O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 349 – Minimamente Catastrófico

 

— Pegou?

Perguntei enquanto Caera abaixava o capuz de sua capa e fechava a porta. Seu cabelo azul estava úmido e grudento, e a água que gotejava dela formava uma poça nos ladrilhos.

— Claro

Disse ela com confiança, um brilho malicioso em seus olhos.

Com um floreio, ativou seu anel dimensional e retirou uma orbe cor de estanho do tamanho de meus dois punhos unidos. A parte externa, de metal, tinha marcas de bolhas e era coberta por saliências e fendas, fazendo com que parecesse uma esponja metálica redonda.

Caera segurou a relíquia, e eu cuidadosamente a peguei de suas mãos.

— É pesada

Comentei, movendo-a para cima e para baixo na minha mão para sentir o peso.

— Isso vai fazer diferença?

Ela retirou a capa ensopada e pendurou-a na porta.

— Espero que não. Não vi nenhuma runa que indicasse a sensibilidade à pressão gravada no pedestal do mostruário, e você?

— É verdade, não vi. — respondi.

— E parece improvável que as relíquias mortas sejam removidas de seus estojos com frequência. Quando alguém descobrir a que a peça foi trocada—

— O professor Grey e a professora assistente Denoir já terão saído há muito tempo da Academia Central, concluiu ela.

Caera foi surpreendentemente receptiva à minha ideia. Sabia, por nossas aventuras nas Relictombs, que ela tinha uma tendência rebelde e um tanto imprudente, mas imaginava que seria mais difícil convencê-la. Sempre perceptiva, entendeu minha intenção imediatamente e concordou rapidamente. Então, passamos o resto da tarde e da noite formulando um plano.

Juntos, discutimos os pontos fortes de cada relíquia, ou pelo menos o que poderíamos aprender sobre elas nos livros e com questionamento cuidadoso de Caera ao curador. Pessoalmente, queria levar duas ou três, mas Caera sugeriu, com razão, que isso acrescentaria uma camada desnecessária de risco. Depois de discutir o que o roubo exigiria, finalmente decidimos por uma única relíquia morta para libertar do Relicário. De todas as relíquias disponíveis, não via como que apenas uma poderia me dar um aumento considerável de poder, então acabamos escolhendo aquela que os Alacryanos menos conheciam, que também era a adição mais recente da Academia Central.

Embora o curador não dissesse por que o Foice Dragoth trouxera o orbe para a Academia Central, ele ficou entusiasmado ao discutir seus poderes, o pouco que se sabia sobre eles, com Caera.

De acordo com o velho, a relíquia morta era única porque sua forma não fornecia pistas sobre sua função. A superfície marcada por pequenos furos não era seu estado natural, mas sim uma consequência do desgaste; quando a relíquia foi descoberta pela primeira vez, estava sem mácula, uma perfeita esfera de prata, mas quando removida das Relictombs se decompôs rapidamente. Os Instiladores presumiam que era algum tipo de ferramenta, talvez algo usado na construção das próprias Relictombs e a repentina degradação era uma espécie de mecanismo de defesa para evitar que os segredos dos magos antigos fossem descobertos. O curador não possuía mais informações pra oferecer à Caera, no entanto.

A ideia de ter uma ferramenta dos djinn, algo que me permitisse manipular as Relictombs diretamente, era boa demais para deixar passar.

— E você tem certeza que a artesã—

— Não é incomum que Altos Sangues mandem fazer relíquias falsas para impressionar seus amigos e rivais.

Caera indicou a orbe falsa com um sorriso malicioso.

— Ela ficará quieta sobre isso, já que lábios soltos, neste caso, provavelmente resultariam em sua morte.

— Ainda assim, se ela…

Caera acenou para que não me preocupasse.

— Estava disfarçada, como você sabe, e fingia representar um sangue diferente. Então, mesmo se ela falasse, eu não seria envolvida.

Imbuindo minha runa de armazenamento extradimensional com éter, guardei a falsa relíquia.

— Que sangue você personificou?

O brilho malicioso nos olhos de Caera voltou.

— Ah, eu acho que você sabe qual.

Regis latiu de tanto rir, quase caindo para trás em sua forma diminuta.

— Bem feito praqueles idiotas dos Granbehl. Quase me faz querer que essa artesã obscura se volte contra eles – ou melhor, contra nós, algo assim.

Joguei minha própria capa branca sobre os ombros, dando a Caera um sorriso divertido.

— Se as coisas correrem mal, pelo menos haverá lado positivo.

Caera puxou o pingente de lágrima que sempre usava e sussurrou um encantamento. Seus traços borraram de uma forma que fez meus olhos se contorcerem de desconforto, então se transformou no familiar ascendente de cabelos verdes, Haedrig.

— Isso é realmente estranho de se ver.

Disse, examinando o rosto e o corpo em busca de qualquer indício de Caera por baixo.

Haedrig jogou o quadril e piscou para mim.

— Qual é o problema, Grey?

Ele disse em sua voz rouca.

— Já não sou atraente pra você?

Regis deu uma volta lenta em torno de Haedrig, farejando suas botas.

— Eu não sei como me sentir sobre isso, para ser honesto. Por exemplo, o que acontece com os seus peit—

— Será que podemos levar isso um pouco mais a sério?

Interrompi enquanto subia meu capuz.

— Estamos prestes a cometer um crime grave.

Haedrig, que acabara de conjurar um manto verde imundo de seu anel dimensional, franziu a testa e coçou a barbicha no queixo.

— Não sei do que você está falando. Eu só vou dar um passeio até o Relicário…

— Não ligue para ele. — disse Regis.

— Apenas nervosismo pré-furto.

— Vamos indo

Disse, gesticulando para que Regis voltasse para o meu corpo.

— O Relicário deve ter acabado de fechar.

Caera, ou Haedrig, foi na frente no caminho para o corredor que conectava as muitas suítes em Windcrest. Ele foi para a esquerda, seguindo um caminho mais direto até a saída, enquanto eu virei à direita, pra dar a volta.

O tempo estava ruim. A chuva caía do céu e relâmpagos ocasionais revelavam um campus enlameado. O clima foi uma coincidência de sorte; isso significava que haveria muito menos pessoas andando por aí.

Puxando o manto branco brilhante mais perto de mim, mergulhei na tempestade. A chuva estava implacável, mas, seja por sua natureza mágica ou pela qualidade do trabalho artesanal, a capa me manteve quente e relativamente seco.

Não conseguia ver Haedrig, mas podia ouvir uma melodia cadenciada e bêbada de algum lugar à frente, abafada pelo barulho da chuva torrencial.

— Nunca imaginei que a bela senhorita Caera soubesse uma canção tão sugestiva…

Disse Regis, cantarolando ele mesmo a melodia.

Aos poucos, as lanternas brilhantes que iluminavam a entrada da capela se tornaram visíveis entre as grossas cortinas de chuva. Haedrig já estava subindo as escadas para as portas duplas ainda abertas e o guarda que estava ao lado delas.

Haedrig fez uma pausa enquanto o guarda se dirigia a ele, mas estavam muito longe e a tempestade era muito barulhenta para eu ouvir. Presumi que o guarda estava simplesmente informando-o de que o Relicário estava fechado, mas já sabíamos disso. Haedrig assentiu e entrou no prédio, tropeçando na soleira.

Um corredor externo formava um retângulo ao redor de um grande espaço central onde as relíquias mortas e outras contribuições mais valiosas eram exibidas. Enquanto o salão de entrada foi deixado aberto, mas não desprotegido, o próprio Relicário foi fechado e trancado após o expediente.

O guarda estava observando Haedrig de perto. Após um momento de suposta indecisão, abandonou seu posto para seguir o suposto bêbado.

Movendo-me rapidamente, com minhas costas curvadas e minha capa ainda bem puxada ao meu redor, me dirigi para as portas da capela. Para qualquer um que estivesse assistindo, pareceria apenas alguém pego na tempestade e procurando abrigo.

Subindo pelos os degraus de pedra três de cada vez, parei para ouvir do lado de fora.

— … disse, está tudo bem—

Haedrig estava quase gritando do corredor.

— Eu só quero entrar e dar uma olhada na minha velha—

Haedrig arrotou alto.

— … armadura.

Uma voz clara e autoritária respondeu.

— E, como eu disse a você, não está tudo bem, senhor. Você terá que voltar amanhã, quando o relicário estiver aberto.

Haedrig respondeu com um bufo e o nariz congestionado.

— Eu tenho amigos, sabe! Amigos poderosos. Conheço quase todo mundo. Tenho certeza que alguém vai me deixar entrar.

— Senhor! Se você não… — insistiu o guarda.

Um longo estrondo de trovão cortou o resto da ameaça do guarda. Espiei o corredor bem a tempo de ver Haedrig virando a esquina com dois homens armados e blindados seguindo logo atrás.

Sabia que haveria mais dois guardas no corredor externo. Focalizando o éter em meus ouvidos, escutei atentamente seus passos: parecia que estavam do outro lado do prédio, circulando de volta para a origem do alvoroço. Estremeci quando Haedrig começou a gritar sobre ter todos eles jogados no mar antes de cortar o fluxo de éter para meus ouvidos, permitindo que minha audição voltasse ao normal.

Antes de entrar no prédio, deixei meus olhos se reorientarem para ver os caminhos etéreos conectando todos os pontos ao meu redor. Não conseguia ver além da parede oposta e da porta do Relicário, mas observei cuidadosamente os caminhos da porta de volta para a chuva.

Correndo pelo corredor até a porta do Relicário, examinei a maçaneta de ferro preto. Assim como era costume na academia, a porta estava trancada com uma runa. Ao contrário das portas do meu quarto ou escritório, no entanto, havia uma runa brilhante colocada na base desta maçaneta. Ela combinava símbolos do atributo de fogo e de transferência de mana, sugerindo que tocá-lo resultaria em uma experiência ruim.

— Vá.

Regis, em sua forma de fiapo preto sombrio, saiu do meu peito e passou diretamente pela porta fechada.

Embora eu não pudesse ver através de seus olhos, podia sentir as emoções de meu companheiro e ouvir seus pensamentos enquanto examinava o interior da sala em busca de defesas adicionais.

No corredor mais distante, Haedrig começou a gritar sobre “respeito” e “honra” e os bons e velhos tempos.

— O chão atrás de cada porta está marcado com outra runa. Ela…

Regis parou em um silêncio pensativo enquanto tentava ler as runas.

— Qualquer um que passar por cima desta coisa terá seu núcleo de mana drenado. A runa captura a mana… provavelmente para que eles possam identificar quem seja.

Eu dei um sorriso na direção da porta.

— Fácil. E a fechadura? Você pode abri-lo desse lado?

— Não tão fácil.

Disse Regis, sua preocupação visível em suas palavras.

— Não há alça ou maneira de liberar a trava do interior.

Em nosso reconhecimento do Relicário, Caera e eu passamos quase duas horas inteiras inspecionando o prédio e as vitrines o mais de perto que podíamos, sem levantar suspeitas. Embora estivesse claro que as portas tinham maçanetas apenas do lado de fora, não tínhamos certeza se elas poderiam ser abertas de alguma outra maneira de dentro da sala.

Tive uma ideia, mas não tinha certeza se funcionaria.

— Regis, preciso que você imagine os arredores o mais claramente possível e me envie esse pensamento. O mais claramente possível, certo?

— Sim, sim, entendi.

Eu dei um passo para trás e me concentrei nos caminhos etéreos novamente, até onde eles paravam na porta fechada. Quando a imagem mental do interior do Relicário começou a se formar em minha mente, conectei-a aos caminhos fractais roxos que podia ver, formando um mapa mental de onde eu imaginava que eles continuassem.

Three Steps me ensinou não apenas a procurar os caminhos, mas a senti-los e deixar que me guiassem. Isso tornou a habilidade muito mais rápida e eficiente de utilizar, mas também, teoricamente, significava que eu poderia usar o Passo de Deus para me mover para algum lugar que não pudesse ver diretamente.

Ativando a runa divina, desapareci com um flash de luz ametista.

Apareci do outro lado da porta, estalando com energia etérica. Além do fato de que tinha funcionado, acabei de me teletransportar por uma porta sólida, percebi com prazer, a sensação mais emocionante era o quão pouco éter a runa divina havia consumido. Embora ainda não tivesse sido capaz de absorver éter atmosférico suficiente para preencher meu núcleo recém-fortalecido, Passo de Deus consumiu apenas uma fração de minhas reservas etéricas.

A emoção de usar a runa divina pela primeira vez desde que forjei a segunda camada do meu núcleo de éter foi interrompida por uma sensação de formigamento por todo o meu corpo.

Sob meus pés, a armadilha rúnica foi ativada e estava tentando sugar toda a minha mana. Dei um passo pra fora da armadilha, com meu núcleo de éter imperturbado pela magia. Presumia que a runa teria tirado alguma mana ambiente de meu corpo, os traços de mana de água ou de terra que naturalmente permaneciam perto de mim, mas sem nenhum núcleo de mana para manipulá-la, os pequenos traços de mana não carregariam qualquer assinatura da minha identidade.

Sabia que não tinha muito tempo antes que a situação entre Haedrig e os guardas piorasse, então me forcei a concentrar novamente na missão. Movendo-me rapidamente para o meu objetivo, examinei o pedestal que o sustentava, procurando por quaisquer proteções ou runas que Caera e eu não tínhamos notado antes.

Ao contrário das runas de proteção atrás das portas, que não estiveram lá durante o dia, a base de pedra na qual a relíquia morta estava em exibição não revelava nenhuma nova proteção. Mas isso não significa que estava desprotegido.

Uma série de runas complexas foram gravadas ao redor da base do mostruário para evitar que alguém a tocasse. Um leve toque recompensaria o agressor com um choque, e o mostruário tremeria para alertar o curador. Qualquer coisa além de um leve toque, por exemplo, tentar levantar o vidro e acessar a relíquia morta dentro, liberaria um choque paralisante de eletricidade antes de emitir um alarme estridente que metade do campus provavelmente ouviria.

Eu só tinha pensado em uma maneira de burlar as runas sem acionar o alarme.

Manifestando éter em minha mão, formei uma única garra. Também me envolvi em uma barreira de éter protetora antes de me ajoelhar ao lado do pedestal. Alinhando a garra com as runas, começando com aquelas responsáveis por criar o efeito de alarme, eu cortei a pedra.

Quando a garra cravou no mármore, um raio de um azul vibrante saltou para minha mão, queimando a camada de éter e queimando meus dedos antes que eu pudesse reagir. Reforçando o éter, concentrei-me em redirecionar e canalizar a eletricidade, forçando-a a deslizar e pular pela superfície da barreira.

Ela subiu pelo meu braço, pelo meu peito e desceu pelo meu outro braço. Se eu deixasse a corrente elétrica supercarregada voar para dentro da sala, provavelmente faria um buraco na parede ou destruiria uma das outras relíquias mortas. Em vez disso, pressionei minha mão firmemente sobre o restante das runas para que o relâmpago viajasse em um círculo, batendo de volta nas mesmas runas que o conjuraram.

O mármore se partiu com um estalo alto.

Congelei, meu coração disparado, ouvindo atentamente por qualquer indicação de que o barulho tinha sido notado.

Trovões estavam ressoando ao fundo, e eu podia ouvir a discussão de Haedrig com os guardas através das paredes.

Esperava que fosse o suficiente para encobrir o som de pedra quebrando.

— … nome de Vitra, o que foi isso?

— Vá dar uma olhada

A mesma voz autoritária de antes ordenou.

Merda.

— É melhor se apressar.

Regis avisou, sua forma de cachorrinho me observando com olhos arregalados.

Eu ignorei a queimadura com padrão de raio já se curando em meus braços e torso, focando em vez disso na relíquia diante de mim.

A relíquia também era protegida por uma caixa de vidro, que por sua vez, era resguardada por uma série de runas que a fortaleciam e protegiam de ataques mágicos, mas não reagiu quando a levantei do pedestal e coloquei cuidadosamente no chão. Antes de tocar na relíquia real, retirei a falsa da minha runa dimensional e a segurei ao lado da original, que estava sobre um travesseiro de veludo quadrado. Elas eram idênticas.

Muito bem, Caera, pensei enquanto pegava a relíquia morta com a outra mão.

Era leve como uma pena e não parecia pesar nada em comparação com a cópia de estanho pesado.

Tomando muito cuidado, lentamente coloquei a peça substituta no travesseiro. A relíquia falsa afundou no tecido macio, e fiquei com a sensação imediata de que havia algo errado, mas antes que eu pudesse pensar em algo mais para fazer, ouvi o barulho pesado de uma fechadura mágica sendo acionada.

— Art, alguém está vindo!

 Regis gritou mentalmente enquanto pulava em torno de meus pés.

A porta mais próxima de onde Haedrig estava gritando se moveu quando alguém puxou a maçaneta.

Ao mesmo tempo, houve um baque surdo quando um corpo bateu contra uma das paredes.

— Tire suas mãos de mim! — Haedrig gritou.

A porta parou, aberta apenas em uma fresta de alguns centímetros.

Observei a relíquia falsa afundar no travesseiro. Com algum tempo… mas isso era uma coisa que eu não tinha.

Amaldiçoando novamente, rapidamente peguei o invólucro de vidro e coloquei ele com cuidado sobre o topo do pedestal.

Colocando a mão sobre as runas queimadas pelo raio, ativei o Réquiem de Aroa, enchendo o museu com uma luz dourada enquanto a runa iluminava sob minha túnica. Partículas roxas cintilantes dançavam ao longo do meu braço e através do pedestal, limpando as rachaduras, queimaduras e marcas de garras e deixando para trás um mármore imaculado. As runas de proteção ao longo da base brilhavam fracamente na luz sombria, indicando que estavam funcionando novamente.

A porta começou a se abrir novamente. Do outro lado estava um jovem guarda. Uma mão estava em sua espada, a outra na maçaneta da porta, mas sua cabeça estava voltada para olhar o corredor, seu foco ainda, por aquele instante, em Haedrig.

Conjurei um mapa dos caminhos etéreos em minha mente ao mesmo tempo em que Regis saltava e desaparecia em meu corpo. No espaço de um único batimento cardíaco, conectei os caminhos que pude ver com minha imagem mental àqueles do outro lado da porta.

Respirando fundo, eu ativei o Passo de Deus.

A primeira sensação que tive foi da chuva fria batendo contra todas as partes do meu corpo ao mesmo tempo. O raio etéreo que saltou e dançou em minha pele formou um arco na chuva, fazendo o ar ao meu redor estalar e chiar.

A segunda sensação que senti foi meu coração pulando várias batidas quando percebi que uma figura estava surgindo na escuridão, vindo direto para mim com a cabeça baixa contra a chuva forte.

O éter fluiu para cobrir meu corpo enquanto eu me preparava para me defender, mas a pessoa curvada parou tão de repente que quase caiu no chão quando seus pés escorregaram nas pedras molhadas.

Estendendo a mão instintivamente, agarrei-o por baixo do braço para evitar que caíssem.

— Pelos chifres sangrentos de Vritra!

Uma voz masculina exclamou debaixo de seu capuz.

Olhamos um para o outro.

— Professor Aphelion…

Disse, enquanto ainda segurava o braço dele.

— Professor Grey, eu…

Seu olhar estava arregalado e perscrutador, indo do meu rosto para a mão segurando seu braço para a entrada da capela atrás de mim, onde eu já podia ouvir o barulho dos guardas lutando com Haedrig.

Minha mente disparou.

Não tinha certeza do que o professor tinha visto, ou por que estava lá. Se tinha me visto aparecer do nada envolto em um raio de ametista, então ele era um risco. Considerei simplesmente quebrar seu pescoço e usar o Passo de Deus pra me afastar novamente, mas isso definitivamente complicaria a situação. Além disso, eu realmente não sabia o que ele tinha visto, e assassinar um homem inocente, mesmo um alacryano, não me pareceu bem.

Uma comoção na entrada da capela atraiu nossa atenção quando três guardas apareceram, meio arrastando, meio empurrando um Haedrig semi-desmaiado.

— Vocês dois aí!

Um dos guardas gritou.

— O que vocês estão fazendo aqui?

Haedrig estava pendurado nos braços dos guardas, seus olhos semicerrados, mas peguei o olhar furtivo que me lançou, e o aperto de sua mandíbula quando notou o Professor Aphelion. Outro guarda apareceu na porta aberta da capela, com o lábio sangrando e as sobrancelhas voltadas para baixo em uma carranca trovejante.

O professor puxou o braço do meu aperto e mancou passando por mim enquanto eu canalizava o éter em minha mão e me preparava para eliminar todas as testemunhas, se necessário.

— Olá, amigos.

Disse ele amigavelmente, dirigindo-se aos guardas.

— Eu perdoarei sua grosseria devido ao que parece ser uma situação bastante tensa, mas você está falando com dois professores da Academia Central. Simplesmente notamos a ausência de um guarda na porta da capela e viemos investigar.

— Minhas desculpas, senhores.

Disse o guarda rapidamente, fazendo uma reverência rasa e forçando Haedrig a fazer o mesmo.

— Este bêbado estava causando uma confusão, e pensamos…

— Que nós éramos seus cúmplices, vindo para ajudar em suas travessuras?

Professor Aphelion riu alto.

— Não, mas vocês três têm a honra de maltratar… uh—

— Ascendente Haedrig

Sussurrei em resposta ao seu tom inquisitivo.

— O outrora grande ascendente, Haedrig, que parece estar passando por tempos difíceis. Tenha pena dele e coloque-o sob nossa supervisão, o que acha? Não há necessidade de envergonhar seu sangue por causa de um leve caso de embriaguez em público, não é mesmo?

Quando os guardas franziram a testa e compartilharam um olhar incerto, ele acrescentou:

— Não seria muito bom se o Sangue dele fizesse um estardalhaço para o diretor, não é?

— Não, senhor

Respondeu o guarda, mas ainda segurando com firmeza o braço de Haedrig.

— No entanto, eu seria negligente em meu dever se não relatasse isso à segurança do campus. Eles decidirão o que fazer com…

Enquanto o guarda falava, Haedrig continuou a se agachar ainda mais nas mãos dos guardas. O ascendente aparentemente desmaiado de repente saltou do chão, escapando das mãos dos guardas e girando graciosamente pelo ar para pousar na base da escada. Ele fez uma continência meia boca antes de fugir, sua velocidade aprimorada pela mana levando-o para fora da vista além do véu da chuva.

— Vão atrás dele!

O chefe da guarda exclamou, fazendo com que os outros dois saíssem correndo. Suas botas blindadas escorregaram no pavimento molhado pela chuva, e ficou imediatamente óbvio que não teriam chance de pegar o sangue-alto ligeiro.

— Bem… uh… boa noite.

Professor Aphelion disse aos guardas restantes, que nos lançaram olhares irritados.

Ele acenou para mim enquanto subia o capuz.

— Até mais tarde, Professor Grey.

Retribuí o aceno, observando seu rosto e olhos cuidadosamente em busca de qualquer sinal de que ele tivesse visto o que tinha acontecido ou adivinhado o motivo de minha presença perto da capela, mas seu rosto estava sem expressão, exceto pela sombra de um sorriso sarcástico.

— Sim, até mais tarde…

Disse com cautela, levantando meu capuz e me virando.

Eu não pude evitar sentir um desconforto permanente em relação ao envolvimento inesperado do Professor Aphelion no roubo, mas dentro das coisas que poderiam ter dado errado, parecia minimamente catastrófico.

Era difícil ficar muito preocupado, considerando o prêmio que me aguardava em minha runa dimensional.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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