POV Alaric Maer
Reli pela terceira vez a carta da senhorita Caera do alto-sangue-sangrento Denoir, sem saber se era o álcool que tornava as palavras tão insensíveis ou se era o que ela estava me pedindo para fazer. O bar abaixo estava quieto, algo estava estranho, o que tornava mais difícil me concentrar. Precisava de barulho, movimento, ação, distração. Sentia falta do garoto, embora nunca teria admitido isso a ninguém em voz alta. Ele era uma boa distração.
Soltando um grande suspiro que terminou com um arroto fedorento, virei o pergaminho e recostei na cadeira de madeira frágil, olhando a pequena sala como se fosse um insulto dirigido à minha mãe.
Estava de volta à cidade de Aramoor, em Etril, tendo escapado por pouco de Itri, em Truacia, onde estava ajudando a organizar o contrabando de armas e artefatos ao longo da costa até Redwater.
Uma tarefa muito mais alinhada às minhas habilidades e interesses, pensei sombriamente, olhando para a parte de trás do pergaminho da senhorita Denoir.
Nossos esforços de contrabando foram bem-sucedidos o suficiente para chamar a atenção de Bivran dos Três Mortos, novo Retentor de Truacia, resultando em um navio afundado, dezenas de mortos e eu correndo como se a minha vida dependesse disso.
— Assim como nos velhos tempos, hein?
Disse uma sombra na minha visão periférica.
Não olhei diretamente, então ela andou pelos cantos da sala e se encostou na parede bem na minha frente.
— Você costumava viver para esse tipo de coisa.
Soltei um suspiro rápido de escárnio, olhando para todos os lugares, menos para a mulher, cujos cabelos dourados emolduravam seu rosto afiado e os olhos castanhos endurecidos pareciam olhar para mim.
Ainda assim, vi quando seus lábios se abriram em ironia.
— Você deve prestar respeito à sua comandante quando ela estiver falando com você, soldado.
— Você não é mais a minha comandante.
Murmurei, fechando os olhos e me inclinando para a frente a fim de descansar a cabeça na pequena mesa.
— Eu não sou um soldado e você está morta.
Ela riu de leve.
— Todos esses anos tentando se matar nas relictombs não mudam quem você é, Al. Você ainda é um operador e é por isso que não pode ficar fora da luta, não importa o quanto tente. Os lados podem ter mudado, mas o seu propósito permanece o mesmo.
Balancei a testa para frente e para trás, apreciando a sensação da madeira fria na minha pele quente.
— Você está errada. Eu mudei. Não sou o mesmo homem que era quando me conheceu.
Ela bufou.
— E quem poderia te conhecer melhor do que eu? Estou na sua cabeça, Al. Todo esse remorso e arrependimento, esse ódio e raiva que queima como o núcleo do monte Nishan e faz você sentir que, se não fizer algo, seus ossos podem virar pó. Consigo sentir tudo isso.
Abri os olhos quando me endireitei e olhei para a visão.
— Você sabe o que eles fizeram. Sabe por que me afastei. Amarraria as tripas Vritras de Onaeka a Rosaere se pudesse, mas nenhum de nós poderia ser mais do que uma parte da máquina deles, no fim. Mesmo como um ascendente, acabava sendo tudo para o benefício deles. Os lagartos assassinos até te pegaram, não foi?
Ela atravessou a sala, se locomovendo feito uma sombra, pôs as mãos sobre a mesa, se inclinando para me prender com o seu olhar metálico.
— Eu fiz minhas escolhas. O que aconteceu mudou tanto a minha vida quanto a sua e você sabe disso. Mas…
Ela hesitou, antes de se levantar, virar e descansar na borda da mesa, de costas para mim.
— Nós dois poderíamos ter feito melhor.
Outra figura apareceu nas sombras no canto da sala, além da minha antiga comandante. Não, não só uma. A silhueta de uma mulher segurando uma criança em seus braços…
Minha mão tremeu enquanto procurava a garrafa de uma bebida âmbar pela metade que estava numa das prateleiras da mesa. Depois de arranhar a rolha por alguns segundos com os dedos fracos, a puxei com os dentes e joguei no chão. Meus olhos se fecharam quando o vidro frio tocou meus lábios.
— Saiam da minha cabeça, fantasmas.
Murmurei para a garrafa aberta, bebendo logo em seguida.
A ardência satisfatória do álcool percorreu minha garganta e barriga, onde irradiava para aquecer o resto do meu corpo.
Me concentrei naquela sensação reconfortante por um longo momento e depois abri um olho pela metade, espiando a pequena sala. As visões tinham desaparecido.
— Devo estar envelhecendo.
Falei baixo, agitando a garrafa.
— Estou ficando sóbrio muito rápido esses dias…
Virando a garrafa de volta, drenei o restante de seu conteúdo e depois coloquei no chão atrás da mesa.
Contudo, mal tive tempo de fazer mais do que suspirar de alívio antes que alguém batesse levemente na porta.
— Merda.
Resmunguei, enfiando a carta de Caera em um bolso interno do meu casaco, a amassando.
— Senhor, os seus… convidados chegaram.
Disse uma voz do outro lado da porta.
— Certo, está bem, mande entrarem.
Com um gemido, me levantei e estiquei as costas, que doíam por passar muito tempo em cadeiras velhas e frágeis como a que estava. Esfreguei as mãos vigorosamente no rosto e na barba e as descansei na mesa, copiando a pose da visão de apenas alguns momentos antes.
A porta se abriu e um punhado de figuras encapuzadas entrou antes de fechá-la mais uma vez.
O primeiro deu um passo à frente e puxou o capuz, revelando um nobre de cabelos escuros e um cavanhaque bem cuidados. Minhas sobrancelhas se ergueram por vontade própria.
— Alto-lorde Ainsworth, eu não esperava que você viesse pessoalm—
— O que diabos está acontecendo lá fora?
Interrompeu ele, inchando que nem um saltador-do-pântano furioso.
— Não recebemos nada além de promessas da Foice Seris, que ainda está escondida atrás de seu escudo no sul, enquanto o resto de Alacrya permanece vulnerável às represálias do Alto-Soberano. Ainda tenho que ver qualquer benefício tangível dos riscos que o meu alto-sangue assumiu.
Atrás dele, as outras quatro figuras também baixaram os capuzes. À direita do lorde Ector, Kellen, do alto-sangue Umburter, estava nervosamente examinando as unhas; à esquerda, Sulla, do sangue-nomeado Druso, chefe da Associação dos Ascendentes em Cargidan e um antigo amigo meu, estava olhando com uma sobrancelha erguida. Então uma surpresa: uma garota com cabelos dourados curtos, o brilho destacando as sardas escuras em seu rosto. Era a senhorita Enola do alto-sangue Frost, a menos que eu estivesse muito enganado.
O último membro do estranho grupo era uma do meu pessoal, que havia se deslocado um pouco para o lado, aumentando o espaço entre ela e os outros.
— E agora.
Continuou Ector, seu rosto ficando meio vermelho.
— Seris nos pediu para nos expormos diretamente de uma maneira que é quase certa que nos destruirá. Será que ela tem um plano, ou é uma mera ação desesperada após a outra?
Aguardei um momento, deixando o alto-sangue desabafar sua frustração. Por dentro, concordei com ele. Tão ansioso quanto eu estava para atacar os Vritras de qualquer maneira que pudesse, me parecia que os nossos esforços eram muito pequenos para causar qualquer dano duradouro ou representar uma ameaça ao controle absoluto do Alto-Soberano sobre o nosso continente.
Ainda assim, não tinha nada a perder. Todavia, para homens como Ector, essa rebelião era um ato de equilíbrio constante entre lutar por uma vida sem o controle Vritra e consignar todo o seu sangue a uma execução dolorosa.
Não que eu tenha qualquer simpatia por esses altos-sangues, recordei.
— Acabei de ser informado desse novo curso de ação.
Admiti, sem saber o que ele esperava que eu fizesse ou dissesse a respeito.
— É um risco, admito, mas não fora das capacidades do seu alto-sangue.
Enquanto ele rangia os dentes, a minha jovem espiã, uma maga sem sangue chamada Sabria, pigarreou.
— Alto-lorde Ainsworth, com licença, senhor. Alaric, os dois portadores de emblema de atributo de água que contratamos foram capazes de recuperar várias das caixas perdidas da última remessa de Itri, incluindo os artefatos de interferência.
Bati na mesa com a mão e sorri para Ector.
— Viu? Isso vai ajudar. E estes também.
Acrescentei, puxando um chumaço de tecido de uma cesta atrás da mesa.
Depois de pegá-lo quando joguei, ele deixou o tecido se desenrolar, revelando um conjunto de vestes de coloração roxa e preta da Academia Stormcove, a nuvem e emblema de raio deles estampados no peito.
— O que em nome de Vritra devo fazer com isso?
— Coloquem.
Falei, jogando um conjunto para Kellen, Enola e Sulla também.
— Daqui uns trinta minutos, um grande grupo de torcedores da Academia Stormcove estará marchando aqui perto a caminho de um torneio de exibição entre Stormcove e Rivenlight. Um bocado do nosso pessoal estará na multidão. Você sairá com eles, se misturando até que cada um possa chegar com segurança a um tempus warp.
— Chega de queixas e coisas desnecessárias de espionagem.
Disse Enola, dando um passo à frente para estar no mesmo nível de Ector, que ela era quase tão alta quanto.
A mandíbula dele cerrou enquanto segurava qualquer resposta que tivesse saltado à mente. Dos dois, achei ela mais intimidante, apesar de quão jovem era. E mesmo que, como alto-lorde, Ector a superasse, o alto-sangue Frost era mais poderoso do que Ainsworth.
— Promessas foram feitas. Metade da razão pela qual meu pai concordou em se juntar a esse empreendimento insano, é porque eu o convenci de que o professor Grey… desculpe, ascendente Grey valia a pena. A senhorita Caera do alto-sangue Denoir nos assegurou de que ele estava envolvido nisso, mas não o vimos ou ouvimos dele desde o Victoriad.
— Bem, teve aquele ataque em Vechor.
Disse Kellen com um encolher de ombros irritante.
Olhei para a garota com curiosidade. Desde que me despedi dele e o enviei através daquele portal das relictombs, descobri muito sobre o que Grey, Arthur Leywin, Lança das forças da Tríplice União de Dicathen, me lembrei, havia feito na Academia Central e no Victoriad, bem como o que fez na guerra antes de acabar em nossas costas. Ela estaria tão ansiosa para seguir a liderança dele se soubesse quem ele era de verdade? Me perguntei.
Mas isso não era para eu decidir. A Foice Seris Vritra determinaria quando as pessoas conhecessem esse pequeno detalhe, ou talvez esperasse o próprio Arthur para torná-lo conhecido.
Independentemente disso, muito do nosso apoio dependia dos nomeados e altos-sangues interessados nele.
— Ele é a pessoa mais procurada em Alacrya, não é? Não é provável que você o encontre passeando em plena luz do dia, onde qualquer velha Foice ou Soberano possa vê-lo.
Resmunguei.
— Mas ele está lá fora?
Perguntou ela, uma nota de desespero se infiltrando em seu timbre estável.
— Os rumores estão começando a se espalhar. Rumores de que ele foi capturado. Algumas pessoas, mesmo aquelas que estavam lá, insistem que ele nunca escapou do Victoriad.
Kellen soltou uma risadinha.
— É claro que eles diriam isso. É bastante difícil manter a ilusão de controle absoluto se alguém está fugindo do tal controle, não?
Enola se virou para encará-lo, tirando o sorriso presunçoso do rosto dele.
Esfreguei a ponte do nariz entre os dedos calejados, já sentindo a necessidade de outra bebida. Que Vritra me ajude comigo trancado com esses altos-sangues.
— Ele está lá fora.
Sulla, na perigosa posição de ser um sangue-nomeado entre os altos-sangues, evitou com cuidado interromper a conversa até agora, mas pareceu ver sua oportunidade.
— A Associação dos Ascendentes tem cuidadosamente manobrado recursos em preparação para um chamado à ação. Grey é bem estimado e respeitado entre nós, embora, é claro, trazer novos ascendentes ainda seja um trabalho lento e perigoso. A palavra errada no ouvido errado pode levar à dissolução de toda a associação. Mas temos uma força considerável preparada, juntamente com um investimento significativo de recursos: armas, artefatos e similares. Todos os quais se uniram à bandeira dele.
Não pude deixar de balançar a cabeça, curioso para saber o que Arthur pensaria em se tornar o grito de guerra dessa rebelião Alacryana contra os Vritras.
Desconfortável, aposto, pensei, divertido. Mas ele não estaria tão desconfortável quanto eu.
— Assim como em Vechor, ele fará a sua presença conhecida quando lhe convier.
Falei, consciente de que estava falando merda.
— Por enquanto, todos nós recebemos nossas ordens da Foice Seris Vritra. Alto-lorde Ainsworth, não posso falar com o propósito por trás do pedido dela ao seu alto-sangue, mas fui instruído a colocar toda minha rede de informantes e operadores ao seu serviço. Orquestrando as aquisições necessárias, manipulando os sistemas no lugar e até mesmo assumindo as consequências, caso haja alguma.
Ector olhou para mim como se eu tivesse acabado de sugerir que a seria sua concubina durante a noite.
— Embora eu tenha certeza de que seus recursos são suficientes para a função deles, não vejo como pode me ajudar, já que essa é a responsabilidade direta do meu alto-sangue.
Dei de ombros para o insulto. Mil preocupações pairavam como facas sobre minha cabeça e o respeito desse alto-lorde, ou a falta dele, dificilmente importava.
Sabria, porém, não estava gostando nada disso.
— Ah, sinto muito, alto-lorde Ainsworth, há algo sobre toda essa coisa de se rebelar contra os deuses que não está atendendo às suas expectativas? O que exatamente o seu sangue sacrificou para estar aqui agora? Porque eu perdi a porra de três amigos só esta semana para soldados leais.
Ector olhou com desdém para a garota.
— Talvez você e seus amigos devessem ser melhores em seus trabalhos, então.
— Como você ous—
— Chega!
Retruquei, encarando Sabria.
— Olhem onde vocês estão. Essa briga não serve para nada, exceto para perder tempo e reduzir a nossa prontidão. Se acabamos de ver quem pode mijar mais longe e com menos precisão, vamos continuar com o verdadeiro propósito desta reunião.
Os outros, três altos-sangues, um ascendente sangue-nomeado e uma órfã sem sangue, ficaram em silêncio e toda a atenção se voltou para mim. A vida é uma piada amargamente sem graça, pensei comigo mesmo. Uma que se arrasta sem parar, de modo que, no final, você esquece de onde começou e qual deveria ser a graça. Tirei meu cantil e bebi dele sem levar em conta os olhares e me lancei aos detalhes das instruções que havia recebido.
Demorou uns vinte minutos para Ector e eu ficarmos de acordo. A assistência do alto-sangue Umburter não era tão necessária, mas tornaria vários aspectos do plano muito mais fáceis. Não tinha certeza de por que Seris convidou os Frosts, exceto talvez para manter Ainsworth na linha e forçar o lorde Frost a cooperar. Ele estava relutante em assumir qualquer risco real até agora, porém, eu diria que colocar sua bisneta, a estrela brilhante do seu sangue, bem no meio das coisas mostrava que ele estava pronto para se envolver.
Isso, ou ele era um desgraçado de coração sádico e frio.
Assim como para Sulla, a minha rede e a Associação dos Ascendentes uniram toda a operação de Seris, quase sempre tínhamos um oficial do alto escalão envolvido nessas reuniões clandestinas. Suspeitei que ele tivesse vindo pela mesma razão que Ector e a jovem Frost: estavam ficando nervosos.
— É melhor colocar esses uniformes.
Disse, assentindo para os fardos de pano que cada um deles ainda segurava.
— Apenas alguns minutos agora até a procissão chegar e então precisarão ser rápidos.
Houve um momento de silêncio enquanto cada um colocava seus disfarces.
— Alaric?
Perguntou Sabria, inclinando a cabeça e olhando com desconfiança para a porta.
— Hm?
— Não parece quieto demais para você?
Me concentrei no zumbido baixo em meus ouvidos, ouvindo o tilintar normal de copos no bar ou limpeza dos assoalhos. Mas Sabria estava certa, o bar abaixo estava em um silêncio enorme.
— Merda, hora de—
A porta foi arrombada, explodindo em uma tempestade de estilhaços que se dissiparam contra um escudo rapidamente conjurado por Kellen.
O batente se abriu para um vazio escuro como breu.
Saltando sobre a mesa, empurrei o Alto-Lorde Ainsworth para o lado e ativei a segunda fase do meu brasão: Decadência Miópica. Mana vibrou através do ar na sala, visando os olhos dos presentes e zumbindo com violência para interromper o foco da córnea deles, resultando em uma visão fortemente turva.
Ao mesmo tempo, enviei um pulso de mana para o chão, ativando os cortadores de mana que instalei como precaução no momento em que voltei para Aramoor.
Nosso inimigo era mais rápido.
Uma forma feminina indistinta, tanto fumaça quanto carne, exceto pelo branco brilhante de seu cabelo curto, flutuou para fora do vazio, parecendo pairar sobre o chão em uma nuvem negra. Gavinhas sombrias duras como aço se ergueram ao redor dela e quando meu poder ativou o primeiro dos cortadores de mana, uma dessas gavinhas saiu feito uma lança, quebrando o escudo de Kellen e cortando sua clavícula.
O chão se rasgou em pedaços, nos fazendo cair no bar abaixo. Minha mesa, e todas as três garrafas de bebida escondidas dentro dela, atravessaram as prateleiras de licor atrás do balcão sujo. Bati no próprio balcão e me inclinei para a frente para dar uma cambalhota, acabando de pé no final.
Enola pousou em um banquinho, que se quebrou sob seu peso e força descendente, porém sua mana disparou e se pôs de pé sem tropeçar. Ector teve menos sorte. Fora de equilíbrio devido ao meu empurrão, ele caiu com força, sua cabeça quase acertou o balcão quando quebrou as tábuas. Sulla havia desaparecido atrás também do balcão, fora de vista.
Meu foco ficou em Kellen, pendurado quase cinco metros acima de nós. Ignorando a gravidade, o nosso atacante não caiu conosco. O tentáculo sombrio se dividiu em dois, um rasgando seu ombro, o outro cortando e saindo do quadril dele. Suas duas metades espiralaram em direções opostas, pintando o chão e as paredes de vermelho.
Então notei Sabria. Os cantos do andar superior não desabaram e a garota tola colocou as costas contra a parede e estava de pé com apenas o calcanhar em tudo o que restava do chão. A mulher das sombras, a Retentora, Mawar, chamada de Rosa Negra de Etril, se voltou para ela. A única esperança da garota era ficar quieta e deixar a Retentora vir atrás de mim.
Sabria saltou, colocou os dois pés contra a parede e tomou impulso, uma lâmina curva aparecendo em sua mão. Seu corpo brilhava em um laranja escuro enquanto ativava uma aura ardente e a lâmina cortava o ar em direção à parte de trás do pescoço da Retentora.
Com a indiferença de alguém espancando um inseto, Mawar sacudiu as gavinhas e pegou Sabria ao lado. O ímpeto da garota foi redirecionado e ela voou para longe da Retentora, atravessando a parede com um estrondo doentio.
Então os olhos amarelos felinos da mulher pousaram em mim, senti minhas entranhas murcharem.
Não se mije, pensei, apertando o saco com as pernas.
A garota Frost já estava se movendo, correndo em direção à porta dos fundos, longe de mim e de Hector. Eu ainda estava canalizando mana para a Decadência Miópica, então para todos, menos a mim, ela seria apenas um borrão nebuloso. Espero que tenha sido o suficiente para impedir que a Retentora identificasse os outros. Não importaria nem um pouco, no entanto, se todos fossem pegos ali.
Com uma mão, agarrei as costas da túnica sedosa de Ector e o levantei em direção à porta da frente, forçando a Retentora a dividir sua atenção.
Mais gavinhas esfumaçadas se enrolaram na frente da porta, então mudei de direção e me dirigi para a janela mais próxima.
— Proteja-se se puder.
Grunhi, empurrando mana em meus braços enquanto levantava Ector e o arremessava à janela.
Já podia sentir a mana da Retentora mudando com o seu foco enquanto tentava pegar Ector em suas garras sombrias. Um pulso de mana em uma das minhas marcas, Ruptura Auditiva, enviou um choque de mana de atributo sonoro que interrompeu as habilidades canalizadas, interrompendo o foco da maga e chamando sua atenção. Não era poderoso o suficiente para atordoar alguém tão forte quanto uma Retentora, mas senti uma faísca de satisfação quando as gavinhas se contorceram no lugar em um piscar de olhos, apenas o tempo suficiente para Ector passar por elas e quebrar a janela.
Atrás de mim, ouvi Enola gritar.
O olhar desconcertante de Mawar ainda estava focado em mim enquanto descia do quarto acima, se movendo devagar em sua névoa negra. Suas gavinhas se enrolaram em torno da Frost e a prenderam.
Cerrei os dentes. De todos nós, ela era a última pessoa que eu gostaria que fosse pega.
Sentindo o ataque, me joguei para a direita quando a escuridão tentou se enrolar em minhas pernas e tronco, a sentindo roçar nas minhas costas. Dei uma cambalhota direto para debaixo de uma das mesas e a levantei, a arremessando em direção à Retentora. Com a linha de visão quebrada, imbuí mais mana na Decadência Miópica, ativando o terceiro nível do brasão.
A mesa se despedaçou e várias sombras me açoitaram que nem chicotes de todos os lados. Meu corpo estava um borrão nebuloso agora, um dos vários que me cercavam. Enganei uma gavinha, e a maioria cortou as imagens falsas. Deixando o suor do esforço descer, enviei as formas embaçadas correndo para longe em todas as direções, enquanto estava alinhado à Enola.
As gavinhas se agitaram feito lâminas de serras, enviando lascas de madeira como confetes pelo ar, enquanto a Retentora rasgava o balcão.
Uma tábua quebrou sob os meus pés e tropecei. Mawar estava sobre mim em um instante.
Apenas uma segunda explosão da minha runa da Ruptura Auditiva me salvou quando caí de bunda para evitar as gavinhas, que estremeceram e congelaram naquele instante tão necessário. Mas elas estavam em toda parte ao meu redor, a Retentora não mostrou sinais de pressa enquanto se aproximava de mim, provavelmente suspeitando que eu estava encurralado e não podia correr.
Pude ver os seus olhos desumanos se apertando, tentando espiar através do borrão da Decadência Miópica. Não esperava que ela levasse muito tempo para imbuir mana suficiente neles para dominar o meu feitiço, se o fizesse, a minha identidade e a de Enola seriam reveladas.
A luz tinha assumido uma qualidade irregular e saltitante, percebi que as brasas haviam sido derrubadas da lareira, acendendo pequenos fogos em uma dúzia de lugares.
Meu aperto no brasão enfraqueceu quando empurrei toda a mana que pude dispensar no meu emblema. Os pequenos fogos explodiram em chamas, engolindo o bar entre um segundo e outro. A luz que emitiam, no entanto, era de uma cor prata brilhante, tão brilhante que era impossível olhar. De repente, o bar estava brilhando como a superfície do sol.
A Retentora sibilou e levantou a mão para cobrir o rosto, como eu esperava.
Correndo entre as gavinhas contorcidas, dei o máximo que pude para correr para Enola. Do bolso interno da minha jaqueta, puxei outro cortador de mana, disparei uma explosão de mana de meio segundo nele e o joguei no ar em direção à Retentora. Ele explodiu com uma batida que fez os meus ouvidos vibrarem, enviando um pulso de força desestabilizadora que poderia derrubar paredes, quebrar pisos ou, se necessário, agir como uma espécie de arma de concussão.
A Retentora cambaleou para trás, intacta, mas caiu ainda mais. Ela já estava lutando para se orientar no brilho ofuscante e aparentava ter perdido a noção de mim por completo.
Enquanto lutava para chegar a um plano para libertar Enola, uma aura dourada a cercou, afastando a magia hostil da Retentora. Um emblema, percebi, chocado que uma maga tão jovem pudesse ter uma runa tão forte.
As gavinhas não conseguiram resistir à aura dourada, e a Retentora deve ter sentido, porque elas se fundiram em três outras afiadas feito lanças. Uma bateu no ombro de Enola, a erguendo e jogando contra uma parede. Uma segunda tentou acertar o peito dela, porém acertou a parede de gesso. A terceira cortou sua garganta e a aura dourada rachou e quebrou, derrubando a jovem no chão.
Por um momento, temi o pior, mas não havia sangue. O feitiço de seu emblema absorveu o pior do ataque, mas seus movimentos eram lentos e seus olhos estavam desfocados. Ela estava ferida, talvez tonta, ou pelo menos quase sofrendo as consequências de tentar resistir a ataques tão poderosos.
Com o emblema, enviei uma onda de choque de mana correndo pelas chamas devorando todas as superfícies ao meu redor, fechando os olhos contra os resultados. Mesmo através das minhas pálpebras, pude ver o clarão das chamas prateadas ficando brilhantes o suficiente para talvez cegar. Mas não tinha força para segurar tanto o brasão quanto o emblema por mais tempo, então diminuí meu foco no feitiço Clarão Solar.
A luz diminuiu de imediato, mas não se apagou. As chamas estavam em cada tábua e viga, já podia ouvir partes do edifício caindo, por mais que não pudesse ver além.
Enola estava tropeçando em seus pés, apenas pela graça da boa sorte ela não morreu.
Me torcendo para evitar tal corte, agarrei a garota em ambos os braços, a envolvendo e puxando para perto sem diminuir a velocidade. Tinha apenas um instante para olhar ao longo da parte de trás do balcão para Sulla, com medo de ver seu corpo em chamas entre os destroços do estoque de álcool, mas não estava lá. Eu só podia esperar que, em toda essa loucura, ele tivesse escapado de alguma forma.
Com as costas, colidi com força total contra a parede já enfraquecida, a estourando e quase caindo. Isso nos salvou, porque uma das gavinhas nos empurrou pelo buraco, mas apenas raspou o meu braço em vez de segurar Enola e eu pelo peito.
Sem tempo para cuidar da minha ferida ou admirar a minha boa sorte contínua, corri pelo corredor curto com ela nos braços. Terminou em uma janela, mas um pulso da Ruptura Auditiva, desta vez formado em uma explosão condensada, fez com que o vidro e a maior parte da moldura se separassem, pulei sem desacelerar.
Embora não ousasse olhar para trás, dava para escutar o teto do bar desmoronando no inferno que estava a construção.
Havia pessoas vestidas com vestes roxas por toda a rua, metade das quais usavam máscaras. Eu também tinha máscaras na mesa, mas não tive a chance de entregá-las. Ah, bem, pensei em ironia. Esse com certeza é o pior dos nossos problemas agora.
A multidão, que deve ter parado para assistir ao incêndio, agora estava entrando em pânico. Enfim, olhei para trás e percebi o porquê. A Retentora flutuou para fora do incêndio, seu rosto impassível agora estava marcado por uma carranca irritada enquanto procurava na rua. Levou apenas um momento para os espectadores se afastarem, se empurrando e gritando.
Olhos amarelos selvagens encontraram os meus, soltei um xingamento.
A mão da Retentora se ergueu, os dedos estendidos em minha direção como garras.
Com Enola apoiada em um braço, pus a mão na minha jaqueta e joguei várias cápsulas no ar, que estremeceram sob os efeitos da Ruptura Auditiva, ativando o conteúdo.
Fumaça espessa começou a preencher a rua, engolindo na hora a maioria da multidão.
Então estava correndo de novo, arrastando a garota alto-sangue ao meu lado, esperando que fosse tudo um sonho. Infelizmente, sabia que o medo de danos colaterais não impediria Mawar de desencadear o seu pior, estava sem mais truques.
Minha mão foi de maneira automática para o sinalizador pendurado em meu cinto, mas já tinha decidido não usá-lo. Não tinha nada que o meu pessoal pudesse fazer contra a Retentora, exceto ser morto.
Em vez do som estridente da magia rasgando o mundo, porém, a voz inesperada de Sabria gritou na noite, perfurando o barulho crescente da multidão frenética.
— Ei, isso é mesmo o melhor que você tem, vadia?
No telhado do prédio ao lado do bar fumegante, pouco visível através da fumaça, Sabria estava com uma lâmina curva em cada mão. Estava mancando para o lado um pouco, suspeitava que ela estava gravemente ferida, várias costelas quebradas, pelo menos, mas não pude deixar de sentir um rubor de orgulho quando a vi encarar aquela Retentora.
Então, com ambas as lâminas voltadas para baixo como duas longas presas, ela pulou do telhado, arqueando pelo ar em direção à Retentora. Esperava que as gavinhas de sombras viessem em defesa de Mawar, mas ao invés disso, ela levantou o braço e pegou Sabria pela garganta. As lâminas se dirigiram para os pontos vitais, mas apenas tiveram um vislumbre da poderosa camada de mana que revestia o corpo da Retentora.
Com nada além de um assobio irritado, Mawar apertou mais a mão, arrancando a garganta de Sabria. Com um movimento casual, jogou o corpo no fogo.
Um raio de fogo disparou de uma janela próxima, atingindo a Retentora no peito. Então uma lança de gelo se lançou da multidão. Feitiços voaram de outros edifícios também, de meia dúzia de direções diferentes.
Senti algo dentro de mim ficar dormente.
— Não enviei o sinal, seus idiotas.
Resmunguei.
Nenhum dos feitiços conseguiu mais do que um arranhão, mas era tudo o que eu precisava. Dando tudo o que tinha deixado para o brasão da Decadência Miópica, ativei a sua terceira fase de novo, estendendo o efeito para Enola. Tinha que encontrar um dos meus, alguém disfarçado na multidão que pudesse ajudá-la a desaparecer. Mesmo através da fumaça, não demorou muito; eles já estavam procurando por mim também.
Um homem com longos cabelos loiros e olhos escuros irritados surgiu ao meu lado, parecendo obstinado.
— Senhor, já tiramos o alto-lorde Ainsworth e o ascendente Druso, mas—
Empurrei a garota semiconsciente aos braços dele. Ambos tinham os uniformes roxos e podiam se misturar com a multidão que escapava.
— Vaza daqui com ela, agora!
— Senhor, e quanto a você—
— Vaaaai!
Ele não perdeu mais tempo e se envolveu com o resto dos que escaparam. Uma brisa inoportuna estava levantando redemoinhos na fumaça, a empurrando para longe do bar em ruínas e descendo a rua atrás deles.
Parei devagar, a dor dos últimos minutos me pegou. Minha pele, percebi, estava enegrecida e com bolhas por toda parte, além de sangrar em lugares que foram abertos pelo calor. Minhas articulações pareciam como se as chamas estivessem nelas, cada músculo estava reclamando de cansaço.
Uma dor maçante estava entrando em meu crânio. Desembainhando meu frasco, me virei e olhei para a Retentora de novo. Ela enviou um míssil de energia escura pela janela de um prédio próximo, e todo o andar superior detonou. A explosão enviou estilhaços chovendo na rua, caindo como granizo mortal entre os transeuntes em fuga.
Abri o frasco, o bebi até o fim, depois o joguei no chão.
— Já chega!
Gritei. Se eu chamasse a atenção dela de volta para mim, os magos leais e tolos que foram estúpidos o suficiente para atirar nela poderiam escapar.
— Estou bem aqui, imbecil. Sou eu quem você quer!
Sua cabeça se virou devagar enquanto procurava por mim na rua. A multidão passou por mim, e apenas aqueles que se moviam lentamente devido a ferimentos ou arrastando os feridos ainda estavam por perto. Redemoinhos de fumaça sopravam aqui e ali, obscurecendo partes da rua, mas não eu.
Passos pesados e tilintantes se movendo a tempo de repente se tornaram audíveis sobre o resto do barulho, me virei. Através da escuridão e da fumaça, uma força de soldados se aproximava. Rápido, procurei por prisioneiros. Eles tinham alguns, principalmente pessoas em uniformes roxos, alguns dos quais eram mesmo membros da minha rede, mas Ector e Enola não estavam entre eles. Soltei um suspiro profundo e levantei as mãos.
— Aquele é para o Alto-Soberano.
Disse Mawar, sua voz como água gelada na minha espinha.
— Amarrem-no com algemas de supressão de mana e pendurem-no em algum lugar desconfortável. Não acabei aqui.
Então, como se eu não importasse nem um pouco, ela se virou e se dirigiu para outro prédio onde feitiços foram disparados antes.
Uma mão forte agarrou meu ombro quando uma bota blindada bateu atrás do meu joelho, me fazendo cair duro nos paralelepípedos. Meus braços foram puxados para trás das minhas costas, o aço frio mordeu meus pulsos. Percebi o quão perto de esvaziar meu núcleo estava, quando não conseguia nem sentir os efeitos da supressão de mana.
— Peguei essa pilha de merda de wogart.
Disse uma mulher. Alguém, assumi a mesma mulher, me empurrou dolorosamente pelas algemas.
— Continuem procurando os outros, aqueles com quem ele estava se encontrando. Não devem ter ido longe.
Os outros soldados se afastaram enquanto ela atravessava por eles comigo. Da porta sombreada de uma loja próxima, a visão da minha comandante anterior balançava a cabeça, sua decepção bastante clara, apesar da escuridão, da fumaça e da distância.
— Não tenho certeza do que você acha que vai conseguir de mim.
Murmurei enquanto saíamos a céu aberto, longe do resto. Minhas pálpebras pesadas continuavam tentando se fechar, desejava muito beber uma garrafa inteira de algo amargo antes de cair em uma inconsciência profunda e bêbada.
— Sou apenas um ascendente velho e de ressaca.
A parte de trás de uma luva de aço me pegou com força através da orelha, fazendo o mundo se inclinar pro lado.
— Cale a boca.
A dor foi pouco mais do que uma cócega, considerando o coro de agonias que gritavam por atenção em todo o meu corpo. O som da voz da mulher despertou meu interesse, pois era bastante familiar. Não consegui entender e isso acontecia comigo raras vezes.
Virando um pouco, capturei seu perfil bastante marcante. Os chifres cresciam de sua testa para dar a volta em seu cabelo preto-azulado, que foi puxado para uma espécie de rabo de cavalo apertado. Seus olhos cor de vinho se viraram para mim, e ela mostrou os dentes.
— Precisa de outro?
— Maylis do alto-sangue Tremblay. O que traz uma jovem adorável como você para um lugar desses?
Ela se inclinou, quase perto o suficiente para que eu pudesse sentir seus lábios contra a minha orelha.
— Se você quer que qualquer um de nós saia disso vivo, preciso muito que você cale a boca.
Tradução: Reapers Scans
Revisão: Reapers Scans
QC: Bravo
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