O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 379 – O Vazio Além

 

POV ARTHUR LEYWIN

— Apenas confie em mim.

As palavras de Rinia ecoaram pela minha mente quando Taci e eu colidíamos com o portal. Ele inchou como a superfície de uma bolha, resistindo ao Asura e recusando a sua entrada.

A raiva queimava o medo que eu deveria ter sentido ao lutar contra um Asura. A única coisa que a limitava era a presença de meus amigos e família. Mesmo com a nuvem caótica de emoções, sabia que Rinia estava certa. Seria impossível derrotar Taci me preocupando com a segurança de todos em volta.

A superfície do portal se distorceu e nos envolveu, ondulando perigosamente. Podia sentir o éter tentando não se distorcer, simultaneamente procurando aceitar a mim e rejeitar Taci.

Vai quebrar. Hesitei, minha mente tentou achar outra solução.

— Regis, nós—

O mundo se despedaçou.

Fragmentos roxos de portal se espalharam em um crepúsculo etérico que se estendia por um espaço vazio sem limites. Como espelhos quebrados, refratavam a luz que vinha de todo lugar e de lugar nenhum.

Algo faminto e onipresente devorou cada fragmento brilhante, desintegrando-os de volta para éter puro e depois para o nada.

Pude sentir uma dor aguda de algo faltando, como se tivesse perdido um membro, mas não conseguia identificar essa dor.

Estava vagando, flutuando ou talvez caindo, mas não sabia onde e nem em quê.

O que eu estava fazendo agora?

Estava com raiva? Pelo menos parecia que antes eu estava. Agora me sentia apenas… deslocado.

Não, não faminto, considerei, minha linha de pensamento voltou ao algo onde eu estava vagando. Está bem ali, mas o quê…

Apertei os olhos, espreitando através da difusa luz ametista para uma sombra fantasmagórica abaixo de mim. Havia uma paisagem de dunas ondulantes vagando pelo mar de luz roxa, de um formato reconhecível. Familiar.

Instintivamente, minha cabeça se inclinou pra frente quando tentei voar para as dunas, mas não senti nenhum movimento, a paisagem familiar-mas-nem-tanto não se aproximou.

— O-onde estamos?

Uma voz tensa veio de trás, de algum lugar acima de mim.

Me virando sem pensar, meu corpo começou a girar e a figura de um jovem careca entrou em minha visão.

Minhas memórias se colidiram com o meu estado mental confuso como dois icebergs se chocando em mar aberto.

Dois sentimentos voltaram ao mesmo tempo. A euforia que eu tinha sentido quando finalmente encontrei um portal que já estava conectado à Dicathen esperando no final de uma ravina abaixo de uma zona cheia de dunas. E o terror e fúria quando, ao ativar o portal, vi uma lança perfurar minha irmãzinha…

Zonas e mais zonas haviam passado enquanto procurava, focando em Dicathen a cada vez que usava a Bússola, encontrando nada mais do que portais mortos que não estavam mais conectados a lugar algum.

Mas sabia que deveria haver pelo menos um portal de Relictombs em algum lugar de Dicathen. Só não entendia como procurar sem usar um mapa de memória como os que Sylvia havia deixado para mim.

Minha cabeça quase rachou de dor quando as memórias voltaram em uma bagunça enlameada e meio sem sentido.

Alaric havia ajudado com as preparações. Ele adquiriu a chave rúnica de portal. Comprou ou roubou uma coleção de itens que eu queria caso eu não conseguisse retornar à Alacrya.

Quando fiquei sabendo sobe o Victoriad, sabia que participar poderia expor a minha verdadeira identidade, o que significava que eu deveria me esconder. Só existia um lugar para ir: de volta a Dicathen. Para casa. Para minha família. Finalmente.

Tinha conseguido. Apenas alguns segundos tarde demais…

Estava lutado contra Taci e ouvi a voz de Rinia em minha mente…

— Apenas confie em mim.

Sua voz soou novamente, me trazendo de volta ao início da linha de pensamento.

Procurei pelas sombras roseadas das dunas, fixando minha atenção lá e a confusão me enrolava como uma teia de aranha gigante. Esta era a última zona que eu tinha passado antes de chegar em Dicathen. Um desfiladeiro enorme dividia o chão. O que restava do guardião da zona, uma hidra feita de vidro vivo e fogo líquido, ainda estava estilhaçado no chão.

As Relictombs eram programadas de alguma forma para não permitir a entrada de Asuras, mas este reino de éter era diferente, mais separado, talvez, das Relictombs que pareciam estar contidas por ele.

Nós provavelmente ricocheteamos nas Relictombs e acabamos neste espaço intermédio.

Enquanto olhava para o cenário mal iluminado, uma rajada de vento levantou a areia, passando pelas dunas com uma velocidade impossível e limpando todas elas. Quando a tempestade passou, a zona parecia ter… resetado. De volta ao estado de quando a encontrei. Podia ver a forma da hidra se contorcendo abaixo da beirada do desfiladeiro, esperando o desafio do próximo ascendente.

O que é—

A dor penetrante, a sensação de algo faltando, voltou com tudo, atraindo minha atenção para um vazio dentro de mim.

— Regis! 

Eu gritei mentalmente, procurando pela consciência do meu companheiro. Ele não estava em lugar algum.

Nossa conexão havia sido cortada.

Refiz meus passos mentalmente, de volta ao poucos segundos que eu tinha ficado em Dicathen. Regis ainda estava lá e eu tinha enviado ele para a Ellie, para fazer… não sei o que. Ajudar. De alguma forma. Vi a sua forma magra novamente, deitada na pedra fria, sangrando, e minha mãe com as mãos tão vermelhas, lutando para cura-la.

Precisava conter minha raiva. Perder o controle significava arriscar a morte de todos ali, incluindo a de Ellie e minha mãe. Toda a fúria que senti naquele momento voltou pra mim de uma vez, quando choque passou.

Não teria que me segurar aqui.

Antes mesmo de terminar de formar o pensamento, o éter coalesceu na forma de uma espada em minha mão direita.

Rangendo meus dentes e com o corpo todo tenso, me inclinei na direção de Taci. Mas não me movi.

A careta confusa de Taci lentamente se transformou em uma expressão furiosa, similar à minha.

— Onde estamos, Leywin? O que você fez?!

De repente ele estava na minha frente e sua lança escarlate, ainda mais vermelha agora, com o sangue de minha família e amigos, empurrou pro lado a minha arma e entrou em meu ombro. Peguei a haste da lança com minha mão livre e a usei como apoio para chutar Taci no peito, mandando-o girando pelo espaço.

Sua lança foi arrancada da ferida, deixando uma abertura sangrenta abaixo da minha clavícula. O sangue saiu em pequenos glóbulos, apesar do perigo que Taci representava, não pude deixar de observa-las flutuar pelo espaço vazio etérico.

O vermelho foi rapidamente imbuído com roxo quando as partículas de éter se grudaram nos glóbulos. A dor aguda em meu ombro se amenizou, percebi que o éter estava fluindo para dentro da ferida, a partir da atmosfera e não do meu núcleo. A ferida foi curada em um instante.

Puxando da atmosfera pela primeira vez desde que apareci aqui, o éter invadiu meu núcleo. A atmosfera não era apenas rica em éter. Era éter. Toda ela. Tudo. A presença devoradora que eu tinha sentido era um oceano infinito de éter ansioso para reabsorver a minúscula fração que havia sido transformada no Portal das Relictombs.

Taci estava me observando com cuidado, seus olhos se focaram no meu ombro onde a ferida havia sumido.

— O que você se tornou, Arthur Leywin?

Deixando sair um bufo, invoquei a relíquia armadura. Ondas de escamas obsidianas se aderiram ao meu corpo, se agitando contra minha pele quando reagia ao oceano de puro éter.

Minha mão esquerda avançou, com a palma virada pra frente, um cone de energia violeta queimou o espaço entre nós. Taci voou para trás, golpeando o éter com sua lança, mas o feixe o perseguiu, se contorcendo como uma cobra enquanto crescia mais e mais, uma torrente viva de éter ansiosa para devora-lo inteiro.

Sem ter um chão para se firmar, ele podia voar mas não podia usar a técnica Caminho Ilusório para se reposicionar. Ainda assim, sua mobilidade excedia em muito a minha, que parecia estar limitada a girar no mesmo lugar vagando lentamente pra longe do lugar onde nós tínhamos aparecido. Se eu quisesse ter alguma esperança contra ele, precisava descobrir como me mover.

Liberando a lâmina de éter, mas ainda me concentrando no fluxo de éter que serpenteava em minha mão, tentei sentir mentalmente ao meu redor. Voar seria o ideal, mas mesmo que eu só tivesse algo onde pisar…

Meus pés repousaram em algo sólido. Isso me pegou desprevenido, me desconcentrando da torrente etérica em minha mão. Olhei para baixo e vi uma plataforma pequena de energia levemente iluminada com um cinza arroxeado. Era perfeitamente lisa e irradiava um calor suave.

Isto é éter…

Minha cabeça se virou quando um clarão de movimento passou em minha visão periférica. A espada ametista veio à vida em minha mão a tempo de defletir um golpe que mirava em meu pescoço. Taci usou seu ímpeto para se chocar contra mim, me jogando para fora da plataforma em direção às dunas abaixo. Girei sem controle, navegando confuso pelo espaço vazio, mas parei de repente quando minhas costas bateram contra uma superfície sólida que vibrava.

Taci veio para cima de mim, sua lança pulava e golpeava tão rapidamente que não era nada mais do que um borrão vermelho. Os golpes vinham em uma sequência quase instantânea, já que o Caminho Ilusório acelerava não só o seu movimento, mas também os seus ataques.

Ficando de pé, defendi cada golpe do Asura com um próprio. Nós voltamos aos padrões que foram ensinados a nós há muito tempo atrás por Kordri, mas rapidamente ficou claro que o treinamento de Taci tinha ido muito além do meu, cada golpe dele contra-atacava com eficiência brutal. Se não fosse minha constituição Asura, ele rapidamente estaria em vantagem.

Taci sumiu. Deixei que meus sentidos se desfocassem, procurando pelos caminhos etéricos com a runa de Passo de Deus, mas… não haviam caminhos aqui.

Algo me atingiu como um aríete entre as escápulas. A armadura de relíquia mal conseguiu aguentar o golpe, eu fui jogado para a frente. Taci apareceu diante de mim, a longa lâmina alada de sua lança perfurou minha armadura logo acima do meu estômago, torcendo e rasgando as escamas.

Senti como se a lança houvesse impactado a casca duplamente reforçada do meu núcleo de éter. Uma ondulação repugnante passou por mim, fazendo cada átomo do meu ser recuar em puro horror. Senti uma dor chocante quando a ponta da lança bateu contra a armadura em minhas costas, sem a força necessária para penetrar completamente.

O pânico subiu em minha garganta como bile, eu voltei os meus sentidos para dentro, focando em meu núcleo.

Ele estava intacto.

Apesar da dor da minha ferida, o medo desapareceu, foi substituído por uma fúria gélida enquanto golpeava sua garganta com a lâmina da minha mão.

A lança desintegrou quando Taci se moveu para pegar o meu braço. Me virei, me livrando de seu aperto, então dei um murro em seu queixo, liberando uma explosão etérica diretamente em seu rosto. Seu braço envolveu o meu enquanto ia para trás e usava o impulso para me tirar do chão, girar, e me mandar voando.

No meio da confusão pela dor, percebi onde estávamos: dentro de algum tipo de barreira que encapsulava a zona das dunas. Era uma casca transparente que separava a zona da expansão etérica. No meio segundo que tive para considerar isso, minha mente se rebelou contra a ideia. As dunas pareciam infinitas quando vistas de dentro da zona, sem nenhum teto ou parede e ainda assim…

Taci pousou em minhas costas, me esmagando contra a casca. Senti o éter ser empurrado de lado quando levantou sua lança, ouvi o ranger de seus dentes quando rosnou pra mim, se preparando para enfiar a lança em meu crânio.

O éter estava correndo até mim. Meu núcleo estava cheio dele, a ferida em meu peito já estava curada.

Eu me afastei do “chão” tão forte quanto consegui conjurando a lâmina de éter em uma pegada invertida, golpeando atrás de mim.

A lança passou raspando na armadura ao redor do meu pescoço e Taci gritou em agonia.

Girei, alternando automaticamente a lâmina em minha mão para uma posição normal quando a levantei com a intenção de me defender, mas Taci estava a vinte metros de mim. Sua mão pressionava uma ferida sangrando em sua lateral, a metade do rosto estava queimada com um cinza escuro. Seu peito se movia rapidamente, acompanhando a respiração que sibilava por entre os dentes, seus olhos estavam esbugalhados.

Estralei meu pescoço enquanto o éter curava o hematoma que o golpe de Taci havia causado temporariamente.

— É a primeira vez que você teve que sangrar por causa das ambições do Lorde Indrath?

Com um grito cheio de raiva, Taci fez força e arremessou sua lança em minha direção. Ela voou como um relâmpago vermelho pelo céu roxo. Dei um passo curto e a deixei cortar o ar a menos de cinco centímetros do meu rosto.

Ela golpeou a crosta da zona como um martelo golpeia um gongo e acabou penetrando. Uma série de rachaduras saíram do local de impacto, ciscos roxos começaram a vazar e sumir na atmosfera.

Instintivamente, peguei a lança em minhas mãos e a soltei da concha. A haste se curvou em meu aperto enquanto flexionava, com a intenção de quebrá-la em dois, mas estava fortemente reforçada com mana. No instante seguinte, não estava segurando nada. A lança se desmaterializou e reapareceu na mão de Taci.

Uma espessa corrente de partículas de éter agora estava vazando do buraco que havia deixado na concha a meus pés.

Com a lança na mão, Taci voou para mais longe, apenas parando quando havia trinta metros ou mais entre nós.

— Seja lá qual for a besta mestiça na qual você tenha se transformado, Arthur Leywin, saiba que é minha honra desfazer você. — gritou através do vazio.

Então ele começou a se transformar.

Chifres largos e pretos romperam a pele acima de suas orelhas, crescendo e avançando até se cruzarem na frente de seus olhos, depois se fundindo em uma viseira plana que mascarava a metade superior de seu rosto. Dois pares adicionais de braços saíram para fora de seus lados, arrancando sua camisa e se esticando de forma sobrenatural. Sua pele bronzeada endureceu e se transformou em escamas douradas que brilhavam sob a luz roxa difusa. A ferida logo acima de seu quadril se fechou, a pele se fundindo novamente enquanto as escamas cresciam sobre ela.

Finalmente, quatro olhos, dois em cada lado de sua cabeça, se abriram, suas íris brilhantemente brancas parecendo olhar para fora em todas as direções.

— Veja do que um panteão, do que eu, sou realmente capaz. — menor.

Segurada em quatro mãos, a lança vermelha varreu pelo lado ao mesmo tempo em que o ar assobiava como pistões entre as escamas que alinhavam seus braços. Senti a distorção no éter quando o ataque foi projetado, faíscas etéricas escuras voaram da concha da zona.

Ativando o Passo Explosivo, me esquivei por pouco do ataque. Atrás de mim, houveram uma série de rachaduras agudas e repentinas e a abertura na casca começou a ceder para dentro, a própria barreira quebrando como uma casca de ovo.

Uma pequena plataforma de éter apareceu sob meus pés e carreguei meu corpo com éter antes de empurrá-lo com Passo Explosivo novamente, mirando em Taci. Mas ele se moveu tão rápido quanto eu. Desviando o golpe em seu coração com uma mão, o Asura agarrou meu pulso com outra e aproveitou a força do meu impulso para me golpear com o joelho no meu estômago.

Minha armadura flexionou e as costelas sob ela foram quebradas. Comecei a voar para trás, mas Taci ainda segurava meu pulso. Me parou e puxou sua lança para trás.

Usando-o como âncora, me virei e plantei meus pés contra seu peito, depois empurrei para fora, novamente ativando o Passo Explosivo.

Ele me soltou, mas minha perna gritou de dor na coxa quando sua lança perfurou minha armadura e quebrou meu fêmur. No final do Passo Explosivo, fui deixado flutuando no vazio, girando e derramando um rastro grosso de sangue da minha perna retalhada.

Doía como o inferno, mas o éter já estava inundando a ferida, puxando a carne de volta, a armadura selando sobre ela com a mesma rapidez. Enquanto eu girava, vi Taci lutando para recuperar o controle de seu voo, já que fora catapultado para longe de mim pela força do Passo Explosivo.

Então minha rotação trouxe a zona de dunas de volta à minha linha de visão.

Éter estava derramando de mil rachaduras através da superfície de sua casca, uma parte significativa da qual havia desmoronado. As dunas internas estavam se dissolvendo, a matéria sólida se quebrando em partículas de éter antes de ser explodida no vazio.

Minha pele ficou subitamente úmida com um suor frio enquanto observava as plumas violetas serem reabsorvidas na atmosfera. Inspirei uma respiração surpresa e encantada, meu coração batendo como um tambor ao perceber.

Pedra de Sylvie…

Quase peguei antes que a realidade da minha situação desabasse sobre mim, um instante antes que o próprio Taci fizesse o mesmo.

Nossos membros se entrelaçaram enquanto lançávamos como um meteoro em direção à zona em colapso abaixo, quatro mãos lutando para me agarrar ao mesmo passo em que as outras duas batiam a lança nas minhas costelas. A lâmina de ponta larga deslizou sobre as escamas negras com um grito metálico.

Convoquei a lâmina de éter em um dos meus pulsos presos e torci.

A luz violentamente roxa varreu um dos pulsos de Taci. As finas escamas douradas mudaram, mudando de ângulo para desviar o golpe; meu golpe não tinha força para atravessar.

O Asura zombou e me puxou para perto, a lança enrolada em minhas costas para me prender a ele, meus braços presos entre nós.

A cabeça de Taci recuou, então a placa de chifre sobre seus olhos bateu na ponte do meu nariz com um estalo. Estrelas explodiram em minha visão, depois piscaram em estrias roxas-pretas de dor quando Taci me bateu com a cabeça novamente. Mais senti do que vi ele se preparar para um terceiro golpe, mas algo colidiu conosco de lado, nos afastando um do outro.

Antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, bati no lado de uma duna, as areias douradas me engolindo.

Ao meu redor, podia sentir a matéria se quebrando e a magia que os djinn usaram para ligar e moldar a realidade falhando.

Ainda cambaleando com o último ataque de Taci, foi preciso me esforçar para emitir uma explosão de éter, destruindo a duna em que eu havia afundado. Encontrei Taci me esperando, flutuando na fronteira onde a zona ainda em colapso encontrou o vazio.

O mar de areia outrora interminável agora parecia pouco mais do que uma ilha no vazio roxo. A casca era visível de dentro da zona agora, o céu não mais azul vibrante mas um azul púrpura escuro com rachaduras brilhantes correndo através dele. O desfiladeiro contendo a hidra e o portal de saída já havia se dissolvido, deixando apenas este trecho de dunas e a moldura do portal de entrada da zona, que ficava em um vale no centro.

Droga, pensei, sentindo-me pálido.

Aquele portal parecia a única maneira de sair deste lugar. E a zona estava desmoronando rapidamente ao redor dela. Não tinha certeza do que aconteceria quando toda a zona se fosse, mas eu sabia que não seria bom.

Pequenas plataformas apareceram seguindo a minha vontade enquanto subia no ar em direção a Taci.

Não havia muito tempo, mas eu não podia ativar o portal e arriscar que ele passasse por ele comigo.

— Você deve ter realmente me odiado naquela época para nos levar a esse ponto.

Disse, me dando um segundo para pensar.

Taci zombou, um som que parecia o de pedras quebrando.

— Você não tem nada a ver com minha missão atual. Embora este tenha sido um encontro interessante, matá-lo trará uma certa redenção para o insulto de ser forçado a treinar ao seu lado quando criança, você não me impediu de fazer o que meu senhor ordenou.

— Tem certeza?

Ergui uma sobrancelha para ele, sorrindo ironicamente.

— Você não sabe onde está ou como sair. Mate-me ou não, minha família e amigos estão a salvo de você. Você está preso aqui, Taci. Para sempre.

A boca de Taci se curvou em uma carranca profunda.

— Você está mentindo. Você só está tentando se salvar, porque sabe que não pode me derrotar.

Eu bufei zombeteiramente.

— Admito, realmente acreditei na mística dos Asuras, ainda pensando em você como deuses. Mas a verdade é que você é apenas uma criança assustada e Lorde Indrath é um covarde míope.

A lança de Taci brilhou e eu usei o Passo Explosivo, subindo ao topo de uma duna vizinha. A colina que deixei para trás explodiu em uma chuva de areia, cortada completamente em dois. A lança brilhou novamente e eu me esquivei, depois de novo e de novo, cada golpe esculpindo o pouco que restava da zona.

Ativei o Passo de Deus.

Dentro da zona, meus sentidos se iluminaram quando todos os caminhos de ametista conectando todos os pontos a todos os outros ardiam intensamente aos meus sentidos. Mas eles estavam instáveis, desmoronando ao lado da zona, os pontos mudando e desaparecendo enquanto os segurava em minha mente.

Pisei neles de qualquer maneira.

E apareci bem na frente de Taci.

Seus olhos desumanos se arregalaram de surpresa, mas conseguiu levantar a lança para se defender quando uma lâmina apareceu em minha mão. Golpeei em direção a ele, fazendo com que movesse sua lança para aparar o golpe, mas deixei a lâmina se dissolver no último momento, usando a força do meu movimento para atingi-lo no peito.

A lança subiu e girou, mas o Passo de Deus me levou atrás dele. As escamas douradas mudaram novamente, parecendo me seguir, seus quatro olhos oferecendo-lhe uma linha clara de visão em todas as direções.

Meu joelho golpeou sua parte inferior das costas, meu cotovelo desceu na base do pescoço e eu usei o Passo de Deus novamente, aparecendo logo atrás do arco de sua lança. Éter correu para o meu punho, soltando como uma explosão quando o atingi logo abaixo das costelas a força disso me afastando.

Mas apareci novamente ao lado de Taci, agarrando dois de seus braços enquanto eu golpeava com meu cotovelo em seu queixo e empurrava a parte de trás de seu joelho com um pé. Usando o impulso de minha própria queda perpétua junto com as mudanças sutis que meus golpes e chutes criaram, girei pelo ar, conjurando uma lâmina de éter e levantando-a sob seus braços.

Dois punhos me bateram ao mesmo tempo, fazendo-me cair para fora da atmosfera limitada da zona e para o espaço etérico que a cercava.

Uma parede vertical se formou para me proteger, bati nela com força suficiente para quebrá-la.

Me virei, procurando por Taci. Ele estava olhando para o lado direito, onde todos os três braços flutuavam ao lado dele, conectados ao corpo apenas pelas correntes de sangue que jorravam das articulações e membros cortados.

Mas depois dele, vi o que restava da zona. A moldura do portal ficava no centro de uma ilha de apenas nove metros de diâmetro, areia dourada derramando das bordas quebradas se transformando em partículas de éter roxo.

Empurrando contra a plataforma rachada, usei o Passo Explosivo novamente, apontando para a ilha, minha mente inteira focada em alcançá-la antes que ela desmoronasse completamente. As palavras da projeção do djinn voltaram para mim e o éter reagiu ao meu pensamento, parecendo se envolver ao meu redor, me levantando, me empurrando e depois me acelerando em direção ao meu objetivo.

Mãos fortes agarraram meu tornozelo e quase parei. Olhando por cima do ombro, percebi que estava rebocando Taci atrás de mim, duas de suas mãos restantes segurando-me enquanto a terceira espetava com a lança. Ela deslizou pelo quadril, depois novamente pelas minhas costas, minha armadura queimando com éter enquanto absorvia os impactos e virava a lâmina para o lado.

Golpeei na direção dos pulsos dele e ele recuou para evitar perder mais membros. Voltando para o portal, corri para a frente novamente, voando pelo éter como se tivesse asas.

A ilha encolheu diante dos meus olhos. 5 metros de largura, 3 metros. Éter fluiu para a minha runa de armazenamento a Bússola aparecendo na minha mão. Dois metros e meio. Infundindo a bússola com éter e vontade, a torci em dois. Dois metros de terra permaneceram sob a estrutura do portal, que estava crescendo distorcida em torno das bordas, o éter lutando para manter sua forma.

Concentrando-me na Bússola e na câmara onde encontrei Ellie e mamãe, diminuí a velocidade apesar da vontade de me mover cada vez mais rápido. A luz roxa começou a brilhar dentro da moldura de arenito, apontando para uma vista através do portal.

Vi Virion ajoelhado ao lado de Rinia, com lágrimas no rosto. Mamãe estava lançando feitiços sobre minha irmã, seus olhos secos, seu rosto determinado. Meu coração disparou enquanto absorvia a vermelhidão das bochechas de Ellie, a subida e descida de seu peito. Ela estava viva.

Sentado diretamente em frente ao portal estava Regis, preocupação gravada em suas feições lupinas, o fogo de sua juba acenando em agitação.

Havia apenas trinta centímetros de chão restante em ambos os lados do portal enquanto me arremessava em direção a ele.

Uma faixa de vermelho perfurou a moldura do portal. O arenito explodiu para fora e a janela de cor púrpura ondulou, desbotou e estalou com um som como alcatrão fervente. Pousei nos destroços um instante depois. Ao meu redor, o que restava da ilha se dissolveu, depois os restos da estrutura do portal e, finalmente, os últimos fragmentos de casca dura de éter que continham a zona.

Estávamos presos no vazio, nada além de nós dois, pelo que pude ver.

— Você vai ficar aqui comigo, menor.

Disse Taci, suas três mãos restantes segurando os tocos cortados em seu corpo.

Enquanto observava, os chifres recuaram de volta para a cabeça de Taci, o resto de seu corpo revertendo para sua forma original um instante depois. Ele parecia pálido e fraco enquanto pendia para o lado, sem um braço, o buraco sangrento em seu ombro brilhando com mana para amarrar a ferida. E ainda assim, de alguma forma, manteve sua arrogância frustrante.

Seu lábio se curvou em um sorriso de escárnio, seus olhos procurando, cavando os meus.

— Devemos ser dois imortais, lutando pela eternidade neste reino exterior?

Balancei a cabeça, desejando que o éter me levasse lado dele para que eu pudesse olhá-lo nos olhos.

— Não há mana aqui, não é? E você gastou toda a que tinha mantendo essa forma. Não tenho que lutar com você para sempre, Taci. Na verdade, não tenho que fazer nada.

Olhei para ele de cima a baixo.

— Sem maneira de reabastecer sua mana, seu corpo se consumirá. Você já está morto e sabe disso.

A fachada de sua confiança arrogante rachou e, por um instante, era apenas um menino, um garoto aterrorizado que não estava pronto para morrer.

Então a lança apareceu em um brilho escarlate, ele apontou para o meu núcleo.

— Então eu não vou me segurar.

Uma grande plataforma de éter se formou sob nós. Coloquei meus pés nela. Vendo minha intenção, Taci fez o mesmo, sua lança pressionada e para a esquerda. Conjurei uma lâmina na minha mão direita e posicionei meus pés.

— Pelo Lorde Indrath, que ele reine para sempre sob o sol dourado. — disse Taci com orgulho.

— Não se eu puder impedir.

Éter inundou todos os pontos do meu corpo, preparando-o para Passo Explosivo. Os olhos de Taci se estreitaram. Então estava me movendo.

Taci não havia se adiantado para me encontrar. Em vez disso, recuou, seus olhos me rastreando mesmo no meio do Passo Explosivo, sua lança se movendo para me pegar.

Soltei minha lâmina de éter e ativei o Passo de Deus. Não havia caminhos, nem tempo para procura-los, mesmo que existissem, mas o espaço ao meu redor se deformava, puxando-me para dentro e através da distorção, apareci atrás de Taci, um relâmpago etérico envolvendo meus membros.

Infundindo a lâmina da minha mão com éter, me virei e bati em Taci na base de seu pescoço, exatamente onde ele encontrava seu ombro. Houve um estalo alto quando seu corpo se dobrou para dentro.

A lâmina de éter, que eu havia liberado enquanto ainda avançava, voou por cima de Taci. Peguei na minha mão livre e mergulhei-a entre as omoplatas dele. Seu corpo estava girando, a lança rodando para golpear para trás, mas ela escorregou de seus dedos quando caiu em um joelho, seus olhos negros olhando para mim em desespero.

— Você quer saber no que eu me tornei?

Perguntei, enfiando minha lâmina no pescoço dele.

— Matador de Deuses é um nome apropriado.

Taci tossiu, borrifando sangue sobre a plataforma, depois desabou e ficou imóvel.

Descartei minha armadura e depois a plataforma, liberando o corpo de Taci para flutuar no vazio. O observei flutuar por alguns segundos até que o rosto de Taci se virou na minha direção e encontrei seus olhos grandes e mortos, congelados neste último momento de surpresa.

Então me virei, recusando me alegrar com a morte dele. Apesar de tudo o que Taci fez, ele ainda era apenas uma ferramenta para Kezess.

A lança carmesim flutuava por perto, com sua lâmina alada delineada em uma névoa cintilante, o éter no meu sangue era reabsorvido na atmosfera. A tirei do vazio e enviei para a minha runa dimensional, sabendo que uma inspeção adequada teria que esperar.

Depois disso, não pensei mais em Taci ou sua arma, afastando-se de seu corpo para examinar o vazio infinito ao meu redor.

Imediatamente, notei um desvio na coloração da atmosfera exatamente onde o portal de saída estava, como uma mancha no céu escuro. O éter ali flutuava, ondulando como água.

Corri para ele, estendendo a mão e apenas deixando as pontas dos meus dedos escovarem a superfície. Uma sensação de formigamento como eletricidade estática percorreu meu braço e fez meus dentes coçarem.

Algo o estava forçando a abrir, segurando-o para mim. Empurrei minha palma contra a distorção, mas ela resistiu. Havia uma conexão com Dicathen, podia sentir, mas o portal em si havia sumido. Isso era mais como…uma cicatriz.

— …thur. Você… merda, é melhor você não estar morto ou eu mesmo vou te matar.

Um sorriso cansado se espalhou pelo meu rosto quando ouvi o som da voz de Regis na minha cabeça, ecoando ao longo da cicatriz.

— Regis. Você manteve o portal aberto. Como?

Eu praticamente o ouvi zombar.

— Sim, eu sou incrível, os detalhes realmente não importam agora, porque…

Sua voz mental estava tensa, como se estivesse segurando um grande peso.

— … não posso manter isso aqui por muito mais tempo. Você precisa de…

Os pensamentos de Regis sumiram, senti a distorção vacilar quando ela desapareceu perceptivelmente diante dos meus olhos.

Quase sem querer, conjurei o ovo iridescente de Sylvie da minha runa dimensional. Era quente ao toque e praticamente vibrava na presença de tanto éter. Havia mais do que o suficiente aqui para trazê-la de volta, eu sabia. Mas—

Um pico de pânico surgiu em mim. Não vinha de mim, mas de Regis. Ele não conseguia segurar a cicatriz do portal no lugar por mais tempo.

Apertei o ovo.

— Eu voltarei, prometo.

O ovo voltou para a minha runa enquanto encarava a cicatriz, alcançando-a com as duas mãos, pressionando-a com toda a minha força mental e física, desejando que Regis me ouvisse.

Segundos se passaram. Empurrei com mais força, sentindo o tecido da realidade tremer sob minhas mãos. A luz dourada me inundou quando o Requiem de Aroa foi ativado, os motes dourados escorrendo pelos meus braços e entrando na cicatriz.

Os pensamentos de Regis vieram a mim claramente quando a conexão moribunda de repente se fortaleceu.

Não havia palavras, mas uma projeção mental do que ele estava vendo: uma dúzia de magos trabalhando para tirar outros de escombros, dezenas mais apenas olhando para Regis, bocas abertas e lágrimas escorrendo por seus rostos.

Me concentrei em Ellie e na mamãe. Enxerguei o espaço até eles, imaginei a teia de caminhos etéricos interligados ligando cada ponto entre nós.

Ativei Passo de Deus.

Paredes de névoa ametista e relâmpagos violetas passaram rapidamente. Meu núcleo balançou quando a realidade se deformou ao meu redor.

Então meus pés tocaram solo sólido.

Lentamente, como acordar de um sonho longo e profundo, abri meus olhos.

A câmara do portal havia entrado em colapso. A poeira estava pesada no ar, tingida com o cheiro de cobre do sangue derramado.

Uma presença calorosa flutuou nas minhas costas e se instalou perto do meu núcleo.

— Bem-vindo de volta. Você pode cuidar das coisas daqui em diante, certo?

Minha irmã estava olhando para mim da borda do estrado que apoiava a moldura do portal. Seu rosto manchado de sangue e poeira se contraiu de uma emoção para outra, a confusão afastando a dor persistente e uma tristeza perturbada. Sob tudo isso, porém, havia um vislumbre esperançoso.

— I-irmão? É você mesmo?

Senti minha expressão amolecer e meu corpo relaxar.

— Ei, El. Já tem um tempo que não te vejo.

Lágrimas explodiram de seus olhos quando pulou e bateu em mim, me envolvendo em um abraço desesperado.

Abracei Ellie de volta, apertando-a com força e levantando ela do chão. Quando a coloquei de volta, olhou para mim, suas bochechas salpicadas com lágrimas. Ela tinha crescido tanto. Havia uma profundidade e maturidade em seus olhos castanhos em forma de amêndoa que eu não me lembrava antes, ela estava magra e atlética, como meu pai em sua juventude.

Ela franziu a testa ligeiramente e arrancou um fio do meu cabelo pálido.

Então me deu um soco no braço o mais forte que pôde.

— Pensei que estava morto!

Meu sorriso vacilou, a puxei de volta para um abraço, uma mão dando tapinhas na nuca dela. Olhei por cima dela até onde minha mãe tinha ficado. Ela estava pálida e tremendo, os olhos arregalados, a boca aberta. Ela parecia magra e fraca, como se tivesse murchado nos meses desde que a vi. Mas ela ainda era minha linda mãe.

Sorri para ela do jeito que o papai fazia.

— Oi, mãe. Estou de volta.

Como se as palavras tivessem roubado o resto de sua força, ela caiu de joelhos, as mãos indo para o rosto enquanto soluçava.

Dezenas de outras pessoas se levantaram ou se sentaram ao nosso redor, todas empoeiradas e cobertas de sangue. Mas meus olhos se fixaram em Virion, que me deu um leve aceno de cabeça antes de olhar para a pessoa em seus braços.

A Anciã Rinia, seu corpo rígido e obviamente desprovido de vida. Ela tinha esgotado o resto de sua força vital para trazer essas pessoas aqui, onde eu poderia protegê-las.

Meu olhar voltou para Ellie, tremendo em meus braços.

— Estou de volta.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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