingando, estendi a mão com meu éter e tentei agarrar a armadura, semelhante a como manipulava mana com éter. Regis puxou-a, tentando envolver Sylvie na armadura enquanto eu a segurava.

Fechando meus olhos, deixei um pensamento claro em minha mente. Proteja ela.

Deixei todos os outros pensamentos escaparem, concentrando-me inteiramente na armadura e naquela ideia simples.

O tempo parecia congelado.

De uma forma agitada e acelerada, a armadura começou a se fundir, encolhendo para caber no corpo de Sylvie enquanto endurecia em seu estado corpóreo ao redor dela. Soltei a respiração que não sabia que estava segurando.

Minha mente voltou ao éter que liberei na atmosfera, cada partícula ligada às do feitiço de Sylvie.

O éter atmosférico lutou contra mim, tentando manter a forma que a vontade de Sylvie o estava influenciando. Mas como a projeção djinn havia explicado, meu núcleo me dava a vantagem de um controle muito mais rígido e um vínculo muito mais forte com o éter purificado. Dominei a influência de Sylvie.

A área de influência do feitiço foi forçada para dentro da própria Sylvie. Podia sentir as bordas da tempestade encolhendo enquanto a obscura névoa roxa desaparecia do ar. Pouco a pouco, tudo estava contido dentro de Sylvie usando a armadura de relíquia como concha.

Um grito de guerra horripilante explodiu bem ao meu lado quando Chul recuou, sua arma erguida enquanto sua cabeça balançava para um lado e para o outro em busca de um inimigo.

Alguém se engasgou, me virei bem a tempo de ver minha irmã vomitar no chão não muito longe de onde Sylvie estava. Caera passou um braço em volta dela e puxou o cabelo de Ellie para fora de seu rosto, murmurando algo suave e consolador.

— Hah, funcionou. Eu não esperava isso.

Falou Regis enquanto saía do corpo de Sylvie. Ele se transformou em sua forma física e sacudiu a juba de fogo queimando em volta do pescoço.

Segurei o rosto de Sylvie em minha mão e usei Realmheart para procurar por qualquer sinal de ferimento, reação ou dano mágico, mas ela parecia fisicamente ilesa. Agora que o feitiço havia sido contido, ficou claro que esse efeito estava sendo projetado pela própria Sylvie e não era um ataque das Relictombs.

— A armadura está fazendo a maior parte do trabalho, mas vou ter que me concentrar para evitar que o feitiço dela se liberte novamente.

Expliquei aos outros.

— Pah, o que aqui poderia me ameaçar?

Chul perguntou, olhando em volta com confiança.

Meu olhar seguiu o dele, observando tudo ao nosso redor pela primeira vez.

Tínhamos sido depositados em um trecho estreito de terreno plano e estéril no meio de uma floresta. Exceto onde estávamos, as árvores cresciam em águas calmas e claras. Raízes gigantes ocasionalmente se erguiam acima da superfície como estradas sinuosas, refletindo os galhos acima.

Não havia céu, apenas a flora em constante escalada, galhos tão largos quanto estradas se entrelaçando para criar a impressão de que não havia começo nem fim para a copa das árvores. Apesar da falta de sol ou céu, a floresta estava iluminada com uma luz fria e sem fonte.

— A-A Sylvie está bem?

Ellie perguntou fracamente, se esforçando para ficar ereta enquanto limpava a boca. Boo gemeu e a cutucou com sua testa larga.

— Por que ela está assim?

Sylvie ainda estava rígida, seus olhos rolaram para trás em sua cabeça. Tentei sacudi-la novamente, então a levantei em uma posição sentada. Seus músculos estavam tão tensos que era difícil movê-la.

— Ei, Sylv… Sylvie?

Quando não houve resposta, fechei os olhos e projetei minha voz diretamente em sua mente.

— Sylvie, você pode me ouvir?

Minha conexão constante com a mente dela estava ausente. Meus pensamentos alcançaram o nada.

Os outros não estavam esperando silenciosamente que eu desse ordens. Caera já havia ativado o artefato de bracelete que ela reivindicou do tesouro dos Bicos de Lança. Várias pontas de prata voaram para fora, algumas subindo nos galhos acima, outras contornando o topo da água.

Chul saltou do chão para uma raiz próxima que se projetava cinco metros acima da superfície da água. Com uma mão em uma árvore do tamanho de um antigo arranha-céu da Terra, ele vasculhou nossos arredores.

— Precisamos nos mover, para alcançar o portal de saída.

Disse, levantando Sylvie e colocando-a cuidadosamente nas costas largas de Boo.

— Talvez esse estado seja apenas temporário, ou talvez precisemos tirá-la das Relictombs, não sei. De qualquer forma, não quero ficar aqui mais tempo do que o necessário.

Ellie pulou atrás de Sylvie para segurá-la no lugar. Ela me deu um olhar feroz.

— Nós cuidamos dela, Arthur.

— Gray.

Caera disse suavemente, seus olhos abrindo e fechando rapidamente enquanto se concentrava em qualquer informação que viesse de seus drones.

— Não estamos sozinhos.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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