O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 384 – Seguindo em Frente

 

POV ARTHUR LEYWIN

Havia muito o que fazer depois do ataque Alacryano. Depois de ficar exposto, o santuário dos djinn não era mais seguro. De alguma forma, teríamos que mover várias centenas de pessoas através do deserto de Darv, mantendo-as a salvo dos elementos e dos Alacryanos.

Enquanto as pessoas continuavam a sair dos túneis, a liderança se reuniu do outro lado do riacho perto de onde eu havia lutado contra as forças Alacryanas. Varay voou através dos buracos no teto para explorar enquanto o resto de nós discutia qual seria o próximo passo.

— Xyrus faria mais sentido.

Dizia Madame Astera. Ela estava recostada em uma cadeira conjurada de terra macia, massageando o coto de sua perna, a prótese quebrada abandonada no chão nas proximidades.

— Podemos dispersar os não combatentes pelas aldeias ao redor da fronteira sul de Sapin. Se conseguirmos chegar à cidade Blackbend, o General Arthur pode facilmente nos levar a uma câmara de teletransporte.

A velha soldado usava um sorriso frio quando acrescentou:

— E só precisaremos solta-lo nas forças que guardam a cidade. Ela seria nossa em uma noite.

Alguns murmuraram aprovação dessa ideia, mas Hornfels Earthborn foi rápido em intervir.

— A fronteira de Sapin é duas vezes mais longe do que a capital de Darv, não há nenhum sistema de túneis tão ao norte. Além disso, estaríamos abandonando os civis se os Alacryanos os perseguissem depois que saíssemos.

— Mas certamente eles não desperdiçariam seu tempo, não é?

Saria, membro do conselho élfico, perguntou suavemente.

— Os Alacryanos quase certamente perseguirão o grupo mais forte.

Madame Astera gesticulou para Saria em concordância, mas estava olhando para os anões.

— Isso mesmo. Além disso, podemos confiar no povo de Xyrus…

— E o que diabos isso quer dizer?

Skarn Earthborn, irmão de Hornfels, rosnou.

Hornfels pressionou a mão contra o peito de Skarn, segurando-o para trás.

— O significado é claro o suficiente, mas você está enganada, Madame Astera. Os anões…

Uma voz fina, quase infantil, silenciou todos os outros, pressionando-os com um pulso frustrado de intenção.

— Os anões sofreram com uma liderança muito ruim e foram expostos a propaganda constante desde antes mesmo do início da guerra.

Mica fez uma pausa, seu olho de pedra preciosa brilhando enquanto olhava em volta.

— Mas o povo de Darv não é cruel ou mau e Mica-Eu sei que eles começaram a ver através das mentiras dos Vritras.

Madame Astera assentiu respeitosamente.

— Assim você diz, Lança. Ainda assim, devemos ouvir a opinião de todos.

Ela olhou para Bairon e Helen, que permaneceram em silêncio. Virion insistiu que precisava procurar algo e se escusou antes da reunião começar.

— O resto de vocês tem alguma coisa a dizer?

— O povo de Xyrus pode ser menos confiável do que você espera.

Disse Bairon, com uma pontada de amargura mal reprimida em seu tom.

— Se os generais Arthur e Mica acreditam que os anões trabalharão conosco, então eu apoio a decisão deles.

Helen deu de ombros.

— Será uma luta onde quer que formos. Arthur nos dá a melhor chance de vitória, então os Chifres Gêmeos ficarão perto dele.

Ela olhou para mim com uma mistura de orgulho feroz e respeito que me lembrava meu pai, um aperto quente subiu do meu peito para a minha garganta.

— Olhe para você ficando todo sentimental. Estar cercado por seus inimigos por tanto tempo te tornou—

— Você deve estar entediado.

Indiquei ao meu companheiro incorpóreo.

— Vá ajudar minha mãe se você só vai ficar para narrar minhas emoções.

— Meh. Ela é melhor companhia do que você de qualquer maneira

Regis respondeu com um bufo mental antes de pular de mim e correr em direção à cidade. Com sua aparição repentina, houve um coro de suspiros e um grito sufocado de Saria, mas então o grupo ficou quieto novamente enquanto o observavam cruzar o riacho represado.

Todos se voltaram relutantemente para a reunião quando Madame Astera começou a se levantar, fazendo o possível para esconder uma carranca. Hornfels pegou seu braço para estabilizá-la enquanto conjurava uma simples prótese de pedra ao redor de sua perna. Fiquei feliz em ver que, apesar de quaisquer desentendimentos que sobre o que fazer a partir de agora, eles ainda se tratavam com respeito.

— Nós devemos sair imediatamente.

Disse, olhando seriamente para a luz do sol que ainda fluía das rachaduras no teto.

— Eu os peguei desprevenidos agora, mas não queremos dar aos Alacryanos tempo para se reagruparem e atacarem novamente.

— Aconselho dar algum tempo a essas pessoas.

Respondeu Astera, sugerindo algo diferente.

— Tanto para descansar quanto para recolher o pouco que resta de seus pertences. Precisamos preparar posições defensivas, traçar nosso caminho, conjurar transporte para aqueles que não conseguem andar.

Igualei seu olhar firme por um momento, depois acenei com a cabeça.

— Então, é isso?

Skarn Earthborn disse, concentrando-se em mim.

— Apenas, “Vamos todos fugir para Vildorial, fim da reunião”? Nada sobre como você acabou de enviar cem soldados Alacryanos se mijando de volta ao deserto?

Skarn jogou as mãos no ar e olhou para Mica.

— O que diabos o resto de nós deveria estar fazendo então, hein? Se esse garoto pode esmagar exércitos e Asuras, para que precisamos de Lanças, prima? Eu só—

Skarn parou de repente, cuspindo nas pedras antes de marchar para longe.

Hornfels deu ao grupo um encolher de ombros apologético, depois seguiu seu irmão.

— Ele tem razão.

Disse Bairon, franzindo a testa para mim. Havia uma emoção complexa em sua expressão, algo existencial que estava vindo das raízes mais profundas de seu senso de autoestima.

— Como qualquer um de nós deve ajudá-lo, Arthur?

Mica olhou para baixo e para longe, sem olhar nos meus olhos. Os outros fizeram o oposto, olhando avidamente para mim, ansiosos por minha proteção e pela esperança que minha presença lhes dava.

— Esta guerra não acabou — disse.

— Soldados Alacryanos, até mesmo retentores e Foices, não são a ameaça para a qual Dicathen precisa estar pronto.

Meus lábios se curvaram em um sorriso irônico e sem alegria.

— Taci foi apenas o começo, Bairon. Os próprios deuses são nossos inimigos agora. E… independentemente do que todos vocês pensem, não posso lutar contra eles sozinho.

A mandíbula de Bairon se apertou e um tremor percorreu o músculo do pescoço. Com os dentes cerrados, ele disse:

— Então devemos encontrar alguma maneira de crescer mais forte.

— Sim.

Alcançando minha runa dimensional, retirei a longa lança de Taci e a joguei para Bairon.

— Isto será um começo.

Ele a pegou no ar, então pareceu perceber o que estava segurando e quase a deixou cair.

— Eu não quero a arma que matou Aya, disse ele depois de um momento, girando a alça na minha direção e segurando-a para que eu a pegasse de volta.

— Não seja um cabeça grossa.

Resmungou Mica, embora olhasse para a lança escarlate com aversão não suprimida.

— Essa é uma arma poderosa, e não há melhor maneira de prestar seus respeitos a Aya do que usá-la para matar mais alguns Asura.

Ela estendeu a mão e bateu com os dedos na ponta da lança, fazendo um zumbido limpo e prateado. Depois, ela foi atrás de seus primos, seu desespero e raiva uma coisa quase física queimando como um manto de fogo ao seu redor.

O punho de Bairon se cerrou ao redor da empunhadura. Apenas por segurar a arma, o Lança já parecia mais forte, mais presente.

— Obrigado, Arthur.

Acenei com a cabeça e Bairon girou e marchou para longe, efetivamente terminando o que restava da nossa reunião. Saria me fez uma pequena reverência, depois pegou o braço de Astera quando o par começou a caminhar lentamente de volta à cidade.

— Você está bem, garoto?

Olhei para cima e percebi que Helen estava me observando.

— Garoto?

Perguntei, meus lábios se divertindo.

Ela espelhou minha expressão.

— Eu vi sua mãe limpar seu cocô. Você sempre será uma criança aos meus olhos.

Esfreguei minha nuca, sorrindo.

— Bem, acho que isso é justo.

Nós dois começamos a voltar para o santuário, que estava repleto de atividade enquanto as pessoas faziam o possível para recuperar os itens que podiam das ruínas. Embora Ellie quisesse ficar comigo, pedi que ela ficasse de olho em mamãe, que estava exausta depois de tanta cura. Mas ainda não havia tempo para descansar.

— Estou bem.

Disse enquanto atravessávamos o riacho barrado de escombros.

— Só… me sentindo impaciente, eu acho. Mas estou feliz por estar de volta. Por estar…

Eu deixei a frase no ar, sem saber o quanto poderia dizer a ela.

— Em casa?

Helen completou pra mim. Havia uma curiosidade entremeando seu tom, uma pergunta escondida nessa única expressão.

Balancei a cabeça e caminhamos em silêncio enquanto o barulho e o movimento dos preparativos cresciam ao nosso redor.

Um homem tinha virado o tornozelo ao pisar em uma pedra solta, tropeçou sob o peso de sua mochila marchando, mas o segurei e o ajudei a se endireitar.

Uma criança chorando estava sentada em uma parede desmoronada, apertando uma besta de mana de pelúcia maltratada e rasgada, enquanto sua mãe cansada e de rosto vermelho lutava para embrulhar seus pertences em um velho cobertor.

Uma mulher mais velha removia freneticamente as ruínas de uma casa para depois cair de cansaço com um pedaço de pergaminho amassado em suas mãos. Ela segurou o papel carinhosamente no peito e chorou.

— Eles perderam tudo. Mais uma vez.

Disse Helen suavemente. Então limpou a garganta e olhou para o chão, parecendo envergonhada.

Gostaria que houvesse mais que eu pudesse fazer, mas apesar de todo o meu poder, não poderia usar o Réquiem de Aroa para consertar seus corações partidos ou o Passo de Deus para afastá-los de sua tristeza e medo. Suas vidas nunca mais seriam as mesmas e, embora os buracos deixados para trás se curassem com o tempo, sempre haveria a dor da perda, cicatrizes que os lembrariam de tudo o que lhes fora tirado.

— Sinto muito.

Disse Helen, estendendo a mão e agarrando meu pulso.

— Venha. Deveríamos tirar um momento para lamentar adequadamente. Depois que acalmarmos nossos espíritos, podemos levantar a cabeça e ajudar essas pessoas a carregar seus fardos.

Ela me levou até a extremidade da caverna. Minha respiração prendeu quando olhei para baixo em um túmulo grande e cristalino. Mesmo na luz fraca, ele emitia um brilho azul e verde. Flutuando em seu centro havia um corpo familiar. As mãos de Aya estavam cruzadas sobre uma ferida no estômago, mas não a escondiam completamente. Seus olhos estavam fechados, sua expressão era de descanso pacífico.

Várias tumbas menores, simples lajes de rocha cinza fria, foram levantadas em torno de Aya. À sua direita estava uma tumba marmorizada cheia de videiras e flores coloridas. As palavras “Feyrith Ivsaar III” foram gravadas no topo da pedra. Em letras menores abaixo, dizia: “As verdades mais importantes são buscadas dentro das rachaduras do próprio eu”.

Passei os dedos pelos sulcos das letras, incerto quanto ao seu significado. Helen estava caminhando entre as outras lajes, tocando cada uma brevemente. Quando ela me viu olhar em sua direção, sorriu tristemente.

— Feyrith e Albold, eles… bem, sua irmã provavelmente pode explicar melhor do que eu.

— Você fez bem, velho amigo…

Disse para a pedra fria, ecoando minhas próprias palavras do que parecia ter sido há uma vida inteira.

Seguindo para o túmulo de Aya, descansei a mão sobre ele, olhando para o rosto sereno da Lança élfica. Não precisava ser capaz de sentir mana para ver como as outras Lanças haviam trabalhado juntas para criar o lugar de descanso de Aya. Luzes brilhantes, como faíscas congeladas, brilhavam dentro do cristal e seu corpo descansava em um ninho de padrões fractais e congelados.

Fechando os olhos, empurrei éter para o túmulo. Ele correu ao longo das bordas afiadas e contornos congelados, entrou pelas estrias sutis, agarrando-se às faíscas congeladas e preenchendo os padrões fractais.

Helen prendeu a respiração, abri os olhos. Um leve brilho roxo infundia os azuis e verdes, parecendo se mover constantemente dentro do cristal, girando e rajando como um vento lento.

— Este túmulo será um testamento duradouro de tudo o que você realizou. — falei suavemente.

— Porque isso é algo que nem a morte pode tirar de você, Aya.

 

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Boo grunhiu irritado sacudindo areia do seu pelo, agitando Ellie sobre suas costas. Ela coçou o pescoço dele com carinho.

— Vai ficar tudo bem, grandão. Não falta muito agora.

Uma brisa suave soprou consistentemente em nossos rostos nas últimas horas, e, como Boo, todos tinham areia agarrada a eles, o que na verdade funcionava como uma forma de camuflagem, ajudando a misturar nosso longo comboio aos arredores.

Centenas de pessoas entremeavam as fendas entre as dunas rasas. Estava escuro e sem lua nesta parte do deserto, com a única luz vindo das estrelas brilhantes acima. Não carregávamos lanternas ou artefatos de iluminação, que seriam visíveis por quilômetros através dos desertos centrais vazios de Darv.

Regis e eu caminhamos ao lado de Ellie, Boo e minha mãe, perto da frente do grupo.

Varay guardava a retaguarda da linha, enquanto Bairon e os irmãos Earthborn nos guiavam na frente, Mica voava adiante para explorar a rota. Se a estimativa de Hornfels e Skarn fosse precisa, estaríamos chegando perto dos túneis mais externos que nos levariam a Vildorial.

— E então lá estou eu, saindo “processado” pelo traseiro da coisa.

Regis estava dizendo. Ellie riu, as sobrancelhas de mamãe se ergueram incertas.

— Mas eu consegui derrotar a coisa no final. Bem, Arthur ajudou, suponho.

— Mais outra!

Ellie bufou através de suas risadas.

— Eu quero ouvir tudo.

— Você sabe, a Princesa aqui tem um temperamento forte. Quase nos causou problemas algumas vezes, como quando…

Mamãe tropeçou quando a areia escorregou sob seus pés, ela mal conseguiu se endireitar.

— Estou bem.

Disse ela antes que alguém pudesse perguntar.

— Acabei de perder meu… ei!

Enquanto minha mãe falava, Regis deslizou ao lado dela e a jogou em suas costas. A visão da minha mãe surpresa e assustada, congelada como uma estátua no topo de Regis teria sido cômica se eu não estivesse tão surpreso também.

— Hum, Arthur?

Os olhos arregalados da mamãe se voltaram para mim.

— Ele está apenas… tentando ser útil.

Disse, alcançando a ligação entre nós. Estranhamente, Regis permaneceu em silêncio, seus olhos brilhantes olhando seriamente à frente.

Sentada rigidamente, mamãe envolveu os dedos em seu pelo, tomando cuidado com as chamas que saltavam em torno de sua juba.

Ellie escondeu a boca atrás das mãos, mas ainda podia ouvir suas risadas meio suprimidas enquanto ela me dava um olhar de “o que está acontecendo?”.

Caminhamos em silêncio por alguns minutos, até que o chamado de: “— Alice?” veio de algum lugar atrás. Algum ferimento meio cicatrizado havia se infectado, e então, com o queixo erguido, Regis levou minha mãe para ajudar.

O sol estava apenas começando a iluminar o horizonte oriental, Ellie era pouco mais do que uma sombra no topo de seu vínculo. Ainda assim, podia dizer pelos seus ombros curvados e cabeça abaixada que algo a estava incomodando.

Ao longo das últimas horas, Regis contou suas histórias mais leves, em troca Ellie nos disse o que aprendeu sobre Boo e o treinamento que fez na minha ausência. Mas ela principalmente escutou, ansiosa para ouvir tudo sobre meu tempo longe, especialmente nas Relictombs. Ela tinha sido uma ouvinte quieta e paciente, fazendo algumas perguntas, mas no geral apenas deixando Regis falar, algo que ele poderia fazer longamente e sem incentivo.

— Irmão?

Ellie perguntou depois de alguns minutos de silêncio entre nós.

Olhei para ela com expectativa.

Ela hesitou, então pareceu se preparar.

— Por que você não voltou para casa mais cedo?

Meu olhar se fixou nas costas largas de Durden, que carregavam vários sacos pesados. O grande mago estava andando não muito à nossa frente, enquanto o resto dos Chifres Gêmeos estavam espalhados por todo o comboio, constantemente à procura de qualquer perigo que se aproximasse.

Embora não tivesse passado nem um dia desde o meu retorno a Dicathen, sentia minha incapacidade de sentir mana de forma mais distinta. Dependia inteiramente dos outros magos para nos avisar de um inimigo que se aproximava. E, ao contrário dos outros Lanças, não podia nem voar para patrulhar. Era uma limitação que eu havia contornado em Alacrya, mas agora, com muito mais vidas do que a minha em jogo…

Finalmente, falei.

— Eu queria voltar mais cedo… assim que percebi onde estava, mas… sabia que se voltasse muito cedo, não tomasse meu tempo para aumentar minha força… então a mesma coisa teria acontecido novamente. Não haveria ninguém para me salvar desta vez e então eu não seria capaz de te proteger.

O corpo de Ellie murchou, derrotado, rapidamente acrescentei:

— Mas eu fiquei de olho em você.

Ela se levantou novamente tão rápido quanto havia esvaziado.

— Como assim?

Retirei a relíquia djinn e mostrei a ela, virando-o de modo que a luz rosa do horizonte ficasse presa em suas muitas facetas.

— Ele usa éter. Me deixa ver uma pessoa, mesmo de longe. Mas só funcionava com você e mamãe.

— Isso é… meio assustador.

Disse Ellie, seu rosto se franzindo em uma carranca enrugada.

Ri e guardei a relíquia.

— Isso é o que Regis disse que você diria.

Fiz uma pausa.

— Ainda assim, realmente sinto muito, El. Por estar fora por tanto tempo.

Ela olhou para além de mim, seu olhar desfocado, então disse:

— Eu sei. E… acho que posso perdoá-lo por isso, mas…

Levantei uma sobrancelha, incapaz de manter uma carranca longe do meu rosto.

— Mas o quê?

— Voltar para casa sem sequer me trazer um presente? Isso é imperdoável.

Ela cruzou os braços alegremente, como quando era uma garotinha, estendeu a língua para mim.

Abaixando-me, peguei um punhado de areia e joguei nela. Ela gritou e se inclinou para o outro lado de Boo, tentando usá-lo como um escudo, mas não rápido o suficiente. Assim como Boo, ela se sacudiu para tirar a areia do cabelo e olhou para mim.

— Você sabe, esqueci o quão irritante você pode ser.

Dei a ela meu sorriso mais largo.

— Não é para isso que servem os irmãos mais velhos?

Ela revirou os olhos, a boca se abrindo para responder, mas congelou por um instante, concentrando-se no céu, e o momento alegre chegou ao fim.

Segui seu olhar para Mica, que estava se movendo em nossa direção.

— Estamos quase lá?

Ela acenou com a mão e uma plataforma de pedra se formou da areia.

— Vamos voar à frente para explorar a entrada.

Ela inclinou a cabeça para a plataforma.

Dei a Ellie um sorriso de desculpas, tirei a areia do rosto de Boo e pisei na plataforma.

Mica se virou e avançou, a plataforma a seguiu. Ultrapassamos rapidamente o grupo, mas não fomos muito longe. Hornfels, Skarn e Bairon estavam esperando. Eles se abrigaram atrás de uma formação de rochas beges afiadas que cresceram em uma colina. Em um vale abaixo deles, uma fenda escura quebrava as ondas de areia parda: uma das entradas para baixo na teia de aranha dos túneis que compunham o reino dos anões.

— Qual é o plano?

Perguntei assim que meus pés estavam no chão.

Hornfels apontou para as sombras.

— Atrás daquela porta haverão quilômetros de túneis para esconder os civis e um caminho mais ou menos direto para Vildorial. Esses portões menores não são vigiados, apenas patrulhados aleatoriamente, então, com um pouco de sorte, teremos tempo para levar todos para dentro sem sermos incomodados.

— Então, vocês atacarão a cidade.

Disse Skarn, parecendo ainda mais mal-humorado do que o normal.

— As Lanças, ele quer dizer.

Bairon confirmou.

— O resto dos magos ficará e garantirá que as pessoas estejam seguras.

Enviar apenas as quatro Lanças para Vildorial nos permitiria manter uma força de combate sólida nos túneis externos para lidar com qualquer patrulha aleatória, embora os Chifres Gêmeos e outros magos presentes em nosso bando de refugiados não fossem suficientes para derrotar uma força de assalto Alacryana considerável.

— E você tem certeza de que não haverá guardas na entrada? — perguntei.

— Não aqui tão longe, não haverá. — garantiu Hornfels.

— Não há anões suficientes em Darv para proteger cada rachadura e fenda.

— A prioridade agora é tirar essas pessoas do campo aberto. — disse Mica.

— O ataque contra Vildorial precisará ser rápido e definitivo.

Skarn estava franzindo a testa enquanto puxava sua longa barba.

— Se os anões lutarem do lado dos Alacryanos, será um maldito banho de sangue.

Mica bateu no braço do primo.

— Não podemos deixar isso acontecer.

Skarn esfregou o braço e cuspiu na areia.

— É. Muito bem, então. É melhor irmos andando.

Os irmãos voltaram para o grupo enquanto Mica, Bairon e eu descíamos a colina em direção à entrada. Logo dentro das sombras da pequena ravina, uma pesada porta de pedra estava inserida na parede.

Quando entrei furtivamente em Darv durante a guerra, para procurar provas de que os anões haviam traído Dicathen, fui capaz de contornar as estranhas fechaduras mágicas com Realmheart, mas com Mica ao meu lado, não havia necessidade.

Ela alcançou o que parecia ser um pedaço de pedra e sabia que ela estava liberando explosões de mana em um padrão específico. Momentos depois a porta começou a se abrir.

Demorou um momento para meus olhos se ajustarem, que foi quando vi cinco homens sentados ao redor de uma mesa em uma pequena sala esculpida ao lado do túnel. Eles hesitaram por alguns segundos, depois se levantaram, mandando suas cadeiras para o chão.

Mica fez um movimento rápido para baixo com a mão, todos os cinco homens e a mesa desabaram, esmagados no chão. Um deles conseguiu enviar um fraco raio de energia verde em nossa direção, mas ele explodiu contra a parede de pedra do túnel, puxado para fora do curso pelo campo de gravidade de Mica.

— Alacryanos

Apontei, observando que nenhum dos guardas eram anões.

Mica apertou a mandíbula e houve um estalo molhado.

— Achei que não deveriam haver guardas?

Perguntei, avançando para inspecionar os restos mortais.

— Está sentindo isso?

Bairon perguntou, olhando para Mica.

Ela olhou em volta, a linha de seu olhar seguindo algo invisível através da pedra. Os olhos dela se arregalaram.

— É um alarme. Merda.

Ela ergueu a mão, o pulso e os dedos trabalhando no ar como se estivesse manipulando algumas peças complicadas de maquinário. Quando isso aparentemente não estava funcionando, ela cerrou o punho e ouvi pedra quebrando dentro das paredes do túnel.

— Sutil.

Disse Bairon, movendo-se rapidamente para o túnel.

— Supondo que esse sinal tenha chegado à cidade, não temos tempo para esperar que todas as pessoas entrem. Temos que ir agora.

— Varay?

Perguntei, olhando de volta para a porta do deserto.

— Ela vai nos alcançar.

Mica retrucou, já voando para longe na velocidade máxima.

Bairon fez questão de segui-la, depois hesitou.

— Você pode…?

— Vá!

O incitei, usando Passo de Deus para aparecer bem à frente de ambos.

Gavinhas de eletricidade roxa se arquearam de mim para ondular sobre as paredes lisas da passagem, comecei a correr, empurrando éter em meus músculos para acompanhar as duas Lanças voadoras, cuja velocidade era limitada nos espaços apertados de qualquer maneira.

A viagem de quilômetros levou vinte minutos, nem sequer desaceleramos quando nos aproximamos dos enormes portões de pedra que fechavam o túnel para a cidade de Vildorial.

Um mago Alacryano de nariz de gancho estava encostado na borda de uma pequena abertura quadrada. Ele só teve tempo de arregalar os olhos quando Mica bateu nos portões. Em vez de explodir para dentro, no entanto, a pedra ondulou do ponto de impacto, transformando-se em areia que espirrou para o chão do túnel. Vários Alacryanos estavam de pé ao longo de uma muralha que corria pela parte de trás dos portões, seus gritos foram cortados abruptamente enquanto eram engolidos pela areia.

Corremos pela agora vazia abertura de seis metros que dava para a enorme caverna de Vildorial. Uma estrada larga de pedras de pavimentação avermelhadas virava para a direita e para a esquerda, conectando diferentes níveis da caverna.

Várias dúzias de anões foram dispostos ao longo desta estrada, correndo para entrar em posição e gritos de alarme acompanhavam os sons de feitiços defensivos sendo lançados.

Para cima e para baixo no caminho, casas semelhantes a cavernas foram esculpidas nas paredes externas, algumas portas se abriram quando os moradores saíram para ver qual era a comoção.

Um aplauso surgiu nas proximidades.

Uma mulher anã, com o punho erguido no ar, gritava:

— Abaixo Alacrya! Abaixo os Vritra!

Um homem próximo sibilou para que ela ficasse quieta, mas ela lhe deu as costas da mão em seu rosto atordoado e retomou a torcida. Alguns outros se juntaram.

Os feitiços e as armas dos anões caíram, aço pesado batendo nas pedras e o crepitar da magia desbotada enchendo o ar. Um olhar de choque absoluto foi esculpido em cada rosto de anão, ondas de horror e culpa fraturavam suas expressões. Lágrimas começaram a derramar de olhos largos e úmidos, e, um por um, os soldados anões caíram de joelhos diante de sua Lança.

O resto de nós ficou em silêncio enquanto Mica observava seu povo. Ela fez uma careta, seus próprios olhos brilhando com a longa dor de ver seu povo trair Dicathen de novo e de novo. Mas, enquanto enxugava uma lágrima com a parte de trás do braço, sua expressão se suavizou em um sorriso triste.

Ela voou para o ar, tornando-se mais visível enquanto também era capaz de olhar para os soldados aterrorizados.

— Primeiro os Greysunders e depois Rahdeas… eles envenenaram nossas mentes com belas mentiras, prometendo-nos igualdade com os humanos e elfos, não, superioridade a eles. Mas o tempo todo eles estavam fazendo tudo ao seu alcance para garantir que eles fossem elevados, mas que seu povo, vocês, permanecessem na miséria. Vocês foram enganados! Traídos. Os Alacryanos só usam vocês, como ferramentas, como gado.

— Desde antes mesmo desta guerra começar, nossos líderes conspiraram contra nós, nos convenceram a lutar uns contra os outros e contra nosso próprio bem-estar. Mica… quero dizer, eu entendo. E… eu os perdoo.

Houve um momento de quietude e silêncio de todos os anões presentes para ouvir esta mensagem, lutavam para absorvê-la. Essa quietude foi quebrada um momento depois, quando uma linha de magos Alacryanos apareceu de cima, marchando em torno de uma torre de granito e descendo a estrada curva em nossa direção, escudos pairando na frente deles.

Mica conjurou seu enorme martelo de pedra e Bairon flutuou do chão, um raio crepitando ao seu redor. Varay voou atrás de nós, absorvendo tudo com um único olhar antes de pousar ao lado de Mica. As duas trocaram um aceno de cabeça, uma aura gelada vazou para congelar o chão ao redor de Varay.

Uma voz magicamente projetada explodiu pela cidade.

— Atenção, anões. Voltem para suas casas! Vildorial está sob ataque. Voltem para suas casas!

Antes que a voz parasse de ecoar, uma lança carmesim de energia disparou dos soldados que se aproximavam. Mas não estava mirada em nós.

Usei o Passo de Deus para entrar no caminho do feitiço e liberei uma rajada de éter que devorou o raio antes que ele pudesse atingir seu alvo: a mulher que aplaudiu nossa chegada. Depois de um momento de atraso, ela ofegou e tropeçou contra a parede de sua casa.

Ainda revestido com relâmpago roxo, saí para o centro da estrada e para longe das casas das pessoas, olhando para os inimigos que se aproximavam. Havia cerca de trinta grupos de batalha, todos homens e mulheres experientes, mas ainda vi alguns olhares temerosos em seus rostos. Era difícil dizer, mas pensei que alguns poderiam até ter estado no santuário durante o ataque lá.

Feitiços começaram a voar.

— Arthur!

Varay gritou, mas levantei a mão para as outras Lanças.

Empurrando o máximo de éter que pude para a barreira agarrada à minha pele, deixei os feitiços me atingirem. Pedras se romperam contra ela, fogo se espalhou e desapareceu, o vento se dispersou. Alguns dos feitiços mais fortes penetraram, me cortando ou queimando, mas o éter correu pelo meu corpo, unindo-se em torno das feridas, me curei mais rápido do que estava sendo ferido.

Depois de um minuto ou mais de barragem constante, o fogo mágico diminuiu, depois parou completamente.

O chão ao meu redor estava preto, queimado. A borda distante da estrada rachou em um fenda sinistra, e vários pedaços grandes de pavimentação caíram em direção ao nível inferior da cidade.

Vapor claro e fumaça escura se misturaram ao meu redor, vindos das pedras quebradas, obscurecendo-me na névoa.

Dei um passo à frente.

Um silêncio pesado e ameaçador pairava como uma nuvem de tempestade sobre a cidade. Por vários instantes, ninguém se mexeu. Então, um por um, os Alacryanos começaram a se mexer, olhando uns para os outros ou de volta para o lugar de onde tinham vindo. Os escudos tremeluziram enquanto os soldados que os conjuravam se esforçavam para se concentrar, as linhas retas e organizadas de homens vacilaram e se separaram, contrariando seu treinamento rigoroso.

Esperei até que a tensão estivesse quase pronta para explodir.

— Quem quiser viver, vá agora. Para o resto…—

Ativei o Passo de Deus, aparecendo no centro da força Alacryana e desencadeando minha intenção etérea.

— Só posso oferecer uma morte rápida.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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