O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 411 – Assunto de Família

 

Nossos passos, ambos leves, sussurraram na pedra esculpida das paredes do túnel. O estrondo baixo de uma moagem de terra estava vibrando através do Instituto Earthborn de algum lugar ao longe e tudo cheirava a poeira, terra e umidade. Passei os dedos pela textura arenosa da pedra enquanto caminhávamos, pensando.

— O céu aberto até que faz falta, não é?

Perguntei a Ellie.

— Não acho.

Respondeu, melancólica.

— Parece que perdi toda a noção do tempo e da normalidade estando escondida no subsolo. Ainda assim, é melhor aqui do que no santuário. Pelo menos temos mais do que cogumelos e ratos das cavernas para comer.

Não pedi desculpas em voz alta, já havia dito essas palavras para ela e não queria barateá-las ainda mais, porém eu o fiz em meu coração. A culpa de saber que eu poderia ter voltado mais cedo permaneceu.

Boo estava se arrastando em nosso rastro, seu pelo grosso vez ou outra arranhando as paredes e suas garras raspando o chão, fazendo muito mais barulho do que Ellie ou eu. Ele bufou com a menção de ratos da caverna, cutucando-a por trás. Ela riu, puxou o que restava de um pedaço de carne salgada de sua bolsa e jogou por cima do ombro para ele. O urso o tirou do ar em uma única mordida.

— Traga-me alguns lanches também.

Transmitiu Regis, obviamente mantendo o controle sobre meus pensamentos, apesar da distância entre nós. Para seu aborrecimento, o deixei para manter sua vigília, de guarda sobre nossa prisioneira Retentora.

— Como estavam as coisas aqui enquanto eu estava fora?

Seus ombros estreitos balançavam para cima e para baixo.

— Estranhas. A maioria das pessoas ainda não sabe como se sentir. Animados, esperançosos, incertos, aterrorizados… eles estão… não sei… mais rígidos? Nos primeiros dias do santuário, era só medo. Todos estavam esperando para morrer, todos os dias. E eu vejo muito mais sorrisos, em especial da mamãe quando você está por perto. Embora, para os elfos, seja pior. Sua esperança é… complicada.

— Está começando a cair a ficha para eles.

Falei, meditando sobre suas palavras.

— Que, mesmo quando Dicathen for retomada, eles nunca mais poderão voltar para casa.

— Sim.

Murmurou, os olhos no chão.

— Principalmente as crianças. Minha amiga, Camellia, é como se ela nem fosse uma. Não sei se isso faz sentido.

Olhei para minha irmãzinha, que ainda não tinha nem dezesseis anos e alheia por completo à ironia de sua declaração.

— Você já é adulta para falar.

— Isso é diferente.

Respondeu, corando um pouco.

— Além disso, a maneira como você me trata com certeza me faz sentir como se ainda fosse uma criança…

Envolvi um braço em volta do ombro dela e a puxei contra o meu lado em um abraço ambulante.

— Não é para isso que servem os irmãos mais velhos superprotetores?

Ela bufou, mas não se afastou.

— Não sei se já disse isso, mas é muito gentil da sua parte gastar tanto tempo ajudando os elfos.

Ela mordeu o lábio, hesitante, então palavras saíram dela com pressa.

— Mas eu não… não de verdade. De que adianta quando eu não posso fazer nada para ajudar mais?

Esperei para responder enquanto um par de anões vestidos passava.

— Pode ser sua compaixão que ajuda os poucos elfos restantes a permanecer esperançosos o suficiente para reconstruir. Você nunca sabe como até mesmo uma pequena bondade vai agir na pessoa e o que isso pode significar para ela. Além do mais…

Acrescentei como uma reflexão posterior.

— Você tem sua nova regalia. Talvez isso permita que você ajude ainda mais quando aprender a usá-la.

— Mas como vou dominá-la se você nem me deixa usar?

Ela fez beicinho, parecendo a garota de quinze anos que era.

— Nunca falei isso an…

— E se eu só usar sob supervisão cuidadosa?

Ela correu, interrompendo a minha fala.

— Lyra prometeu me ensinar o quanto você permitir, Emily e Gideon querem me estudar completamente. Aposto que mamãe até cuidaria das sessões, se ela pode me curar de uma lança Asura, ela pode…

— Ellie

Disse, tentando descarrilar o trem descontrolado de pensamentos dela.

— Eleanor!

Ela gaguejou até parar, parecendo um pouco envergonhada.

— Não quero te impedir de usar sua regalia.

As paredes do túnel acabaram quando saímos do Instituto Earthborn indo para o pátio aberto.

— Mas acho que é melhor se você só usá-lo quando eu estiver lá.

Ela abriu a boca, rolou a língua contra os dentes e respirou fundo. Enfim, depois que reuniu seus pensamentos, continuou:

— Não leve isso a mal, irmãozão, mas você não é exatamente o mais presente de todos. Como vou progredir contigo fugindo para salvar o mundo outra vez?

Soltei o ombro dela e a puxei para uma chave de braço.

— É por isso que você vem comigo.

Lutando, se livrou do meu aperto, bagunçando o cabelo no esforço, olhou para mim.

— Não seja mau, Arthur. Você está brincando… certo?

Balancei a cabeça, porém senti meu sorriso afrouxar e ficar sombrio.

— Quando eu tinha a sua idade, estava treinando em Epheotus com literais divindades. Mesmo na minha última vida, estava treinando para ser rei. Você recebeu um poder tremendo, mas nunca será capaz de empunhá-lo do jeito certo se não se testar.

Ela franziu a testa, pensativa.

— Você nunca falou sobre sua vida passada antes…

Esfreguei a parte de trás do pescoço, sorrindo timidamente.

— Sei que você é inteligente o suficiente para ter descoberto por conta própria, mas… eu deveria ter falado. Depois do que aconteceu quando mamãe e papai descobriram, nunca criei coragem, acho.

— Tudo bem…, mas você me deve uma história.

Falou, os olhos brilhando.

— Quero saber mais sobre sua vida passada.

— Haverá tempo de sobra.

Murmurei, me virando para continuar andando.

— Afinal, não posso confiar em você o suficiente para perdê-la de vista.

Ela saltou ao meu lado e me deu um soco no braço, então logo deslizou o seu em volta do meu e se segurou.

— Então, já que estamos no assunto de quão madura e pronta sou para o perigo e outras coisas, você também não acha que eu tenho idade suficiente para começar a namorar?

Parando no meio do passo, levantei uma sobrancelha em suspeita.

— Quê? Que história é essa?

— Só queria saber.

Respondeu apenas, um sorriso inocente.

Olhei em seus olhos castanhos como se estivesse considerando sua proposta.

— Claro, mas minha regra não mudou. Você pode começar a namorar… quando seu “namoradinho” puder me vencer em uma luta.

Boo bufou e acenou com a cabeça, enquanto ela fez beicinho, encostando a cabeça no meu braço.

— Não é justo…

Quando estávamos fora dos portões do Instituto Earthborn, parei e olhei em volta. Éter correu para imbuir o Realmheart, o mundo se iluminou com a manifestação visível de mana. Meu corpo ardeu com o calor desse poder, me concentrei no sexto sentido de mana que a habilidade proporcionava, procurando por uma assinatura específica em toda a enorme caverna de Vildorial.

Duas se destacaram entre toda a população da cidade. Uma ainda estava atrás de mim, permanecendo em algum lugar no instituto, mas a outra estava acima, no palácio da capital anã. Sem explicar mais, levei Ellie e Boo pela rodovia sinuosa, deixando o Realmheart desaparecer.

Os guardas do palácio se curvaram e abriram as portas quando me aproximei. Dentro do salão de entrada, alguns membros das casas dos senhores anões permaneciam conversando ou se divertindo. Eles observaram com curiosidade, mais do que alguns olhares focados em minha irmã enquanto passávamos pelo enorme salão a caminho de uma das passagens de mana que levariam mais fundo no palácio.

Ao contrário de um castelo ou fortaleza mais terrestre, como o palácio real de Etistin, grande parte do palácio anão era enterrado dentro das paredes da caverna, com túneis e corredores interconectando centenas de câmaras individuais projetadas para uma ampla gama de propósitos, alguns dos quais pareciam muito estranhos para mim como humano.

Cada conjunto de reis e rainhas expandiu o palácio ainda mais, buscando a todo instante superar seus antecessores com o esplendor de suas adições, levando a lugares como a sala de reuniões do Conselho dos Senhores, esculpida no coração de um enorme geodo. Uma das mais antigas adições foi construída durante um tempo de extraordinária proximidade entre os elfos e anões, antes da mais recente guerra entre Sapin e Elenoir, que fez Darv recuar de volta para seu deserto a fim de evitar se juntar para o conflito.

A câmara em questão era mais alta do que a maioria das outras, então Ellie e eu, com Boo seguindo atrás, nos encontramos subindo uma longa escada de retorno. Quando chegamos ao topo, Ellie estava brilhando com um fino suor e sua respiração estava difícil, apesar de seus esforços para escondê-la. Boo estava grunhindo a cada passo.

— Você já esteve aqui em cima?

Perguntei com um sorriso malicioso.

Ela balançou a cabeça, aparentemente sem fôlego para palavras.

As escadas se abriram para uma espécie de alcova, uma pequena caverna que estava escondida atrás de uma dobra de rocha. Não foi até que saíssemos da caverna e nos movêssemos ao redor da pedra saliente que pudemos ver a câmara cheia.

Tive que proteger meus olhos contra a luz brilhante, uma mudança acentuada das escadas mal iluminadas. Devagar, quando meus olhos se ajustaram, pude absorver corretamente.

Ellie e eu ficamos à beira de uma grande gruta e, por um momento, foi fácil esquecer que estávamos no subsolo. Toda a câmara estava iluminada como o dia por luzes flutuantes, brancas como a luz do sol ou as estrelas à noite. No chão, musgo espesso crescia feito grama, suavizando e escondendo a pedra, uma combinação de musgo e videiras rastejantes tornava as paredes esmeralda também. Se não focasse o olhar, pensaria que estava cercado por uma floresta densa.

Cerca de nove metros acima das paredes, o verde deu lugar ao preto e todo o telhado abobadado era esculpido em obsidiana, o que captou a luz e a refletiu em todas as direções, brilhando que nem o céu noturno.

Uma única árvore grande dominava o centro da câmara. Seus ramos se espalham por dezenas de metros em todas as direções, cobertos por folhas verdes largas e pequenos frutos rosa. Suportado dentro de seus enormes galhos havia uma pequena estrutura, que parecia ter crescido na própria árvore ou talvez saído dela.

— O Túmulo de Elshire.

Anunciei, calmo.

Ao meu lado, a boca de Ellie se abriu de admiração.

— É lindo…

 

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Foi outra voz que falou em seguida, vindo de dentro da estrutura.

— Um presente do antigo rei élfico, Dallion Peacemaker.

Virion saiu para a falsa luz do sol, depois se apoiou no corrimão de uma varanda que corria ao redor do lado de fora da habitação e sorriu para nós dois.

— Para o rei anão, Olfred Ironhands, como um símbolo da amizade dos dois. O Conselho dos Senhores foi gentil o suficiente para presenteá-lo de volta aos elfos durante toda a nossa estadia aqui.

Bairon saiu por trás dele e se encostou na porta.

— Esta árvore deve representar o último remanescente da floresta de Elshire. É justo que pertença aos elfos, e deve ir com você quando você eventualmente deixar Vildorial.

— Talvez.

Disse Virion, com o ar de alguém evitando uma discussão repetida.

— Embora talvez precise de apenas uma bolota para plantar uma floresta, Elenoir é um cemitério, e o solo pode nunca mais dar vida.

Ele mudou sua atenção de volta para mim e Ellie.

— De qualquer forma, não é grande o suficiente para todos os elfos ficarem aqui, é claro, mas me certifiquei de convidar todos pelo menos uma vez para que pudessem experimentar essa pequena lembrança de casa. De qualquer forma, nós iremos até você. Tenho certeza de que você tem algo importante para discutir, Arthur, já que teve todo o trabalho para vir aqui.

Quando os dois desceram uma série íngreme de degraus que se enrolavam ao redor do tronco da árvore, levei Ellie a um pedaço plano de musgo perto de um pequeno riacho borbulhando próximo à borda da caverna. Cada um de nós descansou no musgo espesso e macio, que liberava um cheiro terroso e um pouco doce. Boo foi investigar o riacho, sem dúvida esperando pegar um ou dois peixes.

Virion e Bairon se juntaram a nós apenas um momento depois, o primeiro sentado de pernas cruzadas ao nosso lado. Bairon ficou de pé.

— Alguma notícia de Varay sobre a situação em Kalberk?

Perguntou Bairon.

— Ainda não, mas se os Alacryanos lá estão tão entrincheirados como os primeiros relatórios sugeriram, pode levar algum tempo.

— Você poderia ter ido sozinho…

Sugeriu ele, seu tom e intenções obscuros.

— Foi bom você não ter feito isso. Estivemos no subsolo por muito tempo, eu no sentido literal, e as Lanças precisam ser vistas, assim como a presença delas sentida.

Virion bufou de diversão, se virando para olhar para Bairon.

— Um sentimento irônico, já que tentei te enviar e você se recusou a ir.

— Eu sou… necessário aqui, ao seu lado.

Bairon respondeu, hesitante, olhando para baixo e para longe.

— Varay é a melhor escolha para reviver o nome das Lanças nos corações das pessoas.

Ouvindo a conversa, senti a esperança diminuir, crendo que já sabia a resposta à pergunta que tinha vindo fazer.

— Bem, fico feliz em ouvir você dizer isso, Virion, porque se relaciona com o motivo de eu estar aqui.

Virion voltou seu olhar para mim, o sorriso irônico suavizando em uma expressão impassível e curiosa, enquanto atrás dele as feições de Bairon endureciam.

— Anseio por me testar. Posso sentir o potencial dentro de mim, estendendo-se à distância como uma estrada aberta. A mana daquele chifre me levou longe, mas tem muito mais para eu aprender e realizar.

Ele pôs a mão no antebraço de Virion.

— Depois.

Não havia nada que eu pudesse dizer para contrariar o argumento dele. Minha interpretação original da situação, que havia pouca necessidade de uma Lança estar envolvida em um procedimento tão mundano como um censo, era míope e até, talvez, um pouco egoísta. Se Ellie viria comigo, precisava de ajuda para ter certeza de que ela estava segura. Entretanto, não poderia pedir a Bairon para deixar o trabalho atual dele, ainda mais se significava tanto.

— Entendo.

Falei após tomar um momento para processar esses pensamentos.

— E aprecio o que você está fazendo. Afinal, Elenoir também era minha casa, mesmo que apenas por alguns anos.

As sobrancelhas dele se ergueram com isso e riu.

— Quase esqueci. É difícil pensar em você como uma criança.

Me levantei, dando aos dois um sorriso apertado.

— Para ser justo, nunca fui.

 

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— Proteger a irmãzinha, sim, eu sei. Relaxa, eu cuido disso.

Respirei fundo e olhei nos olhos das outras.

Mica havia trocado o uniforme militar das Lanças por um conjunto de armaduras pesadas de estilo anão. Cada pedaço de aço fosco e em blocos estava gravado com runas, havia um brilho de mana visível de menos de dois centímetros projetado em todo o seu corpo. Um diadema de pedra lisa cobriu sua testa, se estendendo pela ponte do nariz como um elmo e com runas sutis gravadas na superfície. Abaixo dele, seus olhos, um brilhante e vivo, uma pedra preciosa escura, se estreitaram de determinação.

Ellie ficou ao lado dela, um novo arco na mão esquerda e os dedos brancos no aperto. Era um simples e gracioso feito de metal preto plano, um design anão alterado para combinar confortavelmente com o estilo de luta com mana pura dela. Um presente de Emily, para substituir o arco que projetou para Ellie há muito tempo.

Ela usava couro e corrente para se manter móvel enquanto ainda oferecia alguma proteção. Como a de Mica, sua armadura estava encantada com runas protetoras. Ainda assim, eu estaria contando com Boo, Regis e eu para mantê-la segura.

Difusa refletindo sua pele viscosa. Uma lesma gigante, mais negra do que o alcatrão e coberta de dezenas de bocas dentuças e estalando, se arqueou no ar em nossa direção.

Mica ainda estava ajustando seu aperto no martelo enorme, Lyra estava proferindo um xingamento baixo, dei um passo à frente. Uma lâmina de éter cintilou no meu punho, se movendo em um arco liso que dividiu a besta em dois e enviando as partes para ambos os lados das minhas companheiras.

O martelo de Mica caiu em uma metade contorcida, a esmagando em uma polpa. Uma vibração silenciosa, mas visível, emanava de Lyra, distorcendo o ar ao redor da outra metade até que de repente explodiu em lodo verde e preto. Atrás delas, Ellie segurou uma flecha contra a corda de seu arco, a boca aberta de surpresa e os olhos arregalados.

— Bem-vinda às Relictombs

Falei sombriamente.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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