O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 333 – Paz Assombrada

 

— Uau. — disse, genuinamente surpreso com a visão na minha frente.

A casa de Darrin na zona rural de Sehz-Clar tinha o dobro do tamanho da mansão dos Helsteas em Xyrus e era cercada por campos verdes e dourados que se estendiam até onde eu podia ver. Uma pequena cidade estava localizada entre duas colinas a alguns quilômetros de distância, e um punhado de outras propriedades semelhantes enchiam a paisagem circundante.

A estrutura principal tinha dois andares, mas se expandia em alas baixas que se abriam para os dois lados. Toda a mansão era feita de tijolos vermelhos claros destacados por colunas de pedra branca. A casa era cercada por um jardim bem cuidado de grama verde e arbustos densos e floridos, e um caminho conduzia para o leste, onde eu podia ver algum tipo de área murada no alto da colina.

A serenidade rural da propriedade acalmou os nervos de todos, que ainda estavam à flor da pele pelo ataque nas Relictombs. Olhando para a cena que parecia uma pintura ao nosso redor, realmente comecei a ansiar por pelo menos um pequeno descanso, sem qualquer tortura ou atentado contra minha vida.

— A vantagem de viver no campo. — disse Darrin, radiante. — A propriedade custa um quarto do que você pagaria nos domínios mais densamente povoados, e essas colinas têm solo pobre, então você também não precisa lutar contra os fazendeiros pelos direitos à terra.

— Embora eu esteja um pouco surpreso por você não viver nas Relictombs. — disse enquanto passava um dedo ao longo da borda de uma flor roxa brilhante. — Considerando o que você faz.

Darrin começou a nos conduzir pelo amplo gramado, no meio do qual tínhamos acabado de aparecer, em direção às portas duplas brancas e brilhantes de sua casa.

— Eu não podia pagar um imóvel lá, então o melhor que poderia fazer seria alugar uma suíte de dois quartos em uma das melhores pousadas, e isso ainda custaria uma pequena fortuna. — fez uma pausa, observando as colinas e o céu claro e amplo. — Não, acho que prefiro morar aqui e pagar as taxas de teletransporte.

Segui seu olhar, olhando para a paisagem novamente.

— Acho que não posso te culpar. É uma bela vista.

Darrin colocou a mão no ombro de Alaric.

— Nunca teria conseguido tudo isso sem meu mentor aqui. Você está em boas mãos, Grey, mesmo que ele de fato finja ser casca grossa.

Alaric bufou, escurecendo suas bochechas já rosadas, e seu olhar passou por todos os lugares, exceto por Darrin.

— E isso me fez muito bem, considerando que você acabou só tendo uma única propriedade no meio do nada…

Sorrindo, Darrin bateu suavemente na porta.

Um momento depois, ela se abriu e uma jovem, de não mais que sete ou oito anos, se jogou em seus braços.

— Tio Darrin! — gritou, apertando os braços em volta do pescoço dele e sorrindo por cima do ombro.

Quando percebeu que Alaric e eu estávamos lá, seus olhos, verdes como esmeraldas, se arregalaram, gritou e se contorceu para se livrar do abraço de Darrin e esconder atrás dele, olhando pra nós.

Dando à garota o que eu esperava ser um sorriso amigável, acenei. Ela imediatamente se abaixou atrás de Darrin, que riu.

— Pen, estes são meus amigos, Alaric e Grey. — Darrin disse, gentilmente tirando ela de trás dele e despenteando o cabelo loiro escuro dela. — Está tudo bem, eles são amigáveis. Bem, Grey é.

O rosto de Alaric se contorceu em um rosnado ameaçador e ele rosnou baixo em seu peito.

— Mas eu sou o malvado, e assei tortas deliciosas com crianças pequenas!

A garota deu uma risadinha e olhou para Darrin.

— Seus amigos são engraçados!

— Eles pensam que são, pelo menos. — Darrin respondeu, revirando os olhos para Alaric. Ele pegou a garota e a carregou pela soleira, acenando para que o seguíssemos.

— Alguma notícia sobre sua mãe enquanto eu estive fora? — perguntou a ela enquanto nos conduziam ao saguão de entrada, onde duas escadas curvas levavam ao andar superior.

Ela balançou a cabeça e fez beicinho.

— Não.

Darrin puxou-a para outro abraço e afagou suas costas, consolando-a.

— Tudo bem, tenho certeza que ela voltará em breve. — Ele a colocou no chão de ladrilhos de granito. — Por que você não vai contar aos outros que temos convidados?

Assentindo seriamente, a menina desapareceu por uma porta à nossa direita, que deve ter levado para uma das outras alas da casa.

— Sua? — perguntei, observando-a pular para longe.

— Oh, não. — disse Darrin, passando a mão pelo cabelo. — A mãe dela é uma das minhas companheiras de equipe de antigamente. Ela ainda está ativa. Pen fica comigo às vezes, quando a mãe dela está em uma ascensão.

Meus olhos seguiram Pen para fora do saguão de entrada, captando uma figura encostada na parede no canto. Era uma jovem com cabelo laranja brilhante que desbotava para um loiro ensolarado e terminava logo abaixo dos ombros. Ela estava vestindo uma blusa branca com botões de prata e calças de couro justas, e uma espada longa e fina pendurada em seu cinto.

Mas foram seus olhos castanhos que se destacaram, ou melhor, foi a maneira como eles viajaram lentamente por mim, da ponta das minhas botas até meu cabelo loiro claro, antes de girar em um revirar de olhos desdenhoso.

Antes que eu pudesse fazer mais do que trocar olhares, a jovem saiu da sala e minha atenção foi novamente redirecionada.

— Senhor Darrin! — Uma voz feliz veio de uma sala atrás da escada. Uma mulher rechonchuda com cabelo castanho escuro apareceu dela, enxugando as mãos com uma toalha. — Sinto muito, não ouvi a porta sendo aberta.

Darrin deu-lhe um sorriso caloroso, embora a direção de seu olhar permanecesse na passagem onde a jovem havia desaparecido.

— Sem problemas, Sorrel. Temos convidados para a noite.

A mulher fez uma reverência, seu cabelo ruivo e encaracolado balançando ao redor de seu rosto redondo.

— Um prazer! Vocês três estão com fome, Sr. Darrin?

O estômago de Alaric roncou audivelmente em resposta, onde deu um tapinha apreciativo.

— Não se importe com isso, onde você está escondendo o que tem de bom e melhor? — Sem esperar por uma resposta, o velho afastou-se decididamente.

Balançando a cabeça em negação para o amigo, Darrin disse:

— Por que você não mostra a sala de banho para Grey primeiro? — Virando-se para mim, acrescentou. — Suponho que já faz algum tempo que você não toma um banho quente, certo?

 

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A governanta de Darrin me conduziu ansiosamente mais pra dentro da mansão até que me vi dentro do que, à primeira vista, parecia ser uma caverna. As paredes da sala de banho eram de pedra escarpada, e a banheira em si estava na depressão situada na rocha lisa do chão da “caverna”. Depois que Sorrel me deixou lá, gastei algum tempo examinando o lugar.

Além da banheira, havia um espelho embutido na parede, uma série de prateleiras e ganchos onde as roupas podiam ser penduradas e um nicho do tamanho de uma pessoa que eu não entendi imediatamente, até que encontrei um pequeno botão de cobre ao lado dele.

O botão clicou quando o pressionei e uma onda de calor surgiu. Coloquei minha mão; o ar era seco e quente.

Clicar no botão novamente desligava a saída de ar.

— Ooh, chique. — disse Regis com admiração.

Voltando minha atenção para a banheira, encontrei uma fileira de botões ao longo da borda. Durante minha vida como Rei Grey, comecei a desfrutar de banhos quentes em água carregada de sais. Era um luxo que eu não tinha desfrutado desde que renasci em Dicathen. Então, quando vi o botão denominado “Banho de sal” soube que precisava testar aquele primeiro.

Apertar o botão fez com que água salgada quente vazasse das laterais da banheira rochosa, e ela estava cheia antes que eu terminasse de tirar as roupas que simples usei no julgamento.

Afundando na água, um arrepio percorreu minha espinha apesar do calor.

Quando foi a última vez que desfrutei de um conforto tão simples? Me perguntei, deixando minha cabeça cair para trás para que a água salgada cobrisse meus ouvidos, abafando todo o ruído, exceto os meus próprios pensamentos.

E de Regis.

— A Cidade de Maerin não era tão ruim, mas parece que foi há uns cem anos, certo?

Soltei uma risada antes de jogar um pouco da água em meu rosto. Depois de enxugá-la, respondi.

— Parece que sim. Você quer sair um pouco?

Regis saltou do meu corpo para ficar do lado de fora da banheira. Se espreguiçou, empurrando as patas dianteiras para a frente e bocejando amplamente.

— Sabe, às vezes me esqueço de como é tranquilo quando não tenho seus pensamentos melancólicos passando pela minha cabeça o tempo todo.

— Eu não sou melancólico. — respondi defensivamente, olhando para meu companheiro com as minhas pálpebras semicerradas.

Regis bufou enquanto caminhava lentamente em círculos antes de se deitar.

— Ok, princesa.

Com um movimento da perna, enviei uma onda de água salgada quente por cima da borda da banheira para ensopar meu companheiro. Ele saltou, cuspindo com indignação.

— Eu tinha acabado de ficar confortável!

As chamas sombrias que tremeluziam ao redor de sua crina aumentaram, secando-o instantaneamente, e ele encontrou outro local para se estabelecer. Soltou um bocejo e esticou seus longos membros antes de perguntar

— E agora?

Deixei meus olhos se fecharem.

— Nesse exato momento? Vamos nos dar alguns minutos para relaxar, então vamos descobrir o que Alaric e seu amigo têm na manga.

Senti a forte névoa do sono se abatendo sobre mim logo em seguida. Embora eu realmente não precisasse dormir, apreciei a ideia de adormecer por um tempo e não lutei contra a sensação.

O som de uma multidão cantando me envolveu de todas as direções, como o barulho das ondas batendo contra um penhasco; estava distante e abafado, como se eu estivesse ouvindo de muito longe.

Abrindo meus olhos lentamente, olhei ao redor. Estava em uma plataforma quadrada de duelo, cercada por arquibancadas cheias de rostos familiares: Claire Bladeheart e o resto do Comitê Disciplinar, as Lanças, Jasmine e os Chifres Gêmeos, Virion, os reis e rainhas do Conselho de Dicathen, os anciãos que me treinaram nos quatro elementos, Lady Vera, Diretora Wilbeck, Caera, Ellie, com a pequena raposa branca de Sylvie em seu colo, minha mãe… meu pai.

Alguém também estava na plataforma de duelo: Cecilia. Ela estendeu a mão e uma espada de lâminas duplas ganhou vida em seu punho, com um feixe de luz branca quente que zumbia com energia mortal.

Fiz uma reverência a Cecilia, mas apenas me olhou carrancuda antes de se lançar sobre a plataforma, sua arma deixando um rastro de luz no ar. Levantei a Canção do Amanhecer para bloquear o ataque, mas a lâmina azul-petróleo se quebrou em minha mão e eu senti uma dor clara e quente quando a arma de Cecilia atingiu meu ombro profundamente.

Por um momento, ficamos cara a cara, seus olhos turquesa brilhando malevolamente.

Ela arrancou a lâmina do meu ombro e girou, dirigindo a outra ponta em direção ao meu estômago. Procurei os caminhos etéreos para sair do lugar com Passo de Deus, mas não havia nada.

A lâmina afundou em meu estômago e explodiu nas minhas costas.

Atrás de Cecilia, alguém corria por um longo túnel em nossa direção. Embora ele parecesse estar a quilômetros de distância, meus olhos se cruzaram com os de Nico, que estavam cegos de ódio, retorcidos de medo, e senti uma espessa camada de gelo crescer sobre meu coração, e o distanciamento frio que aprendi quando eu era o Rei Grey se espalhou a partir dele.

Cecilia puxou sua lâmina livre e girou ao redor, uma luz verde-ouro emanando para fora, manchando as bordas da minha visão e brilhando nos rostos congelados na plateia. Um puro feixe de luz a ergueu da plataforma de duelo, sua lâmina apontada para meu peito como uma lança, então disparou com a espada em minha direção.

A cena congelou. Levantando, cerrei meu punho, segurando a Canção do Amanhecer, a lâmina verde-azulada translúcida, agora inteira novamente, refratando a luz e enviando raios azul-esverdeados que dançavam pela plataforma de duelo. À distância, Nico ainda estava correndo em nossa direção, a única coisa se movendo além de mim.

E a história se repete…

Cecilia estava se movendo novamente, caindo sobre mim como um cometa. Quando nossas lâminas colidiram, uma onda de choque surgiu, obliterando a plataforma, as arquibancadas, a arena e varrendo o público, todos aqueles rostos familiares de minhas duas vidas, em uma nuvem de poeira.

Minha lâmina brilhava com uma violenta luz ametista que vinha de onde tinha perfurado peito de Cecilia. Mas foi Tess, não Cecilia, que caiu para frente, seu corpo caindo em mim, o sangue de sua vida correndo pelas minhas mãos, manchando rapidamente a plataforma de duelo com vermelho.

Minha boca se abriu para falar… algo, qualquer coisa, mas as palavras estavam presas na minha garganta, como se uma mão gigante tivesse em volta do meu pescoço e estivesse me sufocando. Tudo o que pude fazer foi assistir, paralisado, enquanto a luz desaparecia de seus olhos.

As pontas dos dedos dela roçaram meu rosto, descendo pela minha bochecha e pelos meus lábios.

O punho gelado agarrando meu peito se quebrou e meus olhos se abriram.

Soltando uma respiração tensa e meio sufocada, me puxei para fora do banho de sal e rolei para deitar no chão, ofegante.

— Ei! — Regis latiu, quando eu mandei uma onda de água do banho espirrando pelo chão da caverna. — O que eu fiz dessa… ei, você está bem?

— Estou bem. — murmurei, esfregando meu rosto com força. — Apenas um sonho ruim.

— Quer falar sobre isso? — perguntou, apoiando o queixo nas patas.

— Na verdade, não. — disse enquanto me levantava, as imagens do sonho já ficando turvas e distorcidas em minha mente, exceto pelo sangue de Tess manchando minhas mãos.

Eu vou te encontrar, Tess. Eu prometo.

 

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Sorrel me encontrou no corredor fora do banheiro depois que eu coloquei um conjunto limpo de roupas da minha runa dimensional. Uma sobrancelha se ergueu enquanto me olhava de cima a baixo, mal reprimindo um sorriso.

— Não é que você se limpou bem, hein… — disse ela. — O senhor Darrin e os outros estão compartilhando uma bebida na varanda dos fundos. Vou te mostrar o caminho.

A governanta caminhou pela mansão até chegarmos a uma marquise totalmente cercada por vidro. Havia plantas de uma centena de variedades diferentes e estava repleta de cheiros ricos, doces e terrosos de flores e ervas. Inspecionei a coleção conforme passávamos, mas reconheci apenas um punhado de espécies de plantas. Uma porta dava para uma varanda aberta com vista para as infinitas colinas verdes e douradas.

Lá fora, encontrei não apenas Alaric e Darrin, mas também a garota Pen, a jovem com o cabelo loiro alaranjado e três outras crianças de várias idades.

Pen foi a primeira a me notar e imediatamente abaixou o rosto no ombro de Darrin.

Alaric ergueu os olhos e fez uma careta fingida.

— Estava começando a me preocupar que você tinha se afogado na banheira, garoto. Teria enviado Sorrel para verificar você, mas Darrin disse a ela para não fazer nada que eu pedisse.

— Você me culpa, depois do que aconteceu da última vez que você esteve aqui? — Darrin perguntou, batendo levemente nas costas de Pen.

As bochechas de Alaric, já avermelhadas pelo álcool, ficaram com um tom mais brilhante de vermelho.

— Você disse que não íamos falar sobre isso de novo.

Darrin chamou minha atenção e piscou.

— Eu disse, e não vamos. Grey, venha se juntar a nós!

Sentei-me em uma cadeira de madeira vazia e todos os olhos se voltaram para mim, até mesmo os de Pen, que estava olhando por trás da franja de seu próprio cabelo.

— Pirralhos, este é o Ascendente Grey, outro aluno de Alaric. — Darrin disse na introdução. — Grey, este é meu pupilo Adem.

O menino indicado parecia estar no início da adolescência, em torno da idade da minha irmã, talvez um pouco mais velho. Seus olhos azuis escuros encontraram os meus sem um pingo de medo ou intimidação. Nós nos olhamos por um momento antes de ele me dar um aceno superficial.

— E estes. — disse Darrin — são meus aprendizes, Katla, Ketil e Briar. Os pais dos gêmeos são fazendeiros aqui em Sehz-Clar e estão tentando colocá-los em uma das academias para ascendentes. Briar é a filha mais velha do Sangue Nadir e está aqui para treinar em preparação para seu segundo ano na Academia Central.

Os gêmeos compartilhavam o mesmo cabelo loiro brilhante, quase tão claro quanto o meu, mas mais vibrante, e eram sarados e musculosos, provavelmente por terem crescido em uma fazenda. Katla assentiu, mantendo os olhos dela no chão. Ketil, por outro lado, ajustou sua postura para ficar mais ereto enquanto se interpunha entre ela e os outros de forma protetora.

Briar do Sangue Nadir estava rolando o que parecia ser uma ponta de flecha de prata brilhante em sua mão, exceto que não estava em sua mão, mas pairando cerca de uma polegada sobre ela. Ela não ergueu os olhos nem reconheceu a introdução.

Olhando para as crianças, não pude deixar de pensar na diretora Wilbeck, seu rosto ainda vívido do meu sonho. Eu sabia que era parcialmente o sentimentalismo que sobrara do estranho pesadelo, mas não pude deixar de gostar de Darrin Ordin. Ele me lembrava a diretora e até um pouco meu pai quando Reynolds era jovem…

Afastando-me de meus pensamentos, dei a eles um leve sorriso.

— É um prazer conhecer todos vocês.

Katla murmurou sua saudação em resposta, embora seu irmão tenha falado mais alto.

Adem se levantou e fez uma reverência rígida.

— Bem-vindo à nossa casa, Ascendente Grey. Estamos honrados em receber você.

Os lábios de Darrin se contraíram quando escondeu um sorriso com a saudação adequada do menino, mas caiu para uma carranca quando Briar soltou um bufo zombeteiro.

Adem a fulminou com o olhar enquanto voltava para seu assento, mas não respondeu.

— Então, Briar. — Alaric disse no silêncio constrangedor que se seguiu. — você sobreviveu um ano na Academia Central, sim? Bom para você, garota.

A jovem jogou seu cabelo multicolorido enquanto sustentava um olhar desafiador para o velho.

— Claro. Apesar da Academia Central ser uma das melhores e mais difíceis academias de treinamento militar e ascendente em Alacrya, tive uma pontuação acima da média em todos os critérios de avaliação.

Alaric assobiou em apreciação. Para mim, ele disse.

— A maioria das academias com foco em ascensões avaliam pelas mesmas métricas que a Associação de Ascendentes usa. É mais fácil acompanhar o progresso dessa maneira.

Eu balancei a cabeça, dizendo apenas.

— Entendo.

— Você entende? — Briar perguntou incisivamente, sua sobrancelha levantada em ceticismo óbvio. — Duvido muito, visto que meu professor teve que pagar sua fiança por fazer seus companheiros de equipe serem mortos em uma preliminar miserável.

— Não seja má! — Pen disse, fazendo beicinho para a menina mais velha.

— Briar. — disse Darrin com firmeza. A jovem enrijeceu, virando-se para ele, mas focando em um ponto acima do ombro dele em vez de fazer contato visual. — Ser grosseira com meus convidados significa grosseria comigo. Se você não consegue conter sua frustração, recomendo que vá até as salas de treinamento e suar até acabar com ela.

Pude ver sua mandíbula cerrar de frustração, mas a jovem cedeu, inclinando a cabeça em direção ao seu professor antes de marchar de volta para a casa.

— Ela nem se desculpou. — Adem murmurou baixinho.

Darrin soltou um suspiro enquanto passava a mão pelo cabelo loiro.

— Vou me desculpar em seu nome. Briar tem… orgulho de sua criação e de suas realizações pessoais.

— Que estrelinha, aquela lá. — Alaric disse enquanto tomava um gole generoso de sua taça de vinho.

— Já vi piores. — disse com um encolher de ombros, meu olhar ainda fixo onde Briar havia saído.

O ascendente aposentado soltou uma risada enquanto levantava Pen de seu colo.

— Agora então, nós três temos algumas coisas para discutir.

Os gêmeos trocaram um olhar aliviado enquanto corriam para dentro, mas Pen teve que ser enxotada pela governanta. Adem demorou, olhando para Darrin esperançoso, seu rosto caindo quando o ex-ascendente acenou para que ele entrasse também.

Darrin observou o menino voltar para casa de mau humor.

— Ele é seu pupilo? — perguntei, curioso sobre por que um ex-ascendente rico parecia estar administrando sua própria casa de recuperação para a juventude Alacriana.

Darrin assentiu e deu um gole em uma caneca de madeira.

— Seus pais foram mortos nas Relictombs. Não os conhecia, mas a mãe de Pen sim. O menino não tinha mais ninguém, e ele teria acabado nas favelas em algum lugar, ou dado a alguma academia de merda que o treinaria apenas pela metade antes de enviá-lo para morrer na guerra.

— Então, você o adotou?

Darrin franziu a testa para mim em confusão.

— Adotou? Não, claro que não. Apenas os sangues nomeados ou Altos Sangues têm permissão para adotar formalmente. É… diferente, lá de onde você vem?

Eu balancei minha cabeça rapidamente.

— Eu não quis dizer uma adoção formal, não, é só que você o recebeu. Isso é muito gentil.

— Obrigado pelo aviso, pensei para Regis.

— Huh? O quê? Eu não estava prestando atenção.

Resistindo à vontade de revirar os olhos, me concentrei em Darrin.

— E a garota? Briar?

— Você quer dizer Srta. Superioridade? — Alaric bufou.

Darrin lançou a Alaric um olhar significativo antes de se virar para mim.

— Briar está apenas um pouco chateada por eu estar preocupado com o seu julgamento, em vez de estar aqui, treinando-a. Seus pais me pagaram um bom dinheiro para ser seu mentor, mas ela acredita que tudo o que você precisa para sobreviver às Relictombs é de proezas físicas e mágicas.

— Definitivamente não dói ser mais forte. — argumentei, meu olhar ainda na porta que as crianças tinham saído.

O olhar de Darrin ficou distante.

— Sim, mas sair das Relictombs vivo também é um esforço de equipe.

— Você ouviu isso? Aparentemente, estamos fazendo errado. — disse Regis com uma risada.

— De qualquer forma, embora minha vida esteja definitivamente perdendo aquele glamour que já teve, é muito mais seguro eu treinar crianças do que ascender nas Relictombs. — Ele coçou a bochecha, parecendo quase envergonhado. — Embora ele não compartilhe do meu sangue, eu não poderia deixar Adem sozinho e simplesmente partir em ascensões quando cada uma poderia ser a minha última. Se algo acontecesse comigo… bem, então ele realmente não teria ninguém.

— Sim, o Darrin aqui tem um verdadeiro coração mole. É por isso que eu sabia que ele iria te ajudar. — Alaric disse com um sorriso torto antes de cutucar seu ex-aluno com o cotovelo. — Lembra daquela vez em que—

Observei em silêncio enquanto Darrin massageava a ponta de seu nariz, deixando escapar um suspiro profundo enquanto Alaric relembrava os velhos tempos. Estar perto do adorável jovem ascendente, ou ex-ascendente, tornava-se cada vez mais desconfortável para mim. Não porque eu tivesse medo que descobrisse quem eu era, mas porque estava ficando cada vez mais difícil vê-lo como um inimigo. Sua preocupação com Briar, sua simpatia depois de adotar Adem, e até mesmo tomar conta da filha de sua ex-companheira de equipe… Eu simplesmente não conseguia relacioná-lo com as mesmas pessoas contra quem eu tinha ido para a guerra.

— Sinto muito, Grey. Alaric e eu tendemos a nos divergir um pouco quando conversamos. — Darrin disse com uma risada. — Agora, onde estávamos…

— Além de você ser “um molenga”, como Alaric disse, eu ainda não tenho certeza porque você escolheu me ajudar. — respondi, estudando o ascendente aposentado. — Não tenho certeza do que Alaric prometeu a você, mas não tenho muita riqueza.

Darrin se levantou e atravessou a varanda, encostado no parapeito.

— A maioria das pessoas que ajudo não tem. Não, eu não preciso de dinheiro. Eu ainda ganho um pouco visitando as academias e contando histórias assustadoras para os alunos para mantê-los na linha e, claro, por aceitar alunos particulares como Briar, mas fiz minha fortuna nas Relictombs, e isso vai me manter confortável até eu ficar velho.

— Eu só… não gosto de ver o garotinho sendo pisado pela nobreza. E eu realmente não gosto quando os ascendentes são jogados fora, só porque não têm o apoio de Alto Sangue.

— Isso explica por que aqueles juízes odiavam tanto você. — observei, lembrando-me de sua hostilidade clara.

Darrin riu baixinho.

— Sim, não foi a primeira vez que entrei em conflito com Blackshorn e Frihl.

— Então… você espera que eu acredite que você me ajudou com a bondade do seu coração? — Inclinei-me para a frente em minha cadeira, observando o Alacryano de perto.

Ele virou de costas para as colinas e encostou-se na amurada, encontrando meu olhar com uma intensidade que eu não tinha visto antes, mesmo no julgamento.

— Não exatamente.

O observei com cuidado, sem saber aonde ele queria chegar com isso.

— Eu invisto nas pessoas, Grey. Pessoas como Adem, Katla e Ketil. Pessoas como uma dúzia de outros ascendentes que foram levados a julgamento, por direitos sobre os espólios, ou morte acidental ou distintivos expirados.

— Você espera uma porcentagem, como Alaric? — disse, sem surpresa.

Alaric bufou.

— Isso é exatamente o que eu disse a ele para fazer, garoto! Mas ele não tem minha visão de negócios.

Darrin lançou-lhe um olhar inexpressivo. Para mim, disse:

— Espero que você se lembre de que as pessoas podem ser gentis, e quando você vir alguém que está com pouca sorte, ou que não é tão afortunado quanto você, ou que precisa de ajuda, você vai fazer o que pode.

Pisquei, esperando por uma piada ou um… e depois, mas Darrin apenas ficou sentado em silêncio.

— É isso? — finalmente disse. — Você só espera que as pessoas… passem a ideia adiante?

Darrin deu a Alaric um olhar rápido antes de se virar para mim, seus olhos brilhando e um sorriso infantil reaparecendo em seu rosto.

— Ok, pode ser que tenha uma coisa a mais…

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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