O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 375 – Escolhas

 

POV VIRION ERALITH

Minhas botas pareciam pesadas como se estivessem cobertas com lama grossa e cada passo pelos corredores vazios eram lentos e arrastados. O peso do meu confronto me deixou de ombros caídos e com as têmporas doendo. A reunião inesperada, ou melhor, a minha resposta a ela, já estava rodando na minha cabeça enquanto reconsiderava cada palavra e frase, com receio de não ter conseguido articular meus pensamentos de forma clara.

Quando cheguei até meus aposentos, me virei para fechar a porta, e reparei que Bairon tinha me seguido e estava agora no corredor me observando com cuidado. Sua presença era reconfortante, não pude deixar de lembrar do caminho pelo qual nosso relacionamento havia progredido. Nunca tinha gostado do Lança humano, o considerava interesseiro e egocêntrico. Muitas vezes eu o teria dispensado, se tivesse poder para isso, ou talvez o enviado para algum tipo de purgatório, fazendo alguma tarefa humilhante e sem importância.

Em algum momento, no entanto, em nossos longos dias no santuário oculto dos magos antigos, me ocorreu que esses traços talvez não fossem intrínsecos ao Bairon, mas sim produzidos pela sua família ou pelos Glayders. Seja pela ausência deles, sua própria experiência de quase-morte, ou a falha das Lanças em proteger Dicathen, Bairon tinha mudado de alguma forma.

Agora, estava ao meu lado no conselho, tinha uma cabeça fria e mãos firmes. Ainda orgulhoso, talvez, mas não presunçoso como ele era antes.

— Comandante?

Me assustei, percebendo que eu estava encarando-o como um velho babaca por vários segundos.

— Bairon. Já expressei minha gratidão por sua ajuda em nesses últimos longos meses?

Ele me olhou, incerto.

— Senhor?

— Coisas como um simples “obrigado” são frequentemente esquecidas em tempos de crise. — disse.

— Já que eu provavelmente não disse o suficiente, obrigado pelo seu serviço a Dicathen.

Ele tirou o cabelo loiro da frente de seus brilhantes olhos verdes, característicos da família Wykes.

— Tais coisas não precisam ser ditas entre homens como nós, Comandante.

Dei uma risada irônica.

— Talvez eu já tenha pensado o mesmo no passado, mas estou muito velho e cansado para me importar com orgulho masculino.

Os lábios de Bairon tremeram, mas não respondeu.

— Agora, deixe um velho elfo descansar.

O Lança hesitou, com uma careta, então disse:

— Você tem certeza disso, Comandante?

Só pude oferecer a ele um gesto incerto com os ombros.

— Nós não tivemos um rei ou rainha que não tentaram jogar seu povo para as feras, em seu próprio benefício. Não nessa guerra. Talvez… talvez o tempo para governantes esteja no passado. As pessoas precisam escolher por si mesmas como elas irão morrer.

Bairon abaixou a cabeça, se curvando, deu uma meia-volta brusca antes de sair marchando. Enquanto eu o olhava, considerei o quão separados, e até mesmo solitárias, nossas obrigações nos deixaram.

Bairon, pouco depois de recuperar suas forças, tinha ido até o que sobrou de sua família, esperando que pudesse ajuda-los a fugir de Xyrus até o santuário. Com o seu nível de poder, teria sido uma tarefa fácil, mas não estava preparado para o que viu em Xyrus.

Não foram os Alacryanos, que rapidamente chegaram em peso depois de tomar controle dos portões de teletransporte no castelo flutuante, os responsáveis por atrasar sua tarefa, mas sim sua própria família.

Os Wykes eram uma casa poderosa e renomada. Eles poderiam ter convocado as outras casas e organizado uma defesa da cidade. Ao invés disso, foram uns dos primeiros a jurar serviço a Agrona, provavelmente em algum esforço imediatista para cair nas graças dos invasores. Bairon foi pra ajudar sua família a escapar, mas ao invés disso, os encontrou trabalhando ativamente com os Alacryanos para suprimir quaisquer grupos de resistência que sobreviveram.

Retornar de mãos vazias tinha quase quebrado seu espírito novamente. Eu ficava imaginando se o velho Bairon, a pessoa que era antes da nossa derrota nas mãos das Foices, teria sequer voltado. Até tremo ao pensar no que teria acontecido conosco, caso tivesse seguido a sua família ao invés de mim.

Quando virou no corredor e saiu do meu campo de visão, fechei a porta com calma e me sentei à minha mesa. Com os cotovelos descansando na superfície, segurei o rosto em minhas mãos.

Saber que os Asuras, nossos aliados, haviam destruído Elenoir tinha sido um golpe pesado para nossa moral. Sabia que aceitar a proposta de Windsom seria arriscado, mas concordei com ele ao considerar que a verdade teria quebrado completamente nosso espírito. Ainda considerava que isso estava certo, apesar de que eu não podia deixar de questionar minha decisão, agora que a verdade havia sido revelada através de fofocas e sussurros.

Por entre meus dedos, olhei para as três longas caixas que estavam em cima da mesa. Cautelosamente, estendi a mão e destranquei a primeira caixa, então abri sua tampa. A gema lavanda do bastão brilhava, corri meus dedos pelo couro rico da empunhadura. Houve um estralo de energia e os pelos no meu braço ficaram em pé.

Os artefatos haviam me dado esperança, e eu tinha a expectativa de que meu povo, tanto o meu povo, os elfos, quanto todos aqueles sob meus cuidados no santuário, compartilhassem dessa esperança. O tempo de Windsom não poderia ter sido melhor. Com os artefatos em mãos, tinha todas as ferramentas necessárias para suavizar o choque e desespero que todos nós sentíamos e mostrar a eles um futuro onde tínhamos a força para sermos vitoriosos.

Talvez tinha sido um erro não prever o envolvimento de Rinia. Mas no fim das contas, eu não era o vidente.

Rindo sombriamente, pressionei as palmas das mãos com força nos olhos para aliviar a pressão que aumentava ali. Já estava me perguntando se a minha oferta para permitir uma votação sobre o uso dos artefatos tinha sido um ato de sabedoria ou de fraqueza.

Essa era uma pergunta que eu havia me feito muitas vezes antes e era quase reconfortante pensar que eu nunca saberia a resposta.

Julgar a exatidão de minhas ações seria deixado para as gerações futuras. Se houvesse alguma geração futura. Se o que Rinia disse fosse verdade, se ela tivesse previsto catástrofe e destruição em todo o continente, talvez não chegaríamos a ter um futuro. Mas então, qual era a alternativa? Parecia que a escolha era que ficássemos fortes o suficiente para nos destruir na luta ou sermos destruídos porque éramos fracos demais para revidar.

E isso, suponho, é exatamente o motivo pelo qual eu pedi a votação.

Essas pessoas não deveriam ter o poder de escolher o seu próprio fim? Eu tinha comandado por muito tempo, havia enviado muitas pessoas para a morte e já estava muito velho para suportar o peso dessa decisão por conta própria.

Pegando uma chave do meu cinto, destranquei a única gaveta da mesa e a abri com um barulho áspero de pedra sobre pedra. Empurrando itens para fora do caminho até que encontrei o que eu estava procurando, cuidadosamente retirei uma esfera de cristal com cerca de vinte centímetros de diâmetro.

O artefato, apesar de valioso pra mim, era algo que usava com moderação, tentando seguir em frente. Mas me vi cada vez mais dependente dele, usando-o para escapar de volta para um momento melhor em minha vida.

A esfera girou com uma luz enevoada, que parecia ficar agitada quando a coloquei na mesa, segurando-a com uma mão para garantir que não rolasse e se despedaçasse.

— Lania…

Sussurrei, olhando profundamente para a luz turbilhonada.

Ao som da minha voz, uma imagem brilhante começou a se formar… um rosto, moldado de luz líquida. Era o rosto mais bonito que eu já tinha visto, um que eu não via pessoalmente há muitos, muitos anos.

Minha esposa sorriu para mim de dentro da esfera da memória.

— O rei dos elfos não deveria parecer tão triste. Qual é o peso que arrasta os cantos de seus adoráveis lábios para baixo?

A voz na esfera era dela, mas continha um eco sutil, como se estivesse ressoando ao longo dos anos e estivesse me alcançando de longe e há muito tempo.

Minha própria voz, embora muitas décadas mais jovem, soou da esfera em resposta.

— Sinto muito. A guerra… durou muito tempo. Tempo demais. Comecei a questionar o preço que pagamos. Estou com medo, Lania. Com medo de que isso me deixe fraco.

— Não, meu amor. Você não é uma pessoa fraca. Você é corajoso e bonito.

— Bonito, é?

Meu eu mais jovem respondeu com um bufo. Embora a memória fosse do meu próprio ponto de vista, podia imaginar o elfo que falava, um homem mais jovem, com rosto ainda não enrugado e ombros não dobrados pelos fardos do comando. Uma lágrima percorreu o caminho das linhas de riso que ela me deu.

— Esse não é exatamente o tipo de elogio que os reis esperam ouvir.

— Mas é verdade, agora e sempre. Por dentro e por fora, você é um homem bonito e você viveu uma vida linda. E eu sempre te protegerei.

Outro bufo saiu do meu eu passado, mas me lembrei da maneira como meu rosto se suavizou enquanto olhava para ela com carinho.

— Você não quer dizer que eu sempre vou te proteger?

— Não, meu amor.

Sua mão se levantou para acariciar minha bochecha, podia praticamente sentir a suavidade das pontas de seus dedos contra minha pele.

A imagem voltou a ser apenas um redemoinho de luz enevoada.

Sentei-me curvado sobre a esfera de cristal, olhando para minhas mãos enrugadas através de sua superfície transparente.

Essas mesmas mãos estariam aqui se não fossem os presentes da minha esposa?

O destino de Dicathen teria sido melhor sem mim nele?

Sentindo-me mais vazio agora do que antes de usá-la, empurrei a esfera da memória de volta para minha mesa antes de me afastar.

— Maldita visão de futuro.

Amaldiçoei, desgostoso que toda a minha vida parecia quase inteiramente definida pelas visões de videntes.

Quer fosse um dom ou uma maldição, pensava, como tinha feito muitas vezes antes, que era melhor que fossemos deixados para nossos próprios meios, navegando nossas vidas da melhor maneira possível dentro do alcance de nossa própria visão e previsão, em vez de confiar em imagens de futuros que podem ou não acontecer. Mesmo o mais sábio de nós poderia enlouquecer tentando decifrar os caminhos ramificados impossíveis que estavam à frente de cada elfo, humano ou anão.

Mas tinha visto em primeira mão o quão pesada tal visão era naqueles que a possuíam. A responsabilidade do conhecimento é, em muitos aspectos, ainda mais pesada do que a do comando. Não importa quantas vezes implorei para minha esposa parar de olhar para frente e tentar me proteger às custas de sua própria vida, ela não podia. Se algo tivesse acontecido comigo quando estava em posição de evitar, isso a teria quebrado.

Mas ela já considerou como seria minha vida sem ela?

Rinia sempre entendeu minha amargura em relação ao seu dom. Quando a guerra entre humanos e elfos finalmente terminou, ela não se ofereceu para usar suas habilidades para me ajudar a liderar. Depois do que aconteceu no castelo voador, no entanto… era difícil perdoá-la por não compartilhar o que ela havia previsto antes.

— Seu velho hipócrita

Murmurei para mim mesmo, de pé e começando a andar ao redor da pequena sala quadrada.

O arrependimento formigou no meu peito. Ver Rinia, que parecia ainda mais velha e desgastada do que me sentia, realmente demonstrou o quanto de si mesma ela havia sacrificado nos últimos meses. Ela estava seguindo o caminho da minha esposa, sua irmã, mas eu não a agradeceria por isso. Ainda assim, tinha que acreditar que ela tinha feito isso com propósito e tinha escolhido aparecer novamente com um objetivo.

Eu seria um tolo se desconsiderasse tudo o que ela disse.

Me movi para a janela e me inclinei contra o peitoril com um suspiro trêmulo. Abaixo, uma família de elfos estava trabalhando no jardim de cogumelos ao lado da Prefeitura. Três pequenos elfos correram e saltaram pelo jardim, apontando cogumelos para o pai. A cada um, ele se abaixava para ver se o cogumelo estava pronto, então o pegava ou explicava às crianças por que não estava pronto…

Me perguntei o que ele fazia antes de vir para este santuário. Ele tinha sido um soldado? Ou um lenhador? Talvez tenha sido um cozinheiro. Estava curioso em saber o que ele pensava sobre os artefatos e ainda mais sobre se ele queria ou não ser responsável pela decisão que seria tomada em três dias.

Porque, independentemente de seus próprios desejos, espera-se que este homem empreste sua voz à decisão. Eu tinha colocado essa pressão sobre ele.

Teria sido um ato de sabedoria que me levou a fazê-lo?

Estava com medo de que, no fundo, eu tivesse tomado essa decisão simplesmente por estar cansado. Eu não queria carregar esse fardo sozinho, não quando o futuro de toda a minha raça estava em jogo.

Não quando ficamos sozinhos entre os grandes poderes dos clãs Vritra e Indrath.

 

POV WINDSOM

Muito abaixo, a aldeia do santuário estava repleta de menores. Algumas centenas, pelo que sei, todos amontoados no centro da cidade subterrânea. Se eu fechasse meus olhos e empurrasse mana para meus ouvidos, podia ouvir suas brincadeiras confusas, como um campo de auroques mugindo.

Foi com uma pontada de decepção que eu soube da recusa de Virion em relação aos artefatos dos quais ele estava tão ansioso para se apropriar. De uma perspectiva externa, parecia que ele se dobrou no momento em que seu povo descobriu a realidade da destruição de Elenoir pela técnica Devoradora de Mundos.

A mentira nunca foi feita para durar para sempre, mas simplesmente para ganhar tempo para o próximo estágio do plano de Lorde Indrath começar. Uma Dicathen sem esperança era inútil para o meu senhor. Até ofereci a Virion várias sugestões sobre quais entre seu povo deveriam ser os primeiros a serem ungidos pelos novos artefatos. Ele poderia ter começado esse processo a qualquer momento nos últimos três dias e magos como os Glayders, Earthborns ou mesmo o Lança Bairon Wykes já estariam desfilando na frente dessas pessoas como faróis de esperança.

De certa forma, isso tornou o colapso imediato de seu julgamento quase pessoal. Todas as nossas longas conversas, todos os meus conselhos e orientações, foram abandonadas em um instante.

Foi decisão de Aldir colocar Virion como comandante das forças conjuntas de Dicathen, quando a guerra começou a sério. Aldir o via como um homem digno de tempo e treinamento, mas esse fracasso era um grande lembrete de que todos os menores tinham limites e parecia que Virion estava atingindo o dele. Com vida curta e visão ainda mais limitada, os menores não tinham nenhum conceito da verdadeira passagem do tempo ou do que estava em jogo além de suas próprias vidas.

Tanto tempo desperdiçado, pensei, cheio de irritação agarrada a mim como poeira de estrada depois de uma longa viagem.

Como emissário em Dicathen, muito da minha vida havia sido gasto cuidando do continente, garantindo que a civilização dos menores não implodisse antes de ser totalmente estabelecida. Embora eu não tivesse expressado o pensamento ao meu mestre, estava ansioso para que essa guerra finalmente terminasse, para que eu pudesse buscar um papel mais alto na corte.

Claro, dependendo do que Virion e seu povo decidissem, meu serviço a eles poderia acabar mais cedo do que eu imaginava.

Meu corpo se derreteu em escuridão de tinta, transformando-se na forma de um gato preto e pulei da borda que estava observando, saltando de pedra em pedra até chegar ao caminho que levava à cidade.

Talvez eu devesse ter lidado com a vidente anos atrás, pensei, frustrado com a intervenção de Rinia Darcassan. Ela foi a única entre os menores que entendeu o propósito de Lorde Indrath claramente, embora estivesse cega pelo sacrifício pedido a Dicathen em vez de ver o bem que fariam cumprindo seu papel.

Cheguei aos arredores da congregação antes do início da reunião. O sussurro distorcido da multidão se dividiu em vozes individuais enquanto eu me aproximava. Cada voz expressava uma opinião, e cada opinião contrária a outra, criando um pântano incompreensível e sem direção. Como as decisões poderiam ser tomadas de tal maneira estava além do meu entendimento.

A praça estava cada vez mais lotada com menores, então deslizei entre as pernas deles e pulei em uma pequena borda saliente do lado de um edifício de pedra moldada. Imediatamente me arrependi do meu lugar de escolha quando uma criança tentou agarrar minha cauda. Não houve tempo para ir para outro local, porque senti algo mudar na multidão.

Do outro lado da praça, as portas da Prefeitura se abriram e Virion apareceu, carregando um dos artefatos em forma de vara que Lorde Indrath havia presenteado. A Lança humana caminhava logo atrás dele, segurando um segundo, com a joia azul e prata, enquanto um anão loiro agarrava o terceiro, que foi forjado em ouro e tinha uma joia vermelha, como se fosse uma serpente venenosa.

O barulho da multidão foi se acalmando quando perceberam que seu comandante agora estava presente. Ele simplesmente observou as pessoas, que enchiam a praça e todos os becos próximos, alguns até se inclinando para fora das janelas ou se reunindo nos telhados baixos. Quando toda a caverna ficou em silêncio, ele começou a falar.

— Dicatheanos. Obrigado por estarem aqui hoje. O assunto diante de nós é de extrema importância para cada alma dentro deste refúgio e é essencial que cada voz seja ouvida enquanto determinamos como avançar como um coletivo.

Virion fez uma pausa, permitindo que algumas conversas morressem.

— Eu seguro em minha mão um artefato capaz de avançar um mago para o núcleo branco, ou até mesmo além. Esse poder está sendo dado a nós para que possamos finalmente estar em pé de igualdade com nossos inimigos.

Houve alguns aplausos e gritos de pergunta. Achei a falta de disciplina e respeito terrível, mas Virion só esperou que o barulho diminuísse antes de continuar.

— Esses artefatos foram criados pelos Asuras de Epheotus e presenteados a nós pelo Lorde Indrath. Mas, como tenho certeza de que todos sabem agora, é verdade que Lorde Indrath também emitiu a ordem para o Asura conhecido como General Aldir atacar os Alacryanos em Elenoir, resultando na destruição da pátria élfica.

— Assassinos! — gritou um humano barrigudo.

— Nós não aceitaremos a ajuda daqueles demônios!

Uma mulher elfa gritou. Faltava-lhe um olho, havia um buraco medonho à vista de todos.

— Você é tão ruim quanto eles! Traidor.

— Além do núcleo branco, tolos!

Gritou uma voz profunda que eu não conseguia localizar.

— Poderíamos retomar nossas casas, seu orgulho que se dane!

De um telhado, um jovem homem humano quebrou seu martelo de guerra contra a pedra.

— Por que votar? Comandante, apenas deixe que aqueles de nós que querem ficar fortes usem os artefatos!

Uma dúzia de vozes ressoou em uma confusão de apoio e condenação e a multidão parecia pronta para se voltar para violência. Antes que pudesse progredir ainda mais, no entanto, o som de um trovão sacudiu a caverna. A criança que estava próxima de mim correu em direção aos pais, chorando de surpresa e medo.

Examinei a Lança. Bairon Wykes poderia ter sido uma mão firme para dirigir os Dicatheanos em diferentes circunstâncias, mas estava muito alinhado com Virion.

Ainda havia o resto das Lanças, é claro. Varay Aurae, em particular, teria sido uma poderosa líder. Ela se mostrou totalmente leal a Dicathen, no entanto, era improvável que se aliasse a nós ao invés de Virion e o conselho menor.

— Há tempo suficiente para discutir como responderemos aos Asuras, ou mesmo o que as pessoas desejam fazer comigo.

Continuou Virion, sua voz soando pela caverna.

— Mas hoje, estamos aqui para um propósito específico, um de extrema importância que mudará a face dessa resistência. A escolha é esta: aceitamos o dom do poder, mesmo advertidos de que ele poderia nos levar por um caminho de destruição, ou recusaremos, rejeitando o Clã Indrath e talvez colocando os escassos remanescentes de nossa nação contra os próprios Asuras?

Embora eu gostaria de ter fechado os olhos e ouvidos para o circo que se seguiu, não tinha escolha a não ser ouvir atentamente como, um por um, as pessoas começaram a dar sua opinião.

Alguns falavam de sobrevivência, outros de certo e errado. Muitos choraram profundamente pela perda de sua casa na floresta, enquanto outros pregavam o pragmatismo. Apesar de todas as suas palavras, não me pareceu que algum objetivo tivesse sendo realmente atingido. Ainda assim, tomei nota do que foi dito enquanto olhava para todos eles, atento às suas palavras e ações.

Eleanor Leywin observava com a mãe e o urso guardião de uma varanda à minha esquerda, mas não olhei com muita atenção, caso a jovem humana perceptiva notasse meus olhos e conectasse essa forma à minha aparência normal.

O inventor Gideon também estava presente, com os braços cruzados, um olhar azedo beliscando seu rosto. Não era sempre que os Asuras tomavam nota dos artífices de Dicathen, mas Gideon tinha uma mente incomum. Teria sido muito lamentável se o Clã Vritra tivesse colocado suas garras nele.

Havia poucos outros menores no santuário que eram realmente notáveis.

Uma hora ou mais se passou enquanto iam e voltavam como crianças brincando de atirar pedras. Mais do que algo suficiente para eu considerar a ironia de sentir os minutos da minha vida se afastando inutilmente, apesar de ser mais velho do que até mesmo o mais antigo dos elfos. Quando finalmente me convenci que eles devem ter esquecido a razão dessa conversa, Virion pediu silêncio.

— Vamos agora votar. Amigos, peço que qualquer um que seja a favor de usar esses artefatos levante a mão.

Mãos e levantaram por toda o agrupamento, mas havia muitas pessoas para ter certeza se era mais ou menos do que a metade. Ao lado de Virion, uma maga levantou as mãos e enviou um pulso de mana de atributo de vento que se espalhou pela multidão como uma ondulação em uma lagoa, puxando minha pele enquanto passava. Ela se inclinou para Virion e sussurrou um número no ouvido dele.

Ele assentiu.

— Os que se opõem a usar as relíquias, por favor, levantem a mão.

Novamente, as mãos foram erguidas. Percebi muito claramente que Eleanor estava entre eles, assim como Gideon. Fiquei surpreso ao ver que Virion também não levantou a mão, e nem o Lança.

Mais uma vez, um pulso de vento flutuou pela caverna. A maga se inclinou para o ouvido de Virion. Ele não se dirigiu imediatamente à multidão, mas quando o fez, foi com um tom claro de resignação.

— As pessoas pronunciaram-se. Recusaremos os artefatos e, ao fazê-lo, recusaremos a mão de amizade de Lorde Indrath. Nossos magos não estarão vinculados aos Asuras e continuaremos a procurar uma maneira de resistir à ocupação Alacryana de nosso continente.

— Mas aqueles de nós que querem deveriam…

— A sabedoria prevalece!

— Exigimos uma recontagem…

— … nos tornamos inimigos das divindades!

— … deve ser julgado como um traidor…

Não pude deixar de suspirar, meus pequenos ombros se levantando e caindo com decepção enquanto os menores se agitavam, a multidão imediatamente se virando para gritar e empurrar agora que as gentilezas haviam falhado. Guardas e alguns dos magos mais fortes apareceram, separando grupos de brigas e gritando para que as pessoas se dispersassem e voltassem para suas casas. As esposas se agarravam aos maridos, os pais protegiam crianças agitadas em seus braços, e amigos compartilhavam olhares incertos.

Tão tolos, pensei, pulando do meu poleiro e tecendo meu caminho por entre pés.

Por tanto tempo eles consideraram a nós, Asuras, como divindades. Eles deveriam ter ficado mais gratos pelo que fizemos, nos considerado com mais respeito.

Ou, por outro lado, eles deveriam ter se lembrado de ter medo.

Talvez a história esteja destinada a se repetir afinal, considerei, já preparando mentalmente meu relatório para Lorde Indrath.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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