O Começo Depois do Fim

O Começo Depois do Fim – Cap. 317 – Desorientação

 

Eu podia sentir o sangue do Velho Broke Beak bombeando freneticamente pelo pescoço frágil que eu segurava em minhas mãos quando ele estremecia em estado de choque.

Dois dos três guerreiros com cicatrizes que cercavam seu chefe reagiram imediatamente, girando de modo que seus bicos afiados apontassem para minha garganta, enquanto o maior dos três permaneceu imóvel.

Um silêncio mortal desceu sobre o penhasco com a súbita reviravolta dos acontecimentos, ninguém querendo fazer um movimento enquanto eu segurava a vida de seu líder em minhas mãos.

Inclinei-me para o chefe trêmulo, meu olhar fixo em seus guardas.

— Você está disposto a apostar sua vida na chance de que seus soldados possam me matar antes que eu quebre seu pescoço… ou você vai dispensá-los?

O velho pássaro enrijeceu com a minha ameaça, mas permaneceu em silêncio.

— Pensei que você fosse mais esperto do que isso. — murmurei enquanto batia meu pé. Um estalo audível ressoou quando a perna esquerda do Velho Broke Beak estalou perto de seu tornozelo. O chefe soltou uma grasnido rouco enquanto se contorcia de dor.

Gritos de pânico ecoaram pelos picos quando os três soldados trouxeram seus bicos ameaçadores para perto de mim.

— Vamos tentar de novo? — Eu perguntei, a voz fria.

O velho Broke Beak soltou um grasnido de dor enquanto fazia um gesto para que os dois guardas se afastassem com suas asas cinza.

— L-lá! O velho Broke Beak disse a todos para ficarem para trás, sim! — Ele gritou, mancando com a perna boa.

— Bom. — Mantendo meu aperto firme em volta do pescoço do refém, lentamente fizemos nosso caminho até onde Caera estava inconsciente. — Agora, você vai nos guiar até onde escondeu a peça do portal da sua tribo.

O chefe acenou com o pescoço desengonçado ferozmente.

— Sim, sim! Então os ascendentes vão deixar o Velho Broke Beak ir?

— Eu vou deixar você ir depois que tivermos a peça do portal. — confirmei enquanto pegava o corpo mole de Caera do chão nevado. Ela estava respirando com muito mais conforto agora, mas com Regis profundamente no modo de recuperação, fiquei no limite.

— Onde?

— D-de volta para a casa deste! — gaguejou, seu único olho violeta mudando de mim para sua perna quebrada.

Com o crepitar de um raio violeta, nós três chegamos na frente da humilde cabana de palha do chefe. Acima, pude ver que a tribo explodiu em um frenesi enquanto desciam do penhasco de onde tínhamos nos teletransportado na tentativa de seguir seu líder.

Eu olhei em volta para a aldeia vazia.

— Onde está?

— Lá embaixo, em um vale além da aldeia, sim! — O Velho Broke Beak grasnou, seu bico rachado chiando ansiosamente.

Eu dei um Passo de Deus mais uma vez para colocar alguma distância entre nós e os enlouquecidos Bicos de Lanças, mas com dois passageiros e uma besta faminta de éter alimentando-se de meu núcleo, eu podia sentir minhas reservas despencando a cada uso.

— Eu não vejo nada. — disse, minha paciência diminuindo.

— Difícil de entrar, sim! É preciso contornar essa curva. — disse o chefe, apontando com uma asa.

Minha visão varreu o desfiladeiro estreito, que estava escondido nos penhascos íngremes na orla da aldeia de Bicos de Lanças, e depois de filtrar as informações que cada um dos caminhos de éter tinha retransmitido de volta para mim, eu usei o Passo de Deus mais uma vez.

Eu podia ver o Velho Broke Beak lançando olhares para trás de nós, onde os Bicos de Lanças circulavam no céu, esperando pela chance de mergulhar. Soltando um suspiro, coloquei Caera suavemente no chão e envolvi minha mão livre ao redor da base da asa direita do Velho Broke Beak.

Um estalo limpo ecoou nas paredes do cânion junto com o grito rouco do velho pássaro enquanto sua asa se projetava em um ângulo impossível. Trazendo o rosto do Velho Broke Beak para perto do meu, falei com calma.

— Se o pedaço do portal não estiver a um braço de distância de mim depois do seu próximo conjunto de instruções, a próxima coisa que eu irei quebrar será seu pescoço.

— S-sim… — ele ofegou antes de me dar um conjunto de instruções extensas. Como eu esperava, o chefe estava tentando ganhar tempo e desperdiçar minha energia na esperança de que eu acabasse com os Passo de Deus como as Garras Sombrias. As instruções do velho pássaro nos levaram mais para baixo no cânion, para uma caverna escondida, que era coberta por uma rede entrelaçada com penas e coberta de neve para que se misturasse perfeitamente com o ambiente. Se o chefe não nos tivesse guiado a este local exato, eu sabia que teria sido quase impossível encontrar a peça do portal.

— Para dentro do túnel, sempre em frente. — disse fracamente, sua perna esquerda quebrada arrastando na neve.

Ajustando Caera, que estava novamente pendurada no meu ombro, caminhei mais longe no túnel escuro e apagado até que se abrisse em um beco sem saída. Apesar de quão escura a cavidade era, eu mal conseguia ver a visão à frente, e o que vi me deixou sem palavras.

Empilhada como o tesouro de um rei ganancioso, havia uma coleção de moedas de ouro, joias preciosas e artefatos. E embora tenha me surpreendido no início, a visão desses tesouros inestimáveis me deixou ainda mais furioso.

Quantos ascendentes os Bicos de Lanças enganaram e mataram para conseguir tudo isso? Enquanto a pergunta estava na ponta da minha língua, outra parte de mim não queria ouvir a resposta do chefe.

— G-Grey?

Meus olhos se arregalaram.

— Caera! — abandonando Velho Broke Beak, abaixei a nobre Alacryana no chão e inclinei suas costas contra a parede da caverna. — Como se sente?

— Pesada e—

Caera soltou um suspiro afiado quando seus olhos caíram no Velho Broke Beak.

— Ele… por que ele está…

— Alguém precisava nos ajudar a encontrar a peça do portal. — disse com um sorriso suave. — Não se preocupe, ele não será capaz de fazer nada.

— A peça do Criador está aqui, sim! Mas difícil de ver sem luz, difícil de encontrar, disse o velho pássaro. — apontando para a pilha de artefatos com sua asa boa.

Deixando escapar um escárnio, fui em direção ao fundo da pilha, onde brilhava uma presença etérea particularmente forte. Momentos depois, eu tinha a lasca lisa de pedra branca na minha mão.

Caera soltou um suspiro enquanto afundava de volta na parede.

— Finalmente.

O Velho Broke Beak olhou estupidamente para a peça do portal que eu segurava antes de acenar com a cabeça.

— G-grande ascendente encontrou a peça. Velho Broke Beak será solto, sim?

— Não exatamente. — me virei para a nobre alacryana, apontando para a grande pilha de tesouros.

— Não temos muito tempo, mas não devemos desperdiçar isso. — Caera olhou para trás, para o Velho Broke Beak, cujos olhos tremiam de pavor, antes de me dar um sorriso malicioso.

Segurando o chefe Bico de Lança, deixei Caera vasculhar a pilha em busca de qualquer coisa que ela quisesse em particular.

Mesmo com o Anel Dimensional de Caera quebrado, esperava que ela tentasse pegar alguns artefatos, mas ela voltou carregando apenas um item.

— Isso é tudo que você está pegando? — perguntei a Caera, olhando para a braçadeira de metal fina que ela segurava em sua mão. Linhas fluíam através da peça simples da armadura, mas além de seu design elegante, eu não conseguia sentir o que ela poderia fazer.

— Hmm. — Quando a toquei, pude sentir que tentava absorver meu fogo da alma, explicou ela. — Não sei o que faz, mas entre os incontáveis artefatos que segurei, este é o primeiro que interagiu com essa parte do meu poder.

Dei de ombros.

— Tem certeza que não quer reivindicar mais nada? Mesmo que não valha a pena, você provavelmente pode ganhar muito ouro.

Caera deslizou a braçadeira sobre a mão esquerda, e eu poderia jurar que a faixa de metal encolheu para caber em seu antebraço. Ela ergueu seu novo artefato e me lançou um olhar altivo.

— Já tenho mais ouro do que posso me importar em gastar.

Revirei os olhos.

— Exibida.

Vendo Caera pegar apenas um item, Velho Broke Beak soltou um suspiro audível de alívio que foi interrompido quando eu imbuí éter em minha Runa Dimensional.

Em questão de segundos, a pilha de tesouro que era quase tão grande quanto um Quatro Punhos havia desaparecido completamente.

Caera gargalhou.

— Isso é se exibir.

— A-agora o Velho Broke Beak pode ir?

O chefe perguntou ao apertar o bico em uma raiva fervente.

Soltando seu pescoço, eu o empurrei para frente.

— Claro.

O velho pássaro mancava em uma perna, mal conseguindo evitar cair usando sua asa boa para se manter firme.

— É sensato deixá-lo ir tão cedo? — Caera perguntou, sua voz gelada.

— Tenho um plano, disse suavemente, me ajoelhando.

— Aqui, suba nas minhas costas.

— Es-está tudo bem. Devo ser capaz de correr em um minuto. — ela gaguejou, dando um passo fraco para trás.

Levantando uma sobrancelha, perguntei:

— Você prefere que eu a carregue como um saco de arroz, ou você desenvolveu recentemente a capacidade de se teletransportar também…

Depois de uma pausa, Caera pigarreou e lentamente colocou os braços em volta do meu pescoço.

— Obrigada. — disse, pressionando-se contra minhas costas enquanto eu me levantava.

— Regis. Pare de consumir meu éter até sairmos daqui. — enviei, tirando meu companheiro de seu estado de hibernação.

— Por que eu ligari – ooh la la… esse é com certeza o romance físico que vocês estão tendo. — cantou Regis.

— Cale a boca. — gritei.

Respirando fundo, voltei meu foco completamente para os arredores. Podia sentir o Velho Broke Beak mancando mais perto da saída.

Não tinha muito tempo.

— Caera, assim que eu der o Passo de Deus, vou precisar da sua ajuda. — disse.

— Claro.

Depois de explicar meu plano a ela, comecei a assimilar as informações fornecidas pelas incontáveis rotas de ramificação do éter, procurando uma em particular.

Ao mesmo tempo, trabalhei para reabastecer meu núcleo a ponto de poder dar o salto em distância com Caera.

Filtrando os arredores atados com éter, concentrei-me nas assinaturas únicas que cada um dos Bicos de Lanças tinha à medida que mais e mais deles chegavam à boca do túnel.

Não o suficiente… 

Minutos se passaram enquanto minha concentração continuamente mudava entre as rotas de éter e os Bicos de Lanças que estavam se acumulando lá fora. Podia sentir o coração de Caera batendo mais rápido contra minhas costas e até mesmo Regis permanecia em silêncio e tenso dentro de mim.

Agora!

O mundo mudou em um piscar de olhos enquanto tentáculos de um relâmpago violeta se enrolavam ao meu redor. Na minha frente estava o penhasco do cânion diretamente no topo da caverna secreta do Velho Broke Beak, pela qual tínhamos passado. Acima de nós estava um bando de Bicos de Lanças, cada um dos quais irrompeu em um frenesi de grasnidos e gritos de pássaro, as penas voando enquanto se chocavam em sua pressa vindo atrás de nós.

— Caera! — rugi enquanto girava em meus calcanhares.

Caera liberou as mãos, mantendo as pernas em volta da minha cintura enquanto eu começava a correr. Acendendo seu fogo da alma, ela lançou uma torrente de chamas negras bem na beira do penhasco, criando uma avalanche de neve, gelo e rocha em direção ao Velho Broke Beak e a grande parte de sua tribo que estava esperando na entrada da caverna para nos emboscar.

Um estrondo ensurdecedor ressoou pelo cânion, quase abafando os gritos e grasnidos de pânico dos Bicos de Lanças. O povo pássaro acima, no entanto, começou a nos seguir, mergulhando em filas pretas e cinzas, suas garras sinistras estendidas.

Evitei um par de Bicos de Lanças quando Caera disparou raio após raio de fogo negro, mas à medida que mais e mais deles começaram a nos cercar, fomos forçados a parar.

— Vou dar um Passo de Deus de volta para a direção da cúpula, mas vou precisar de alguns minutos se quiser ir longe o suficiente para perdê-los de vista! — disse sobre a cacofonia de Bicos de Lanças voando ao nosso redor em círculos.

Caera pulou das minhas costas, tropeçando quando seus pés atingiram o chão, mas foi capaz de se levantar.

— Alguns minutos podem ser tudo que eu posso reunir.

— Regis! Você pode se manifestar? — Perguntei esperançosamente.

— Não. Ainda inútil. — disse ele, atrapalhado.

Uma espessa mortalha de éter agarrou-se à minha pele assim que outro par de Bicos de Lanças começou a mergulhar em nossa direção. Os pássaros desengonçados que giravam no ar acima começaram a lançar listras de uma substância negra que tinha um vago brilho roxo.

Girando para a direita, bati na lateral do pescoço de um que estava mergulhando no momento em que tentava voltar para o ar, imediatamente antes de desviar de um fluxo de lama preta e fétida.

O lodo vil comeu a neve e o gelo, e parte da pedra abaixo dele, deixando um buraco com vários metros de profundidade.

— Bem, isso é novo. — comentou Regis.

Caera e eu ficamos mais juntos, costas com costas. Ela se concentrou em atirar nos pássaros que estavam liberando a descarga cáustica enquanto eu ficava na defensiva para continuar repondo minhas reservas.

— Quanto tempo… a mais? — perguntou, seu corpo enfraquecido pelo veneno começando a se cansar.

Pegando um Bico de Lança pelo pescoço, usei seu bico afiado para empalar um de seus próprios irmãos.

— Quase. — bufei, assim que um grito rouco familiar soou atrás de nós. Olhando para trás em direção à fonte do som, pude ver o Velho Broke Beak sendo carregado por dois Bicos de Lanças com um maior deles arrastando-se logo atrás deles. Estavam mantendo distância da cúpula de Bicos de Lanças que nos cercava.

— Claro que ele sobreviveu. — Caera zombou.

Estalei minha língua.

— Esperava que a avalanche os retardasse mais do que isso.

O chefe aleijado olhou para nós com fúria palpável quando começou a gritar com raiva para os membros de sua tribo e apontar para nós com sua única asa boa. Fiquei tenso em preparação para outra onda de ataques, mas fiquei surpreso ao ver os Bicos de Lanças permanecendo no ar, suas cabeças se movendo para a esquerda e para a direita enquanto olhavam para os membros de sua tribo com incerteza. Alguns mergulharam mais uma vez, mas sem a cáustica lama negra para apoiá-los, eles não tiveram a menor chance.

Isso pareceu deixar Velho Broke Beak ainda mais irritado, porque seus gritos roucos tornaram-se ainda mais altos e nítidos.

— Caera, pegue sua espada e jogue-a no chão. — disse.

Seu olhar mudou dos cautelosos Bicos de Lanças de volta para mim quando percebeu o que eu estava tentando fazer. Desembainhando sua lâmina vermelha, ela a cravou no chão.

O chefe aleijado ficou ainda mais furioso, seu corpo velho tremendo de raiva enquanto continuava a grasnar e gritar enquanto esfaqueava sua asa em nossa direção.

Os gritos incessantes do Velho Broke Beak foram repentinamente interrompidos quando um bico ensanguentado se projetou de seu corpo emplumado. Caera e eu olhamos, de olhos arregalados, enquanto o Bico de Lança com cicatrizes que voava logo atrás do chefe e seus dois ajudantes arrancaram seus bicos carmesins do peito de seu líder.

Dentro de mim, Regis deixou escapar um suspiro alto.

— Plot twist!

Os gritos do Velho Broke Beak se transformaram em gorgolejos enquanto o sangue escorria de seu bico rachado e seu pescoço comprido afundava no ar, seu olho violeta ainda arregalado em choque.

O único som que podia ser ouvido na parede de silêncio que nos cercava era o baque surdo do cadáver do Velho Broke Beak batendo no chão.

O assassino do chefe soltou um grasnido profundo que dispersou os Bicos de Lanças que nos cercavam. Lançando seus olhos violetas para mim, ele abriu o bico ensanguentado.

— Vá! — Ele meio que gritou.

Dando uma última olhada no lamentável cadáver do ganancioso chefe, abandonado por sua própria tribo, ergui os olhos para o responsável e acenei com a cabeça antes de ativar o Passo de Deus.

A jornada de volta à cúpula foi muito mais fácil do que nossa primeira viagem pela tundra tempestuosa. Apesar de termos caminhado pela neve a maior parte do caminho, dei Passo de Deus em intervalos para diminuir a distância.

Quando chegamos à cúpula, simplesmente dei um Passo de Deus para dentro dela, em vez de escavar novamente o túnel.

Não perdemos tempo. Retirei as quatro peças e Caera me ajudou a encaixá-las na moldura do portal. Ainda havia um pedaço quebrado com cerca de trinta centímetros de comprimento e dez centímetros de largura, mas eu tinha esperança de que o Requiem de Aroa fosse poderoso o suficiente para reconstruí-lo com as outras peças no lugar.

Soltei um suspiro profundo, tentando acalmar meu coração acelerado.

— É isso. — Caera murmurou, dando um passo para trás.

— Que rolem os tambores por f—

— Regis, eu juro… 

— Tá bem, tá bem.

Coloquei minha mão na pedra branca. A Runa Divina acendeu, lançando um brilho dourado pela plataforma. Partículas roxas, como um festival de vaga-lumes, fluíram de minha mão e cruzaram o arco, acumulando-se nas fendas onde as peças foram colocadas de volta no lugar. As rachaduras se fecharam, cicatrizando como uma ferida, até que as quatro peças pareciam nunca ter sido quebradas.

Corri um dedo sobre onde as rachaduras estavam. Era perfeito… exceto pela última peça que ainda estava faltando.

— Droga! — bati meu punho contra a moldura branca e lisa de nossa única saída, que continuou sua recusa teimosa em ativar.

Caera, que estava ao meu lado me olhando com expectativa, afundou. Girando, a nobre Alacryana deslizou pela borda da plataforma, sentando-se com as pernas penduradas.

Sentei-me ao lado dela. Entre nós, a adaga branca descansava na pedra branca, exatamente onde a havíamos deixado antes de correr inesperadamente para fora da cúpula perseguindo o Urso Fantasma. No andar abaixo de nós, os restos de nosso acampamento anterior ainda estavam dispostos. Havia uma fina camada de neve sobre tudo, de onde ela havia soprado no túnel até a cúpula.

— Isso significa que temos que voltar em busca desses Urso Fantasmas? — Caera perguntou, seu olhar também na pilha de roupas de cama abaixo de nós. Balancei a cabeça, os dentes rangendo com a ideia de vasculhar as planícies intermináveis de neve em busca da última peça. Em um esforço para me distrair, peguei a adaga branca e comecei a girá-la em minhas mãos. Parecia exatamente como no dia em que a recuperei do covil do milípede.

Apesar de quantas vezes eu a tinha usado, a lâmina branca de osso não mostrava sinais de desgaste. Por hábito, coloquei éter nela mais uma vez quando algo bateu na pilha de ossos na base da escada.

Pondo-me de pé, corri para a borda da plataforma, a adaga segurada diante de mim e já zumbindo com uma fina camada de reforço de éter.

Meus olhos dispararam da pilha de oferendas para a porta, então fizeram uma varredura no espaço cavernoso e vazio.

Quando não encontrei nada, olhei de volta para a pilha de ossos. Sentado em cima dela, onde claramente não estava um momento atrás, estava um pedaço de pedra com um brilho fraco. Pulei escada abaixo em um único salto e estendi a mão para pegá-lo.

Minha mão tremia enquanto eu segurava a peça final.

— Is-isso…

— E você diz que não tem sorte. — zombou Regis.

Caera correu para o meu lado, sua lâmina estendida e voltada para mim enquanto sua cabeça se virava, constantemente em busca de algo. Foi quando a criatura se revelou.

Parado na frente da porta, onde apenas um instante antes não havia nada, eu agora podia ver um enorme urso branco como a neve. Como o outro que tínhamos visto, tinha uma crista espessa de osso projetando-se da testa e dos ombros e, quando se movia, apresentava um brilho perolado sutil.

Levantei a peça do portal e segurei na minha frente, meus olhos treinados no Urso Fantasma, atentos a qualquer movimento ou sinal de ataque. O instinto me disse que essa criatura estava nos dando a peça, mas eu ainda queria estar pronto caso se tornasse hostil.

— Obrigado. — disse, mantendo minha voz equilibrada apesar da aceleração do meu batimento cardíaco.

O Urso Fantasma bufou, um estrondo profundo que vibrou nas solas dos meus pés. Seus olhos roxos escuros encontraram os meus e então ele se foi, ou melhor, ficou invisível, tinha certeza. Apesar de saber que estava lá, eu não conseguia ver ou ouvir. Observei o chão da cúpula, mas de alguma forma ele conseguia evitar até mesmo perturbar a poeira de neve ao redor da porta.

O mais impressionante de tudo foi o fato de que eu não conseguia ler sua assinatura de éter.

Me pergunto o que seria necessário para aprender esse truque, pensei preguiçosamente.

Depois de esperar alguns momentos para ter certeza de que o Urso Fantasma tinha ido, segurei a peça do portal para inspecioná-la com mais cuidado. O pedaço de pedra branca e sedosa mostrou parte de uma árvore. Havia um filhote de urso cheirando uma flor em sua base.

— Grey. Aquele era… o mesmo Urso Fantasma que perseguimos pela primeira vez? — Caera perguntou, seus olhos ainda fixos no último lugar que ela viu o Urso Fantasma.

— Não. O que vimos pela primeira vez não foi capaz de esconder sua assinatura de éter. Este é muito mais habilidoso. — expliquei, estremecendo com a ideia de tentar lutar contra uma tribo inteira de sua espécie.

Caera olhou para a peça do portal, franzindo ligeiramente a testa.

— Então não seria surpreendente se esses Urso Fantasmas estivessem nos observando e quisessem evitar um conflito.

— Seja qual for o caso… — cruzei os olhos com Caera e sorri amplamente, algo que não fazia há muito tempo. — Nós conseguimos.

Os olhos escarlates de Caera se arregalaram de surpresa, mas ela sorriu de volta.

— Nós conseguimos.

— Eu tocaria uma música de fundo para combinar com você, mas talvez devêssemos guardar este momento sincero para depois de tentarmos o portal novamente? — Regis interrompeu.

Pigarreando, voltei para a plataforma, caminhei até a moldura do portal e coloquei a peça final no lugar. Minha Runa Divina brilhou quando, mais uma vez, as partículas de éter fluíram para as fendas e as selaram.

Afastei-me da moldura do portal e prendi a respiração.

A energia crepitante apareceu dentro do arco, entrando e saindo de foco por alguns segundos antes de se materializar em um portal claro. Do outro lado, podia ver uma pequena sala branca, limpa e brilhante.

 


 

Tradução: Reapers Scans

Revisão: Reapers Scans

QC: Bravo

 

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